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O PLANETA DOS
CAVADORES
Autor
CLARK DARLTON

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Digitalização
VITÓRIO

Revisão
ARLINDO_SAN
(De acordo, dentro do possível, com o Acordo Ortográfico válido desde 01/01/2009)
Está chegando o fim do mês de julho do ano 3.441 do
calendário terrano. Perry Rhodan, que voltou há pouco
tempo da galáxia Gruelfin para a Terra, defronta-se com os
destroços daquilo que foi construído em séculos de trabalho
incansável. Deixou a valiosa Marco Polo no porto da frota de
Terrânia e entrou, juntamente com sessenta companheiros,
entre eles Gucky e Atlan, na Good Hope II, uma corveta com
equipamentos especiais, para partir para o desconhecido.
Perry Rhodan não tem alternativa, embora as condições
caóticas reinantes na Terra exijam a atuação desinteressada
de todos os seres humanos não atingidos pelo processo de
deterioração mental. Desde que apareceu o misterioso
“Enxame”, há cerca de sete meses, o caos está presente em
toda parte. Atinge não somente o Sistema Solar, mas estende-
se a toda a galáxia, conforme se vê nas notícias e pedidos de
socorro das inteligências que ficaram imunes. Perry Rhodan
tem a intenção de investigar o Enxame. Acha que pode ser
possível encontrar um meio de evitar a manipulação da
constante gravitacional realizada pelo Enxame, que causou a
deterioração mental da maior parte dos seres inteligentes, ou
ao menos levar aqueles que comandam o Enxame a não
atravessar a Via-Láctea
A pequena nave de Perry Rhodan já percorreu uma
distância considerável. A Good Hope II encontra-se atrás do
Enxame — seu destino é O Planeta dos Cavadores.

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Perry Rhodan — O Administrador-Geral que está viajando na
Good Hope II.
Aquilo — O imortal do planeta Peregrino que faz uma visita a
Atlan.
Gucky — O rato-castor que tem uma surpresa desagradável.
Flinder Tex Gruppa — Primeiro cavador do Mundo Escondido.
Hershell Anders — Companheiro de Gruppa.
Sargento Bark Khor — Encarregado de uma estação da USO.
1

