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Jesus não foi soldado, nem estadista, nem comerciante. Ele era mestre, único e incomparável,
mas mestre (Mateus 4:23). Aqueles que o ouviram ficaram "maravilhadas da sua doutrina;
porque ele as ensinava como quem tem autoridade e não como os escribas" Mateus
7:28-29). Mesmo seus inimigos relatavam que jamais tinham ouvido um homem falar como
Ele (João 7:46). E por que não? Ele era a mensagem do céu encarnada -- o Verbo se fez carne
(João 1:14). Em Jesus os homens viam, com também ouviam, a verdade. Palavra,
pensamentos e atos eram maravilhosamente unidos nele. E em sua voz estavam os confiantes
ecos da eternidade. Ele tanto sabia, como era, a própria Verdade (João 14:6).
Como mestre, a missão do Filho de Deus era revelar o coração de seu Pai aos homens, para
que conhecessem e entendessem sua graciosa vontade para as vidas deles. Tal entendimento
não poderia ser criado por divino "faça-se". As maravilhas que Jesus fazia eram notáveis, mas
serviam apenas para confirmar sua mensagem (João 3:1-2) que, como a verdadeira fonte da
energia salvadora de Deus (Romanos 1:16), tinha, finalmente que ser aceita e entendida como
eficaz (João 6:44-45). Por toda sua magnífica demonstração de poder divino, os milagres não
poderiam forçar esse entendimento. Tinha que ser atingido por instrução paciente e muitas
vezes laboriosa que, mesmo depois de longas horas, dias e meses era submetida a completa
rejeição.
Mas por amor perseverante de seu coração Jesus buscava fazer com que todos os homens
entendessem, e escolhia abordagens que eram notáveis por sua simplicidade. Ele pegava os
homens onde eles estavam e buscava levá-los a onde era necessário que estivessem. Ele se
valia do conhecimento deles deste mundo para ensinar-lhes sobre o porvir. Nada há no estilo
de Jesus como professor que seja maior expressão disto do que suas parábolas, e aqueles que
quiserem entender Jesus precisam chegar finalmente a entender aquelas poderosas histórias
ilustrativas que se tornaram o veículo característico de tantas de suas lições. As parábolas de
Jesus passaram para a História e se tornaram parte intrínseca de nossa cultura. Ele poderia ter
sido imortalizado nos relatos da literatura apenas por causa delas. Se não fosse por toda sua
celebridade, elas seriam tão pouco entendidas por esta geração como por aquela à qual foram
dirigidas primeiro.
"Parábola", a forma aportuguesada da palavra grega, parabole, vem de um verbo grego que
significa "atirar para o lado". Uma parábola é uma história que coloca uma coisa ao lado de
outra com o propósito de ensinar. É uma comparação, colocando o conhecido ao lado do
desconhecido. Memoravelmente expressada, ela é "uma história terrestre com um significado
celestial".
A palavra grega para parábola ocorre cerca de cinqüenta vezes no Novo Testamento, somente
duas vezes fora dos evangelhos (Hebreus 9:9 e 11:19, onde é traduzida como
"figuradamente"). Em Lucas 4:23 ela é traduzida "provérbio" (RA2,NVI). É conhecida
característicamente como uma narrativa "um pouco longa ... tirada da natureza ou das
circunstâncias humanas, o objeto da qual é dar uma lição espiritual" mas também é "usada
como um breve ditado ou provérbio" (W. E. Vine, Expository Dictionary of NT Words, p. 158).
Por causa da incerteza do que exatamente constitui uma parábola, as listas das parábolas de
Jesus que têm sido compiladas variam em extensão de acordo com o julgamento do
compilador. As listas mais longas incluem tais ilustrações como "o bom pastor" (João 10) e "os
dois construtores" (Mateus 7:24-27). As listas mais curtas excluem-nas.
Se não podemos determinar com exata certeza se algumas ilustrações de Jesus merecem ser
chamadas parábolas, há algumas coisas sobre parábolas que estão fora de dúvida.
Parábolas não são fábulas ou mitos. Não há elementos irreais ou situações impossíveis nelas.
De fato, sua força está em serem absolutamente concebíveis e na plausibilidade das
circunstâncias que elas descrevem. Elas falam de situações familiares, da vida real.
As parábolas são mais do que provérbios, ainda que às vezes semelhantes em propósito. Nos
evangelhos, os provérbios são referidos às vezes como "parábolas": "Médico, cura-te a ti
mesmo" (Lucas 4:23); "Ora, se um cego guiar outro cego, cairão ambos no barranco"
(Mateus 15:14-15); "Ninguém tira um pedaço de veste nova e o põe em veste velha;"
"E ninguém põe vinho novo em odres velhos..." (Lucas 5:36-37). Mas um provérbio é
caracteristicamente um ditado curto e direto, cujo significado é evidente. Uma parábola tende
a ser mais longa, mais envolvida, e o significado não tão facilmente visto.
Jesus, até onde sabemos, não começou a ensinar por parábolas antes do fim do segundo ano
de seu ministério público (há uma única exceção, Lucas 7:41-42). Foi na presença de uma
imensa multidão próximo do Mar da Galiléia, e suas comparações ilustrativas vieram com um
ímpeto que surpreendeu seus discípulos (Mateus 13). Em histórias maravilhosamente
concretas e simples, Jesus revelou aos seus seguidores os mistérios do reino do céu. Era
apenas o começo. Este é um convite para estudar aquelas narrativas maravilhosas que nos
convidam a olhar para o próprio coração de Deus.
Quando Jesus, chegando ao fim do Seu segundo ano de pregação pública, derramou à beira do
Mar da Galiléia aquela maravilhosa série de parábolas ilustrando a natureza do reino do céu,
seus discípulos ficaram tão confusos com elas que lhe perguntaram em particular, "Por que
lhes falas por parábolas?" (Mateus 13:10; Marcos 4:10).
Mateus diz que Jesus falava por parábolas em cumprimento da profecia: "Abrirei os lábios
em parábolas e publicarei enigmas dos tempos antigos" (Mateus 13:34-35; Salmo
78:2). O propósito das parábolas era revelar as verdades ocultas do reino de Deus, porém não
a todos. Ao coração honesto, estas histórias ilustrativas trariam mais luz mas, aos orgulhosos
e rebeldes, elas criariam mais confusão (Mateus 13:11-17). Esse é o significado da declaração
de Jesus que "Porque a vós outros é dado conhecer os mistérios do reino dos céus,
mas àqueles não lhes é isso concedido" (Mateus 13:11). Isto não tem referência a alguns
tipos de predestinação calvinista arbitrária, mas a um princípio que enche as páginas do Velho
Testamento. Isaías fala fortemente disso. "Porque assim diz o Alto, o Sublime, que habita
a eternidade, o qual tem o nome de Santo: Habito no alto e santo lugar, mas habito
também com o contrito e abatido de espírito, para vivificar o espírito dos abatidos e
vivificar o coração dos contritos" (Isaías 57:15). "... mas o homem para quem olharei
é este: o aflito e abatido de espírito e que treme da minha palavra" (Isaías 66:2). E
quanto ao orgulhoso, Isaías diz que na vinda do reino messiânico "Os olhos altivos dos
homens serão abatidos, e a sua altivez será humilhada..." (Isaías 2:11).
A passagem que Jesus cita para explicar sua súbita reversão a parábolas (Isaías 6:9-10) fala
da degradação espiritual dos israelitas, do orgulho e da teimosia de coração que tornaram
impossível para eles continuar a ouvir e entender as palavras de Deus. Jesus diz simplesmente
que era uma profecia que tinha sido liberalmente cumprida em seus próprios ouvintes. Toda a
sabedoria que eles ouviram de sua boca e todas as maravilhas que viram de sua mão nada
tinha significado porque "o coração deste povo está endurecido, de mau grado ouviram
com os ouvidos, e fecharam os olhos;" (Mateus 13:15).
As parábolas eram um abanador nas mãos do Filho de Deus, que limparia sua eira da palha
enquanto purificava o trigo. Elas eram uma penetrante espada de dois gumes para determinar
se o coração de Seus ouvintes era orgulhoso ou humilde, teimoso ou contrito (Hebreus 4:12).
Esse é o significado de seu "Pois ao que tem se lhe dará, e terá em abundância; mas ao
que não tem, até o que tem lhe será tirado" (Mateus 13:12). Aqueles que possuíam
humildade mental estavam destinados a ter um entendimento rico e verdadeiro do reino do
céu, mas aqueles que não tinham nada, ou pouco desse espírito, estavam destinados a perder
até o pouco entendimento que tinham.
O evangelho do reino está assim moldado para atrair e informar os humildes, enquanto afasta
e confunde os orgulhosos. Ouvir a palavra de Deus é uma experiência dinâmica. Seremos ou
melhores ou piores por ela. O mesmo sol que derrete a cera endurece a argila. Mas isso é a
escolha que o estudante, não o mestre, faz. As parábolas não tornarão orgulhoso um coração
humilde, mas podem tornar humilde um coração orgulhoso, se estivermos dispostos a permiti-
lo. Isso, certamente, é o desejo maior do Salvador dos homens.
O significado das parábolas nem sempre foi patentemente evidente, mesmo para o coração
humilde, mas a mesma história que afastou o altivo rindo presunçosamente, trouxe de volta o
humilde fazendo perguntas. Os discípulos de Jesus não entenderam porque Ele começou
subitamente a ensinar exclusivamente por parábolas (Mateus 13:10, 34-35), ou o que Suas
histórias incomuns significavam, mas tinham aquela simplicidade de coração que os trouxe de
volta pedindo mais informação (Mateus 13:36; Marcos 4:10; Lucas 8:9). Também temos essa
escolha. Quando somos confrontados com alguma declaração desafiadora da Escritura,
podemos tanto sair em desespero e confusão, ou ficar ali pacientemente para aprender mais.
Nossa resposta revelará se nos é dado saber os mistérios do reino de Deus e que tipo de
coração temos.
Depois que o Senhor ensinou sua grande parábola do Pastor e o aprisco, um discurso que
parece ter feito no inverno que antecedeu a primavera de sua morte (João 10:1-18), seus
críticos se queixaram de que seu ensinamento era obscuro e confuso e que ele deveria dizer-
lhes em linguagem clara se ele era o Cristo ou não. A réplica de Jesus foi direta: Já lhes disse
numa centena de modos, mas nenhuma delas será bastante, porque vocês simplesmente não
acreditam; e não acreditam porque não são minhas ovelhas (10:24-26). O Filho de Deus não
estava interessado em meter pela goela abaixo dos homens descrentes o que eles
positivamente não queriam. Este grande Pastor estava chamando somente aqueles que
queriam ouvir sua voz e segui-lo (10:27). Para os demais suas palavras seriam apenas
palavrório sem significado; não porque o fossem, mas porque seus ouvidos carnais não
afinavam com as coisas espirituais.