No ano 3.440 do calendário terrano a Via-Láctea entrou em ebulição. Um perigo


incompreensível e ainda indefinido aproximou-se inexoravelmente dos limites da galáxia
e acabou entrando nela.
Foi o Enxame que chegou.
Ninguém sabia o que era e de onde vinha. Perry Rhodan e seus companheiros eram
os únicos que o tinham observado de longe, quando voltaram à sua galáxia, vindos de
Gruelfin. Mas então ainda não imaginavam que era tão perigoso.
Perry e seus companheiros voltaram à Terra três anos mais tarde do que deviam.
Depararam com o caos. A constante gravitacional da quinta dimensão sofrera uma
alteração, todos os seres inteligentes sofreram um processo de deterioração mental,
somente os mutantes, os mentalmente estabilizados e os que possuíam um ativador de
células continuaram normais.
Além dos tripulantes das naves que se encontravam no espaço linear quando houve
a catástrofe.
A Marco Polo, uma nave gigantesca insubstituível, equipada com o único sistema
de propulsão dimessexta, ficou na Terra, muito bem cuidada pelo Coronel Elas Korom-
Khan. O coronel defenderia a nave se algum grupo de saqueadores ou de membros da
espécie Homo superior a atacasse ou tentasse destruí-la.
Reginald Bell viajava na Intersolar para, nas profundezas do Universo, ajudar todos
aqueles que pediam socorro. Era acompanhado por Julian Tifflor, Ribald Corello, Balton
Wyt e mais de trezentos terranos não atingidos pelo processo de deterioração normal.
Rhodan tripulou o cruzador CMP 41 com sessenta homens e mulheres, batizou-o
com o nome Good Hope II e partiu numa missão que parecia impossível.
Queria investigar a fundo o terrível perigo desconhecido, queria enfrentá-lo e se
possível afastá-lo.
Para trás ficou uma Terra em estado caótico, o Império Solar desmoronado, uma
humanidade perdida — e uma pontinha de esperança daqueles que ainda tinham certa
compreensão do que estava acontecendo.
Esta esperança concentrava-se numa nave esférica de cem metros de diâmetro.
Uma partícula de pó na amplidão infinita do Universo...
Perry Rhodan e Atlan.
Os emocionautas Mentro Kosum e Senco Ahrat.
Icho Tolot, cuja capacidade de ação fora reduzida à metade.
Os mutantes Gucky, Ras Tschubai, Fellmer Lloyd, Takvorian e Merkosh, o
Transparente.
Os mentalmente estabilizados Joak Cascal, Alaska Saedelaere e Lorde Zwiebus, o
pseudoneandertalense.
Treze pessoas — a última esperança duma Terra perdida.
Duma Terra que naquele dia 14 de julho de 3.441 já ficara milhares de anos-luz
atrás da nave com a qual já não existia nenhum contato regular.
Duma terra na qual já começara a revolução social e cujo destino, mesmo sem o
perigo cósmico do Enxame, seria mais que incerto.
***
A Good Hope II mergulhou de novo no universo einsteiniano, para que o conjunto
positrônico que funcionava perfeitamente calculasse os novos dados da rota. A nave
deslocava-se em velocidade pouco inferior à da luz num setor da Via-Láctea em que
havia relativamente poucas estrelas. O telerrastreamento não detectou nenhum objeto
artificial num raio de várias centenas de anos-luz. O sol mais próximo ficava a quatro
anos-luz.
Um período de descanso.
Rhodan recolhera-se ao camarote para dormir algumas horas. Rhodan pensou em
fazer a mesma coisa, mas por algum motivo resolveu dar mais uma olhada na sala de
hiper-rádio do cruzador para conhecer as últimas novidades.
O Capitão Farside estava de serviço. Era muito provável que seu estado de sanidade
mental fosse devido ao fato de sua cobertura craniana consistir principalmente numa liga
de prata. De qualquer maneira não tinha nada daquilo que sem ironia podia ser chamado
de mentalmente deteriorado.
Quando Atlan entrou na sala de rádio, o capitão veio ao seu encontro.
— Só tivemos um ligeiro contato de rotina com a Intersolar, senhor. O Marechal-
de-Estado resolveu dirigir-se a uma das bases secretas da USO, que transmitiu um pedido
de socorro pelo rádio. Parece que por lá o sistema biopositrônico ficou completamente
confuso. Não temos notícias da Terra.
— Obrigado. — Atlan sentou em uma das poltronas anatômicas que ficavam à
frente dos controles do rádio. — Até estou admirado porque ainda se consegue fazer
contato pelo rádio.
— Os contatos foram bem ruins. Constantemente recebemos mensagens de SOS de
naves terranas e de outras providências que retornaram ao espaço normal e ficaram
sujeitas à influência da radiação desconhecida.
— Talvez seja mesmo uma espécie de radiação — disse Atlan, que não conhecera a
causa da catástrofe, da mesma forma que Rhodan ou qualquer outra pessoa. — Vamos
descobrir.
Farside sentou na poltrona ao lado. Achava que tão depressa não teria uma
oportunidade de fazer tantas perguntas.
— Temos algum indício? — perguntou.
Atlan sacudiu a cabeça.
— Nenhum, capitão. A respeito do Enxame não sabemos praticamente nada. Bolhas
de energia, nas quais provavelmente se escondem naves. Algumas unidades de
vanguarda, depois o contingente principal, a retaguarda — tudo isto pode ter uma
extensão de vários anos-luz. Como já disse, capitão, o que sabemos é muito pouco. Não
me atrevo a fazer prognósticos. Só sei que se trata de uma coisa nunca vista. Parece que
milhares de sistemas solares saíram numa grande viagem. Naturalmente não é nada disto.
Seria uma impossibilidade técnica.
— Talvez sejam naves.
— É bem provável que sejam. Naves pequenas e naves gigantescas, do tamanho de
um planeta. Tudo envolto em campos energéticos, à sua direita e à sua esquerda, mas
principalmente atrás delas o caos e a destruição, e regressão a uma época em que
começou a se desenvolver a inteligência. Talvez seja uma consequência não desejada de
sua técnica, mas também é possível que tudo seja proposital.
— O que uma única nave com sessenta pessoas a bordo pode fazer para eliminar
este perigo? — perguntou Farside em tom pessimista. — Estamos sós, muito sós neste
universo. A civilização de uma galáxia será tragada pelo inferno.
Atlan compreendia perfeitamente o desespero do oficial. Quando começou há seis
meses a decadência da civilização galáctica, ninguém podia imaginar as consequências
que teria a presença do Enxame, isto sem mencionar o fato de que ninguém tivera
oportunidade de observá-lo. A onda de destruição corria à sua frente, numa extensão de
mais de dez mil anos-luz.
— Estamos sós — disse Atlan depois de uma longa pausa. — Mas nem por isto
estamos perdidos. Conhecemos a posição aproximada do Enxame e vamos fazer um
reconhecimento. Somos imunes àquilo que costuma ser chamado de raios de deterioração
mental. E, o que é o principal, saberemos cuidar-nos muito bem.
— Isso me deixa mais tranquilo — respondeu o Capitão Farside em tom seco. —
Ainda podemos contar com Gucky.
Atlan reprimiu o riso.
— Finalmente ele poderá provar que realmente é o salvador do Universo, como
costuma dizer de brincadeira. Desta vez a existência do Universo realmente está em jogo.
O arcônida levantou.
— Já vai? — perguntou Farside, dando a impressão de que tinha medo de ficar só.
— Vou descansar — respondeu Atlan. — Algumas horas de sono me farão bem.
Quem sabe quando terei outra oportunidade para isso? A propósito. Assim que o centro
de rastreamento tiver calculado a posição exata do Enxame, o Chefe quer ser informado.
— Entendido — disse o oficial de rádio.
Atlan saiu e fechou a porta, adiantando-se ao sistema automático. Caminhou
devagar pelo corredor, em direção ao elevador antigravitacional. Passos vieram ao seu
encontro. Quando levantou os olhos, estacou.
O homem que vinha ao seu encontro muito devagar não fazia parte da tripulação da
Good Hope II...
***
Devia ser muito velho, a julgar pela barba. Chegava até o peito de Atlan e seu rosto
moreno era enrugado. Mas os olhos eram vivos, quase juvenis, e havia neles uma ligeira
ironia.
O homem usava um guarda-pó comprido, seguro por um cinto no centro. Na direita
segurava um bastão cheio de nós no qual se apoiava para andar.
Quando viu Atlan parou.
— Ora veja, o arcônida imortal! — Sua voz era grave e cheia, e havia nela um
ligeiro tom de segredo. Falava sem nenhum sotaque. — É bom revê-lo. A situação não é
muito agradável, não acha?
Atlan parou a dois metros do velho. Já sabia de quem se tratava.
— É o senhor — o imortal de Peregrino — Aquilo...!
— Isso mesmo. E temos de encontrar-nos logo aqui, onde nem sequer existe um
lugar confortável para sentar.
— Venha comigo, amigo. Meu camarote está à sua disposição.
— Deixe para lá, Atlan. — O velho abandonou o você e passou a usar uma
linguagem mais convencional. — Eu quis que nosso encontro fosse aqui. — O imortal
deu uma risadinha. — Que disse nosso grande mestre e senhor quando percebeu que seu
trabalho foi em vão? Como se sente o herdeiro do Universo? O que sobrou de seu
universo? Algumas naves, alguns planetas espalhados pelo espaço infinito, um punhado
de seres humanos...
— Por que faz pouco-caso de nós?
O velho parecia espantado.
— Acha que estou fazendo pouco-caso? Minha intenção não foi esta, amigo. Só fiz
uma constatação. Só lamento que não possa nem deva ajudá-los. Os senhores terão de
trilhar seu próprio caminho, até a vitória final — ou até o fim amargo. Tudo depende de...
— Será que conseguiremos sozinhos?
— Sem dúvida. Depende de certas circunstâncias. Tenho certeza de uma coisa:
Rhodan quer saber que espécie de perigo enfrenta a Via-Láctea — e ele tem razão. Tem
de saber para poder fazer alguma coisa. Mas também tem de saber que com isso se expõe
a um perigo tremendo. Sei quais são os planos. Vocês querem descer num planeta que
percorre sua órbita atrás do Enxame. Querem investigar um mundo pelo qual o Enxame já
passou. Não é isto?
— Será que existe uma coisa que o imortal de Peregrino não sabe? — perguntou
Atlan. — Que quis dizer ao referir-se a um mundo pelo qual o Enxame já passou?
— Cada um pode interpretar isto à sua maneira. O fato é que só posso apoiar o
plano, mas devo preveni-los para que não subestimem os perigos. Nunca as vidas
humanas foram tão preciosas como hoje. Não restam muitas na galáxia.
— Pelo menos não restam muitas nas quais se possa confiar — concordou Atlan. —
Quer dizer que não podemos contar com nenhuma ajuda, nenhuma dica?
— Isso mesmo, Atlan. Ninguém pode ajudá-los e ninguém pode dizer-lhes o que
vem a ser o Enxame, de onde veio e quais são suas intenções. Vocês não são a primeira
galáxia que sofre a desgraça de sua visita. O Enxame não é um perigo de proporções
galácticas, mas um perigo de âmbito universal.
— Por que veio falar justamente comigo? Poderia ter procurado Rhodan.
— O senhor é mais velho, mais experiente que ele, sua imortalidade dura há mais
tempo. O senhor é o tático, o espia cauteloso, é mais discreto e menos impulsivo. Ele o
ouvirá quando falar em nosso encontro e ressaltar que também estou preocupado, muito
preocupado. Se ouvir o senhor não subestimará o perigo, como fizeram muitos antes dele.
Estes não vivem mais.
— É tão grave assim?
— É mais grave que isso. — O velho começou a falar mais depressa quando se
ouviu o ruído de passos. Alguém vinha em sua direção. Não podiam vê-lo, porque o
corredor fazia uma curva. — Voltarei a entrar em contato com o senhor se for necessário
— e se as condições permitirem. Cuide de Rhodan, Atlan! Eu lhe peço!
Atlan acenou com a cabeça.
— É claro que cuidarei e...
O arcônida calou-se.
O velho desaparecera de um instante para outro. Até parecia que se desmanchara no
ar.
Atlan ficou só no corredor, mas teve bastante presença de espírito para retribuir
amavelmente o cumprimento do oficial que passou por ele quando seguiu adiante em
direção ao seu camarote.
***
Pouco antes que seu tempo de descanso chegasse ao fim, Gucky acordou.
Estava deitado na cama, despido e mal-humorado. As últimas semanas o tinham
deixado bem desgastado, embora o novo perigo não o atingisse diretamente. Só os seres
humanos eram atingidos pelo processo de deterioração mental, ele não.
Era um fato que já o levara mais de uma vez a fazer observações mordazes.
Gucky olhou para o relógio. Dentro de trinta minutos a Good Hope II entraria de
novo no espaço linear para aproximar-se da posição em que, segundo se acreditava,
estava o Enxame.
O rato-castor tinha suas próprias ideias a respeito do Enxame. Manifestara-as de vez
em quando e acabara chegando à conclusão de que neste caso era melhor guardar seus
pensamentos só para si. Ninguém acreditava na verdade porque era muito fantástica.
Nem ele.
O rato-castor bocejou, escorregou da cama para o chão e caminhou balançando o
corpo para a cabine de banho, onde se refrescou. Depois de dormir parecia uma esponja
amassada — era ao menos o que vivia afirmando Ras Tschubai. E como o rato-castor ou
ilt também tinha sua ponta de vaidade, ele preferia tomar um banho ao levantar.
Afinal, tinha quase mil anos de idade.
Em seguida usou o intercomunicador para informar seus amigos mais chegados, os
mutantes Ras Tschubai e Fellmer Lloyd, de que já tinha descansado e estava disposto a
conversar um pouco.
Fellmer Lloyd não se mostrou muito interessado. O telepata ainda estava sonolento
e, segundo disse, preferia poupar as forças para a próxima missão. Ras mostrou-se mais
disposto. Prometeu que dentro de dez minutos estaria no camarote de Gucky.
O rato-castor usou suas provisões para preparar um suco de frutas gelado. Colocou
copos sobre a mesa e providenciou alguns salgados. Ultimamente não fazia tanta questão
de alimentar-se com cenouras e pontas de aspargos. Chegara à conclusão de que salgados
também podem ser muito saborosos, apesar de engordar. E nisto ele precisava cuidar-se.
Gucky não tinha vontade de transformar-se num segundo Axo.
Ras chegou e sentou na poltrona.
Fez um gesto de admiração.
— Excelente, meu amigo! Vejo que está se transformando no anfitrião perfeito. Se
me lembro de como era antes...! A gente ficava contente se recebia um copo de água.
— No deserto um pingo de água vale ouro — recitou Gucky e encheu os copos. —
Numa espaçonave um suco de frutas vale tanto quanto um cálice de vinho de primeira.
Ras brindou para o ilt e sacudiu a cabeça.
— E incrível que você se preocupe com essas coisas. O destino de nossa galáxia
está em jogo, e você se mete a filosofar. Alguma novidade?
— Quer saber se descobri alguma coisa? — Estas palavras eram uma alusão à
capacidade de telepata de Gucky, graças à qual era capaz de fazer espionagem em
qualquer tempo e lugar. — Só algumas mensagens sem importância da Intersolar e de
Bel... Ele anda pelo espaço, visitando as bases da USO. A Terra fica em silêncio.
— E nós? O que há conosco?
— Com a próxima etapa linear nos aproximaremos mais do Enxame — e é só.
— Só isso? — Ras pegou um salgadinho. — O que vem a ser mesmo esse Enxame?
Tem alguma ideia?
— Sei tanto quanto você. — Gucky voltou a encher o copo de Ras. — É um
Enxame de naves vindas de outra galáxia, do qual ninguém sabe o que veio fazer aqui. É
só. Ninguém sabe mais que isto.
— Naves! — Ras fez uma cara como se tivesse teleportado para fora da nave e
esquecido o traje espacial. É claro que são naves. Mas o que há nelas? Desconhecidos?
Como são eles?
Gucky fez um gesto de recusa.
— Acha que sou um vidente? Devem ser seres inteligentes, senão não seriam
capazes de transformar os homens em idiotas. — Gucky exibiu um sorriso matreiro. —
Será que antes não eram?
Ras conseguiu ficar bem calmo. Conhecia as ironias do rato-castor.
— Acontece que se você está vivo é graças a esses homens idiotas, caso você tenha
esquecido. É melhor pensar num meio de ajudar. Um império desmoronou, Gucky.
Gucky acenou com a cabeça. Desta vez estava sério, sem nenhuma ironia.
— É verdade. O Império Solar. E não somente ele. A estrutura de uma galáxia se
desfez. E tudo isto por causa desse Enxame gigantesco que anda fazendo das suas por
aqui. Para ser sincero, não compreendo. Antes de mais nada temos de descobrir se a
deterioração mental é causada de propósito pelos desconhecidos, ou se se trata de um
fenômeno não desejado. Na última hipótese seria possível chegarmos a um acordo.
— Isso mesmo. Penso exatamente como você. Resta saber como faremos para
descobrir.
— Perguntando a eles — sugeriu Gucky em tom ingênuo.
Ras quis dar uma resposta, mas neste momento ouviu-se o sinal de chamada do
intercomunicador.
Era Mentro Kosum, que estava exercendo as funções de comandante.
— Atenção todos os tripulantes! Daqui a dez minutos a nave entrará no espaço
linear. A etapa nos fará percorrer mais de cinco mil anos-luz. Oportunamente
informaremos o momento de reentrada. A divisão das tarefas permanece. Final.
— Ele não disse onde está o Enxame! — indignou-se Gucky. — Será que ninguém
sabe?
— Só se sabe mais uma vez — tentou acalmar Ras. — Você conhece o plano de
Rhodan. Ou não conhece? Para pô-lo em prática a primeira lei é a prudência.
— Prudência? Conosco?
— Tolice! Nem nós sabemos onde exatamente se encontra o Enxame neste
momento. A palavra prudência deve ser entendida em termos gerais. Não devemos
aproximar-nos do Enxame, pois ninguém deve notar nossa presença ou identificar-nos
como perseguidores. Queremos encontrar um planeta que o Enxame tenha deixado atrás.
Um mundo influenciado por ele. Só assim nossos cientistas poderão descobrir o que
aconteceu mesmo — e talvez por que aconteceu.
Gucky acenou com a cabeça.
— Compreendi, meu chapa. Acha que isso adianta?
Ras suspirou.
— Em algum lugar temos de começar — disse e pegou o copo. — Tem mais um
pouco deste troço...?
***
A situação era esta:
Ninguém sabia nada, todos ficavam adivinhando.
Com Rhodan acontecia a mesma coisa.
A posição do Enxame podia ter sofrido uma grande mudança nas últimas semanas.
Tudo dependia se ele seguira à velocidade da luz, ou se realizara uma transição — já que,
segundo parecia, as naves do Enxame não estavam equipadas com propulsores lineares. A
única coisa que Rhodan podia fazer era voar para o limite sul da Via-Láctea e seguir a
pista.
O telerrastreamento ainda não encontrara nada, mas para Rhodan isso não era um
fato positivo nem negativo. As inúmeras bolhas do Enxame também continuavam
desconhecidas em seus efeitos sobre o sistema de telerrastreamento. Era bem possível
que absorvessem os reflexos emitidos pelos rastreadores ou os desviassem na direção
errada.
Atlan entrou em contato com Rhodan depois que a Good Hope II tinha entrado no
espaço linear. Dormira um pouco, mas o nervosismo que voltou a sentir fez com que
acordasse. Rhodan estava sentado na cama, completamente vestido.
— Vem da sala de comando?
— Estava dormindo, Perry, mas a incerteza não permitiu que eu descansasse. Você
sabe se a próxima etapa de voo linear dará bons resultados?
— Ninguém sabe, Atlan. A única coisa que podemos fazer é ter esperança. —
Rhodan apontou para a poltrona livre. — Sente, amigo.
— Obrigado. — Atlan sentou. — Você pode dizer o que sente? Acho que já
enfrentamos inúmeros perigos juntos, resolvemos problemas que pareciam insolúveis,
mas o que está acontecendo agora...! — Atlan sacudiu a cabeça. — Sou mais velho que
você, muito mais velho, mas não me lembro de já ter passado por isto. É a primeira vez
que o Universo enfrenta um perigo destes. Aliás, o que vem a ser mesmo o perigo? Seres
inteligentes? Um fenômeno natural, mesmo que talvez se trate de naves que formam o
Enxame?
— São naves! — afirmou Rhodan. — Encontramos uma. Parecia uma arraia voando
ao contrário.
— Sem dúvida. Mas será que isto é uma prova?
— Temos de aceitá-la como tal.
— Mas é só isso. Teorias, somente teorias. Mas talvez dentro de pouco tempo
tenhamos certeza, quando localizarmos o Enxame.
— Mesmo então não teremos certeza, porque não nos aproximaremos do Enxame
propriamente dito. Só nos dirigiremos às regiões da galáxia por ele atravessadas. Posso
imaginar o que encontraremos.
— Sim, eu sei — respondeu Atlan em tom preocupado. — Um mundo mentalmente
deteriorado.
— Talvez. Um mundo só pode deteriorar-se mentalmente se seus habitantes eram
inteligentes.
Atlan sorriu ligeiramente.
— Nosso amigo Gucky não pensa assim. Pergunte a ele.
— O querido de todos nós já me disse sua opinião — disse Rhodan. — Dentro de
algumas horas saberemos mais alguma coisa. Isto se tivermos sorte e localizarmos o
Enxame.
— Acabaremos encontrando-o.
Rhodan levantou, foi até o armário embutido e tirou um mapa. Era um mapa geral
da Via-Láctea, colorido e em três dimensões. Transmitia uma impressão incrivelmente
natural. Tinha-se a impressão de ver as diversas estrelas uma atrás da outra, da mesma
forma que são vistas no espaço, a olho nu. A posição do Enxame há algumas semanas
fora registrada na extremidade sul da galáxia.
— A propósito. Alguém me visitou — disse Atlan e relatou seu encontro com o
imortal do planeta Peregrino. — Se ele se preocupa conosco, o que já fez várias vezes, o
problema deve ser muito sério.
Rhodan colocou o mapa sobre a mesa e sentou.
— Nenhum ponto de referência, nenhum conselho? — O Administrador-Geral
sacudiu a cabeça. — Só um alerta... Não esquecerei. — Rhodan voltou a examinar o
mapa. — O Enxame deve estar mais ou menos aqui, a não ser que tenha mudado de rota