Como já temos observado, as parábolas de Jesus nunca apelavam muito para as pessoas que
já se achavam sábias. Elas serviam simplesmente para apagar as pequenas luzes que tais
pessoas tinham. Mas isso estava bem, porque o Senhor não o estava chamando, de qualquer
modo, e o tempo havia chegado pelo terceiro ano do seu ministério público para afastar os
eternos críticos, os curiosos, os freqüentadores habituais descuidados que não tinham real
interesse no reino de Deus. Era chegada a hora quando os verdadeiros discípulos tinham que
ser reunidos em volta dele e preparados para o inimaginável horror que viria.
Concordando, Edersheim (Life and Times of Jesus the Messiah, Vol. II, pág. 579, 580)
classifica as parábolas de Jesus segundo uma escala contínua de crescente hostilidade dos
seus oponentes:
• As sete parábolas de Mateus 13 sobre a natureza do reino de Deus (no final do segundo
ano) foram ditas logo depois que os fariseus tinham recorrido a descartar os milagres
de Jesus com a explicação de que eram demoníacos (Mateus 12:22-34).
• As parábolas ditas depois da transfiguração (terceiro ano) são encontradas em Lucas,
capítulos 10-16 e 18. Estas são sobre o reino, mas têm um impulso admonitório e um
tom de controvérsia, em resposta à crescente inimizade dos fariseus.
• Há oito parábolas (Mateus 18, 20-22, 24, 25 e Lucas 19) nas quais o elemento
controvérsia domina e o aspecto evangelista recua. Elas pegam o tema de julgamento.
A. B. Bruce (The Parabolic Teachings of Christ) as vê também naturalmente divididas em três
grupos, mas de acordo com a obra de Jesus como Mestre, Evangelista e Profeta.
• As parábolas de ensinamento têm a ver com a obra do Senhor no treinamento dos
Doze: parábolas sobre o reino (Lucas 11:5-8 e 18:1-8); e três parábolas que se
relacionam com o labor e o galardão no reino: Trabalhadores da vinha (Mateus 20:1-
16), Talentos (Mateus 24:24), Minas (Lucas 19:12).
• As parábolas de evangelismo incluem aquelas que mostram o amor de Deus pelos
pecadores: Os dois pecadores (Lucas 7:40). Ovelha perdida, moeda perdida, filho
perdido (Lucas 15). O fariseu e o publicano (Lucas 18:9-14). A Grande Ceia (Lucas
14:16), o Bom Samaritano (Lucas 10:30), o Administrador Infiel (Lucas 16:1). O
Credor Incompassivo (Mateus 18:23).
• As parábolas proféticas contêm mensagens de julgamento divino e incluem: A Figueira
Estéril (Lucas 13:6). Os Lavradores Maus (Mateus 21:33). Casamento do Filho do Rei
(22:1). Dez Virgens (25:1). Rico Tolo (Lucas 12:16).
Ainda que a análise de Bruce não seja exata, ela nos dá algumas sugestões úteis sobre como
relatar o que Jesus estava tentando fazer durante os meses de encerramento de sua obra,
quando tantas forças estavam chegando a uma convergência final.
As parábolas de Jesus devem ser abordadas naturalmente, tomando cuidado para não
desencaminhá-las de seu simples propósito. Elas são histórias ilustrativas geralmente
concebidas para ter três partes básicas: Uma ocasião histórica que produziu a parábola. A
história ou narrativa. E a lição principal a ser extraída dessa história. Com isto em mente,
olhemos para certas regras importantes a seguir na busca das mensagens individuais das
parábolas.
Estude a parábola em seu contexto histórico para determinar por que foi contada.
Todas as parábolas foram primeiro contadas a uma determinada audiência numa ocasião
específica. Por exemplo, a história do Bom Samaritano foi ocasionada pela queixa de certo
advogado a Jesus, que era difícil amar seu próximo quando não podia imaginar quem ele era
(Lucas 10:25-30), e as três maravilhosas parábolas sobre as coisas perdidas em Lucas 15
foram uma resposta aos ataques feitos contra Jesus pela "má companhia" que ele estava
mantendo (versículos 1-2). Às vezes esta informação de pano de fundo está faltando e o
significado de uma determinada parábola precisa ser buscado na informação mais ampla dos
Evangelhos, mas, quando presentes, as circunstâncias nas quais uma parábola foi contada nos
dão uma indicação mais certa quanto ao propósito do Senhor para sua história. O contexto
precisa sempre governar o texto.
Procure a verdade principal que a parábola pretende ensinar. Muitas parábolas
pretendem desenvolver apenas um ponto, e não ser um veículo para todo o esquema da
redenção. Lições secundárias podem muitas vezes ser legitimamente extraídas de uma
parábola, mas isto deve ser feito com cuidado e somente depois que a mensagem principal
tiver sido determinada.
Não tente estabelecer uma posição doutrinária somente por uma parábola. Há muito
que é esclarecido para nós pelas parábolas de Jesus, mas precisam sempre ser entendidas à
luz dos ensinamentos claros da Escritura, nunca em contradição com ela. Estas ilustrações são
mais destinadas a serem janelas do que pedras de fundação. Elas não declaram tanto uma
doutrina quanto ilustram uma faceta significativa dela.
Jesus certamente viveu mais cônscio do mundo no qual ele andava do que qualquer outro
homem antes dele. E de tudo que o rodeava ele tirou ricas metáforas, que fizeram dele um tão
irresistível ilustrador e mestre.
O Senhor começou cedo, nos seus discursos públicos, a falar com conhecimento de
pescadores, agricultores, pastores e comerciantes. Ele tirou expressivas comparações do
mundo dos reis e dos príncipes, dos servos e dos pobres, sacerdotes e publicanos, juízes e
ladrões. Ele encontrou lições na relva e nas flores, no vento e na rocha. Ele falou muito de
vinhas e trigais, de joio, de espinhos e de cardos. Ele conhecia bem o lugar da raposa e o
caminho dos lobos e das ovelhas. E falou especialmente do lar, de sal e de lâmpadas, de
cozinha e de limpeza, de festas e de casamentos, de pais e de filhos. E suas palavras eram
maravilhosas, pelo modo como tornavam a vontade do céu tão real e clara.
Muito do que Jesus disse tão expressivamente não estava nas parábolas clássicas, mas em
dizeres e ilustrações que eram semelhantes a elas. A. B. Bruce chama-as "germes de
parábolas" e G. Campbell Morgan intitula-as "ilustrações parabólicas". Muitas são simples
metáforas passageiras que acrescentam clareza a um pensamento, um ensinamento. A
primeira aparece no chamado do Senhor a quatro galileus para se tornarem "pescadores de
homens" (Mateus 4:19). O Sermão do Monte está literalmente cheio destas ricas analogias,
comparações que fazem o pensamento virtualmente saltar da página. É a estas "parábolas"
embrionárias de Jesus que queremos dar nossa atenção.
Os amigos do noivo (Mateus 9:15)
Subitamente, no meio da crescente popularidade do segundo ano de pregação do Senhor, de
sucesso do grande ministério galileu, os sinópticos (Mateus, Marcos e Lucas) interrompem sua
história para nos dizerem que nem tudo vai bem. Em Mateus 9, Marcos 2 e Lucas 5, cada um
começa pela primeira vez a falar da crescente oposição a Jesus nos meios judaicos influentes.
Ele não se ajustava confortavelmente ao mundo tradicional deles. Seu ambiente e
comportamento completamente não ortodoxos deixavam os líderes judeus muito
desconfortáveis, mas sua proposta para .perdoar os pecados de um paralítico em Cafarnaum
deixou a equipe de observadores enviados de Jerusalém quase apoplécticos! Aquilo era
blasfêmia! (Mateus 9:1-8; Marcos 2:1-12: Lucas 5:17-26). Eles não podiam dizer mais nada,
mas Jesus tinha curado completamente o homem diante dos próprios olhos deles!
As coisas não melhoram mais tarde, quando ele selecionou Mateus, o publicano, como um dos
seus associados e então passou a tarde festejando alegremente com outros tipos também de
má reputação (Mateus 9:27-32).
Foi ali, talvez perto da porta da casa de Mateus, que os fariseus, numa e estranha ligação com
discípulos de João, perguntaram-lhe porque eles e os discípulos de João jejuavam enquanto
seus próprios seguidores estavam festejando e regozijando (Mateus 9:14; Marcos 2:18; Lucas
5:33). Jesus respondeu que não era certo que os amigos do noivo lamentassem na festa do
casamento enquanto o noivo estava com eles. Haveria tempo bastante para jejuar e ficar
triste, ele disse, quando seu amigo fosse tirado deles.
Os fariseus e os discípulos de João tinham tentado julgar Jesus pelos seus próprios padrões.
Quem deu a ele o direito de quebrar as conveniências? Que tipo de homem santo era este, que
passava seus dias festejando? Precisa-se entender os discípulos do Batista. Com João
definhando na prisão de Herodes, eles sem dúvida achavam jejuar mais apropriado do que
festejar e talvez tivessem sido levados a admirarem-se da aparente despreocupação de Jesus.
Os fariseus, por outro lado, eram apenas ritualistas despreocupados que tinham um hábito de
procurar crédito com Deus duas vezes por semana (Lucas 18:9-12; a tradição dizia que Moisés
subiu ao Sinai na segunda-feira e desceu na quinta-feira). Isso nada tinha a ver com seus
corações ou as realidades espirituais de suas vidas. Seus jejuns, como aqueles dos antigos
israelitas (Isaías 58:1-9), não tinham nenhuma ansiedade para com Deus.
Jejuar fazia algum sentido para os discípulos de João. A mensagem do seu mestre tinha sido
um chamado ao arrependimento. Havia conforto nela, mas um conforto moderado. O reino do
céu estava próximo, mas quem estava preparado para encontrá-lo? Era uma mensagem
necessária, mas não era tudo o que o céu tinha a dizer.
E era inteiramente adequado que os fariseus jejuassem, pois o caminho do Senhor era para
eles uma pesada carga a suportar. Eles certamente nada sabiam do que Jesus descrevia como
"uma fonte a jorrar para a vida eterna" (João 4:14).
Mas estarem tristes não era direito para os amigos do Noivo. Jesus havia vindo para trazer
plenitude de alegria (João 15:11). E era a alegria do maior casamento de todos, o casamento
da terra e do céu! Chegaria o dia quando haveria necessidade de dizer aos seus discípulos que
jejuassem; a tempestade que tiraria o Noivo deles já estava se formando. Mas até mesmo isso
não seria capaz de afastar a profunda paz, a alegria exultante que ele lhes tinha dado (João
14:27-28; 15:11; 16:21-22). A festa de casamento recomeçaria finalmente numa explosão de
triunfo, começando com um túmulo vazio e terminando com um esplendor de glória eterna
(Apocalipse 19:6-9; 21:1-4). Cristãos, regozijem!