ou velocidade, o que é pouco provável. Acho antes que muda muitas vezes de posição.
Atlan tirou do bolso um bilhete cheio de anotações e desenhos em miniatura.
— Fiz meus próprios cálculos e cheguei a um resultado semelhante, Perry. Em
minha opinião o Enxame deve ter alcançado mais ou menos este setor. — O arcônida
encostou o dedo indicador no braço espiral sul da Via-Láctea. — Admitindo que as
misteriosas radiações produzem efeito não apenas atrás do Enxame, mas também à sua
frente, como prova o exemplo da Terra, podemos determinar a direção. Onde nos
encontramos neste momento?
— Depois que retomarmos ao universo normal estaremos aqui. — Rhodan também,
apontou um ponto do mapa. Seu dedo indicador tocou no braço espiral da galáxia perto
do de Atlan. — Caramba!
— Pois é! — disse Atlan e olhou para o relógio de parede. — Quanto tempo falta?
— Kosum avisará quando chegar a hora.
Os dois ainda discutiram alguns detalhes do procedimento que adotariam depois que
tivessem descoberto o Enxame. Sabiam por experiência própria que não seriam
incomodados muito, desde que não se aproximassem demais. Não tinham mesmo a
intenção de penetrar nas fileiras do Enxame. Podiam dar-se por satisfeitos se
conseguissem vê-lo.
O intercomunicador deu o sinal de chamado.
Era Mentro Kosum informando que dentro de dez minutos teria Início a manobra de
entrada no espaço linear.
***
O telerrastreamento reagiu imediatamente.
Rhodan, Atlan, Alaska Saedelaere e Lorde Zwiebus estavam na sala de comando.
Fora deles só havia os oficiais de plantão. Assim que o centro de rastreamento comunicou
o primeiro telecontato, saíram correndo para a outra sala, pois não queriam perder
nenhum detalhe. Rhodan olhou para as indicações da telemetria e respirou aliviado.
— São cerca de setenta anos-luz. Tivemos sorte. Nem sei o que poderia ter
acontecido se tivéssemos saído no meio do Enxame.
Ninguém sabia.
Em seguida examinaram cuidadosamente os valores indicados pelos diversos
instrumentos para ter uma noção geral. Foi mais ou menos como daquela vez em que
tinham visto o Enxame pela primeira vez, mas havia uma diferença. Conheciam o perigo
que ele representava. Além disso a distância era maior e com ela o fator de segurança.
Mais que isso, desta vez o Enxame atravessava o espaço normal em formação compacta.
Seu tamanho era enorme.
Mudava constantemente, mas em média a dimensão longitudinal era de dez anos-
luz no máximo. Dois gigantescos conjuntos de bolhas formavam a vanguarda. Depois
vinha o contingente principal e finalmente a retaguarda. Naturalmente as telas dos
rastreadores não mostravam naves, mas apenas as bolhas dos campos energéticos, que
apareciam em forma de ecos. Mais ou menos como na imagem da Via-Láctea, os
diversos pontos fundiram-se numa só unidade, cristalina e brilhante, da qual já não se
distinguiam os detalhes.
— Até parece uma serpente gigante que acaba de devorar vários sistemas solares e
está fazendo a digestão — disse Lorde Zwiebus, tentando aplicar uma comparação que
lhe pareceu apropriada. Estava de pé, apoiado sobre a clava, num incrível anacronismo do
ponto de vista exclusivamente ótico. — Tenho medo dela.
— Todos temos — confessou Atlan.
O telerrastreamento continuava a fornecer dados. Parecia que o Enxame já se
encontrava no universo normal há bastante tempo. Deslocava-se à velocidade da luz, com
um destino desconhecido. Não se notava nenhuma mudança de rota depois que fora
avistado pela última vez. Mas isso não queria dizer nada.
— Acho que vamos chegar mais perto — sugeriu Rhodan depois de uma ligeira
troca de ideias. — Talvez devamos aproximar-nos a dez anos-luz...
Atlan foi à sala de comando para informar Mentro Kosum.
Dali a pouco começou a ser programada uma etapa linear de sessenta anos-luz.
***
Duas horas depois.
Mais uma vez estavam reunidos na sala de rastreamento. Desta vez os mutantes
também se encontravam presentes.
Quando a Good Hope voltou a mergulhar no universo normal, os ecos voltaram a
aparecer nas telas. Tinham mudado bastante.
Eram maiores e estavam mais próximos.
Não se podia ver a um relance de olhos o Enxame em todo seu comprimento. Foi
necessário conjugar várias telas para obter uma imagem completa.
Alaska Saedelaere adiantou-se um passo.
— Há um sol pouco atrás da retaguarda deles, um pouco para o lado.
Acompanhando a trajetória do Enxame para trás, vê-se que ele passou lá.
—Tenho certeza de que não foi uma passagem direta — disse Rhodan depois de um
ligeiro exame das telas de imagem
— Se verificarmos de que sol se trata e se possui planetas habitados, poderemos
encontrar exatamente o exemplo que estávamos procurando. — Rhodan deu algumas
instruções aos oficiais do rastreamento e prosseguiu: — o Enxame passou nos limites do
sistema.
Dali a pouco os computadores anunciaram o resultado dos cálculos astrofísicos.
Ainda havia os dados da divisão astronômica. Todos estes dados, em conjunto,
forneceram a identidade da estrela vermelho-escura, que emitia um estranho brilho
sombrio.
Rubi Ômega!
Atlan fitou Rhodan com uma expressão indagadora quando se soube o nome.
Rhodan compreendeu logo, mas também compreendeu que já não estava na hora de fazer
segredo.
— Trata-se de um sistema secreto da USO — disse. — Não conheço maiores
detalhes a seu respeito, mas sei que Rubi possui dois planetas e que o planeta interior é
habitado e possui uma atmosfera de oxigênio. Desse planeta são extraídas valiosas
matérias-primas, mas para explicar melhor precisaria dos dados. De qualquer maneira
acredito que tivemos sorte. Encontramos um planeta habitado que ficou atrás do Enxame.
Vamos examiná-lo.
— E se estivermos enganados? — perguntou Fellmer Lloyd em tom de ceticismo.
— É possível que algumas naves do Enxame tenham ficado lá e dêem o alarme assim que
nos aproximarmos do sistema.
— É um risco que temos de assumir, Fellmer. Não temos alternativa.
— Quer dizer que mais uma vez vamos dar uma de exploradores — queixou-se
Gucky, apesar de em outras oportunidades ter deixado claro que era disso que ele mais
gostava.
— Não existem dados sobre o sistema em nosso arquivo?
— Vou examiná-los — prometeu Rhodan e fez um sinal para Atlan. — Avise
Kosum, para que mande calcular a etapa que nos levará para Rubi. Daqui a três horas
estaremos na sala de comando.
***
Os dados completos tinham sido armazenados no arquivo.
Rubi ômega era um pequeno sol decrépito com uma extraordinária densidade de
massa. O planeta interior era habitável, mas o exterior só possuía uma atmosfera
congelada e era considerado inabitável. Os nomes dos planetas eram Hidden World I e
Hidden World II.
Eis os dados a respeito de Hidden World I:
Existe uma estação da USO em meio à paisagem primitiva. Os habitantes do planeta
são descendentes dos antigos colonos do Império Solar. Vivem principalmente da
extração de minerais. Extraem-se certas substâncias conhecidas como Eupholithe e Olio
Hymenopterii.
O eupholithe é formado pelos restos dos esqueletos de certa espécie de cupim
gigante, que sofreram alterações sob os efeitos da pressão e da ausência de luz. O cupim
desapareceu há milhares de anos. Os tipos comuns de eupholithe são menores, menos
brilhantes e perdem suas qualidades dentro de pouco tempo. Segundo dizem as
informações, são mais procurados os eupholithes raros formados pelas antigas rainhas
dos cupins. Só um especialista pode encontrá-los. Geralmente a pedra eupholithe é usada
pelos terapeutas para manter seus pacientes de bom humor e transmitir-lhes um
sentimento de completo bem-estar. Dentro de dez anos mais ou menos a pedra perde suas
estranhas qualidades, sob o efeito da luz do sol. Por isso Hidden World I foi transformado
em protetorado da USO.
A outra substância, denominada Olio Hymenopterii, é formada pelos restos
orgânicos dos cupins que se juntaram numa blindagem de chitin. É usada na fabricação
de valiosos perfumes.
Em resumo: Os ossos dos cupins transformaram-se em Eupholithe e as outras
substâncias orgânicas produziram um óleo cor de âmbar — o olio hymenopterii —
guardado em recipientes blindados esféricos.
Por causa disso cerca de dez mil seres humanos viviam em Hidden World I. O
clima rigoroso obrigava-os a viver no subsolo, nas galerias e construções dos cupins
gigantes desaparecidos, que tinham sido do tamanho de um cão pastor adulto. Tinham-se
instalado nas cavernas e corredores, levando uma vida calma e pacata. As naves da USO
apareciam regularmente para levar as preciosas matérias-primas. Em troca traziam
mantimentos e outros produtos de que precisavam os habitantes.
Foi esta a situação até que apareceu o Enxame.
Aí tudo mudou.
***
A próxima etapa linear, que por enquanto seria a última, acabara de ser programada.
O destino:
Rubi ômega e seus dois planetas.
Atlan estava ao lado de Rhodan quando a Good Hope estava para entrar no espaço
linear. O voo só duraria alguns minutos.
— Acha mesmo que encontraremos alguma informação?
— O que você quer dizer com isso, Atlan? Quero ver como fica um mundo pelo
qual passou esse maldito Enxame. Acho que isto nos permitirá tirar algumas conclusões
capazes de ter uma influência positiva sobre o comportamento que deveremos adotar
daqui para diante.
— Ou uma influência negativa.
Atlan resolvera manifestar suas dúvidas.
— Vamos esperar. Acho importante colher informações, seja de que espécie forem.
Precisamos saber o que acontece quando o Enxame passa perto dum mundo habitado sem
que pareça ter uma intenção definida. Dali poderemos concluir quais são seus planos.
Compreendeu o que quero dizer?
— É claro que sim. É simples. Mas não se esqueça da advertência do imortal, Perry!
Ele nos alertou contra um perigo que não somos capazes de avaliar. Não sei se ele se
referiu ao perigo representado pelo Enxame, ou ao perigo que enfrentaremos num planeta
mentalmente deteriorado.
Rhodan acenou com a cabeça.
— Para descobrir isso temos de descer em Hidden World.
O intercomunicador emitiu um ruído metálico.
— Entraremos no espaço linear dentro de três minutos.
Rhodan e Atlan sentaram nas poltronas.
Tudo correu conforme fora programado. A Good Hope saiu do espaço einsteiniano
e permaneceu algum tempo na zona neutra do espaço linear, para em seguida retomar ao
universo tridimensional. Dentro deste tempo percorreu dez anos-luz.
Uma imagem apareceu na gigantesca tela panorâmica.
Formou-se devagar, como se estivesse hesitando, mas acabou ficando bem nítida.
Rubi Ômega brilhava num vermelho apagado bem na direção do voo, a duas ou três
horas-luz no máximo. Dois companheiros pequenos, muito luminosos, percorriam órbitas
em sentido contrário — Hidden World I e II.
O Enxame visto de trás parecia uma nuvem brilhante.
Todos os cálculos eram certos. O Enxame afastava-se. Parecia nem ter tomado
conhecimento do sistema solar que tangenciara.
— É estranho — disse Atlan quando a Good Hope prosseguiu em velocidade pouco
inferior à da luz. — Parece que estão entrando em nossa Via-Láctea, sem nenhum plano,
sem qualquer intenção definida. Entram por entrar. Você acha que dá para entender?
— Não entendo. Logo, não acredito. Devem ter alguma intenção! Vamos descobrir.
O centro de rastreamento e a sala de rádio deram as primeiras informações. Não
havia nenhum objeto estranho perto do sistema Rubi ômega, e não tinham sido detectadas
comunicações pelo rádio. Nenhum sinal de rádio estava sendo transmitido do planeta
número I.
Já era um ponto de referência. Afinal, havia no planeta uma estação da USO que era
obrigada a enviar sinais de rotina a intervalos regulares.
Estes sinais não estavam sendo emitidos.
Dali só se podia concluir que a guarnição não estava mais em condições de lidar
com os aparelhos de rádios, ou que a estação fora destruída — não se sabia como.
— Encontraremos um mundo devastado sem vida — profetizou Rhodan em tom
pessimista.
— Por quê? — Atlan parecia mais confiante. — Porque a estação da USO deixou
de transmitir sinais? Isso não quer dizer muita coisa. Como se deduz dos dados de que
dispomos, a guarnição é formada por dois homens. Talvez tenham adoecido. Seria uma
explicação.
— Os dois ao mesmo tempo? — Rhodan sacudiu energicamente a cabeça. — Não
venha me dizer que você acredita nisso. Mesmo que fosse assim, ainda teriam tido
oportunidade de enviar um pedido de socorro. Talvez tenham feito isso, mas você sabe
qual é a situação. Quem poderia ter captado, interpretado e retransmitido os sinais de
rádio em meio a todo este caos?
— Talvez tenha sido isso. O fato é que nossa estação permanece em silêncio. É
claro que na situação em que nos encontramos a falha não foi notada em Terrânia. Tudo
bem. Temos uma explicação para o silêncio da estação. E daí?
— Dai nada, Atlan. Pousaremos.
Atlan lembrou-se da advertência do Imortal.
— Não seria conveniente fazer descer primeiro um comando? Um caça ou talvez
um planador?
— Desta vez não, Atlan. Ficaremos juntos. Somos apenas oitenta. Se nos
separarmos, o perigo aumenta. Pousaremos com a Good Hope. Naturalmente tomaremos
as precauções adotadas pelas naves exploradoras.
— E possível que isso baste — disse Atlan em tom de ceticismo. Mas acho que
devemos dar pelo menos dez voltas em tom o de Hidden World antes de descer.
— Concordo — disse Rhodan.
***
Dez mil habitantes num planeta era pouco, muito pouco. Mal se podia acreditar que
o número fosse tão pequeno. Mas foi o valor indicado pelo banco de dados positrônico.
Dez mil habitantes, todos eles concentrados em um ponto. O resto da superfície do
planeta, que correspondia a mais de noventa e nove por cento, era considerado território
desabitado.
Ali só havia plantas e insetos.
Os insetos eram os verdadeiros donos de Hidden World I, depois que tinham
desaparecido os cupins. Estes quase tinham destruído a vegetação, privando-se de seu
alimento principal. Morreram de fome e desapareceram.
Os insetos sobreviveram, porque passaram a praticar o canibalismo. Os maiores
devoravam os menores. Somente os muito pequenos continuaram a ser vegetarianos. Para
ele a vegetação escassa, que tinha muita dificuldade em adaptar-se ao clima áspero e às
constantes tempestades, era suficiente. Por isso não era de admirar que aparecessem
formas de vida muito estranhas.
Para citar somente duas, havia pá de moinho de vento e os cavadores noturnos.
As pás de moinho de vento aproveitavam o vento em seu beneficio. Como tinham
raízes móveis que podiam usar para mudar de posição, não ficavam presas em
determinado lugar. Mas em vez de simplesmente movimentar as raízes numa caminhada
lenta, recorreram ao auxílio da natureza, que dera às folhas grossas e camadas a forma de
asas. Estas folhas estavam presas nos caules de tal maneira que podiam efetuar
movimentos giratórios uniformes e, através de um complicado sistema de transmissão,
movimentar as raízes. Desta forma as plantas podiam locomover-se com o vento. Quanto
mais forte este, maior era sua velocidade.
O cavador noturno reagia à luz solar. Assim que escurecia, enterrava-se na areia, na
terra ou nas cinzas vulcânicas para proteger-se do frio da noite nas profundezas mais
quentes do solo De manhã, quando os primeiros raios do sol começavam a aquecer o
solo, subia à superfície para converter a luz em alimento, numa espécie de fotossíntese.
Insetos e plantas.
E uns poucos seres humanos.
Era este o mundo chamado Hidden World I.
***
A Good Hope continuava a penetrar no sistema.
Do ponto de vista técnico parecia completamente morto. Não se captou nenhum
sinal de rádio e o rastreamento especial não detectou a presença de seres inteligentes. Até
parecia que em Hidden World I nunca existira uma colônia.
A rota programada fez a nave passar longe de Rubi ômega e mais longe ainda do
planeta exterior. A tela em que aparecia o ponto de destino mostrava Hidden World 1
como uma bola esverdeada brilhante, na qual não se viam os contornos dos continentes.
Passou-se mais uma hora. Finalmente Mentro Kosum deu início à manobra de
frenagem e mandou calcular os dados da órbita do planeta. Estes resultaram
principalmente da força do campo de gravitação e da altura do percurso.
Gucky, que contemplava a tela sem dizer uma palavra, já colocara o traje de
combate. Não teria de fazer mais nada a não ser acionar o fecho do capacete caso tivesse
de teleportar de repente para fora da nave. Mas por enquanto nada indicava que haveria
uma ação de emergência.
Fellmer Lloyd, que estava sentado a seu lado, tentou captar impulsos mentais.
Naquela altura a distância em que se encontrava o planeta já não fazia nenhuma
diferença.
— Nada? — perguntou Rhodan em meio ao silêncio carregado de tensão.
O telepata sacudiu a cabeça.
— Não percebo nada. Às vezes tenho a impressão de que existem certos impulsos,
mas são tão vagos e imprecisos que não é possível identificá-los.
— E você, Gucky?
— Comigo acontece a mesma coisa. Tenho a impressão de que há insetos
conversando. Mas é claro que isto é uma tolice, pois os insetos conforme as
circunstâncias possuem menos inteligências que os homens.
Todos estavam acostumados às observações sarcásticas do rato-castor e não as
levavam a sério, principalmente Rhodan e Atlan.
— Pois trate de esforçar-se um pouco. Mesmo que a mente das pessoas se tenha
deteriorado, elas ainda pensam.
— Só pensam bobagens! — disse Gucky em tom contrariado e voltou à postura de
meditação.
Kosum ancorou a Good Hope definitivamente numa órbita. A nave deslocava-se em
queda livre em tomo do planeta, a dois mil quilômetros de altura. As telas de ampliação
mostravam todos os detalhes da superfície.
De fato não havia continentes propriamente ditos, mas apenas grandes lagos. Não
existia nenhum oceano. As superfícies contínuas estavam cobertas de vegetação nas
planícies e de pedras nas regiões mais altas. Era uma paisagem triste, apesar da atmosfera
de oxigênio ainda aproveitável.
— Só um louco se deixaria prender espontaneamente num mundo destes — disse
Cascal em tom convicto. — E dizem que existiram dez mil loucos que foram capazes
disto?
— Cada ser humano tem suas próprias ideias a respeito da felicidade e da satisfação
— contestou Rhodan. — Aqui eles eram donos de um mundo, embora fosse um mundo
estranho, pouco hospitaleiro, sem nenhuma civilização. Viviam sós e ninguém lhes dizia
o que deviam fazer. As informações disponíveis aludem a expedições nas áreas
desabitadas, em aventuras perigosas e residências subterrâneas dos cupins desaparecidos,
de antigas belezas naturais na planície vulcânica, de coisas que na Terra não existem mais
e com as quais só podemos sonhar. O senhor não é capaz de imaginar, Cascal, que ainda
existem pessoas que se interessam mais por isto que por bares, centros de recreação
modernos e mulheres?
— Reconheço que existem, mas eu não sou uma destas pessoas.
— Com certa tolerância podemos compreender todos os lados, mesmo que pareçam
absurdos e incompreensíveis. Basta lembrar os dois homens da USO que trabalhavam
aqui, sós e abandonados. Pelas informações que recebi Rubi Ômega é um posto
voluntário; ninguém é obrigado a vir para cá. Depois de certo tempo as pessoas que
trabalham aqui são revezadas. Mesmo que alguém fique decepcionado com Hidden
World, ele tem a possibilidade de abandonar o planeta. Aqui não existem perigos reais —
pelo que deduzi do relato.
— Mas a situação mudou.
— Viemos para verificar isto.
Rhodan trouxera um mapa rudimentar do arquivo. Este mapa tinha sido feito por
uma nave de medição da USO.
— Onde nos encontramos no momento? — perguntou Atlan depois que tinham
dado duas voltas em tomo do planeta.
— Aproximamo-nos mais uma vez da face noturna. Desta vez poderemos observar
melhor a planície vulcânica. Dizem que existem vulcões que ficam constantemente em
atividade.
A nave sobrevoou uma cadeia de montanhas e entrou na sombra da face noturna.
Alguns pontos luminosos brilhavam mais à frente, na linha do horizonte, junto à
curvatura da superfície planetária. A ampliação mostrou que eram vulcões em erupção
que arremessavam fogo e lava para as camadas superiores da atmosfera. Uma bruma
poeirenta cobria a paisagem escassamente iluminada. Até onde alcançava a vista a
superfície estava coberta por metros de poeira de lava e materiais fundidos. Não havia
vegetação.
— Que paisagem agradável — disse Joak Cascal, mostrando que não modificara
seu ponto de vista.
Gucky rompeu o silêncio em que estivera mergulhado.
— Aqui não existem impulsos, nem mesmo confusos. Está tudo vazio e sem vida.
Da próxima vez Fellmer e eu fixaremos os limites exatos da área em que existem
impulsos e, portanto, vida.
A Good Hope prosseguiu. Ficava dando voltas em torno de Hidden World. Bem aos
poucos começaram a surgir quadros palpáveis do nada. A área em que ficava a estação da
USO foi localizada, bem como os núcleos residenciais dos colonos que ficavam perto
dela. Mas estes últimos só puderam ser determinados pelos impulsos mentais fracos cujos
limites Fellmer e Gucky tentavam fixar.
Depois que a nave tinha dado dezenove voltas em tomo do planeta, Rhodan pediu
ao comandante que iniciasse a manobra de pouso...
2

Flinder Tex Gruppa seguiu adiante com muito cuidado, deixando para trás uma
galeria parcialmente desabada. Sabia o perigo que iria enfrentar, uma vez que ainda não
conhecia a área. Os insetos grandes e médios eram mais que uma praga. Quando
apareciam em grande número, podiam transformar-se num perigo. Atacavam pessoas
isoladas que nem bandos de ratos e tentavam devorá-las.
Flinder era considerado o primeiro cavador de Hidden World I.
Tinha cento e nove anos e usava os cabelos brancos bem curtos, por motivos
práticos. Vivia a maior parte do tempo embaixo da superfície e seus olhos se tinham
habituado à escuridão. Se necessário podia enxergar sem nenhuma luz. As pontas de seu
bigode branco tinham sido viradas para cima, de tal maneira que protegiam as narinas da
poeira, que estava em toda parte.
Tinha um metro e setenta centímetros de altura, mas parecia julgar-se maior, pois
mesmo quando atravessava um corredor de dois metros de altura vivia se abaixando,
dando a impressão de que estava com medo de esbarrar com a cabeça no teto. Além disso
o fato de estar sempre só o fizera adquirir o hábito de falar sozinho. Muitas vezes havia
discussões violentas, e com o tempo Flinder chegou à conclusão de que a melhor maneira
de brigar era brigar consigo mesmo.
Tinha a pele branca e pálida. Raras vezes vira o sol e nem fazia questão disso.
Flinder era o melhor detector de eupholithe e olio hymenopterii que se podia
imaginar. Fora o único colono de Hidden World que conseguira encontrar os restos
mortais da rainha dos cupins, o que lhe rendera uma fama lendária.
Usava dezenove de suas preciosas pedras como colar. Eram cristais que quase
chegavam ao tamanho de um punho humano, leves como penas e cintilantes.
Eupholithes genuínos!
Flinder chegou a uma caverna residencial dos cupins que ainda não conhecia. Seus
olhos treinados logo descobriram algumas blindagens de chitin, mas no momento não
tinha tempo para procurar eupholithes. Coisas misteriosas e incompreensíveis tinham
acontecido nos últimos dias em Hidden World.
Flinder sentou numa pedra que se desprendera do teto da caverna. Como estava
acostumado a fazer, falou sozinho. Não havia mais ninguém a quem pudesse fazer
perguntas e que lhe desse uma resposta...
***
— Deve haver alguma explicação, Flinder! Não tente convencer-me de que dez mil
homens transformam-se em doentes mentais de um dia para outro se não existe algum
motivo! Deve ser o sol. Que mais poderia ser...? Nunca gostei dessa bola vermelha no
céu.
— Você está mentindo, Flinder! Quantas vezes você não teve saudades do sol e...
— Era o outro sol, o sol amarelo da Terra! Você deve estar lembrado dele. Viu-o
em filmes e microlivros. É um sol bem diferente.
— Que seja! Mas sol é sol.
Flinder suspirou por ser tão obstinado.
— Está bem. Digamos que você tem razão. Mas vamos reconstituir os fatos. Tudo
era bem normal. Não havia nenhum sinal de que as coisas mudariam. Tenho certeza de
que isto não tem nada a ver com a estação da USO, que nem sequer conhecemos. Qual é
sua opinião?
—Tenho certeza de que não tem a ver. Ela não se interessa por nós, somente nos
protege contra pousos de seres inteligentes cujo lugar não é aqui. Pode ser excluída.
— Isso mesmo. Não pode ser considerada responsável Pelo que aconteceu. Mas
tenho certeza de que pode ajudar-nos. Temos de encontrá-la e pedir ajuda. Afinal, ainda
fazemos parte do Império Solar.
— Até aí tudo bem. Continue, Flinder...
— Muito bem. Continuarei. Certo dia entramos em contato com um certo Hershell
Anders, para discutir um novo plano. Acreditávamos que houvesse muitos túmulos de
cupins nas montanhas mais ao oeste. Para localizá-los seria necessária uma expedição na
superfície. Hershell concordou e prometeu organizar a expedição. Como geólogo poderia
ser-nos muito útil e receberia sua parte se realmente encontrássemos o que
acreditávamos.
— Hershell mobilizou vinte pessoas que nos acompanhariam, as quais pretendiam
deixar as pessoas nos alojamentos, levar mantimentos e tentar a sorte conosco.
— Isso mesmo! Foi então que houve a catástrofe, que surpreendentemente não nos
atingiu — nem a você, nem a mim. Somos as únicas pessoas em Hidden World que
ficaram com a inteligência intacta e dependem exclusivamente de nós que seja ou não
seja feita alguma coisa.
— Todo mundo perdeu o juízo de um instante para outro. Ninguém mais quis ir às
montanhas e por pouco não nos mataram a pancadas quando lhes lembramos o que tinha
sido combinado. Até Hershell, que é um dos colonos mais inteligentes, passou a falar de
repente que nem uma criança e exigiu que lhe arranjássemos algumas pedras coloridas
para ele brincar.
Houve uma pausa instantânea no diálogo travado em voz alta.
Mas este logo continuou.
— Flinder, acho que estamos loucos.
— Por quê? — perguntou Flinder a si mesmo.
— Porque nunca encontraremos essa estação da USO. Sabemos que é secreto.
Proibiram a nossos antepassados que se aproximassem dela, houvesse o que houvesse, se
por acaso a descobríssemos. Ela nos vigia e oficialmente não tem nada com os nossos
problemas. Nem sequer temos armas para defender-nos se formos atacados.
— Isso não tem nada a ver com o fato de termos perdido o juízo. Precisamos de
ajuda, e não sei quem poderia dá-la a não ser os homens da USO.
— Talvez você tenha razão. Vamos continuar procurando. Mas primeiro quero ver
o que achamos. Talvez seja uma rainha.
Não temos tempo.
— Só alguns minutos...
A luta que Flinder travou com sua própria tentação foi pacífica.
Acabou desistindo.
Colocou a cápsula blindada de costas e abriu-a no lugar mais mole, na barriga. Para
sua surpresa saíram rolando alguns cristais coloridos. Guardou-os imediatamente num
saquinho que escondeu na caverna. Os eupholithes só o atrapalhariam no que queria
fazer.
Também havia olio hymenopterii.
Mas a preocupação e o medo que sentia bem no íntimo e que Flinder não queria
confessar a si mesmo acabaram levando a melhor. Informara Hershell sobre o que queria
fazer, mas só encontrara incompreensão. O geólogo não queria acompanhá-lo na perigosa
caminhada. Por isso Flinder saíra sozinho.
Pelos seus cálculos, depois de mais um quilômetro devia dar de novo com as
galerias de uma área residencial que já conhecia. Pegara um atalho pouco conhecido.
Flinder conhecia várias galerias semi-obstruídas pelas quais ninguém se interessava,
porque existiam outras.
— Pegaremos isto na volta — disse ao parceiro invisível e seguiu adiante. —
Vamos ver se o que pensamos está certo. — Flinder hesitou. — Gostaria de saber por que
não perdemos o juízo como os outros. Por que houve esta exceção num acontecimento
que atingiu um mundo inteiro?
— Talvez sejamos inteligentes demais...
— Você é um convencido! — disse Flinder a si mesmo. Depois de atravessar
rastejando mais um trecho semi-obstruído, Flinder voltou à área residencial que já
conhecia. Nela até havia luzes elétricas acesas, embora fossem muito fracas. Mas foi o
suficiente para os olhos sensíveis de Flinder.
Em uma das grandes cavernas residenciais encontrou-se com os habitantes da
colônia. Comportavam-se como crianças. Brincavam com os eupholithes que tinham sido
recolhidos como se fossem bolas de gude. Quando reconheceram Flinder cercaram-no e
trataram-no como se fosse um professor de jardim de infância. Queriam que brincasse
com eles.
Flinder afastou-se o mais depressa que pôde.
Não podia contar com os amigos.
Felizmente ainda sabiam comer e beber. Mas um dia as reservas acabariam e eles
não se preocupariam em reabastecer-se.
Por um instante Flinder pensou que talvez todos os seres humanos da galáxia
tivessem sido atingidos pela mesma desgraça. Nesse caso não haveria salvador, pois os
colonos mentalmente deteriorados teriam de morrer de fome, se não houvesse contato
com a USO.
Flinder seguiu adiante e chegou a outro setor da área de extração. Era possível que
há dez mil anos o cemitério dos cupins tivesse ficado lá. Era claro que não se tratava dum
cemitério propriamente dito, do tipo que costumava ser construído pelos seres humanos
de outros tempos. Os cupins se recolhiam a certo lugar quando sentiam que o fim estava
próximo. Cavavam uma galeria do tamanho necessário para dar-lhes passagem. Entravam
no chão que nem brocas, geralmente em sentido horizontal, obstruíam o corredor atrás de
si com a terra solta e só paravam quando morriam.
Alguns cupins moribundos tinham errado nos cálculos. Seus corredores muitas
vezes tinham vários quilômetros de extensão. Era cada vez mais difícil encontrar os
lugares escavados pelos exemplares solitários.
Quanto ao cemitério, este correspondia ao lugar em que começava a maior parte das
galerias funerárias. Para simplificar as coisas, os colonos começaram a cavar toda a
parede. Depois de pouco tempo deixaram livres os corredores, que eram parecidos com
simples buracos, um ao lado do outro.
No fim de cada buraco havia um esqueleto de cupim, um recipiente blindado de
chitin cheio de eupholithe e olio hymenopterii.
Flinder não se interessou pelo cemitério. Nunca se interessara, pois aquilo era
apenas um trabalho de rotina. Qualquer imbecil podia seguir um dos corredores que
encontraria a recompensa no fim dele. Flinder era um caçador solitário e sempre fizera as
melhores descobertas.
Quando quis seguir adiante, apareceu cerca de uma dezena de colonos numa galeria
lateral. Estavam armados com martelos e enxadas de minerador e logo assumiram uma
atitude ameaçadora ao verem o primeiro cavador.
— Aonde vai, Flinder?
Flinder estava acostumado a ser tratado com respeito. Parou e fitou a pessoa que lhe
dirigira a palavra com uma expressão de espanto.
— O que você está pensando, James? Por que fica no meu caminho?
— Você quer ir à superfície, onde estão os maus espíritos. Ou será que não quer...?
Flinder ficou muito surpreso. Em Hidden World nunca ninguém acreditara em
espíritos, muito menos em espíritos maus.
— Sim, quero ir para onde estão os maus espíritos — disse. — Fizeram tremer o
chão e eu lhes pedirei que não façam mais uma coisa dessas.
Terremotos!
Nas últimas semanas houvera muitos terremotos, e o que os habitantes do planeta
menos queriam eram tremores tectônicos. Viviam no subsolo dum planeta inóspito, e
cada tremor fazia desabar alguns corredores e galerias. Nunca tinham morrido tantos
colonos como depois que começaram os terremotos.
Os homens acalmaram-se e baixaram suas armas primitivas.
— Vai falar com eles?
Não era a primeira vez que Flinder tinha uma conversa destas nos últimos tempos.
Tentara explicar aos mentalmente deteriorados as causas e os efeitos dum tremor de terra,
mas não conseguira. Finalmente resolvera acalmar-se, culpando certas forças que agiam
na superfície.
Os maus espíritos que viviam na superfície — era este o resultado das lições que
lhes dera.
— Sim, falarei com eles e lhes pedirei que não façam tremer mais a terra. Talvez
consiga aplacar sua raiva. Por que não querem deixar-me passar?
— Você é mais inteligente que nós. Não queremos que vá embora.
— Quero ir à superfície...
— Vai voltar para junto de nós?
Os homens pareciam assustados e desamparados. E como tinham sido antes!
Homens fortes, inteligentes e arrojados, que rastejavam pelas galerias e se expunham
todos os dias a perigos incríveis para sustentar suas famílias.
E agora...
— Logo estarei de volta. Mas não sei quanto tempo levarei para encontrar os
espíritos. Tenham paciência, que tudo acabará bem.
— Podemos acompanhá-lo?
Flinder sacudiu a cabeça.
— Fiquem aqui. É melhor que eu vá sozinho.
— Por quê? — quis saber um outro.
Como Flinder podia explicar? Não podia dizer que eles eram tolos demais.
— Indo sozinho chegarei mais depressa. Vocês sabem que costumava sair sozinho
para procurar os cupins e conheço a área melhor que vocês. Além disso conheço algumas
regiões da superfície, onde terei de procurar os espíritos. É possível que eles os
matassem.
Este argumento os convenceu. Os homens saíram do seu caminho.
— É verdade. Poderão matar-nos. Vá, Flinder. E traga boas notícias.
Flinder cumprimentou-os com um gesto e saiu andando. Dali a pouco desapareceu
num corredor largo que, como sabia, levava a uma cidade de cupins que fora explorada
há muito tempo.
Lá havia uma galeria que levava obliquamente à superfície.
***
A “cidade” ficava quase duzentos metros embaixo da superfície.
Quando foi descoberta pela primeira vez, pensaram que se tratasse da obra de seres
muito inteligentes que viviam em Hidden World. Ninguém queria atribuir tamanhos
conhecimentos arquitetônicos a insetos. Era um dos vícios fundamentais do homem achar
que não havia quem o igualasse. Mas as pesquisas que se seguiram afastaram todas as
dúvidas. Os cupins haviam construído a cidade embaixo da superfície e dela saíam
galerias e corredores pequenos em todas as direções, ligando-a com as aldeias, locais de
incubação e depósitos de mantimentos.
Havia um corredor pequeno que levava ao túmulo da rainha e Flinder o descobrira.
Sabia que devia ter havido outras rainhas e sempre tivera uma ambição: encontrar
os outros túmulos. Mas até então suas buscas não tinham dado em nada.
Em compensação descobrira outra galeria — a que levava à superfície.
Nem todos os cupins tinham cavado a própria sepultura. Quando veio a grande
fome, passaram a entredevorar-se. Os restos mortais continuavam nos lugares em que
tinha acontecido o drama e representaram uma presa valiosa para os colonos.
Um gigantesco pavilhão formava o centro da antiga cidade dos cupins. Em torno
dele havia corredores laterais dispostos em vários pavimentos e atrás deles se
enfileiravam celas individuais. Era bem provável que os cupins residissem nestas celas
individuais, não nas salas coletivas. Deviam ter conhecido uma civilização de verdade,
apesar de não dominarem a técnica nem possuírem ferramentas. Criaram tudo com suas
garras afiadas e as potentes mandíbulas.
Se ainda estivessem vivos, seriam os inimigos mais perigosos dos colonos.
De repente houve um ruído. Flinder parou e ficou na escuta.
Algum inseto...?
Havia besouros do tamanho dum coelho. Eram carnívoros. Não se atacavam uns aos
outros, mas faziam caça aos insetos menores. Os membros do próprio clã eram tabu.
Se os besouros grandes apareciam em bandos, o que era bem frequente, não tinham
medo de atacar os homens. Neste caso representavam um grande perigo.
Felizmente os besouros quase só viviam na superfície. Poucas vezes arriscavam-se a
descer pelas galerias, à procura de alimentos.
O ruído vinha da direita.
Flinder entrou às pressas num corredor lateral e procurou não fazer nenhum ruído.
Saberia enfrentar os besouros, mesmo desarmado. Carregava uma pequena picareta no
cinto do macacão, mas na verdade não se podia dizer que se tratava de uma arma.
De repente viu o homem.
Era o geólogo Hershell Anders.
Saiu da galeria, ficou parado, olhou em volta como se estivesse à procura de
alguém. Na mão direita segurava uma barra de ferro na qual se apoiava, ao andar.
Flinder ficou furioso. Antigamente gostaria de ter o geólogo como companheiro,
mas naquele momento só poderia atrapalhá-lo. Como faria, se não estava à procura dos
espíritos maus, mas queria encontrar a estação da USO para pedir ajuda aos homens que
trabalhavam lá?
De repente houve outro ruído, vindo do lado oposto. Era bem diferente daquele que
Flinder ouvira antes e que logo identificara como sendo dos passos de um único homem.
Desta vez era um ruído mais variado, dando a impressão de que era produzido por
centenas de pés.
Os besouros!
Os primeiros apareceram em um dos lados do pavilhão. Eram do tamanho de uma
mão humana e não pertenciam à espécie mais perigosa. Mas podiam transformar um
homem num esqueleto, se ele não fugisse enquanto era tempo.
Os insetos não corriam muito depressa. Não era difícil escapar — a não ser que se
fosse cercado e esmagado pela força do número.
Ainda bem que na cidade havia muitos caminhos pelos quais se podia fugir.
Hershell Anders!
Não podia deixar o geólogo entregue à própria sorte. Ainda lhe restava um pouco de
inteligência, mas provavelmente esquecera suas experiências e acabaria sendo vítima dos
besouros. Tinha de ajudá-lo.
Numa súbita resolução Flinder tirou a picareta do cinto, saiu do esconderijo seguro
e correu pelo pavilhão subterrâneo, em direção a Hershell. Este se assustou, mas de
repente seu rosto marcado pelo tempo mostrou que tinha reconhecido o cavador.
— Flinder, estava à sua procura.
— Vamos, Hershell. Depressa! Os besouros estão atrás de nós.
Hershell compreendeu imediatamente. Ainda não se esquecera do perigo que
representavam os besouros. Já era um sinal positivo.
Segurou a mão de Flinder e deixou que ele o conduzisse.
Mas os besouros já tinham farejado a presa. Entraram no pavilhão em grandes
grupos, espalharam-se e ocuparam quase todas as saídas. Demonstrando certo grau de
inteligência, tentaram fechar os caminhos de fuga.
— Use a barra, Hershell! — gritou Flinder para seu protegido e investiu com a
picareta contra os primeiros besouros que se aproximaram deles. Suas blindagens se
romperam com um estrondo desagradável. — Temos de chegar a este corredor...
Era a galeria que levava à superfície. Devia haver outras galerias iguais a esta e
parecia que os besouros as conheciam. Também esta. Saíram dela às dezenas e caíram
sobre os homens, que se defenderam como podiam.
Foi uma luta equilibrada. Apesar da deterioração mental que sofrera, Hershell ainda
era mais inteligente que os besouros, isto sem falar de Flinder. Em compensação os
besouros eram em maior número. Milhares deles já atravessavam o pavilhão em sua
direção.
Mas na galeria que levava para cima não havia mais de cem.
Flinder esmagou-os com as botas, estourou sua couraça com a picareta e
arremessou-os a pontapés. Hershell batia neles com a barra de ferro ou usava esta como
lança para perfurá-los.
Finalmente conseguiram. Não perderam tempo. Saíram correndo para ter uma
dianteira. O importante era que não se encontrassem com outro exército de besouros que
se deslocasse da superfície para a cidade subterrânea de cupins.
Depois que tinham corrido cinco minutos, Flinder parou ofegante.
Sentou no chão e olhou para o geólogo.
— Que houve, Hershell? Você enlouqueceu?
— Por que acha que enlouqueci? O pessoal me disse que você queria falar com os
espíritos maus. Eles não existem. Foi meu pai que disse. Queria que você soubesse disso.
Flinder pôs a mão na cabeça, mas conseguiu controlar-se. Era claro que Hershell só
podia pensar assim. Finalmente sua mente não se deteriora tanto quanto a dos outros.
Mas de outro lado não possuía bastante inteligência para compreender o truque de
Flinder.
Devia dizer-lhe a verdade?
— Preste atenção, Hershell. Quero subir à superfície para evitar que a terra continue
a tremer. Como quero fazer isto? Deixe por minha conta. Você vai voltar. Entendeu?
— Voltar? — o geólogo também sentou. — Quer que eu volte para onde estão os
besouros? Eles me devorarão, Flinder.
— Você mostrou muita bravura. Não acredito que seja devorado por eles...
— Lá em cima existem outros. Posso ajudá-lo a matá-los. Mas tenho medo de ficar
sozinho com eles.
Era uma lógica infantil. Não havia a menor dúvida. Flinder não podia negar que o
geólogo o ajudara bastante na luta contra os besouros. Talvez não representasse mesmo
nenhum obstáculo se ele o levasse.
— Está bem. Pode vir comigo. Mas sob uma condição.
— Aceito qualquer uma!
— Você não fará perguntas tolas e não tentará dar-me conselhos. O chefe sou eu e o
que eu disser será feito. Entendido?
— Sempre achei isso bem natural, Flinder. Mas essa história dos espíritos...
— Esqueça, Hershell. Vamos. Não podemos perder tempo, senão os besouros
acabam nos alcançando.
Os dois levantaram e continuaram a subir.
O ar era cada vez mais puro e fresco.
***
Quando chegaram à superfície era noite.
A diferença quase não pôde ser notada pelos dois homens que estavam acostumados
a viver na escuridão ou na penumbra. Para Flinder a ausência dos raios fortes do sol até
chegava a ser agradável, embora o frio súbito o perturbasse bastante.
Era difícil orientar-se.
Ao contrário dos outros colonos, Flinder já subira à superfície muitas vezes, mas
não ficara o suficiente para orientar-se. Só sabia que certa vez seu pai lhe descrevera o
lugar em que devia ficar a estação da USO. Para ser claro, a distância era de cerca de
quinze quilômetros. A estação ficava na passagem da cela, entre duas montanhas não
muito altas.
Havia montanhas em todas as direções, inclusive alguns vulcões que tinham entrado
em atividade nos últimos dias, causando tremores de terra.
Se não estava enganado, o pai lhe explicara que as montanhas a que se referira
ficavam ao sul da colônia.
Onde era o sul?
Hershell segurou-o pelo braço.
— Olhe! — cochichou em tom nervoso. — Alguma coisa se aproxima.
Flinder sacudiu a mão do companheiro e ergueu a picareta. Também ouvira um
ruído fraco, de alguma coisa se arrastando. Talvez fosse um único besouro, que não podia
tomar-se perigoso para eles.
O cavador voltou a baixar a picareta.
Dali a pouco a pá de moinho de vento passou caminhando devagar e calmamente ao
vento da noite. Possuía três raízes. Toda vez que enfiava a da frente no chão, levantava a
de trás. Enquanto isso apoiava-se na do meio.
Era um quadro fantástico, mas a planta não fazia mal a ninguém.
— Pois é — disse Flinder em tom de alívio. — Você me deu um susto, Hershell.
— Pensei que fossem os besouros.
Ainda bem que não está fazendo perguntas, pensou Flinder. Nem saberia a resposta.
Talvez seja melhor esperarmos até que fique mais claro.
Mas com isso eles perderiam muito tempo.
As pás de moinho de vento!
Flinder sabia que as plantas sempre seguiam a luz, na esperança de alcançá-la.
Logo, caminhavam para o oeste quando o vento soprava na direção certa. Só de manhã,
pouco antes do nascer do sol, ficavam parados, à espera da luz do dia.
Flinder já sabia onde era o sul!
— Vamos — disse a Hershell, que muito assustado tentava perscrutar a noite para
avisar Flinder imediatamente se algum inimigo se aproximasse. — Para o sul.
O chão era macio, às vezes cheio de cinzas e poeira, depois passava a ser duro e
rochoso. O terreno subia aos poucos. Um brilho claro apareceu no horizonte, à esquerda.
Algumas montanhas destacavam-se contra ele.
Os dois caminharam vigorosamente. Quando nasceu o sol, tinham percorrido quase
dez quilômetros. Ali Hershell protestou. Parou, olhou em volta e descobriu um bloco de
lava alongado. Sentou.
— Vamos fazer uma pausa — disse e enfiou a barra de ferro no chão. — Estou
cansado.
— Quando chegarem os besouros, você vai acordar.
Mas Flinder acabou reconhecendo que era melhor seguir o conselho do amigo.
Sentou ao lado dele e tirou do bolso um pedaço de alimento concentrado embrulhado em
papel. Dividiu-o com o geólogo.
Depois que acabaram de comer prosseguiram para o sul, onde Flinder descobrira
duas montanhas uma perto da outra, com uma passagem no meio.
Naquele lado uma coisa prateada brilhava aos raios do sol que ainda estava junto ao
horizonte.
3