A questão levantada pelos discípulos de João sobre os modos festivos de Jesus e seus
discípulos num tempo que eles viam como cheio de tragédia (Mateus 9; Marcos 2; Lucas 5)
mais tarde apareceu numa inquirição queixosa do próprio prisioneiro João: "És tu aquele que
estava para vir ou havemos de esperar outro?" (Mateus 11:3). Era o grito ansioso de
alguém cujos sofrimentos tinham-no aparentemente feito duvidar por um momento do próprio
Rei e do reino que ele próprio tinha proclamado. Depois de responder a pergunta de João,
Jesus falou de sua incomparável grandeza à multidão reunida e então repreendeu-a,
observando que eram pessoas como crianças teimosas em seus jogos, que se recusavam a
brincar de casamento ou de funeral (Mateus 11:16-19). João tinha vindo jejuando e vivendo
isolado e eles tinham dito que ele era possuído por um demônio. Jesus veio festejando e
vivendo livremente entre eles, e tinham se queixado que ele era glutão e comparsa de
pecadores!
É inquestionável que Jesus identificava sua missão e sua mensagem como sendo de alegria.
Ele é o verdadeiro noivo que nos convidou para uma festa de casamento. Ele veio trazer paz
aos perturbados, perdão para os culpados, alegria para os abatidos, liberdade para os
escravizados (Isaías 61:1-3). A mensagem e o jejum de João e seus discípulos tinham sido
inteiramente apropriados a tempo -- e ainda é -- quando homens e mulheres, em sua teimosia
e orgulho, precisam arrepender-se e humilhar-se diante de um santo e justo Deus. Mas não
faz sentido para aqueles que se arrependeram em profundo remorso continuar o funeral
quando "... o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo" chegou (João 1:29).
É irônico que foi o próprio João Batista que antes tinha dito, "Eu não sou o Cristo.... o
amigo do noivo que está presente e o ouve muito se regozija por causa da voz do
noivo. Pois esta alegria já se cumpriu em mim. Convém que ele cresça e que eu
diminua" (João 3:28-30). Por que estavam os discípulos deste próprio João jejuando e
lastimando? Porque ainda não tinham crido que Jesus era o Cristo de Deus. Em suas mentes
duvidosas, o "noivo" ainda não estava com eles. Diferindo do seu mestre, ainda não tinham
chegado a saber e regozijar nele.
Ainda há pessoas que têm dificuldade para passar de João a Jesus. É certamente verdade
quanto aos membros do partido "Batista", que defendem seu nome e espírito sectário
apelando para João Batista, ao invés de Cristo. Pode ter sido uma vez apropriado ser um
discípulo do Batista mas, agora que o próprio Filho de Deus veio, isso é totalmente sem
justificação (Atos 19:1-5). João teria sido o primeiro a reprová-lo. Atos 11:26 diz: "foram os
discípulos... chamados cristãos".
O mesmo é verdade quanto a todos os que reverenciam homens que falam de Cristo, acima do
próprio Cristo. Não há, absolutamente, nenhuma defesa para homens alegremente chamando-
se luteranos ou wesleyanos, e outras coisas, ou, mais sutilmente, tranqüilamente estimando
pregadores contemporâneos e seus julgamentos acima da pessoa e vontade de Deus.
"Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor" (1 Coríntios 1:31; veja 1:11-13).
Mas há um problema, ainda mais fundamental, abordado na resposta de Jesus aos discípulos
de João. Jesus disse que estar com ele era ter alegria. Contudo, há cristãos que aceitaram o
convite para a festa de casamento do Senhor, mas parece que não estão querendo sair da
marcha fúnebre. Eles parecem determinados a viver em perpétua aflição e desespero pelas
suas imperfeições e fracassos. O convite do Senhor para comemorar e exultar em sua
misericórdia certamente não é chamar para viver com ocasional indiferença pelo pecado, nem
é também um chamado para um perpétuo bater nos peitos, uma vez que nos arrependemos e
buscamos seu magnânimo amor.
Não é adequado que cristãos vivam na presença do próprio Senhor como povo derrotado e
desesperado. Tal comportamento se torna uma injúria contra sua benignidade.
Não é adequado também que o povo de Deus tenha que servi-lo como "escravos indo
açoitados para o seu calabouço", cumprindo seu serviço a Ele como um dever oneroso e
opressivo. Tal conduta é uma difamação de sua graça, uma acusação que desonra seu amor.
Para viver verdadeiramente na feliz companhia do Filho de Deus terá de saber que seu jugo é
suave e seu fardo é leve (Mateus 11:30).
Pode não ser possível, na verdade, dominar uma emoção, mas é possível decidir olhar
sinceramente para as grandes verdades sobre Deus que, se assim fizermos, nos trarão alegria
inevitável. Assim Paulo diz aos filipenses, "Alegrai-vos sempre no Senhor; outra vez digo:
alegrai-vos" (Filipenses 4:4). Simplesmente, não é certo para os cristãos estarem
perpetuamente tristes e desconsolados, quaisquer que sejam suas cargas. Paulo está certo em
dizer que há bastante alegria em Cristo para suplantar completamente todas as nossas
tristezas. Como o próprio nosso Senhor disse, há algumas coisas que justamente não são
adequadas quando estamos vivendo na amável companhia do Rei do universo.
Quando Jesus disse ter vindo para "lançar fogo sobre a terra" Lucas 12:49) e não para
"trazer paz, mas espada" (Mateus 10:34), como falou verdadeiramente! Ele não se ajustava
aos modos familiares do mundo ao qual veio. Mesmo o mais revolucionário pensamento de seu
tempo não poderia contê-lo. Suas palavras e modos eram transcendentemente diferentes,
inquietantes, ameaçadores. Não poderia haver uma síntese calada do velho e do novo,
somente uma colisão descomprometida que conduziria inevitavelmente a rebelião ou rendição.
Alguns viriam a gostar do novo, outros a odiá-lo.
Em suas três analogias, em Mateus 9:14-17 (Marcos 2:18-22; Lucas 5:33-39), Jesus responde
aos seus críticos gentilmente, mas ilustra o inevitável do conflito: como pode pano novo ser
usado para remendar roupa velha? Como pode o explosivo vinho novo ser contido em velhos e
inflexíveis odres?
O provérbio de Jesus sobre o remendo novo na roupa velha saiu facilmente de sua própria
vida. Aquele que "não tinha lugar para repousar sua cabeça" não deveria desconhecer vestes
remendadas. E todos sabiam que uma tentativa de remendar uma roupa gasta com pano novo
levaria a dois desastres, um estrutural e outro estético. O pano novo encolheria com a
primeira lavagem e aplicaria tal tensão sobre o pano velho que faria um rasgo maior do que
antes (Marcos 2:21); e, por sua própria novidade, o remendo novo faria com que a roupa
velha parecesse ainda mais desbotada e velha (Lucas 9:36). Às vezes, o velho é irreparável e
tem simplesmente que ceder lugar ao novo.
O judaísmo rabínico, com suas corrupções farisaicas, estava além da recuperação. Sua atitude
estava totalmente tão afastada do espírito da lei e dos profetas que o único meio de ir além
dela era saindo dela. E ainda que a mensagem de arrependimento e de abatida contrição de
João fosse de Deus e vital para o seu tempo, ela era preparatória, e não permanente (Atos
18:25-26; 19:1-5). O novo caminho de Jesus era um pano inteiro e não uma colcha de
retalhos. Ele não tinha vindo para enxertar suas novas verdades no esfarrapado tecido
religioso das tradições humanas e ímpias atitudes, ou para sentar-se imóvel a uma das
paradas da estrada do propósito eterno de Deus. Tivesse feito isso e teria destruído tudo. Em
Cristo, todas as coisas teriam que ser novas (2 Coríntios 5:17).
A incredulidade judaica vigente recusou-se a renunciar aos seus caminhos tradicionais para
receber a palavra de Deus, e crucificou Jesus. Os judaizantes da igreja primitiva relutavam em
deixar a lei pelo evangelho e, em seu esforço para acomodar o evangelho à lei, manobraram
para rasgar e destruir tudo (Gálatas 1:6-9; 5:3-4). A mesma disposição mental vive hoje.
Velhos e ímpios caminhos, recusando a entregar a alma, nos desafiarão a acomodar o
evangelho a eles ou a sair. Nesses momentos precisamos correr, e não andar, para a saída
mais próxima.
O terceiro destes provérbios que Jesus usa para responder a seus críticos simplesmente
reforça a mensagem dos dois primeiros: certas coisas não se ajustam. Os homens, ele disse,
não colocam vinho novo, ainda fermentando e expandindo, em velhos e ressecados odres
porque eles se rasgariam e seriam destruídos e o vinho novo escorreria e se perderia (Mateus
9:17). O Senhor está advertindo que mentalidades rígidas custarão aos homens a
incomparável qualidade especial do evangelho. Porque ela é imprevisivelmente nova e
inimaginável (1 Coríntios 2:9) e não se ajusta confortavelmente nos trilhos familiares, estamos
demasiado dispostos a tentar forçá-la, através de nossas categorias congeladas, até que ela
saia parecendo mais com o que esperávamos e desejávamos que fosse. Não há meio melhor
do que este para simplesmente derramar no chão o precioso vinho novo do reino eterno de
Deus.
Precisamos estar atentos a um conservadorismo tão insensato que pensemos que o melhor
modo de permanecer firmes na fé seja manter as coisas como estão. Que tudo está bem e
bom se o modo como as coisas estão é como o Senhor quer que estejam; mas se não,
precisamos juntar armas a bagagem e ficar prontos para uma longa jornada naqueles novos
lugares onde o Senhor pretende que estejamos. O vinho novo do evangelho não é destinado a
nos deixar confortáveis, mas a nos fazer novos.
Alguns fizeram um uso infeliz da afirmação de Jesus a propósito do vinho novo e dos odres
velhos. Para eles, os odres velhos freqüentemente representam aqueles modos pelos quais, no
Novo Testamento, os discípulos então fizeram as coisas, e o vinho novo simboliza idéias
modernas que são mais atraentes para os homens e as mulheres da geração corrente. Eles
precisam ser lembrados que todos os modos dos cristãos primitivos que não foram
simplesmente um reflexo das condições do seu tempo (a lavagem dos pés como um ato de
hospitalidade, um beijo para saudação, etc.) eram o produto da vontade radical de Cristo e os
imutáveis princípios eternos do seu reino. Todos nós faríamos bem em seguir o exemplo deles
(Atos 2:42). Pois se o fizermos, certamente não estaremos sentados imóveis, mas estaremos
empenhados na experiência mais radicalmente transformadora da história humana. Beber o
vinho do reino de Deus não é um passo de moderação. Obedecer à voz do Filho de Deus não é
um ato conservador!