Três semanas antes...


Sem o Tenente Dickson, o Sargento Bark Khor sentia-se muito só na estação.
Dickson falecera há alguns dias depois de ter contraído uma febre desconhecida.
Praticamente não havia nenhuma doença, mas o tenente certamente fora contaminado por
um dos besouros que costumavam aparecer na estação, à procura de restos de alimentos.
Era uma febre desconhecida, contra a qual não havia nenhum remédio.
Além disso as comunicações com a Terra tinham sido completamente
interrompidas. Fazia meses que os dois só recebiam mensagens confusas ou pedidos de
socorro urgentes de naves terranas em todas as partes da Via-Láctea. As mensagens
expedidas pela estação ficaram sem resposta.
O que podia ter acontecido?
Bark Khor não sabia. E aos poucos foi se convencendo de que nunca saberia.
Estava só e não tinha nenhuma vontade de estabelecer contato com os da terra,
como costumava chamar os colonos. Não puderam ajudá-lo quando Dickson morreu.
Khor cumpriu sua obrigação informando a estação mais próxima da USO sobre a
baixa, mas como era de esperar não houve resposta. Em seguida verificou suas
instalações, chegou à conclusão de que funcionavam perfeitamente e tirou uma espécie
de férias.
Durante o dia passeava pelos arredores da cúpula da estação, atirava com o fuzil
energético nos grandes besouros que encontrava pelo caminho, recolhia os saborosos
repolhos caminhantes e ingeria-os em forma de salada verde. De noite cuidava dos rádios
e dos rastreadores, sempre na esperança ansiosa de descobrir algum transmissor que não
tivesse perdido o juízo.
Mas passava a maior parte do tempo dormindo.
Naquele dia resolveu fazer uma caminhada mais longa. Pegou alguns mantimentos
e verificou a carga de seu fuzil energético. Ficou parado alguns minutos à frente do
túmulo do Tenente Dickson, pôs a arma sobre o ombro e saiu marchando para o norte.
Os cavadores noturnos saíram dos buracos em que se tinham abrigado. Não
tomaram conhecimento do homem que parou para observá-los. Deviam saber que não
podia tornar-se perigoso para eles.
Uma pá de moinho de vento caminhava devagar para o oeste. Parecia uma planta
murcha. Certamente atravessara a área vulcânica seca do leste e estava à procura dum
elemento vital: a água.
— Isso mesmo — gritou Khor bem-humorado. — Lá você encontrará um pequeno
lago de margens baixas. Poderá chegar lá ao meio-dia, se não se encontrar com os
besouros... Boa sorte!
Uma grande borboleta voava para o leste no meio de uma brisa leve que soprava
para o oeste. Só parecia uma borboleta grande. Na verdade tratava-se de uma planta
estranha da flora de Hidden World. Suas raízes eram formadas por fios finos como
cabelo, presos à face inferior da única folha, que tinha formas verdadeiramente
aerodinâmicas. Quando ficava deitada no chão a planta podia girar por meio das raízes de
tal forma que a proa apontava contra o vento — e aí saia velejando. Nenhuma planta de
Hidden World possuía tanta mobilidade.
Quando alcançou o topo duma montanha baixa, Bark Khor viu um grande besouro
perseguindo uma pá de moinho de vento. A planta tinha de adaptar sua velocidade à força
do vento. Não podia escapar ao besouro voraz.
Bark Khor era amigo das plantas e não gostava dos besouros. Não era nenhum
sádico, mas sentia prazer em matar um besouro — um comportamento fora do comum, se
a gente aplicasse os padrões normais. Mas em Hidden World valiam padrões e leis
diferentes.
Além disso Bark Khor tinha de descarregar o medo que sentia por estar
completamente abandonado.
Para fazer isso, matou o besouro.
A pá de moinho de vento continuou sua caminhada. O sargento teve a impressão de
que acenava amavelmente para ele.
Devia estar mais ou menos no lugar em que ficava a povoação subterrânea dos
colonos, com os quais não mantinha nenhum contato. Somente quando pousavam as
naves que traziam abastecimentos cabia à estação da USO indicar-lhes o rumo a seguir e
observá-las. Os colonos deviam tornar-se independentes até onde isso fosse possível.
Khor voltou a sentir dor nas costelas. Lembrou-se do acidente que sofrera há muitos
anos em Jemer III. Os médicos tinham emendado seu corpo e implantado uma costela de
prata. Seria ótimo, se esta costela não desempenhasse também as funções de barômetro.
Qualquer mudança do tempo manifestava-se através de dores.
Bark Khor não podia imaginar que fora justamente essa costela que o protegera
contra o processo de deterioração mental. Ela desviara os raios misteriosos, de cuja
existência ele também não desconfiava.
Os arbustos andarilhos que ficavam à sua frente formavam uma verdadeira floresta.
Khor saiu em sua direção, porque não havia nenhum destino que valesse a pena ao
alcance da vista. Para seu enorme espanto de repente viu seis ou sete homens saindo do
meio das plantas para atacá-lo furiosamente com picaretas e barras de ferro.
Bark saltou que nem um relâmpago para trás duma pedra grande e fez pontaria com
a arma energética.
— Para trás! Vocês enlouqueceram?
A única resposta foram algumas pedras atiradas com excelente pontaria, que
passaram rente à sua cabeça. Seguiu-se uma barra de ferro arremessada como lança.
Bark Khor deu um tiro de advertência.
Os atacantes desapareceram em depressões e atrás das rochas. Iniciaram um
bombardeio em regra com pedras do tamanho dum punho humano. A pontaria foi tão boa
que o sargento não podia dar nenhum tiro sem correr o perigo de ser atingido.
— O que vocês querem? — gritou ao inimigo, que se tornara invisível. — Não lhes
fiz nada.
Alguém berrou de volta:
— Foi você que mandou os maus espíritos que fazem tremer a terra e causam o
desabamento de nossas cavernas. Você veio de cima. Logo, é mau!
— Estão completamente loucos!
— Saia daí, senão iremos buscá-lo.
— Não tenho nada a ver com os terremotos e as emoções vulcânicas. Vocês não
podem culpar-me pelas catástrofes naturais.
— Você instigou os espíritos contra nós e por isso nós o mataremos, a não ser que
aplaque sua ira. Saia daí!
— Os espíritos não existem, seus idiotas! — Bark Khor nunca acreditara que os
colonos fossem muito inteligentes mas agora estavam passando da conta. Ultimamente o
Tenente Dickson também se comportara duma forma estranha mas deixara os espíritos
fora do jogo quando as erupções vulcânicas e os tremores de terra se tomavam cada vez
mais frequentes. — São grandes quantidades de lava rompendo a crosta planetária. Só
isto.
Mais pedras foram atiradas. De repente dois homens saíram correndo dos
esconderijos agitando suas barras de ferro e correndo sem medo de morrer para a rocha
atrás da qual Khor se abrigara.
O sargento estava numa situação muito difícil. Era o comandante da estação da
USO, mas não tinha o direito de matar um colono. Mas no caso isso seria um ato de
legítima defesa. Sabia que sua vida corria um perigo sério e ele tinha de defender-se. Não
havia como negociar com os colonos. Ele tentara.
Quando chegou a este ponto, quase era tarde para fazer alguma coisa. Um dos
colonos contornou a rocha que o protegia e levantou a barra de ferro para dar o golpe.
Bark Khor não podia recuar, pois o segundo homem vinha do outro lado, também
disposto a matar.
Khor não teve alternativa. Tinha de matar os atacantes com a arma energética.
Depois disso levantou e gritou:
— Fui obrigado a fazer isto, senão eles me teriam matado. Criem juízo, minha
gente. Sou seu amigo e não tenho nada a ver com os espíritos. Voltem às suas residências
e tratem de trabalhar. É possível que dentro de pouco tempo chegue uma nave com
mantimentos.
Uma lança de ferro passou chiando perto de sua cabeça, seguida por uma saraivada
de pedras.
Os colonos não estavam dispostos a negociar.
Bark Khor escorregou de novo para trás da rocha. Ficou furioso. Havia tão poucas
pessoas num planeta solitário, dependiam uns dos outros e queriam matar-se.
Era uma loucura total.
Khor descuidou-se por um instante e uma pedra atirada com toda força atingiu-o no
ombro. A dor foi tanta que parecia ter fraturado a clavícula. O braço ficou imobilizado.
Khor segurou o fuzil na mão esquerda.
Os colonos criaram mais coragem. Saíram cuidadosamente do esconderijo para
tomar a posição de Khor de assalto. Mas também desta vez fizeram um erro. Se
acreditavam que podiam pôr o inimigo fora de combate, estavam enganados. Bark Khor
estava decidido mais do que nunca a fazer os atacantes perderem de vez a vontade de
atacá-lo.
Levantou e apertou o gatilho da arma. O feixe energético ofuscante atingiu os
homens enquanto corria e dentro de alguns segundos tudo passou. Só escapou um
homem. Bark Khor naturalmente não atirou no fugitivo.
Mais tarde descobriria que cometera um erro.
***
Khor já não tinha nenhuma vontade de passear. Fez meia-volta e saiu em direção à
estação. Ainda estava muito longe quando viu o brilho prateado da cúpula.
Não se encontrou com mais nenhum colono, mas o homem que deixara fugir
começou a deixá-lo preocupado. O que aconteceria se ele contasse tudo aos outros?
Tentariam atacá-lo na estação?
Bark Khor acreditava que os colonos possuíam poucas armas capazes de competir
com as suas. Talvez ainda encontrassem alguns fuzis energéticos ou espingardas de caça,
mas na cúpula de aço praticamente não estava sujeito a ataques. Mas não tinha muita
vontade de passar dias ou até semanas na estação.
Passou pela cratera gigantesca aberta por um meteoro, cujo fundo relativamente
plano era usado como campo de pouso espacial pela USO. Era onde desciam as naves
que traziam abastecimentos, depois de terem sido orientadas pela estação.
Quanto tempo fazia que a última nave tinha aparecido?
Pelo menos seis meses...
O terreno começou a subir bastante quando chegou ao pé das duas montanhas entre
as quais ficava a cúpula. Havia uma trilha pela qual se caminhava sem dificuldade. Khor
passou entre os grupos de arbustos nômades que se tinham fixado, contornou grandes
rochas e desfiladeiros e finalmente passou por uma ponte de ferro estreita, pouco antes de
chegar à passagem entre as montanhas.
A cúpula ficava no platô.
Do outro lado da montanha não se podia passar. Um paredão de quase quatrocentos
metros de altura formava um obstáculo intransponível. Desta forma a estação se tornava
praticamente inexpugnável.
Bark Khor parou à frente da entrada protegida por um dispositivo positrônico e
olhou para as rochas salientes, que representavam uma proteção e um perigo ao mesmo
tempo. O vento era mais frio que lá embaixo e perto dos vulcões que tinham entrado em
atividade. Apesar do conjunto quente que usava, teve um calafrio.
O sargento abriu a entrada proferindo uma palavra-código, mas não se dirigiu logo à
cúpula. Voltou à ponte que passava por cima dum desfiladeiro largo e fundo. Bastaria
dinamitar a ponte, e ninguém poderia chegar à passagem entre as montanhas. Mas se
fizesse isto ele se isolaria. Era possível que um dia precisasse de ajuda.
Bark não chegou a nenhuma conclusão. Resolveu refletir sobre o assunto. Enquanto
voltava para a cúpula, voltou a sentir embaixo dos pés uma trepidação ligeira, que foi
aumentando cada vez mais.
Era um novo terremoto se anunciando.
Bark Khor nunca se incomodara muito com os tremores de terra. Na montanha
sentia-se seguro. Mas isso não acontecia com os colonos que viviam embaixo do solo e
sabiam que suas cavernas e galerias podiam desabar a qualquer momento. Khor
compreendia seu medo, mas não conseguia entender por que o culpavam por isso.
Quando ainda se encontrava a alguns metros da estação, a catástrofe desabou sobre
ele.
Foi tudo tão rápido que nem sequer teve tempo de saltar para o lado ou para dentro
da entrada.
As rochas que ficavam embaixo dos cumes das duas montanhas já se tinham soltado
um pouco. Desprenderam-se de vez e despencaram pelos paredões íngremes. Algumas
delas alcançaram o fundo do desfiladeiro numa fração de segundo, enquanto outras
rolaram e saltaram encosta abaixo e bateram de lado na grande cúpula de aço, sem causar
maiores estragos.
Um bloco de mais de quatrocentos quilos transformou-se no túmulo de Khor.
Soterrou-o bem à frente da entrada da estação, que estava bem aberta. Só se viam suas
pernas. O resto do corpo estaria protegido até mesmo dos vorazes besouros. O terremoto
parou dali a pouco.
Tudo isso acontecera exatamente há três semanas.
***
Flinder e Hershell chegaram à trilha que levava à estação pelo meio-dia. O sol Rubi
Ômega brilhava num vermelho forte, mas não chegou a esquentar o ar. Um vento fraco
soprava do leste.
— Você sabia que um dos homens que vivem na estação matou alguns colonos? —
perguntou Hershell, que já parecia mais sensato.
Flinder julgara conveniente que o geólogo fosse informado. A ajuda da estação
continuava sendo a única possibilidade de salvar a colônia.
— Ouvi falar, mas tirando as conclusões vê-se que ele tinha razão. Certamente foi
atacado por nosso pessoal. O sobrevivente deve ter dito algumas palavras a seu favor.
— Acontece que foram mortos seis homens. As pessoas que vivem na estação são
nossos inimigos.
— Bobagem! São terranos como nós e cidadãos do Império Solar. Que motivo
teriam para ser nossos inimigos?
— Não sei. Só sei que precisamos cuidar-nos muito.
— É claro que nos cuidaremos. Não devem pensar que viemos para atacá-los.
Vamos identificar-nos em tempo e deixar claro que só viemos para falar com eles. Vamos
seguir nosso caminho. Ainda falta um bom pedaço.
Pouco antes de chegar à ponte viram pela primeira vez a cúpula de perto. Deviam
estar a uns quatrocentos metros dela. A construção parecia intacta, mas as rochas
espalhadas por toda parte falavam por si. Não restava nenhuma dúvida de que houvera
um deslizamento que soterrara parcialmente a estação.
Pararam.
— Um terremoto provocou a queda, das rochas salientes — disse Hershell em tom
deprimido. — É possível que os homens estejam mortos.
— Tomara que não. Não sei quem poderia ajudar-nos, a não ser eles.
— Se estiverem mortos a estação nos pertence.
— Não saberemos o que fazer com ela. Entendo um pouco de rádio e técnica, mas
não o bastante para lidar com uma estação que deve ser semi-automática. Bem; veremos.
Passaram pela ponte e chegaram ao platô. A caminhada seria cada vez mais difícil
por causa das rochas espalhadas no chão. Às vezes tiveram de passar por cima delas ou
espremer-se entre vários blocos. Uma vez até foram obrigados a passar rastejando sob os
blocos que se amontoavam.
Quando já estavam perto da cúpula, Flinder, que ia na frente, parou de repente.
Contemplou apavorado os ossos das pernas dum ser humano, que saíam debaixo duma
rocha. A fazenda do uniforme estava esfarrapada.
Os besouros!
— Talvez você tenha razão, Hershell. Parece que tem mesmo.
Procuraram o outro homem, mas não o encontraram. Devia estar escondido
embaixo das outras rochas.
Ou então estava na estação e já notara sua chegada.
— Alô! — gritou Flinder, na esperança de que alguém o ouvisse.
Não houve resposta.
Flinder voltou a chamar e disse que queria falar com o homem da USO. Mas mais
uma vez não houve resposta.
— A entrada está aberta — disse Hershell, que examinava o terreno entre as rochas
para ver se encontrava o outro homem. — Se estivessem vivos, isto sem dúvida não
aconteceria.
Aquilo sempre era uma prova de inteligência para um homem com a mente
parcialmente deteriorada.
Flinder foi para junto dele. De fato, a porta da cúpula estava escancarada. Puderam
ver o que havia do lado de dentro. Não era muita coisa. Um hall vazio com algumas
portas fechadas nos fundos e vários painéis de controle nas paredes laterais.
Provavelmente a porta podia ser aberta do lado de dentro.
— Vamos lá! — disse Flinder e foi na frente.
Hershell seguiu-o mais devagar.
Pararam à frente dos painéis. Flinder examinou-os e tentou descobrir algum sentido
na distribuição aparentemente arbitrária de chaves, botões e escalas. Não conseguiu muita
coisa, apesar de ter passado algum tempo no centro de controle principal da colônia. Mas
isso já fazia muito tempo.
— Isto aqui serve para as portas — disse meio desanimado, porque neste ponto
Hershell não podia ajudá-lo em nada. — Vamos tentar...
Depois que tinham tentado três vezes a porta abriu-se. O encanto fora quebrado. As
outras portas foram-se abrindo uma após a outra. Flinder conseguiu orientar-se mais
depressa do que esperara, no meio dos equipamentos técnicos.
A primeira coisa que descobriram foi um depósito cheio pela metade, no qual havia
certas coisas de que sentiam falta há muito tempo, inclusive algumas conservas de
verdade e uma câmara-frigorífica com carne e verduras frescas. Os dois homens ficaram
com água na boca e quando Hershell ainda acabou descobrindo uma caixa de bebidas
alcoólicas, sua alegria não teve limites. Por um instante esqueceram a situação em que se
encontravam e o próprio Flinder não fez nenhuma objeção quando Hershell abriu uma
das garrafas.
Bem-humorados, puseram-se a examinar as outras salas.
Finalmente chegaram à sala de comando, que ficava bem no centro da cúpula, onde
também ficava a sala de rádio da base da USO. Bastou um olhar para que Flinder se
convencesse de que tudo correra da mesma forma como se os dois homens estivessem
trabalhando. Quanto às instalações de rádio, o funcionamento da estação era
completamente automático.
Havia telas presas à parede. Na fileira de cima viam-se trechos do espaço, enquanto
as de baixo exibiam os arredores da estação como uma espécie de tela panorâmica. As
imagens tinham vida. As instalações funcionavam perfeitamente. Não tinham sido
danificadas pelo terremoto.
Flinder interessou-se principalmente pelo receptor. As escalas e instrumentos
mostravam que constantemente eram recebidos certos sinais de rádio, que passavam a ser
automaticamente armazenados. As fitas de som e imagem amontoavam-se no banco de
dados, bem arrumadas, com a data da recepção registrada em cada uma delas.
Mesmo naquele instante estavam sendo recebidos sinais de rádio.
Flinder aproximou-se com cuidado para examinar os controles manuais. Sabia
muito bem que teria de mudar a posição de um comando se queria transmitir. E era
exatamente o que pretendia fazer. Os homens da USO não estavam mais em condições de
usar a estação. Se ele cuidasse disso, alguém haveria de agradecer-lhes.
— Consegue arranjar-se com isso? — perguntou Hershell, que já ficara mais sóbrio.
Naquele momento estava devorando o conteúdo de uma conserva de carne. — Se quiser
saber o que eu acho — não posso ajudar em nada.
— Obrigado. Darei um jeito. É melhor você ficar do lado de fora para cuidar para
que não sejamos atacados de surpresa. Não encontramos o segundo homem. Além disso
acho que as atitudes de nosso pessoal não serão muito amistosas, se nos descobrirem
aqui.
O geólogo retirou-se sem demonstrar muito entusiasmo. Flinder ficou muito
satisfeito. O que mais precisava era de sossego para refletir com calma. Sabia que
conseguiria, desde que se concentrasse bastante.
Os sinais que chegavam no momento vinham em código e ele não tinha a menor
possibilidade de decifrar seu texto. Eram muito intensos e nítidos.
Flinder acionou cuidadosamente alguns controles. Para seu espanto algumas telas de
imagem que tinham ficado escuras se acenderam. Ficavam todas na fileira de cima, onde
eram mostrados setores do espaço.
Em uma das telas Flinder viu uma nave esférica
Good Hope II estava escrito em cima da protuberância equatorial da nave.
O nome não lhe era desconhecido, pois já se transformara numa espécie de lenda.
Mas nem por um segundo Flinder pensou que o Administrador-Geral Perry Rhodan
pudesse estar a bordo da nave.
De qualquer maneira — uma nave da Frota Solar talvez até da USO!
Mas como estava ela? A que distância fora captada pelas câmeras automáticas da
estação? Ou será que não passava de uma radioimagem? Flinder não tinha a menor ideia
de como podia fazer para obter a resposta a estas perguntas.
Os sinais de rádio foram ficando menos intensos. Flinder notou que os contornos da
nave projetados na tela empalideciam e se tornavam menos nítidos. De repente o alto-
falante silenciou e a tela só mostrava a faixa de interferência.
Flinder não podia saber que a Good Hope II começava a dar a última volta em torno
do planeta...
***
Dali a meia hora reconstituiu, por meio dum manual de instruções simples
encontrado em uma das numerosas gavetas, a planta de funcionamento da estação de
rádio. Como não chegavam mais sinais sonoros, ligou a transmissão. Uma luz de controle
acendeu-se, mostrando que mexera nos controles certos.
O transmissor estava funcionando.
Flinder ficou perplexo à frente do microfone embutido. Não sabia o que dizer. Não
tinha a menor ideia do alcance do transmissor, da distância à qual seria ouvida sua voz.
Tivera o cuidado de não mudar a frequência. Esperava que pudesse ser ouvido na nave
que vira há pouco na tela de imagem. Não devia estar muito longe.
— Aqui fala Flinder Tex Gruppa! — disse finalmente para dentro do microfone. —
Hidden World, sistema Rubi ômega. Não conheço as coordenadas espaciais, mas elas
devem constar de qualquer mapa da USO. Estou transmitindo um pedido de socorro. A
colônia está em perigo. Provavelmente sou a única pessoa deste mundo que conservou a
inteligência. A guarnição da estação da USO foi morta por rochas caídas. Precisamos de
auxílio com urgência. Se responderem, façam o favor de transmitir em texto claro. Não
passo o código. Final.
Felizmente Flinder sabia lidar com o equipamento de gravação de som que ficava
bem embaixo do microfone. Ligou a repetição automática. Dali a pouco o pedido de
socorro foi repetido uma vez, e logo após mais uma vez.
O processo foi repetido automaticamente.
Depois de trinta minutos Flinder achou que não era mais necessário esperar a
confirmação. Se alguém tivesse recebido a mensagem, certamente se dirigiria a Rubi
ômega e pousaria no primeiro planeta para ver o que estava acontecendo. Por que perder
tempo? Queria voltar à colônia para dizer ao pessoal que os maus espíritos lhe haviam
dado alimentos. Talvez isto servisse para acalmá-los.
Hershell Anders voltou.
— Encontrei o outro homem — disse e sentou, apesar de Flinder já estar perto da
porta. — Um túmulo. Deve ter morrido e ser enterrado há algum tempo. Seu nome está
escrito na cruz: Tenente Ferry Dickson.
— Quer dizer que é verdade. Também está morto. — Flinder fez um sinal para o
geólogo. —Venha, Hershell. Temos de voltar à colônia. Queremos comunicar ao pessoal
que o socorro está a caminho e que encontramos mantimentos.
Hershell não saiu do lugar.
— Quer mesmo dizer isso a eles? — Parecia que ele não conseguia compreender.
— São dez mil pessoas, Flinder! Para tanta gente os alimentos só dão para um dia.
Devorarão tudo. Sozinhos poderíamos aguentar durante anos.
Flinder sacudiu a cabeça.
— Você pensa de forma egoísta, Hershell. Dentro de algumas semanas as reservas
de nosso pessoal acabarão. Viriam à superfície e nos encontrariam. Que acha que fariam
conosco? — Flinder voltou a sacudir a cabeça, desta vez de forma mais enérgica. —
Além disso o transmissor está transmitindo ininterruptamente meu pedido de socorro.
Alguém o ouvirá e virá para ajudar-nos.
— Seja como for! — Hershell ficou obstinadamente sentado. — Nem penso em
dividir isto com os loucos. Principalmente a caixa com as bebidas deliciosas. Fico aqui.
Vá você se quiser.
— Muito bem. Vou sozinho. Mas direi aos outros que você está aqui. Preciso dizer-
lhes, Hershell!
— Diga, que eu lhes prepararei uma recepção condigna.
Flinder voltou e fitou o companheiro.
— Não pense em fazer bobagens, Hershell. Sei que aqui existem armas, mas é bom
que fique prevenido. Não as use em hipótese alguma! Receba nosso pessoal de forma
amistosa e sem armas. Eu lhes direi que você ficou para falar com os espíritos — ou
alguma tolice parecida. De qualquer maneira, quando chegarem, terão por você o
necessário respeito para não atacá-lo. Tenha juízo.
— Terei. Não se preocupe. Já vai?
— Já. Não mexa nos controles. A transmissão tem de continuar, senão existe a
possibilidade de que ninguém a ouça. Entendido? Não toque em nada. Fique de
preferência nos alojamentos dos dois homens da USO, ou no depósito de mantimentos se
preferir. Embriague-se à vontade, mas esqueça a sala de controle. Você promete?
— Prometo.
— Muito bem. Deixou o fuzil energético lá fora?
— Ficou perto da rocha que esmagou um dos homens.
— Vou levá-lo. Boa sorte. Trate de espantar o tédio.
— Até a volta, Flinder...
Flinder saiu da estação.
Deu início à longa caminhada de volta.
NAVES EXTRATERRESTRES
Caça de Reconhecimento Takerer

Dados Técnicos:

Comprimento 50 m; envergadura 22 m; diâmetro 5 m; diâmetro da popa 3


m. Quatro tripulantes. Aceleração máxima, 750 km/seg2.
Capaz de voar em velocidade ultraluz graças ao sistema de propulsão
linear.
Capaz de voar no espaço e em atmosferas planetárias.

1. Canhão inicial de dupla ação, que cria 6. Reator de grande potência e conversor
um campo energético sobre o alvo capaz de energia.
de paralisar toda e qualquer arma 7. Propulsor linear de fabricação takerer.
atômica, unidade geradora ou aparelhos 8. Geradores do campo defensivo.
que trabalham com energia nuclear. 9. Aletas estabilizadoras de popa.
Alguns segundos depois de deixar de 10. Jatopropulsor principal.
funcionar estas instalações explodem, 11. Jatos direcionais (4 ao todo)
destruindo a nave inimiga numa reação 12. Propulsor energético para voos infraluz.
nuclear em cadeia. 13. Trem de pouso de popa escamoteável.
2. Banco de energia do canhão inicial de 14. Asas delta com lemes e travessas de
dupla ação. reforço.
3. Mira de nêutrons. 15. Jatos de frenagem (2 ao todo).
4. Sala de comando coberta por cúpula 16. Cabine da tripulação.
transparente de plástico blindado, com 17. Projetores antigravitacionais.
assentos hidropneumáticos para o piloto, 18. Trem de pouso escamoteável da proa.
o engenheiro de máquinas, o navegador 19. Eclusa de passageiros com depósito de
e o radioperador, além de direção equipamentos ao lado.
positrônica e aparelho de comunicação 20. Antena de rastreamento de alta
dakkar. sensibilidade.
5. Antena de dakkarcomunicação.
4