-por Paul Earnhart
Corações Expansíveis
O vinho novo do evangelho exige um coração elástico, uma vontade permanente de ver
as coisas de novo e uma prontidão para fazer mudanças radicais no pensar e no fazer quando
ouvimos Jesus em sua palavra, chamando-nos para segui-lo em novos avanços espirituais. Por
esta razão a palavra de Cristo tem que ter novidade perene em si até para o cristão. Ela será
sempre ameaçadoramente nova para o mundo incrédulo que tem uma orgulhosa tendência a
endurecer suas categorias contra a vontade de Deus. Mas, como os fariseus demonstraram
amplamente, não é só o mundo sem religião que resiste ao fermento atemorizador do
evangelho, pois nenhuma mente temeu o evangelho tão profundamente como o
tradicionalismo religioso entrincheirado.
A fé no Filho de Deus é dinâmica, não estática, e a companhia dele uma aventura sem fim;
não porque ele é mutável, mas porque nossa compreensão e aplicação de sua eterna vontade
precisam estar sempre crescendo e aumentando. Tudo o que Deus já cumpriu em nossas vidas
é somente preparação para o que ele está para fazer. Estamos envolvidos numa transformação
importante, cuja meta insuperável é a imagem do próprio Cristo (Romanos 8:29; Efésios 4:13-
15). Portanto, nossos corações precisam ser sempre expansíveis, prontos a receber uma nova
lição de santidade e pureza. Apenas começamos a ser o que Deus quer que sejamos.
Às vezes, somos tentados a pleitear com nosso Pai pelo fim das mudanças, dos desafios, dos
problemas. Queremos apenas sentar-nos e gozar o que já fizemos por algum tempo, sem as
dores do esforço das novas crises e dificuldades. O problema é que esta ânsia por descanso
pode levar a um endurecimento espiritual que fará da nossa experiência com Deus apenas
uma memória. Você pode vê-la em cristãos que estão completamente descomprometidos com
os desafios e oportunidades presentes, seu único exercício espiritual sendo um contínuo
rearranjo do passado.
A imensidade do que Deus tem em mente para nós é poderosamente afirmada na oração de
Paulo pelos efésios: "para que, segundo a riqueza da sua glória, vos conceda que sejais
fortalecidos com poder, mediante o seu Espírito no homem interior; e, assim habite Cristo no
vosso coração, pela fé ... para que sejais tomados de toda a plenitude de Deus" (Efésios 3:16-
19). Não é de admirar que, depois desta incrível petição o apóstolo entregue o assunto nas
mãos daquele "que é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos ou
pensamos" (3:20). Somente Deus poderia conseguir tal maravilha: que por duas coisas, fé e
amor, poderemos ser cheios até a plenitude das glórias e poder do eterno Deus. Quanto nosso
Pai nos amou!
Mas para sermos cheios de tal plenitude precisamos oferecer a Deus algo mais do que
corações rígidos, inflexíveis. Os avanços de ontem em fé e amor são odres velhos. Não serão
suficientes para conter os novos entendimentos que estão por vir. Cada novo dia de vida é
dedicado a nos ensinar novas lições que nos fazem sentir refrescados no amor de nosso Pai.
Precisamos saudar cada uma delas com um coração aberto e desejoso. A grandeza de Cristo
não pode ser despejada em odres velhos de personalidades sóbrias, pressuposições fixas,
preconceitos endurecidos, e idéias predeterminadas. Quando confrontadas por um profundo
entendimento da vontade de Cristo, rígidas e velhas categorias podem, ou resistir e nos tornar
em insensíveis ideólogos religiosos, ou romper desastrosamente para a perda de toda a fé. É
uma perspectiva amedrontadora.
Uma vez que o Senhor toma residência em nós, um processo dinâmico começa pelo qual todas
as coisas são renovadas (2 Coríntios 5:17). Porque é um processo que precisa continuar
enquanto vivemos, precisa sempre haver uma borda verde para nós, uma parte vivente e
crescente. Não é uma questão de mudar com o tempo, mas de mover-se para mais perto do
intemporal. A meta da corrida está imóvel, mas o corredor precisa sempre estar se esforçando
para frente, pressionando, correndo esforçadamente em direção a ela (1 Coríntios 9:24-27;
Filipenses 3:12-14).
Precisamos por todos os meios evitar de ver esta grande aventura com Cristo como correr em
posição, repetindo os mesmos velhos imaturos e inadequados esforços com intensidade
sempre crescente. Fazer assim é repetir a loucura de cabeça vazia dos fariseus que, em vez de
abrirem-se a um mais amplo entendimento de Deus, se tornavam mais zelosos de suas
concepções meio formadas (Mateus 23:23-24). Nunca estamos mais em perigo desta
paralisante imobilidade do que quando somos convertidos à igreja, antes que a Cristo. Quase
sem sabê-lo, podemos tornar-nos fiéis às concepções que nossos irmãos têm mantido sobre as
coisas durante um particular período da História, antes que unir-nos firmemente a Cristo e sua
palavra e o que quer que exija novo entendimento, que a vontade divina possa colocar sobre
nós. Quando cristãos querem defender coisas erradas porque já têm praticado tais coisas no
passado, acabam sendo fiéis ao sistema. Tal mentalidade nos impede de fazer o que devemos
no serviço a Cristo. Ser um verdadeiro segudor de Cristo exige um coração flexível, expansível.
Cristo e sua vontade não mudam; mas nós precisamos mudar, continuamente.
"Outra, enfim, caiu em boa terra e deu fruto: a cem, a sessenta e a trinta por um.
Quem tem ouvidos [para ouvir], ouça" (Mateus 13:8-9). "Mas o que foi semeado em
boa terra é o que ouve a palavra e a compreende; este frutifica e produz a cem, a
sessenta e a trinta por um" (Mateus 13:23).
É no coração exemplificado pela terra boa na parábola do semeador que o espírito e o caráter
do reino do céu são apanhados e contidos. É aqui que a parábola tem o seu foco. As outras
terras — resistentes, inadequadas e improdutivas — nos dizem como fracassar; a terra boa
nos diz como ter bom sucesso.
No relato de Lucas, Jesus identifica a semente lançada na boa terra como aquele que recebe a
palavra com "reto coração" (8:15). Esta descrição nada tem a ver com a justiça essencial, ou
mesmo com a "boa pessoa", mas com aquela atitude que até o maior pecador pode ter quando
confrontado com o evangelho. Isto é o coração, ainda que possa ter sido ímpio, que agora é
sincero, aberto, despido de toda hipocrisia. Como disse o Senhor, o chamado do seu reino não
é para os justos, mas para pecadores (Lucas 5:32). E pecadores podem, se quiserem,
responder honestamente.
Esta explicação não contentará os calvinistas, cuja convicção enganada de que os homens são
totalmente depravados e incapazes do bem torna sua aceitação desta simples afirmação de
Jesus impossível. Premissas falsas levam a conclusões falsas. Até homens e mulheres ímpios
podem decidir ter corações verdadeiros. A diferença é que não continuarão sendo ímpios.
Como Jesus observou à elite religiosa em Jerusalém, "... publicanos e as meretrizes vos
precedem no reino de Deus" (Mateus 21:31). As vidas dos publicanos e das prostitutas
eram inegável e abertamente ímpias, entretanto muitos deles tratavam de si mesmos e do
evangelho honestamente. Os escribas e fariseus, em sua hipocrisia, não eram honestos nem
consigo mesmos nem com a palavra de Deus. O evangelho do reino é um espelho (Tiago 1:25)
e uma sonda (Hebreus 4:12) que expõe as atitudes e os motivos de nossos corações. "Quem
é de Deus ouve as palavras de Deus", disse Jesus (João 8:47), e, "Todo aquele que é da
verdade ouve a minha voz" (João 18:37).
De que modo o "bom e reto coração" é bom? Em Mateus, o Senhor diz que eles "ouvem a
palavra e a compreendem" (Mateus 13:23). Marcos registra que eles "ouvem a palavra e
a recebem" (Marcos 4:20). O coração verdadeiro, então, não somente ouve a palavra do
reino, mas, diferente do coração duro (solo da beira da estrada), compreende-a e recebe-a.
Tudo isto torna claro que compreender Deus não é tanto um exercício intelectual como é
moral. Não é um grande intelecto que afasta os homens do reino, mas um coração pequeno e
relutante.
Mas há mais. Lucas acrescenta que os corações verdadeiros "... tendo ouvido de bom e
reto coração, retêm a palavra; estes frutificam com perseverança" (Lucas 8:15). Há, no
coração bom, em contraste com o coração raso (solo pedregoso), uma dimensão de
profundidade e tenacidade. Com este modo de pensar, há uma compreensão genuína do valor
do reino e uma disposição a sofrer e investir pacientemente, de modo a possuí-lo. Tal coração
chega a compreender "... qual é a largura, e o comprimento, e a altura, e a
profundidade" do amor, e a ser cheio de "...toda a plenitude de Deus" (Efésios 3:18-19).
Finalmente, os corações "honestos e bons", diferentes dos corações apinhados (terreno
espinhoso), produzem frutos que dão colheita, isto é, eles cumprem o propósito de Deus em
suas vidas. O que esse "fruto" abrange tem sido assunto de muita discussão. Lucas diz que
tais corações produzirão "cem vezes" (8:8), ou simplesmente "produzirão fruto" (8:15).
Desde que é o propósito de Deus que seus filhos sejam "conformes à imagem de seu
Filho" (Romanos 8:29), o fruto a ser produzido precisa, pelo menos, se referir ao fruto da
vida transformada, o fruto do arrependimento (Mateus 3:8), "o fruto do Espírito" (Gálatas
5:22-23), "... o fruto pacífico, ...fruto de justiça" (Hebreus 12:11), "... o fruto de lábios
que confessam o seu nome" (Hebreus 13:15). Comentando outro versículo em que Jesus
fala da fecundidade de seus discípulos (João 15:2), Hendriksen diz "Estes frutos são bons
motivos, desejos, atitudes, disposições, palavras, atos, partindo da fé, em harmonia com a lei
de Deus, e feitos para a sua glória" (The Gospel of John, p. 298). Assim, não nos
surpreendemos ao ouvir Paulo se referir ao modo como este coração repleto de frutos abunda
para com outros "frutificando em toda boa obra" (Colossenses 1:10), em misericórdia e
compaixão para com os necessitados (Romanos 15:28) e em comunhão com aqueles que
pregam o evangelho (Filipenses 4:17).
Corações podem mudar
Conforme Buttrick observou: "Nenhuma parábola pode ser comprimida numa conclusão
rigorosa. Há um ponto onde termina a analogia". O solo da natureza não é completamente
paralelo ao "solo" do coração. O solo natural não tem poder para alterar sua condição, mas o
coração pode mudar. Felizmente, corações duros, rasos e apinhados podem se tornar honestos
e bons (Atos 8:22-23; Tiago 4:8). E, infelizmente, corações honestos e bons podem tornar-se
duros, rasos e divididos (Hebreus 3:12-13). Precisamos ser muito ponderados com os últimos.
Pelos primeiros podemos ser grandemente confortados, tanto como ouvintes como mestres do
evangelho. O evangelho do reino é um apelo aos corações para mudar (Atos 3:19). O que
temos sido não determina o que podemos ser. Pecadores precisam receber a graça de Deus
com segurança, e cristãos precisam pregá-la com esperança. Corações que rejeitam hoje o
evangelho não são, necessariamente causas perdidas. A palavra de Deus não germina em
alguns corações tão rápido como em outros. Precisamos, portanto, aprender como regar
paciente e amorosamente o que plantamos, e não ser como a garotinha que continuou
cavando a sementeira do jardim para ver se alguma coisa estava acontecendo.
O coração da mulher que Jesus encontrou em Sicar da Samaria é quase um padrão completo
de todos os corações da parábola do Semeador. Primeiro, ela era dura e suspicaz, "porque os
judeus não se dão com os samaritanos" (João 4:9). Ela tinha pouco senso crítico de sua
própria vacuidade espiritual. Mas, como tinha vindo buscar água, seu coração se entreabriu
quando Jesus falou da água viva que mataria a sede dela para sempre. "Senhor, dá-me
dessa água para que eu não mais tenha sede, nem precise vir aqui buscá-la" (João
4:15). O Senhor então lavrou um profundo sulco no coração dela pedindo-lhe para chamar seu
esposo, assim recordando-lhe a impiedade de sua vida: cinco esposos, e agora amasiada com
um homem. Ela é tocada, mas seu coração está apinhado. Em vez de enfrentar sua
necessidade espiritual imediatamente, ela queria ter uma discussão teológica sobre onde os
homens deveriam adorar, se em Jerusalém ou no Monte Gerazim. Ao tempo em que Jesus
terminou de ensinar-lhe o que significava adorar verdadeiramente a Deus, ela estava
profundamente presa. "Eu sei, respondeu a mulher, que há de vir o Messias.... quando
ele vier, nos anunciará todas as coisas"(João 4:25). "Disse-lhe Jesus: Eu o sou, eu
que falo contigo". E a semente foi para casa profunda e seguramente no coração que tinha
agora se tornado absolutamente honesto. "Muitos samaritanos daquela cidade creram
nele, em virtude do testemunho da mulher, que anunciara: Ele me disse tudo quanto
tenho feito" (João 4:39). Ela tinha estado ouvindo as coisas dolorosas que ele lhe tinha dito a
respeito dela, e ouvindo bem. Ela tinha entendido o que um verdadeiro adorador de Deus era,
e que até ela poderia ser. Isso mudou-a completamente e, como tinha de ser, enviou-a a dizer
a todos que a pudessem ouvir como tinha acontecido e porque. De cada coração verdadeiro sai
muito fruto, e que fruto este coração desta antes dura e pecaminosa mulher, agora sincera,
produziu!
Mas qual é o significado dos diferentes rendimentos da terra boa mencionados em Mateus e
Marcos, " ... e produz a cem, a sessenta e a trinta por um" ? (Mateus 13:23). Isto sugere
diferentes graus de fidelidade ou consagração? Parece altamente improvável. O coração da
boa terra é absolutamente singelo, em contraste com o coração raso do solo pedregoso e do
coração apinhado do solo espinhoso. O que é mais provável é que esta seja um paralelo à
parábola dos talentos (Lucas 19:16-19). A responsabilidade vem a nós no reino de acordo com
nossa capacidade. O fruto produzido pode variar, porém não a consagração do coração.
Certamente o Senhor nos julgará por nossas oportunidades e capacidades, mas um coração
puro e singelo é a única coisa que não é negociável.
E então, finalmente, a pergunta mais óbvia para aqueles que encaram seriamente as
parábolas. O que aprendi sobre mim mesmo? Qual dos solos descreve minha atitude para com
o Senhor e sua palavra? Meu compromisso com Cristo é instável, cheio de capricho e emoção?
Ele luta pela vida com a competição de incontáveis interesses de uma vida apinhada? E se a
resposta for inquietante, qual decisão tomei para mudar?
-por Paul Earnhart
"Disse-lhes outra parábola: O reino dos céus é semelhante ao fermento que uma mulher
tomou e escondeu em três medidas de farinha, até ficar tudo levedado" (Mateus 13:33; veja
também Lucas 20:21).
De todas as parábolas que Jesus ensinou ao lado do Mar da Galiléia, esta é a mais breve. Ela
termina quase tão rapidamente como começa, deixando que nos agarremos com esta
mensagem rápida e cortante. Tanto Mateus como Lucas registram esta parábola em
associação imediata com a parábola da semente de mostarda, o que deixa a clara impressão
de que ela, também, tem a ver com o modo como o reino se expande, ainda que seu impulso
pareça mais para dentro do que para fora.
"O reino do céu é como o fermento..." Na lei de Moisés, o fermento era, com poucas exceções,
proibido em oferendas, e durante a Páscoa todo fermento tinha que ser removido da casa
(Êxodo 13:3; Levítico 2:11; Amós 4:5). Em todos os outros casos no Novo Testamento onde o
fermento é usado como uma figura, ele é usado como uma má influência (Lucas 12:1; 1
Coríntios 5:7; Gálatas 5:9). Por esta razão alguns concluíram que o fermento nesta parábola
simboliza uma força malévola, a sub-reptícia chegada da apostasia (J. N. Darby, Brief
Exposition of Matthew, 1845, 40). Mas na parábola do fermento, como todas as outras da série
junto ao mar, é explicitamente dito que ela pinta o reino do céu, e não o domínio de Satanás
(Mateus 13:33; Lucas 13:20-21). Não há problema real aqui, uma vez que toda influência
espiritual, tanto má como boa, trabalha do mesmo modo, e o uso diferente da mesma
metáfora não é desconhecido nas Escrituras. Tanto Satanás como Cristo são comparados a um
leão (1 Pedro 5:8; Apocalipse 5:5); mas no diabo é vista a ferocidade do leão negaceando sua
presa, e em Jesus sua força e coragem. A pomba, em um lugar, é usada para ilustrar a tolice
(Oséias 7:11) e em outro, a inofensiva simplicidade (Mateus 10:16).
"Que uma mulher escondeu em três medidas de farinha..." Como Buttrick observou, "Esta
parábola sofreu muitas ofensas nas mãos dos alegoristas". Houve quem visse na mulher a
igreja ou o Espírito Santo quando nada mais parece querer dizer além de que este é o tipo de
trabalho feito costumeiramente pelas mulheres. Para Agostinho as três medidas de farinha
representavam toda a raça humana nos três filhos de Noé; para Jerônimo e Ambrósio elas
significavam a santificação do espírito, alma e corpo. Ainda que estas idéias possam em geral
não estar muito longe do significado da farinha, as três medidas com toda probabilidade
sugerem simplesmente nada mais do que a quantidade costumeira de massa usada no mundo
antigo para assar pão (isto é, cerca de um alqueire, pouco mais do que 35 litros - Gênesis
18:6; Juízes 16:19; 1 Samuel 1:24).
A parábola do fermento parece falar da serena transformação que o reino de Deus opera no
espírito humano e do modo sem ostentação pelo qual ele passa de coração a coração. Assim, o
fermento, como a luz e o sal (Mateus 5:13-14), é um agente mudo mas poderoso. Justamente
desse modo Jesus trabalhou entre os homens: "Não clamará, nem gritará, nem fará ouvir sua
voz na praça" (Isaías 42:2-3; Mateus 12:17-21). Contudo, seu trabalho nunca foi secreto nem
furtivo: "Eu tenho falado francamente ao mundo; ensinei continuamente tanto nas sinagogas
como no templo, onde todos os judeus se reúnem, e nada disse em oculto" (João 18:20).
A obra do fermento também é interna e invisível. Esta parábola é uma declaração poderosa de
natureza espiritual do reino. Foi este mesmo ponto que Jesus uma vez apresentou aos
fariseus: "Não vem o reino de Deus com visível aparência. Nem dirão: Ei-lo aqui! Ou: Lá está!
Porque o reino de Deus está dentro de vós" (Lucas 17:20-21). A revolução radical do reino de
Cristo (diferente dos reinos dos homens, João 8:36) iria explodir silenciosamente dentro,
operando uma completa transformação do coração. O fermento precisa portanto simbolizar o
evangelho como opera invisível no espírito individual (1 Pedro 1:22-23) e então passa
silenciosamente de um coração para outro (Atos 8:4).
A palavra de Deus é a semente em germinação da qual vem a nova vida de Deus, mas aqueles
que foram tocados por ela também se tornam luz, sal e fermento no mundo (Mateus 5:13-14;
Filipenses 2:15). Sua humildade de espírito e piedade de vida ornam "em todas as coisas, a
doutrina de Deus" (Tito 2:10) e inevitavelmente atraem e então contaminam outros com o
mesmo poderoso contágio celestial que mudou suas próprias vidas. O movimento de uma tão
profunda força espiritual não é ruidoso nem clamoroso como um exército em marcha, mas
firme, quieto e inexorável como uma planta tenra que primeiro penetra e depois trinca, e
finalmente rompe a mais empedernida das rochas.
"Até que toda ficou fermentada..." Se temos que entender a massa como o coração de uma
única alma, então é certo tomar o "toda" como um absoluto, porque em Cristo tudo é
renovado (2 Coríntios 5:17); O todo da personalidade é penetrado. Mas se a massa simboliza
o mundo, a parábola precisa ser entendida como falando da fermentação de todo coração
honesto e bom e não de salvação universal (Mateus 7:13-14), ou alguma influência social
universal ou uma humanidade não convertida. É inconcebível que aquele que veio "buscar e
salvar o que estava perdido" jamais se preocupasse com o mero impacto social do evangelho.
Com Jesus e seu reino era redenção pessoal ou nada (João 3:3-5).
A parábola do fermento nos relembra que Deus enviou seu Filho ao mundo não somente para
perdoar, mas para transformar. Uma coisa tão imensa como a cruz nunca foi destinada
meramente a providenciar misericórdia para nosso passado pecaminoso, deixando-nos os
mesmos orgulhosos, egoístas e concupiscentes que éramos antes. Temos que ser mudados, e
sobre essa transformação esta pequena parábola nos diz muito.