O pedido de socorro do planeta Hidden World foi transmitido a Rhodan por escrito.
Atlan também leu a mensagem.
— De qualquer maneira queremos pousar lá — disse. — Combina tudo muito bem.
Aconteceu o que esperávamos. Um mundo pelo qual o Enxame passou de raspão também
sofreu sua influência.
— Quanto a isso não havia a menor dúvida, Atlan. Basta lembrar a Terra. O
Enxame passou a milhares de anos-luz dela, mas assim mesmo o planeta sofreu sua
influência. Antecipadamente. Ali está a diferença. Queremos descobrir o que acontece
com um planeta depois que o Enxame tiver passado.
— Hidden World deve ser um objeto de estudos apropriados. O pessoal da USO
morreu e parece que um dos colonos não teve a mente deteriorada. Ainda vamos
descobrir por quê. De qualquer maneira teve bastante inteligência para transmitir um
pedido de socorro e lidar com o sistema de repetição automática. É sempre um fio de
esperança, se quiser saber minha opinião.
— Pedi a Mentro Kosum que de mais algumas voltas em tomo do planeta. Talvez
consigamos estabelecer contato direto com o tal do Tex Gruppa.
— Quer que eu vá à sala de rádio para cuidar disso?
— E uma boa ideia. Talvez ele possa fornecer as coordenadas de pouso.
Esta esperança não se cumpriu. Por mais que o oficial de rádio de plantão Capitão
Farside se esforçasse para estabelecer contato com a estação da USO, não houve resposta.
O pedido de socorro continuava a ser repetido ininterruptamente, mas parecia que em
Hidden World só funcionava o transmissor. Nada indicava que as transmissões fossem
recebidas no planeta.
Gucky achou que estava na hora de aparecer de novo. Materializou na sala de
comando, depois de Rhodan ter sentado ao lado de Mentro Kosum, à frente dos controles
principais.
— Estou recebendo impulsos mentais em massa — disse e sentou na terceira
poltrona sem ser convidado. — Mas não me perguntem o que está sendo pensado. De
qualquer maneira a colônia ainda existe, mesmo que completamente abobada.
Rhodan fitou-o com um ar de repreensão.
— Você poderia ter um pouco mais de sentimento, meu chapa. Nem quero saber
como se comportariam os ilts se lhes tivesse acontecido uma coisa dessas.
— Não pensar nada é melhor que pensar todas essas bobagens, Perry. A propósito.
Um dia ainda realizarei meu plano de voar ao mundo dos Dois Sóis Mistery para trazer
alguns dos meus bisnetos. Você deve saber que eu os descobri, os descendentes de meus
amigos falecidos. Um ilt nunca sucumbe, diz um velho provérbio de nosso povo.
— Conseguiu fixar os limites da colônia subterrânea? — apressou-se Rhodan em
perguntar. — O antigo porto espacial deve ficar perto dela, numa cratera, se não estou
enganado. Se quisermos pousar temos de encontrá-lo.
— Se necessário podemos pousar em qualquer monte de estéreo — foi o que Bell
disse certa vez — afirmou o rato-castor com o rosto mais sério deste mundo. — Não sei
por que de repente todo esse cuidado.
Rhodan continuou calmo, apesar de ter outras preocupações.
— Porque deduzi dos relatórios que o porto espacial fica exatamente na área que
separa a estação da USO das residências dos colonos. Desta forma mataremos dois
coelhos de uma cajadada. Além disso não correremos o perigo de pousar sobre um vulcão
em atividade. Deu para compreender?
— Ficou claro que nem caldo de galinha — reconheceu Gucky e sacudiu-se. — Que
comparação nojenta!
— Quem a usou foi você — disse Rhodan em tom seco.
Mentro Kosum apontou para os controles.
— Completamos a vigésima volta. Vamos iniciar a vigésima primeira.
***
Flinder passou correndo pelas primeiras galerias.
Preferira abandonar a superfície, porque no lugar em que estava avançava mais
depressa embaixo do solo. Como era um lobo solitário, não conhecia muito bem aquelas
galerias. Ali se praticava sistematicamente a extração de minérios, e ele pouco tinha que
ver com isso.
Havia algumas faixas de transporte, além dos trens automáticos, que o ajudaram a
avançar mais depressa. Tinha de percorrer um trecho de mais de quinze quilômetros ao
todo.
Quanto mais se aproximava da colônia propriamente dita, mais nervoso se sentia.
Teve a estranha sensação de que chegaria tarde, mas não sabia dizer por quê e para quê.
Entrou mais uma vez numa galeria que conhecia e ligou a esteira instalada
lateralmente. Ha se movia com uma velocidade considerável e servia para carregar a terra
que sobrava na escavação das novas galerias. Correu um pedaço ao lado da esteira, até
poder saltar sobre ela sem correr nenhum perigo. Deitou de barriga, com o rosto voltado
para a frente, e tratou de descansar.
Talvez Hershell tivesse razão quando achava que não era conveniente dizer aos
cavadores a verdade a respeito da estação. Cairiam sobre ela que nem um bando de
selvagens e poderiam destruir certas instalações importantes. Nesse caso não haveria
mais nenhuma esperança de serem salvos.
Por enquanto o pedido de socorro continuava a ser irradiado sem parar. Acabaria
sendo recebido por alguém que tomaria providências.
Três quilômetros antes das cavernas residenciais a esteira fazia uma curva de
noventa graus. Transportava a terra para a superfície e parava junto a uma grota que ia
sendo aterrada aos poucos.
Flinder saltou para andar o resto do caminho a pé. Deixou a esteira ligada, porque o
posto de controle mais próximo ficara centenas de metros atrás dele.
Já fazia mais de três horas que saíra da estação. Não tinha nenhuma possibilidade de
entrar em contato com Hershell. Portanto, não sabia se estava tudo em ordem. Também
não sabia muito bem como faria para contar a verdade aos cavadores.
Encontrou-se com os primeiros a pouco menos de um quilômetro das cavernas
residenciais.
Era um grande grupo e estavam todos armados com martelos, barras e outras
ferramentas. Assim que os que iam na frente reconheceram o primeiro cavador, saíram
correndo em sua direção brandindo ameaçadoramente as armas rudimentares.
Flinder parou. Lembrou-se do fuzil energético. Segurou-o na mão um tanto
indeciso. A arma continuava destravada. Só em último caso podia atirar em sua gente, se
é que podia.
— Parem! — gritou. — Que houve?
Os cavadores pareciam ter perdido todo o constrangimento. Sua insatisfação, a
situação má, a falta de alimentos, a incerteza cada vez maior, tudo isto aliado à
deterioração mental — representaram uma descarga que se manifestou na liberação dos
instintos de agressão que dormem no subconsciente de todos os seres humanos.
— Foi você que os chamou, Flinder! — berrou um deles.
— Em vez de escorraçar os maus espíritos, você os chamou. Duas cavernas
desabaram.
— Pare de dizer bobagens! Foi apenas um terremoto. Lá em cima não senti nada.
— Você é culpado! Saia de nosso caminho, senão será morto.
Flinder levantou o fuzil.
— Pretendo defender-me. Ouçam, minha gente! Estive na estação e encontrei
alimentos, muitos alimentos. Pertencem a nós. Hershell ficou lá para que ninguém possa
tirá-los. Tenham juízo e...
Os homens pararam quando Flinder falou na estação. Sua inteligência rudimentar
começou a funcionar e logo tiveram um novo argumento.
— Tirar os alimentos! É claro que vocês querem tirá-los de nós. Hershell sozinho
não poderá evitar que isso aconteça. Temos de ajudá-lo. Saia do nosso caminho. Flinder!
Os homens aproximaram-se em atitude ameaçadora.
— De quem estão falando? Quem poderia tirar os alimentos? Os besouros?
— Não, Flinder. Os homens cuja nave acaba de pousar na cratera.
Flinder ficou atordoado.
Uma nave!
Seu pedido de socorro fora recebido. Tinham vindo para ajudar os colonos. E estes
malucos acreditavam que eles tinham vindo para tirar alguma coisa deles. Por que não
calara a boca em vez de mencionar a estação? Mas provavelmente a reação dos cavadores
não teria sido diferente.
— Parem! — gritou Flinder desesperado e saiu ao encontro dos homens. — Vocês
estão cometendo um erro e...
Flinder sentiu uma dor lancinante. Alguém perfurara sua coxa com uma barra de
ferro. Caiu. A horda passou por cima dele. Uma martelada atingiu sua cabeça. Flinder
perdeu os sentidos.
Os colonos não quiseram saber dele. Deixaram-no jogado no chão. Correram para
atacar os forasteiros que tinham vindo na nave.
Viam em qualquer ser vivo um inimigo mortal vindo de cima.
O último homem abaixou-se, não para ajudar Flinder, mas para pegar seu fuzil
energético.
***
Hershell sentia-se bem.
Atravessou todos os cantos da estação e sentiu-se como o soberano dum pequeno
reino. Tudo pertencia a ele e nem pensava em voltar a morar nas cavernas subterrâneas.
Pegou outra garrafa e abriu-a.
Voltou ao centro de comando balançando ligeiramente. Sentou na poltrona giratória
e contemplou as telas de imagem.
No platô continuava tudo como estava. Reinava a calma, e nem sequer se viam
besouros. Por enquanto brilhava o sol, mas ele logo desapareceria no horizonte.
A nave esférica voltou a aparecer em uma das telas da fileira de cima. Parecia maior
e mais lenta.
Hershell contemplou a tela encantado e logo esqueceu a garrafa que colocara numa
mesa de controle. Só via a nave, que parecia cada vez mais próxima. Quando viu a
curvatura do planeta deslizando embaixo dela, compreendeu o que estava acontecendo.
A nave preparava-se para pousar!
Hershell quis saltar da poltrona, mas acabou ficando sentado como se tivesse sido
paralisado. O espetáculo que se desenrolava diante de seus olhos deixou-o fascinado.
Fazia muito tempo que não via uma nave pousar ou decolar.
Finalmente viu a cratera pouco profunda na qual estava entrando a nave. Começou a
mexer-se. Se andasse depressa, poderia acompanhar o pouso ao vivo. Pegou o binóculo
eletrônico que vira na mesa encostada à parede e saiu da estação. Teve muito trabalho em
subir na rocha ao lado da ponte e ficou satisfeito quando atingiu o pequeno platô que
ficava para o lado do vale.
A cratera ficava a cinco quilômetros de distância, mais embaixo. A nave ainda
estava algumas centenas de metros acima dela e continuava descendo.
Hershell apertou o botão que ficava embaixo da regulagem de distância do
binóculo. O tripé saiu e entrou em posição. Hershell acertou o binóculo. A nave parecia
estar a poucas centenas de metros. Via os menores detalhes.
Finalmente o veículo pousou suavemente no fundo da cratera.
As colunas de sustentação telescópicas se encolheram e a nave ficou imóvel.
Não se via nenhum movimento.
Hershell continuou em cima da rocha. Será que Flinder já chegara à colônia?
Sabia que a nave tinha pousado? Provavelmente não. Como poderia saber, se tinha
usado a galeria subterrânea?
Hershell voltou a olhar pelo binóculo e descobriu uma coisa que ainda não tinha
notado.
Grampos corredores começavam a juntar-se na borda da cratera.
Eram as únicas plantas de Hidden World que podiam tornar-se perigosas a um ser
humano que se descuidasse.
Os grampos corredores tinham certa semelhança com os cipós terranos. Do tronco
principal em forma de serpente partiam braços secundários em todas as direções. Estes
braços serviam para a planta agarrar sua presa. Nas pontas dos braços secundários
ficavam as cabeças de sucção com os quais eram extraídos os líquidos orgânicos das
vítimas.
Os grampos corredores eram vegetarianos. Alcançavam as plantas mais lentas para
devorá-las. No início costumavam aproximar-se dos colonos. Apalpavam-nos e
acabavam soltando-os. Só se tornavam agressivos quando alguém tentava resistir ao
exame indolor. Mais de um cavador saíra com manchas roxas produzidas pelas pontas de
sucção.
Os grampos corredores possuíam um pouco de inteligência, que se manifestava
principalmente em forma de uma curiosidade constante. A nave que acabara de pousar
despertara seu interesse. Hershell tinha certeza de que não demorariam a examiná-la.
Como eram seres coletivos, reuniram-se para este fim.
E dentro de uma hora já teria escurecido.
***
— A estação fica a cinco quilômetros.
Rhodan fez um sinal para Farside.
— Obrigado. O pedido de socorro continua a ser transmitido?
— Automaticamente, senhor. Isto não significa que o tal do Gruppa ainda se
encontre na estação. De qualquer maneira nosso pedido de responder aos chamados
continua sendo ignorado.
Neste momento entrou Atlan, seguido por Lorde Zwiebus.
— Vamos fazer alguma coisa antes do pôr-do-sol?
— Não — respondeu Rhodan. — Seria inútil. Não sabemos o que aconteceu aqui e
que perigos nos esperam lá fora. Esperaremos até amanhã. Se houver alguém à nossa
espera, este alguém deve ter notado nosso pouso e certamente se manifestará.
— Está certo. Não temos pressa.
Gucky apareceu na porta.
— Os impulsos são mais nítidos, mas não mais inteligentes. É uma terrível
confusão. Alguns impulsos revelam satisfação, outros demonstram raiva e vontade de
destruir. Não dá para entender.
— Isso é mais um motivo para nos cuidarmos e esperarmos até amanhã — insistiu
Rhodan. — Gucky, faça uma tentativa para o lado da estação. Deve haver pelo menos
uma pessoa dentro dela.
Gucky começou a trabalhar.
Enquanto isso Rhodan deu ordem para que a tripulação tirasse uma pausa para
descanso. Algumas sentinelas ficariam a postos.
As telas panorâmicas não mostravam nada de suspeito.
O sol desapareceu no horizonte.
— É isso mesmo — informou Gucky. — Ainda há uma pessoa na estação, mas não
se trata de uma grande luz. Mas também não é tão bobo como os outros. Apesar disso
também há algo de errado com seus pensamentos. Tenho a impressão de que está
balançando.
— Você poderia explicar melhor?
— Para usar uma expressão vulgar: ele está bêbedo.
Rhodan continuou a fazer perguntas.
— Você acredita que ele teve bastante inteligência para ligar a estação? Ou será que
isto foi feito por outra pessoa?
— É difícil saber. De qualquer maneira farei mais uma investigação em outra
direção.
— Descanse um pouco. Isso pode ficar para amanhã de manhã.
Do lado de fora já estava escuro. Mentro Kosum preferiu não ligar os faróis da
nave. Não queria que alguém que tivesse observado o pouso da nave ficasse nervoso.
Só as imediações da nave foram controladas ininterruptamente por meio de um
sensor infravermelho. Ninguém poderia aproximar-se da nave sem ser notado.
A noite passou sem incidentes.
Quando começou a clarear, o oficial de plantão na sala de comando olhou
estupefato para a tela panorâmica. O quadro com que deparou era tão incrível e grotesco
que não quis acreditar no que estava vendo.
Figuras de quatro ou cinco metros de altura, finas como cipós e parecidos também
na forma, aproximavam-se balançando desajeitadamente. Não pareciam perigosas, mas
também não inspiravam muita confiança. Parecia que não se tratava de animais, mas de
plantas — mas quem poderia saber? De qualquer maneira se moviam.
O oficial achou melhor avisar o comandante.
Mentro Kosum não ficou muito contente por ter sido acordado tão cedo, mas
naturalmente o oficial de plantão só estava cumprindo seu dever. Mentro vira num
relatório secreto que em Hidden World existiam formas de vida muito estranhas, ao
menos quanto à flora. Por isso não se surpreendeu com a notícia alarmante e prometeu
estar na sala de comando quanto antes. Enquanto isso não se faria nada sem que ele
soubesse.
Kosum lavou-se calmamente, mudou de roupa e tomou o elevador. Quando entrou
na grande sala de comando, lançou um olhar para a tela panorâmica.
— Ainda chegaram outras — disse o oficial. — Seu número aumenta cada vez
mais. Será que planejam um ataque?
— Não acredito, tenente. São plantas inofensivas. Nem sei o que estão querendo.
Talvez se aproximem por curiosidade.
Rhodan e Atlan, que depois de algum tempo também, chegaram à sala de comando,
foram mais ou menos da mesma opinião. Mas Joak Cascal achava que se devia esquentá-
los com uma arma térmica.
Dali a duas horas Rhodan resolveu sair da nave para dirigir-se à estação abandonada
e cuidar dos colonos.
Atlan, Ras Tschubai e Gucky foram com ele.
Usavam trajes de combate leves sem equipamentos de oxigênio. Suas armas
consistiam em armas portáteis reguláveis. Rhodan recomendou ajustá-las na intensidade
mínima, para que ninguém fosse morto.
Os grampos corredores já tinham atingido a nave. Reuniram-se em grupos
compactos em tomo das colunas de sustentação telescópicas e subiram por elas em forma
de trepadeiras. Agarraram as travessas metálicas com os galhos secundários e apalparam-
nas com as cabeças de sucção.
— Acabam devorando a nave — disse Gucky preocupado. — Quer que lhes dê um
susto?
— Sim. Mostre-lhes como você é — exclamou Atlan bem-humorado.
Gucky quis dar uma resposta sarcástica, mas calou-se. Parecia estupefata. Uma das
plantas notara as quatro pessoas que tinham descido da nave e veio lentamente em sua
direção.
— Não se mexam — disse Rhodan. — Elas têm de verificar se somos inofensivos.
Depois nos deixarão em paz.
— Como faremos para saber se elas são inofensivas? — quis saber Gucky.
O grampo corredor hesitou um instante quando tinha chegado mais perto, mas
acabou escolhendo o rato-castor.
— Fique quieto! — alertou Rhodan com a voz abafada. — Deixe que ela o
examine.
Gucky ficou imóvel e num gesto de heroísmo deixou que os galhos em forma de
serpente o envolvessem. Não se sentia muito à vontade, mas confiava nos três
companheiros que observavam tudo com muito interesse.
As cabeças de sucção não ficaram presas no tecido da roupa de Gucky. Felizmente a
planta não teve a ideia de apalpar o rosto de Gucky. Depois de uma inspeção meticulosa
os galhos moles como borracha soltaram Gucky e o grampo corredor voltou para junto
dos outros.
— Caramba! — disse Gucky aliviado. Que sensação esquisita!
— Felizmente já sabemos que suas intenções não são hostis — observou Atlan
satisfeito.
— Sem dúvida. Tanto que ainda estou vivo — piou Gucky indignado.
Os outros grampos corredores não se interessaram mais por Gucky e seus
companheiros. Rhodan usou o telecomunicador para entrar em contato com Mentro
Kosum, que continuava na nave.
— As plantas são inofensivas. Vamos dar uma olhada por aí. Enquanto isso prepare
um planador para nós. Manteremos contato.
Quando chegaram perto da borda da cratera, a quinhentos metros da nave,
descobriram a entrada duma galeria subterrânea. Quando ainda se aproximavam, de
repente saíram correndo duas dezenas de homens. Sacudiam barras de ferro e marretas.
Não pareciam nem um pouco pacatos.
Rhodan parou.
— Esperem! Não atirem!
Tentaram em vão encontrar um lugar onde pudessem abrigar-se, mas não havia
rochas nem buracos no chão. Quando os atacantes ainda estavam a cem metros foram
atiradas as primeiras pedras.
— Vou esquentar o pelo desses caras! — exclamou Gucky furioso e não ligou para
o gesto negativo de Atlan. — Quero vê-los pular.
E Gucky realmente viu.
O efeito paralisante das armas era pouco intenso. Mas foi o suficiente para deter o
ataque por algum tempo, permitindo que Rhodan gritasse algumas palavras para os
atacantes.
— Que querem de nós? Viemos para ajudá-los.
— Espíritos maus! — gritou um deles em tom furioso. — Voltem ao lugar de onde
vieram.
— Precisamos saber o que aconteceu em Hidden World.
— Vão embora. Não queremos vocês aqui.
O grupo voltou ao ataque. Desta vez parecia mais furioso e decidido que da
primeira vez. Correram cinquenta metros e arremessaram suas armas primitivas. Tiveram
boa pontaria. Gucky teve de fazer um grande esforço para desviar-se de uma lança. O
rato-castor segurou telecineticamente a que veio depois e desviou-a de tal maneira que
atingiu a cabeça do homem que a tinha arremessado.
Mas os outros continuaram avançando obstinadamente.
— Ligar armas energéticas para o efeito narcotizante! — ordenou Rhodan e atirou
para dentro do grupo de atacantes.
Os que foram atingidos caíram e ficaram deitados, inconscientes. Dormiriam pelo
menos durante uma hora.
Dentro de alguns segundos tudo passou.
— Um deles até tem um fuzil energético do tipo usado pela USO — constatou Ras
Tschubai. — Será que foi tirado da estação?
— Sem dúvida, Ras. Vamos dar uma olhada no corredor?
Gucky estava parado na entrada, olhando para dentro.
— Recebo impulsos mentais. São bem fracos e tenho certeza de que vêm de longe.
São de um homem que sente dores e está quase inconsciente. Pensa na estação e numa
nave — talvez seja a Good Hope. Parece bem sensato, mas tenho a impressão de que está
ferido.
— Pode determinar sua posição?
— É claro que posso. Quer que vá buscá-lo?
— Não se exponha ao perigo sem necessidade — disse Rhodan. — É possível que
haja mais colonos que queiram atacar-nos.
— Nós lhes daremos uma lição. Não tenha a menor dúvida.
Antes que Rhodan pudesse dizer mais uma única palavra, Gucky desmaterializou.
Atlan apontou para a nave.
— Acho que vamos esperar por ele lá dentro — disse em tom enfático. — Quando
estes homens acordarem, teremos mais problemas.
— Muito bem. Vamos pegar o planador para dar uma olhada na estação.
Os homens voltaram à Good Hope II sem terem descoberto nada de concreto.
***
Gucky rematerializou bem perto dos impulsos mentais por ele detectados, no
interior dum recinto mergulhado na penumbra. Inspirou cuidadosamente e chegou à
conclusão de que o ar era surpreendentemente fresco. As instalações automáticas da
povoação subterrânea ainda estavam funcionando.
O homem que procurava devia estar bem perto, mas os impulsos mentais muito
débeis eram um sinal de que estava inconsciente.
Aos poucos os olhos de Gucky foram se acostumando à penumbra. Estava numa
sala quase retangular de paredes nuas. Não havia instalações ou móveis que pudessem dar
uma ideia da finalidade do recinto.
O homem que procurava estava deitado do outro lado. Parecia estar ferido.
Gucky foi para perto dele, abaixou-se e examinou-o. Havia uma ferida na coxa que
sangrava bastante. Na cabeça do desconhecido aparecia um gigantesco hematoma.
O rato-castor fez o curativo da ferida na perna o melhor que pôde. Quando
finalmente resolveu teleportar com o desconhecido para a Good Hope, este acordou.
Encarou Gucky com uma expressão de espanto.
— A nave! Eles querem chegar à nave!
— Fique bem quieto! — disse Gucky. — O senhor está ferido. Vou entregá-lo a
nossos médicos, que cuidarão do senhor. Quem é o senhor?
— Sou o primeiro cavador, Flinder Tex Gruppa.
— Foi o senhor que transmitiu o pedido de socorro da estação?
— Fui eu, sim.
— E os homens da USO?
— Morreram esmagados por rochas.
Gucky leu os pensamentos de Flinder e chegou à conclusão de que ele dizia a
verdade. Não havia motivo para desconfiar dele. Flinder parecia ser o único homem de
juízo no planeta enlouquecido.
— Muito bem. Vou levá-lo à nave. Rhodan certamente gostaria de fazer algumas
perguntas e...
— Perry Rhodan? — Flinder ergueu-se abruptamente, mas logo caiu para trás
gemendo. — Rhodan está aqui? — Tex fitou Gucky. — Quer dizer que o senhor é?...
— Isso mesmo. Meu nome é Gucky. Já ouviu falar de mim?
— Quem não ouviu? Se bem que... — Flinder esboçou um sorriso — ...se bem que
em Hidden World vivemos bastante isolados.
Gucky segurou as mãos do ferido.
— Preste muita atenção, Flinder. Vamos dar um salto. O senhor não precisa fazer
nada. O que é mais importante, não precisa ter medo. Levaremos menos de um segundo
para chegar à nave.
— Por teleportação?
— Perfeitamente, meu caro. Então...?
— Pronto! — disse Flinder em tom corajoso.
Gucky fixou-se na concentração de impulsos mentais vinda da Good Hope. Num
caso destes não tinha nenhuma dificuldade em fixar a posição.
Em seguida usou sua faculdade e...
Nada!
Não aconteceu absolutamente nada.
Perturbado e tomado pelo pânico, Gucky tentou de novo. Não conseguiu.
Não podia teleportar mais.
— Que houve? — perguntou Flinder preocupado. — Não está dando certo?
— Não compreendo. Aqui não existem campos energéticos nem pára-armadilhas.
Mas deve haver alguma coisa que me impede de teleportar. Alguma coisa que atua na
quinta dimensão. Mas tudo bem. Mesmo sem teleportar daremos um jeito. A telepatia
ainda está funcionando, embora também esteja sujeita às influências da quinta dimensão.
O senhor é capaz de levantar?
Flinder cerrou os dentes e tentou. Perdera muito sangue pela ferida na coxa, mas
apesar da fraqueza conseguiu levantar sozinho. Ensaiou alguns passos.
— Darei um jeito. A poucas centenas de metros daqui existe um painel de controle
das esteiras transportadoras. Podemos usar uma delas para chegar à cratera onde pousou a
nave.
— Muito bem. Então vamos lá...
Durante a marcha difícil pela galeria de ligação, Gucky tentou entrar em contato
com Fellmer Lloyd. Quando finalmente conseguiu, já tinham chegado à esteira
transportadora. Gucky pediu a Fellmer que mantivesse contato mental com ele.
Ajudou Flinder a manipular os controles e ligar as esteiras. O ferido usou as forças
que ainda lhe restavam para subir nela e explicou ao rato-castor como devia fazer para
ligá-la.
Gucky ligou a esteira e saltou depois de tomar um ligeiro impulso. Rastejou para
onde estava Flinder.
— Avise-me quando chegarmos.
— Vai demorar quase uma hora.
— Pois trate de dormir. Enquanto isso avisarei o comandante da nave.
Flinder acenou com a cabeça e fechou os olhos. Dali a pouco sua respiração regular
mostrou que adormecera de tão exausto que estava.
O funcionamento do telecomunicador era tão precário que Gucky não conseguiu
uma ligação razoável com a nave. Por isso voltou a estabelecer contato com Fellmer
Lloyd. Informou-o sobre o que tinha acontecido. Pediu ao telepata que providenciasse
para que um grupo de resgate os esperasse com uma maca antigravitacional na entrada da
galeria.
Fellmer prometeu cuidar disso, mas alertou Gucky de que ainda havia problemas
com os colonos. Um grupo estava deitado na entrada da galeria. Fora narcotizado, mas
estava recuperando os sentidos.
Pretendia-se aguardar para ver o que fariam.
Rhodan, Atlan e Ras Tschubai estavam entrando num planador para dirigir-se à
estação da USO. Fellmer prometeu informá-los pelo telecomunicador a respeito da
aventura de Gucky. Dessa forma Rhodan finalmente saberia quem expedira a mensagem
de rádio.
Depois de interromper o contato telepático Gucky certificou-se de que Flinder
estava confortavelmente deitado e que dormia. A esteira larga deslizava lentamente pela
galeria. Estava escuro.
Gucky enrolou-se e cochilou.
Tentou descobrir em vão por que não podia teleportar mais.
***
Quando os colonos narcotizados recuperaram os sentidos, receberam um reforço
que não esperavam. Cerca de quarenta homens saíram da galeria. Estavam todos armados
e dispostos a não recuar diante de nada. Felizmente já não eram capazes de elaborar um
bom plano. Acreditavam poder atacar a nave com barras, pás e outras ferramentas.
Depois de uma ligeira discussão, que parecia antes com o vozerio de um bando de
macacos, os homens do primeiro grupo pegaram suas armas e juntaram-se ao segundo
grupo.
Dirigiram-se à nave, que ficava a menos de quinhentos metros dali.
***
Mentro Kosum viu-os chegarem, mas o ataque não o pegou de surpresa. O centro de
artilharia da Good Hope estava preparado.
Os grampos corredores já se tinham retirado. Pareciam decepcionados enquanto se
dirigiam balançando à borda da cratera para desaparecer entre as rochas. Provavelmente
pensavam que a nave esférica fosse um repolho gigante muito saboroso.
Naturalmente os colonos não podiam causar maiores estragos à nave, mas até
avarias ligeiras nas colunas de sustentação podiam exigir reparos que consumiriam
bastante tempo. Além disso esses tipos obstinados deviam aprender de uma vez por todas
que não podiam atacar sem motivo uma nave da Frota Solar sem ser punidos por isso.
O canhão narcotizante foi apontado para os homens que avançavam furiosamente.
Mentro Kosum deu ordem de abrir fogo. Os feixes energéticos invisíveis foram atingindo
um colono após outro, paralisando seu sistema nervoso e deixando-os inconscientes sem
deixá-los feridos.
Joak Cascal, que acompanhava tudo pela tela panorâmica, disse:
— Primeiro as árvores de borracha andando e agora os colonos enlouquecidos.
Estou curioso para ver o que ainda encontraremos neste mundo. O que vai acontecer
quando eles acordarem?
— Nada — respondeu Kosum. — Se forem bastante tolos para isso, levantarão e
continuarão correndo. Aí receberão outra lição. Mas é possível que tenham aprendido
com a experiência. Nesse caso desistirão de sua ideia absurda e talvez se disponham a
conversar conosco.
Fellmer Lloyd entrou na sala de comando.
— Estou novamente em contato com Gucky. Ele e o homem ferido chegaram perto
da entrada da galeria. Será que não está na hora de enviar o grupo de resgate?
— Encarregue-se disso, Cascal. Traga Gucky e o tal do Flinder.
Joak Cascal foi à eclusa, onde o médico e alguns enfermeiros já estavam à sua
espera com uma maça antigravitacional. A escotilha foi aberta e o grupo saiu. Os campos
antigravitacionais que mantinham a maca suspensa no ar eram tão fortes que puderam
carregar todos.
O grupo pousou. Ainda não se via nenhum sinal de Gucky e do ferido. A entrada da
galeria era um buraco escuro. A qualquer momento podiam aparecer colonos nele para
expulsar a nave e os espíritos maus.
Fellmer Lloyd chamou pelo telecomunicador.
— Atenção, Cascal! Está chegando. Ajude-o.
— Qual é a distância?
— Está junto à entrada, a poucos metros do senhor.
Dali a instantes Cascal viu duas sombras — um homem que caminhava encurvado e
o rato-castor, que o apoiava da melhor maneira possível.
Os enfermeiros saltaram para perto deles. Só neste momento perceberam que
Flinder devia estar gravemente ferido. Só se aguentara tão bem porque a vontade de viver
era mais forte que as dores e a depressão. Mas quando viu a nave parada no interior da
cratera e os homens acorrendo para ajudá-lo, esta vontade o abandonou. Flinder desabou.
Foi colocado na maca que subiu imediatamente para levá-lo à nave.
Joak Cascal e Gucky ficaram para trás.
— Então, baixinho? Não pode teleportar mais?
— Pelo menos na caverna não foi possível. Mas quem sabe se agora vai dar certo?
— Dê-me a mão, grandalhão.
Os dois chegaram à nave antes do grupo que transportava o ferido.
Gucky estava perplexo.
— Mas não é...! Posso teleportar de novo! Como se explica isso?
— Talvez tenha sido por alguma espécie de radiações — disse Cascal quando
estavam entrando na eclusa. — Radiações subterrâneas.
Apesar da surpresa agradável que tivera ao perceber que sua faculdade só
desaparecera por algum tempo, o rato-castor não se deu por satisfeito com a explicação.
Até chegou a pensar em saltar de volta para a caverna na qual descobrira Flinder, mas
logo se lembrou da longa caminhada que teria de fazer se a teleportação falhasse de novo.
Preferiu não fazer a experiência, mas deu alguns saltos dentro da nave.
Tudo na mais perfeita ordem, constatou.
Flinder foi levado ao hospital, onde os médicos cuidaram dele imediatamente.
Diagnosticaram uma concussão cerebral. A ferida na coxa exigia uma operação.
Flinder foi despido. Seus pertences estavam numa cadeira. Gucky apareceu, curioso
para saber como estava passando seu protegido. Foi quando descobriu o colar com os
eupholithes coloridos e brilhantes.
— Para que serve isto? — perguntou ao médico, mas este não pôde dar nenhuma
informação.
Gucky pegou o colar e examinou-o cuidadosamente. Voltou a guardá-lo no mesmo
lugar. De repente seu estômago roncou. O médico fitou-o como quem quer perguntar
alguma coisa.
Gucky sorriu. Parecia embaraçado.
— Estou com fome — disse. — Cuidem bem do Glinder. Aparecerei mais tarde
para ver como está.
O rato-castor concentrou-se na teleportação.
Mais uma vez seu dom não funcionou.
Gucky ficou estupefato. Não compreendia mais nada. Toda vez que Flinder estava
perto dele não conseguia teleportar. Será que ele emitia uma radiação especial que
impedia a desmaterialização?
Gucky olhou para a corrente.
— Vou levá-la de volta — prometeu Gucky, pegou-o e saiu.
Bastaram duas ou três experiências para encontrar a solução do enigma.
Eram os eupholithes que davam toda essa dor de cabeça a Gucky.
Mais tarde isso seria confirmado por novas investigações científicas.
As pedras presas no colar abafavam os impulsos individuais das pessoas que
chegavam perto delas. Impediam a teleportação. Além disso verificou-se que o colar
evitara que Flinder fosse atingido pelo processo de deterioração mental. Tomara-se imune
e não precisaria mais dele. Talvez a peça lhe tivesse salvo a vida sem que ele soubesse.
Mas não havia dúvida de que fora graças a ele que conseguira transmitir o pedido de
socorro.
Gucky levou a corrente de volta ao hospital, onde já fora iniciada a operação.
Voltou ao corredor e parou depois de ter andado dez metros.
Teleportou sem problemas para a sala de comando, onde fez uma ligação de
telecomunicador com Rhodan e seus companheiros.
5