Antes de tudo, é uma transformação que precisa vir de fora. Arquimedes, o grego que
descobriu o princípio da alavanca, certa vez observou, "Dêem-me um ponto de apoio e
moverei o mundo". Este é o problema. O "mundo" precisa desesperadamente ser movido, mas
não temos ponto de apoio fora dele. O fermento da renovação está além do poder humano e
todos os sistemas de auto-ajuda estão condenados, por definição. Somos tão incapazes de
reformular nossas vidas sozinhos conforme a justiça de Deus como somos de escapar ao justo
julgamento de Deus pelos nossos pecados. Somente o fogo do céu é suficientemente poderoso
para efetuar uma mudança tão radical. Pela graça de Deus fomos perdoados, e é por sua graça
e poder que finalmente seremos totalmente renovados (Efésios 2:8-10; 3:14,21).
Em segundo lugar, é uma transformação que precisa ser operada por dentro. Muito
pensamento político moderno, e mesmo religioso, apóia-se freqüentemente no mito que o
homem é moldado pelo seu ambiente e que mudar suas circunstâncias mudará seu coração. A
verdade está na direção totalmente oposta. "Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o
coração," adverte Salomão, "porque dele procedem as fontes da vida" (Provérbio 4:23). A
vida, seja boa ou má, emana da mente, e vida nova pode vir somente de um coração que foi
voltado para novas direções. Portanto, como fermento na maça do pão, o reino do céu dirige
seu ataque para dentro, sobre o coração.
Mudança externa feita sem a revolução interna é mera acomodação (Romanos 12:2), e sua
superficialidade tira-lhe a estabilidade. Ela se evaporará diante da menor inconveniência. Em
contraste, a mudança externa efetuada por um coração mudado é uma verdadeira
transformação e sua profundidade dá-lhe uma imutabilidade obstinada (1 Coríntios 15:58).
Este tipo de conversão não somente resiste ao domínio externo, mas exerce uma profunda e
positiva influência nos outros. O coração é decisivo. Numa parábola intitulada "O Holocausto",
Nathaniel Hawthorne pinta uma fogueira onde os homens estão queimando todas as coisas
más do mundo. Satanás, observando, fica a princípio atemorizado, mas então ele se reanima e
observa, "Ainda não estou desfeito. Eles se esqueceram de jogar o coração humano". Esta é a
razão porque à religiosidade herdada, de segunda mão, ainda que verdadeira em forma,
sempre faltará realidade e força (2 Timóteo 3:5). A massa nunca será fermentada. A vida
nunca será verdadeiramente transformada.
Em terceiro lugar, é uma transformação que precisa tocar o todo de nossas vidas. Nem o
menor segmento pode ser excluído, porque nessa lasca fininha se esconderá nossa vontade e
nosso modo de ser. Nunca foi diferente. Deus sempre exigiu que os homens o amem e o
sirvam na inteireza de seus corações (Deuteronômio 6:4; 11:13; 13:3; Jeremias 29:13).
Nossas vidas são mudadas olhando atentamente a glória que há em Jesus (2 Coríntios 3:18).
Há duas coisas que veremos olhando na face de Cristo. Primeiro de tudo, o que não somos.
Nunca de fato os homens sabem quão profunda sua impiedade tem sido enquanto não olham
com honestidade na face de absoluta santidade e justiça, que não viveu em isolamento
celestial mas na suja realidade da carne humana. É uma experiência atemorizadora, mas
absolutamente necessária para nossa transformação. Como jamais poderemos ser diferentes
enquanto não soubermos quão desesperadamente precisamos sê-lo?
A segunda coisa que veremos na face de Jesus é o que podemos ser. Seja quanto for que sua
santidade nos fez ver em nossa impureza, seu amor nos encherá ao mesmo tempo com uma
visão do que sua graça e poder podem fazer-nos. Temos que ser "transformados, de glória em
glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito" (2 Coríntios 3:18).
E finalmente, precisamos ser no mundo o que Cristo tem sido em nós como o fermento da
eternidade, sempre crescendo, expandindo, mudando-nos. As pessoas poderão ver o que pode
acontecer com elas observando o que aconteceu conosco (Mateus 5:13-16).
"O Reino dos céus é semelhante a um tesouro oculto no campo, o qual certo homem, tendo-o
achado, escondeu. e, transbordante de alegria, vai, vende tudo o que tem, e compra aquele
campo" (Mateus 13:44).
As parábolas do tesouro escondido e da pérola de grande preço são registradas somente por
Mateus. Junto com a parábola da rede elas compõem o trio concludente de parábolas com as
quais Jesus encerra sua série sobre a natureza do reino do céu. Diferindo das parábolas
anteriores, dirigidas à multidão, estas aparentemente foram ditas em particular aos seus
discípulos.
Duas parábolas contêm a mesma mensagem: o incomparável valor do reino de Deus. Mas
cada uma tem seu próprio e único modo de apresentar sua lição e merece ao menos algum
tratamento individual.
A única disputa real sobre o significado destas duas parábolas que afetaria radicalmente sua
mensagem é sobre o que Jesus quis dizer nelas com "o reino".
Há quem defenda o ponto de vista onde o fazendeiro e o negociante, nestas duas histórias,
representam Cristo (Lloyd John Ogilvie, A Autobiografia de Deus), e que o "tesouro escondido"
e a "pérola de grande preço" representam a igreja, cuja redenção do pecado custou-lhe
literalmente tudo, um preço que Jesus alegremente pagou. Não há motivo para disputar a
verdade de uma tal idéia, mas a questão é se essa é a mensagem destas parábolas.
A palavra grega baseleia (reino) certamente inclui, por implicação, aqueles que são
dominados, mas sua idéia raiz é o poder e o domínio do rei. O valor do reino do céu não se
apóia principalmente naqueles que, pela graça divina, tiveram permissão para recebê-lo, mas
na glória e no poder do Deus que reina sobre ele. Todas as parábolas de Jesus sobre o reino
falam deste ponto, de como o reino cresce. Nada no contexto destas duas parábolas sugeriria
que, nelas, Jesus voltasse sua atenção para longe de como ele estabeleceria seu reino entre os
homens, para falar sobre o grande valor que ele dá a homens e mulheres perdidos. É um
ponto válido defendido poderosamente em outros lugares, porém, cremos, não aqui.
Conversas sobre tesouros enterrados, no final do século vinte, trazem à memória o disparate
semi-lendário sobre o botim do pirata escondido longe, em alguma caverna de uma ilha, onde
aguarda sua retirada pelo afortunado. Mas na Palestina do primeiro século ela não foi tão
forçada. A desordem que guerras e revoluções impuseram regularmente ao mundo oriental
tornou necessário aos homens o enterrar de valores que não podiam seguramente carregar
consigo quando forçados a fugir para salvar suas vidas. Algumas vezes, jamais voltaram para
reclamar sua propriedade enterrada e a terra passou para aqueles que não tinham
conhecimento do que estava enterrado nela. A Bíblia se refere a essa prática. O assassino que
matou o governador caldeu de Judá poupou as vidas de dez homens para conseguir o rico
armazém de mercadorias que eles declaravam ter escondido num campo (Jeremias 41:8). Era
também a base de uma metáfora comum no mundo antigo. Jó falou daqueles que procuravam
a morte "mais do que tesouros ocultos..." (Jó 3:21) e Salomão insta com os jovens a que
busquem sabedoria "como a tesouros escondidos..." (Provérbios 2:4).
Ele estava provavelmente apenas arando a terra de outro homem quando o arado bateu e
expôs alguma coisa que não era nem pedra nem toco. Incrédulo de sua boa sorte, com o
coração palpitando pela excitação, o homem rapidamente reenterra seu achado e vai
justamente estourando de alegria secreta e vende tudo o que tem para comprar o campo.
Pode-se bem imaginar que todos os seus amigos e vizinhos podem ter pensado que ele
estivesse completamente louco, vendendo todas as suas apreciadas posses para comprar um
campo que não valia metade do que estava pagando e rindo a bom rir enquanto tudo o que
possuía entrava no leilão. Sendo a natureza humana o que é, eles provavelmente lhe disseram
simplesmente que ele estava louco varrido e podiam bem ter tentado conter à força sua
loucura. Mas absolutamente nada poderia detê-lo, nem o ridículo, nem ameaças, nem insulto;
porque ele tinha visto, e sabia, que o tesouro oculto naquele campo valia tudo o que possuía e
cem vezes mais.
O reino do céu é assim, Jesus disse, um tesouro tão fabulosamente grande que vale tudo o
que um homem possui, cada relação que ele jamais teve ou espera ter, mesmo sua própria
vida (Mateus 10:37-39; Lucas 14:25-26). Aqueles que acham o reino celestial serão
provavelmente considerados loucos pelos ignorantes. Conta-se que George Bernard Shaw
disse saber que havia vida no espaço exterior porque estavam usando a Terra como um asilo
de insanos! Não é fácil ser são numa casa de loucos, mas quando sabemos o valor eternal do
que encontramos em Cristo, não obstante todos os outros, a alegria desse segredo certamente
nos levará através das mais duras perdas sem a menor queixa. Essa é a "alegria indizível e
cheia de glória" que vem ao descobrir o significado da vida, o tesouro que vale todos os outros
juntos.
Encontrando o Máximo
Novamente, "O reino do céu é também semelhante a um que negocia e procura boas pérolas;
e tendo achado uma pérola de grande valor, vendeu tudo o que possuía e a comprou" (Mateus
13:45-46).
Como é, alguém pergunta, que um reino dado pela graça de Deus tem que ser comprado a um
preço tão alto? Primeiro de tudo, o valor incomparável do reino do céu coloca-o além da
possibilidade de compra. Quando Deus dá a pessoas pecadoras o que elas não têm
absolutamente nem direito nem capacidade de obter, isso tem que ser uma doação. Mas, por
definição, o dom do reino ou do domínio de Deus não pode ser possuído por aqueles que não
se entregarem totalmente a ele. O preço que pagamos para sermos seguidores de Cristo não é
em coisas mas em nossa avassaladora afeição por elas; não em pessoas mas em nosso
preeminente compromisso com elas; e não em posição ou prazer mas em nosso amor
primordial por eles. O reino de Deus é encontrado onde "Cristo é tudo" (Colossenses 3:11).
Tudo o que somos e temos precisa ser usado para servi-lo.
Mas se Jesus, nestas duas parábolas, fala do custo do reino, isso não é seu impulso principal.
Nosso Senhor não nos chama pelo custo do discipulado, e sim pelas alegrias transcendentes de
segui-lo. Não podemos persuadir um homem a atear fogo em sua casa dizendo-lhe como isso
é deplorável. Se for uma pocilga, é a única que ele tem. Mas se lhe garantirmos alguma coisa
muito melhor, ele alegremente a queimará e dançará em volta das chamas. Os dois homens
desta parábola não abandonam tudo por causa de algum ascetismo perverso, mas porque
encontram alguma coisa tão superior que faz com que aquilo que eles têm agora pareça nada.
Assim, Paulo, ao jogar fora como lixo tudo o que ele anteriormente tanto estimava não fez um
exercício de rilhar os dentes em negação de si mesmo, mas reagiu ao transcendente valor de
Cristo (Filipenses 3:8-10). Como ele escreveu tão vigorosamente em Colossenses, "Cristo é
tudo" (3:11), "a plenitude da Divindade" (2:9), aquele "em quem todos os tesouros da
sabedoria e do conhecimento estão ocultos" (2:3). Quando os homens verdadeiramente vêem
"a Glória de Deus na face de Cristo" (2 Coríntios 4:6), não podem mais ficar contentes com as
fumaças e espelhos deste mundo. "Não é louco aquele que dá o que não pode ter para ganhar
o que não pode perder"
Mas, como foi observado antes, há alguma diferença entre estas duas parábolas semelhantes.
O homem que encontrou o tesouro escondido descobriu-o totalmente por acidente. Ele ficou
surpreso e tomado pela alegria. O comerciante, por outro lado, tinha uma questão séria. Se
houvesse alguma surpresa, foi porque ele encontrou o que estava buscando em uma única
pérola. Freqüentemente nós imaginamos onde poderemos encontrar pessoas potencialmente
adequadas para o reino. Estas duas parábolas nos dão a resposta. Elas aparecerão na forma
de almas sinceras como a do nobre etíope ou a do soldado italiano, Cornélio, que estavam
conscientemente procurando o reino. E serão encontradas entre aqueles como a mulher
samaritana, cujas vidas estão ocupadas com o mundano e o imoral e não dão sinal de
preocupação espiritual. Estes aguardam apenas a aproximação preocupada de um discípulo
daquele que veio buscar e salvar os perdidos.
Novamente, “O reino dos céus é ainda semelhante a uma rede que, lançada ao mar, recolhe
peixes de toda espécie. E, quando já está cheia, os pescadores arrastam-na para a praia e,
assentados, escolhem os bons para os cestos e os ruins deitam fora. Assim será na
consumação do século: sairão os anjos, e separarão os maus dentre os justos, e os lançarão
na fornalha acesa; ali haverá choro e ranger de dentes” (Mateus 13:47-50).
Na parábola da rede Jesus recorre a outra imagem familiar do dia de trabalho do mundo
palestino, uma que tem sido especialmente comum em volta do Mar da Galiléia. A rede de
arrasto era uma rede de pesca muito grande, com pesos de um lado e bóias do outro que,
quando arrastada das águas profundas para a praia trazia em suas malhas todas as criaturas
da água. Obviamente, nem tudo era útil para alimento, especialmente entre os judeus, e tudo
o que não era adequado tinha que ser removido. Jesus diz que em alguns particulares o reino
do céu é como uma rede.
Esta última das sete parábolas contadas junto ao Mar e registrada por Mateus costuma ser
ligada intimamente com a parábola do joio e lhe é dada uma interpretação semelhante. Tão
diretas como estas parábolas pareçam ser, elas têm sido a fonte de muita controvérsia. A
razão é que elas parecem rejeitar qualquer exercício de disciplina espiritual pela igreja contra
os discípulos rebeldes; nenhum julgamento da retidão ou do erro de comportamento de
cristãos sendo feito antes do julgamento final. Este é especialmente o caso da parábola do
joio. Lutero resolveu este problema argumentando que os esforços para remover os ímpios da
igreja eram somente proibidos quando se poderia também desalojar os verdadeiros filhos do
reino. Mas isto discorda do fato que a ordem do fazendeiro aos seus trabalhadores para não
removerem o joio é incondicional (Mateus 13:29-30). A falha interpretativa está no
entendimento do campo na parábola como sendo a igreja antes que o mundo. Já indicamos
nossa crença que a parábola do joio não está tratando da disciplina da igreja de modo nenhum
mas sim do então surpreendente fato que o reino do céu teria que existir por algum tempo no
meio de um mundo ímpio e inóspito (“O campo é o mundo”, 13:38). O julgamento sendo
considerado não é disciplina corretiva, mas o julgamento final ou máximo, um julgamento que
somente a mente divina tem direito e capacidade de fazer (1 Coríntios 4:3-5).
Aqueles que opõem este ponto de vista dão grande importância à afirmação de Jesus de que
os anjos “ajuntarão do seu reino todos os escândalos e os que praticam a iniqüidade” (13:41).
Mas o significado de “Seu reino” precisa ser entendido no seu contexto. O reino
freqüentemente fala da igreja, mas às vezes ele pega toda a esfera do domínio soberano do
Senhor, até aqueles que estão em rebelião (Lucas 19:14-15, 27; veja Efésios 1:20-23).
Cremos que tal seja o caso da parábola do joio. O reino do céu foi destinado a trazer, não a
paz imediata e triunfo, mas tribulação (Apocalipse 1:9; Atos 14:22; Mateus 5:10; João 16:33;
2 Timóteo 3:12). Por esta parábola os cidadãos do reino são instados a esperar pacientemente
por sua vingança na glória do justo julgamento final do Todo-Poderoso. É uma parábola de
conforto e de encorajamento para os santos rejeitados e sofredores.
Mas este não é o caso da parábola da rede. Esta é uma parábola escura e amedrontadora,
uma parábola de julgamento e rejeição. Crisóstomo (*) chamou-a “uma terrível parábola”. E
mais, o que negamos da parábola do joio, cremos ser verdadeiro nesta parábola, que se dirige
ao caráter da igreja antes que ao mundo em geral, e que ela fala à máxima purificação da
amizade dos santos. Aqueles apanhados pela rede nesta parábola, não representam todos os
homens mas aqueles especificamente colhidos pelo evangelho. Assim o que não pode ser
ensinado pela parábola do joio é certamente ensinado aqui. Até que Deus aja no julgamento
final, misturados com os justos haverá aqueles que são “ímpios”.
Esta é uma mensagem difícil de aceitar. É isto que Jesus está dizendo? Isto significa que
igrejas locais não podem excluir completamente os infiéis e profanos do seu número? A
acusação comum de que a igreja é o viveiro da hipocrisia tem que ser aceita como inevitável?
Estaremos destinados a ter que viver facilmente no reino com todos os tipos de heresia e
imoralidade? São justamente tais questões como estas que nosso estudo desta parábola
precisa responder.
Enquanto a parábola do joio pode ser suspeita de falar da questão da disciplina na igreja
(contudo estamos fortemente persuadidos de que não fala), nenhuma tal possibilidade existe
com a parábola da rede. Ela fala somente da remoção final do reino de todos os que não são
verdadeiros discípulos. O reino de Deus não será sempre um lugar onde o motivo impuro, a
tenebrosa concupiscência e a frieza espiritual podem disfarçar-se no meio dos justos, mas
finalmente será limpo de tudo o que é pecaminoso. Os peixes jogados fora da parábola são os
“ímpios”, e aqueles que os removem são “anjos”, e o tempo é o “fim do mundo”. O propósito
de limpar a rede não redime. A rejeição é final. O julgamento é divino.
A imagem ideal do reino celestial é vista nas parábolas do tesouro escondido e da pérola de
alto valor. Nestas parábolas, todos os que se tornam parte do reino o fazem ao nível de
absoluta devoção. Todas as coisas são entregues ao domínio de Cristo. Mas a realidade é que
muitos que se ligam ao reino não estão totalmente comprometidos ou não estão nada
comprometidos. A parábola do semeador torna isto evidente. Entre aqueles que recebem o
evangelho, alguns serão o solo raso e outros serão frios (o solo pedregoso e o terreno
espinhento). Há várias ilustrações desta verdade no Novo Testamento — a igreja de Corinto
com sua imoralidade e desunião carnal, as igrejas da Galácia com seus judaizantes, mestres
de justiça pela lei, as igrejas a quem João escreveu suas epístolas, com seus profetas
gnósticos de um evangelho novo e incrementado e cinco das sete igrejas da Ásia infestadas
por várias maneiras de idolatria, imoralidade, falso ensinamento, insensibilidade e presunçosa
complacência. Quanto ao presente, não é preciso muita observação nas igrejas do Senhor, no
século vinte, para se saber que as coisas não mudaram. Ainda estamos perturbados, não
simplesmente com a fraqueza momentânea ou com a ignorância daqueles que estão fazendo
sua jornada para a maturidade espiritual, mas com arraigada mundanalidade e orgulho e uma
consciente determinação de corromper a doutrina de Cristo.
Pode ser justamente objetado que, no Novo Testamento, tais aberrações espirituais nas igrejas
ou nos santos individuais não foram aceitas com resignação. Paulo instou com a igreja de
Corinto para que pusesse sua casa em ordem. (1 Coríntios 1:10), a não ter convivência com
aqueles cristãos que estavam determinados a praticar modos pecaminosos (1 Coríntios 5:11-
13). De fato, ele diz, usando a própria palavra grega escolhida por Mateus para registrar a
parábola da rede (“o impuro”, ponerous), “afastai de vós a má pessoa [poneron].” Os mestres
judaizantes perturbando as igrejas da Galácia eram anatematizados por Paulo como
pervertedores do evangelho (Gálatas 1:6-9) e João exortou os leitores de suas epístolas a não
dar santuário aos falsos profetas (1 João 4:1-3; 2 João 9-11). O próprio Senhor advertiu as
cinco igrejas da Ásia moralmente e espiritualmente perturbadas a se arrependerem
(Apocalipse 2, 3). Outras passagens indicam que as igrejas e os santos individuais não deviam
suportar cristãos corruptos e infiéis entre eles (Romanos 16:17; 1 Timóteo 1:3-4; 6:3-5; Tito
1:9-13; 3:9-11).
A partir disto julgamos que o Senhor pretende que seu povo mantenha, da melhor maneira
que puder, a si mesmo e às igrejas das quais fazem parte, livres de corrupção e impurezas. De
outro modo, como poderemos ser “o sal da terra” e “a luz do mundo”, trazendo glória ao nosso
Pai através de nossas vidas corretas? (Mateus 5:13-16). E como podemos ser vistos como
“luzeiros no mundo, preservando a palavra da vida”? (Filipenses 2:15-16).
E ainda que muito desejemos manter as igrejas dos santos livres de qualquer um que não seja
comprometidos com Cristo, é uma meta que as limitações humanas não permitirão atingir
plenamente. Conforme Paulo observou a Timóteo, “Os pecados de alguns homens são notórios
e levam a juízo, ao passo que os de outros só mais tarde se manisfestam” (1 Timóteo 5:24).
As mesmas limitações que tornam impossível para nós levarmos julgamento final contra
outros, tornam igualmente impossível para livrarmos a igreja absolutamente de todos os seus
simuladores. Podemos e devemos agir em relação às atitudes e à conduta pecaminosas e
abertas, mas, diferentes de Deus, não somos oniscientes. Os homens podem esconder sua
vergonha de nossos olhos. Portanto, a limpeza final da igreja é deixada para Aquele que sabe
todas as coisas. Por falar em julgamento final, Paulo adverte que “... nada julgueis antes do
tempo, até que venha o Senhor, o qual não somente trará à plena luz as coisas ocultas das
trevas, mas também manifestará os desígnios dos corações; e, então, cada um receberá o seu
louvor da parte de Deus” (1 Coríntios 4:5). A pureza perfeita do reino é para Deus cumprir,
não para nós.
A história do Bom Samaritano, contado por Jesus (Lucas 10:25-37), contém, em si, todo os
ingredientes obrigatórios do moderno jornalismo: cobiça, crime, violência, sofrimento, ódio
racial, indiferença social, amor e compaixão. O que, afinal, há de novo nela? O evangelho fala
bem ao homem moderno.
Esta história foi contada por Jesus porque algumas vezes, durante o final do ano antes de ele
morrer, um advogado (perito na lei judaica) interrogou-o sobre a maneira de se ganhar a vida
eterna. Ele não estava pedindo informação, mas verificando para ver se o Senhor realmente
conhecesse a lei. Estamos inclinados a imaginar seus motivos. Estava ele apenas tentando ser
esperto e expor este “inculto” rabi? Estava ele impaciente sob os severos ataques que Jesus
tinha lançado contra a hipocrisia e a ignorância de homens desta classe? Ou isso seria um
esforço honesto para experimentar as declarações do Senhor? Para tais homens a lei era
usualmente mais uma matéria de disputa do que um guia para a vida. Ele sabia bem o que ela
dizia e respondeu rapidamente quando Jesus devolveu a questão ao “perito”. “Ame a Deus
com todo o teu coração, alma e força, e mente, e a teu próximo como a ti mesmo”, ele disse.
Rapidamente assim, Jesus situou o assunto onde deveria estar: “Você conhece a verdade, mas
a vida vem por vivê-la”.
O advogado, deixado parecer um pouco tolo por perguntar uma questão tão óbvia, tenta
recuperar-se por ter .perdido um argumento, levantando outro problema. “Isto tudo está bem
e é bom,” ele parece dizer, “mas como saber quem é meu próximo?” Os escribas judeus
faziam distinções muito cuidadosas entre “próximos” e “estranhos”. Jesus responde esta
questão, não com outra questão ou afirmação exemplar, mas com uma história penetrante.
O cenário era familiar: a estrada de Jerusalém descendo até Jericó, uma descida íngreme que
em 35 quilômetros desce 1000 metros através de uma desolação rochosa recortada por
centenas de ravinas e despenhadeiros. Com exceção de uma moderna rodovia, a cena ainda
permanece assim tão desolada hoje em dia. No tempo de Jesus, era um .antro de ladrões e
bandoleiros.
A lição é levada pelo jogo dos caracteres que Jesus escolheu a se encontrarem “por acaso”
naquele trecho desolado. Há, primeiro, a vítima desafortunada. “Um certo homem” que foi
ferido seriamente, despido de suas roupas, e deixado pelos ladrões semimorto no deserto.
Sem ajuda, ele estava destinado a morrer sozinho neste ermo árido. Ele poderia ser um
homem qualquer, alto ou baixo, rico ou pobre. Pensamos nele como sendo um judeu, mas isso
não é afirmado nem mesmo implicado.
Os ladrões
O s homens que o roubaram, tendo uma só coisa em mente, eram tão descuidados como uma
alcatéia de lobos rosnando. Eles o usaram como a uma toalha de papel e o atiraram fora
quando não teve mais utilidade. Nós não parecemos ser tão brutais, mas todavia usamos as
pessoas, até mesmo em cenários religiosos. Usamo-las para alimentar nossos egos ou para
satisfazer nossos próprios propósitos egoístas, e quando elas não mais nos servem, afastamo-
las para o lado. É um tipo sofisticado de crueldade.
O sacerdote e o levita
N esta cena patética aparecem primeiro um sacerdote e um levita, homens notáveis sobre os
demais por sua piedade religiosa. Sua presença nesta estrada não seria incomum, uma vez
que estes servos de Deus especiais, duas vezes por ano, tinham que servir uma semana no
Templo (1 Crônicas 24) e tinham que viajar de Jericó, uma cidade de sacerdotes, ou da
Galiléia, através de Jericó, de modo a evitar Samaria. Destes homens, cuja tarefa era
abençoar e servir seu povo, havia toda razão para se esperar compaixão. Não houve
nenhuma. Eles passaram pelo “outro lado”. Mas a tragédia é que Jesus não está apontando
isto para o incomum, mas para o usual: tão usual como ladrões na estrada de Jericó era esta
“piedade” sem compaixão, que está preocupada com o sofrimento, porém não bastante para
ultrapassar o temor ou a inconveniência. Eles, sem dúvida, tiveram boas razões para não
parar: coisas mais importantes a fazer, não poder arriscar poluição para o serviço do Templo,
não vale a pena dois homens serem roubados em vez de um, não se pode ajudar todas essas
pessoas. Ou, talvez, como algum incrédulo humorista observou certa vez, eles puderam ver
que o homem já tinha sido roubado! Sem dúvida expressaram seu ultraje por esta violência
quando passaram cuidadosamente por ali.
Esta parte da história pode ter sido dirigida ao advogado, com sua religiosidade fria, didática;
mas quem, entre nós, não se arriscou quando foi subitamente confrontado pela miséria física
ou espiritual de outros? Somos afastados pelo risco que corremos, ou pela inconveniência de
nosso horário, ou pela dor do sofrimento compartilhado ou pela simples demanda de tempo e
dinheiro. Nós, também, podemos falar loquazmente sobre amar os outros, mas muito
freqüentemente isso não tem significado.
Bem-vindo à vizinhança
Nenhum amor tinha sido desperdiçado entre judeus e samaritanos desde os dias do Retorno,
quando os chefes samaritanos intrigavam continuamente para evitar a reconstrução de
Jerusalém. Nos dias de Jesus a relação entre eles ainda estava amarga. Os judeus não tinham
negócios com samaritanos (João 4:9) e usavam esse termo como a máxima expressão de
ofensa (João 8:48). As aldeias de Samaria não eram hospitaleiras para os judeus que viajavam
através da região para Jerusalém (Lucas 9:51-55). Durante o reinado de Cláudio César, alguns
samaritanos massacraram um grupo de peregrinos judeus na fronteira ao norte da aldeia de
Ginae (Antigüidades, XX, xi, 1).
Isto explica porque Jesus usou um samaritano para ilustrar o significado de amor ao próximo.
O exemplo falou diretamente ao preconceito judeu. Na história do Senhor, este pária mestiço
foi o único que teve suficiente compaixão para se deter e ajudar um homem
desesperadamente ferido (Lucas 10:25-37). Mais do que meramente tocado pela tragédia do
homem, o samaritano agiu. Ele gentilmente tratou seus ferimentos e o transportou para a
estalagem mais próxima, onde fez providências para o seu completo tratamento. Isto não foi
um gesto de grandeza, mas de pouca duração. Sua preocupação e envolvimento foram totais.
Quando Jesus terminou de contar a história do homem roubado e espancado pelos ladrões e
concluiu com a pergunta “Quem mostrou ser o próximo daquele que caiu nas mãos dos
ladrões?”, o advogado que tinha começado esta conversa estava, provavelmente, desejando
nunca ter aberto a boca. Ele tinha evidentemente levantado a questão sobre o que se tinha
que fazer pra herdar a vida eterna meramente por amor à argumentação, mas Jesus tinha-o
compelido a responder sua própria questão. Ele tinha feito a pergunta sobre quem era seu
próximo somente para escapar do embaraço, mas agora ele tem que responder de novo. Não
querendo nem identificar o samaritano, o advogado diz: “Aquele que mostrou misericórdia com
ele”. Em conseqüência, Jesus muda tudo da teoria para a prática. “Vai, e faze o mesmo”, ele
disse.
Lucas não registra o impacto de tudo isto sobre o advogado. Uma coisa é certa. Ele tinha
aprendido bastante sobre o tamanho de sua vizinhança. Ela era tão ampla como o mundo
todo, e seu próximo era qualquer um que precisasse de sua ajuda.
Houve outras lições, também. O sacerdote e o levita estavam errados, pondo o sacrifício
adiante da bondade. Amar a Deus não torna uma pessoa sem misericórdia para com os
homens. Jesus tinha uma vez defendido este ponto a partir das palavras de Oséias:
“Misericórdia quero e não holocaustos” (Mateus 9:13). João, mais tarde, poria isto em termos
simples. “Se alguém disser: Amo a Deus, e odiar a seu irmão, é mentiroso; pois aquele que
não ama a seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê” (1 João 4:20).
Mesmo um compromisso de adorar a Deus não pode justificar o voltar as costas ao sofrimento.
Se nos encontramos, em nossa paixão por Deus, abandonando toda a consideração por outros,
podemos ter certeza de que estamos sob o domínio de uma paixão ilegítima. Há quem seja da
tragicamente errada persuasão de que qualquer maltrato a outros é justificado quando se está
tentando manter a verdade de Deus.
Mais outra lição é encontrada na verdade que o samaritano não estava respondendo a alguma
nobreza [observada] no infeliz estrangeiro. Ele não tinha idéia do caráter moral do homem.
Amor ao próximo não é resposta à bondade de outros, mas à sua necessidade. Tivesse o
homem caído em tais desesperadas aperturas por seu próprio descuido, isso não teria mudado
nada. Ele poderia ter sido um judeu que tivesse tratado samaritanos com desprezo
simplesmente pelas lembranças agitadas das injustiças de outros. Não é fácil esquecer injúrias
antigas e elas são rapidamente generalizadas a populações inteiras. Mas o verdadeiro amor ao
próximo se move somente pela preocupação pelo que em circunstâncias similares se quereria
para si mesmo. Não é uma resposta ao desinteresse dos outros, mas um ato de amor puro
para com aqueles que talvez nunca nos tenham mostrado amizade de maneira nenhuma.
Finalmente, há esta lição fundamental, abrangente. Quando perguntado sobre quem obtém
vida eterna, Jesus remeteu o advogado diretamente de volta às Escrituras. Em nossa busca
por respostas a questões transcendentes, estamos indevidamente dispostos a pensar que a
Bíblia seja muito difícil de oferecer respostas claras. O Senhor sabe mais. A palavra de Deus é
bastante clara para aqueles que querem fazer sua vontade. Tivéssemos hoje em dia a
oportunidade de ficar na presença do próprio Filho de Deus e levantar nossas questões difíceis
com ele, Jesus nos diria o que disse ao advogado judeu. “O que está escrito na palavra de
Deus? Como você a lê?” As respostas estão ali, basta termos coragem para recebê-las e
aplicá-las.
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