O planador pousou junto à ponte de ferro, no limite do platô semi-obstruído.


Rhodan pediu ao piloto que ficasse atrás dos controles e estivesse preparado para decolar
a qualquer momento.
Depois saiu do veículo acompanhado por Atlan e Ras Tschubai.
Passando por cima de montes de pedras, aproximaram-se da entrada da cúpula, que
estava completamente aberta. Achavam que lá no alto não teriam de enfrentar nenhum
perigo, mas apesar disso ficaram com as armas energéticas em posição de tiro. Se Gucky
tinha razão e o homem que se encontrava na estação realmente estava embriagado,
poderia haver problemas.
No hall estava tudo quieto. Mas quando entraram no centro da cúpula ouviram
ruídos que podiam ser identificados como roncos.
Encontraram Hershell Anders à frente dos equipamentos de rádio. Estava sentado
numa poltrona, com a cabeça apoiada sobre a mesa. À sua frente continuava a correr a
fita gravada que prosseguia na transmissão automática, repetindo ininterruptamente a
mensagem gravada.
— Aí está — disse Atlan e desligou o aparelho automático. — Não é de admirar
que ninguém tenha respondido às nossas perguntas.
— Devo acordá-lo? — perguntou Ras Tschubai.
Rhodan apontou para a garrafa cheia pela metade.
— Não custa tentar.
Hershell acordou depois de ter sacudido um pouco e fitou os três homens com uma
expressão de espanto. Apesar de estar embriagado, viu que não se tratava de colonos. Só
podiam ter vindo na nave cujo pouso acompanhara. Seriam enviados da USO.
Anders relatou em tom hesitante o que tinha acontecido, apesar de não ter nenhuma
explicação para a súbita deterioração mental, da qual não ficara inteiramente livre. De
repente parecia ter ficado mais ou menos sóbrio.
— Flinder! Voltou à aldeia dos colonos.
— Nós o recolhemos, Mr. Anders. Está em segurança.
— E os colonos?
— Tentaram atacar a nave, mas não conseguiram. Acho que ainda teremos
problemas com eles, se não pudermos convencê-los a serem sensatos. O senhor deveria
ajudar-nos.
— Como?
— O senhor conhece essa gente. Fale com eles. E bem possível que acabem vindo
para cá. Flinder deve tê-los informado.
Neste instante o intercomunicador de Rhodan deu o sinal de chamada. Era Gucky.
— Flinder está sendo operado. Posso ir para aí?
— Ouvi dizer que você não pode teleportar mais.
— Só foi um pequeno problema. Já está resolvido. O colar de pérolas de vidro de
Flinder, ou sei lá que nome têm essas coisas.
— Os eupholithes?
— Isso mesmo!
— Muito bem. Venha. Dê uma olhada por aí. Esperamos visita.
— Os colonos?
— Sim.
— Deixe por minha conta. O que está fazendo esse engraçadinho na estação?
— Está voltando a ser sóbrio.
— Clique!
A ligação foi interrompida.
Estavam falando com Hershell, quando Gucky materializou perto deles. Sua
presença repentina deixou Hershell espantado, mas ele aceitou o fenômeno com
naturalidade. O importante era que por enquanto não tinha mais problemas de
abastecimento.
— Há pelo menos duzentos homens vindo para cá — informou Gucky depois que
Hershell lhe fora apresentado. — Alcançaram a trilha e dentro de meia hora chegarão à
ponte.
— Não vamos preocupar-nos com eles — disse Atlan. — Seria pura perda de
tempo. Sugiro que destruamos a ponte para que não possam chegar ao platô. Não existe
outro caminho. E temos os planadores e os dois teleportadores.
— É uma boa ideia — concordou Rhodan. — Iremos buscar alguns especialistas
para cuidar da estação. Tenho a impressão de que precisa de uma reforma em vários
setores. Quando sairmos de Hidden World, devemos deixar para trás uma estação que
funcione perfeitamente, para que possamos estabelecer contato a qualquer momento. Pois
é. Vamos cuidar da ponte. — Rhodan passou a dirigir-se a Gucky. — Como vai Flinder?
— A operação ainda não terminou, mas acho que ele sobreviverá. É a única pessoa
deste planeta que não perdeu o juízo.
Foram a pé até a ponte. Hershell acompanhou-os.
O desfiladeiro largo estendia-se à sua frente. Tinha centenas de metros de
profundidade e paredões lisos e íngremes. A ponte era uma estrutura metálica simples e
constituía o único acesso à estação.
Os três ligaram seus fuzis automáticos ao mesmo tempo. Os feixes energéticos
branco-ofuscantes destruíram as vigas mestras. Finalmente a ponte soltou-se dos suportes
e desabou com um estrondo. Quebrou-se no impacto.
— Pronto — disse Ras Tschubai. — Que venham. O abismo tem cinquenta metros
de largura. Não conseguirão atravessá-lo nem mesmo com suas barras de ferro.
O grupo voltou ao planador.
— Acho que é melhor o senhor vir conosco, Mr. Anders — disse Rhodan ao
geólogo. — Flinder ficará satisfeito em vê-lo.
O planador subiu e sobrevoou o abismo. Dali a pouco passou cinquenta metros
acima dos colonos que seguiam pela trilha. Trataram de abrigar-se, mas desistiram
quando viram que não haveria nenhum ataque. Hesitaram um pouco antes de seguir seu
caminho.
— Terão uma surpresa — disse Atlan laconicamente.
***
A operação foi concluída.
Flinder estava na cama, fornecendo o primeiro relatório completo a Rhodan. Aos
poucos as peças do mosaico foram-se juntando para formar um quadro completo. Em
conjunto com os fatos conhecidos, foram surgindo as respostas a perguntas ainda sem
solução e explicações para os acontecimentos misteriosos em Hidden World.
Rhodan convenceu-se cada vez mais que a catástrofe, que atingira a Terra e todos os
sistemas planetários conhecidos, podia ser considerada uma calamidade de proporções
cósmicas. Além disso havia o fato de que as radiações funestas da constante gravitacional
alterada produziam seus efeitos em todos os lugares ao mesmo tempo.
Atlan, que viera em companhia de Rhodan, apontou para o colar de Flinder.
— Este colar protegeu o senhor dos efeitos das radiações primárias. Deixou-o
imune. Poderia cedê-lo por empréstimo? Tive uma ideia.
— Pode ficar com ele — disse Flinder e tirou o colar para entregá-lo a Atlan.
— Que ideia é essa, Atlan? — perguntou Rhodan.
— Não sei se tenho razão. Talvez esteja enganado. Se o eupholithe protegeu Flinder
do processo de deterioração mental, talvez possa curar Icho Tolot. Como sabemos, as
radiações misteriosas só agiram sobre ele com cinquenta por cento de sua intensidade.
Seria bom se pudéssemos contar com um halutense cem por cento em forma.
Rhodan acenou com a cabeça.
— É uma boa ideia. — Pensativo, contemplou o colar que Atlan segurava na mão.
— Eupholithe! Acho que descobrimos um fator importante na luta contra o
desconhecido. Icho Tolot vai confirmar nossas esperanças — ou destruí-las.
Apesar da deterioração mental, o halutense ainda era mais inteligente que um
terrano normal. Satisfeito, aceitou a sugestão de Atlan. Colocou o colar quando lhe
pediram. Não se notou logo um efeito perceptível, mas Tolot garantiu que sentia um
formigamento agradável em todo o corpo. Prometeu não tirar o colar enquanto não
tivesse certeza. Depois disso recolheu-se ao camarote.
Rhodan formou um grupo de especialistas com o qual voaria para a estação de
tarde.
Flinder estava mergulhando. No dia seguinte estaria em plena forma, graças aos
métodos de tratamento avançados dos terranos.
***
Enquanto os técnicos trabalhavam verificando todas as funções da estação, Rhodan
ficou sentado à frente do receptor que voltara a funcionar para ouvir as mensagens
recebidas.
Em sua maioria eram codificadas, mas isso não representava nenhum problema para
o computador. Dentro de instantes Rhodan tinha o texto decifrado à sua frente.
Geralmente tratava-se de pedidos de socorro de planetas habitados que tinham sido
atingidos pela catástrofe. Além disso havia transmissões de naves em dificuldades.
Muitas vezes um ou dois tripulantes tinham escapado por algum motivo ao processo de
deterioração mental e se viam numa situação desesperadora.
Rhodan chamou um dos técnicos.
— O banco de dados automático funciona perfeitamente. Faça o favor de
providenciar para que todas as mensagens que chegarem sejam classificadas e levadas à
Good Hope.
Desta forma Rhodan teria um tesouro ainda inestimável de informações vindas de
todos os cantos da galáxia. Sua interpretação podia demorar semanas, mas o esforço seria
recompensado. Evitar-se-iam expedições inúteis.
Enquanto continuavam atento às mensagens recebidas, Rhodan observou o terreno
em volta da estação. Numa raiva impotente, os colonos esperavam do outro lado do
desfiladeiro. Tentavam atingir os planadores que pousavam com fundas construídas por
eles mesmos e espingardas de caça. Mas nem mesmo as poucas armas energéticas
puderam fazer qualquer estrago.
— Mr. Rhodan...?
Rhodan levantou o rosto. Era um dos técnicos.
— Que foi?
— Os rastreadores de impulsos! Todos eles se queimaram. Deve ter sido quando
passou o Enxame. Bem perto, acreditamos.
— Existem outros estragos que possam ser atribuídos ao mesmo fato?
— Tentamos descobrir.
Rhodan acenou com a cabeça.
— Obrigado — disse e voltou a dedicar sua atenção ao rádio.
No fim da tarde, quando o sol já estava junto ao horizonte, recebeu uma mensagem
em texto claro. A intensidade da transmissão era tão grande que Rhodan se sobressaltou.
Ativou o telerrastreamento para verificar a distância do transmissor.
O mostrador mal se mexeu na escala.
A nave — se era mesmo uma nave — Já devia ter iniciado a manobra de
aproximação a Hidden World.
A distância era inferior a uma hora-luz.
***
A nave mercante Trader era uma corveta adaptada que há várias décadas fora
liberada pela Frota Solar para uso privado. Fora adquirida por um preço baixo por um
capitão chamado Lark Sentas, que passara a usá-la como nave mercante.
Quando entrou na espiral sul da Via-Láctea, o capitão ainda não imaginava o perigo
a que se expunha. Era verdade que por mais de uma vez recebera sinais de rádio
incompreensíveis e notícias ainda mais incompreensíveis transmitidas pelo hiper-rádio,
mas não se preocupara muito com isso. Como mercador independente sentia-se desligado
da burocracia terrana, embora fosse obrigado a reconhecer que seria difícil governar um
império sideral de outra forma.
Quando a Trader voltou mais uma vez ao universo, depois de ter estado no espaço
linear, Lark Sentas e sua tripulação de vinte pessoas tiveram uma surpresa.
Viram o Enxame.
Milhares e milhares de bolhas energéticas que brilhavam fracamente encobriam as
estrelas que ficavam atrás delas. À primeira vista pareciam ter certa semelhança com a
concentração do centro da Via-Láctea, mas logo se percebeu a diferença. O Enxame era
um grupo de forma alongada e não consistia em estrelas. Além disso entrava na galáxia à
velocidade da luz.
Lark Sentas virou-se para o imediato.
— Então, Ren, que me diz?
O homem fitou-o como quem não tinha compreendido nada.
— Pérolas de vidro! — respondeu enquanto olhava encantado para a tela de
imagem. — Até que enfim temos uma coisa para brincar.
Sentas respirou profundamente.
— Está louco, cara? São campos energéticos atrás dos quais estão escondidas naves.
Pérolas de vidro! Que houve com o senhor?
A reação de Ren Berger não foi nada sensata.
Ficou dançando na pequena sala de comando e cantarolando uma melodia infantil.
Chegou perto dos controles manuais do propulsor, que estava ligado no piloto
automático.
Estendeu a mão, mas Sentas levantou de um salto e empurrou-o. Ren Berger perdeu
o equilíbrio e caiu. Começou a chorar.
Sentas contemplou-o com uma expressão de perplexidade. Alguma coisa devia ter
acontecido, uma coisa incompreensível e inexplicável, que afetara bastante a mente de
Berger. Seria conveniente mantê-lo em isolamento até que voltasse ao normal.
Lark chamou o comandante pelo interfone. Como ninguém respondeu, saiu e
trancou a porta da sala de comando do lado de fora. Tomou o elevador e foi ao respectivo
setor da nave. Já de longe ouviu uma risada eufórica e alguma coisa batendo.
Preparado para qualquer surpresa, aproximou-se cuidadosamente. Quando passou
pela curva do corredor, viu que todas as portas da pequena enfermaria estavam bem
abertas. O médico estava sentado no chão da sala de consultas, brincando com os bisturis,
que eram arremessados como facas. Toda vez que errava o alvo irrompia numa risada
histérica.
O alvo era um paciente que ele tirara da cama e sentara com as costas apoiadas na
parede. O doente ria alto toda vez que o médico errava o alvo.
Sentas deu um salto e arrancou os instrumentos da mão do médico.
— Que diabo está acontecendo nesta maldita canoa? — gritou fora de si. — Berger
enlouqueceu. O senhor enlouqueceu — será que ainda existe alguém em estado normal?
— Seu desmancha-prazeres! — disse o médico em tom zangado e deitou na cama.
— Quer dar uma jogada? — perguntou o paciente em tom curioso. Parecia que já
não conhecia Sentas. — Talvez seja melhor que este cara de jaleco branco...
Sentas sacudiu a cabeça e deixou os dois loucos entregues à própria sorte. Voltou à
sala de comando, depois de ter feito uma inspeção na cantina.
Todos tinham abandonado seus postos e estavam reunidos lá. Ninguém se
encontrava em estado normal. Cumprimentaram o comandante com risadas loucas e o
pedido de arranjar uns ursinhos de pelúcia.
Sentas não perdeu tempo. Trancou-os.
Para não ser pego de surpresa, também trancou a porta da sala de comando e refletiu
sobre o que tinha acontecido e como. Olhou para a tela que mostrava o Enxame de bolhas
energéticas
Será que elas tinham alguma coisa a ver com o que estava acontecendo?
Se tinham, por que ele mesmo não fora atingido?
Não era a hora de tentar encontrar uma solução. Tinha de salvar a própria pele e a
nave. Se necessário poderia dirigi-la sozinho, mas não por muito tempo. O piloto
automático não trabalhava com tanta segurança como nos modelos mais modernos.
Sentas tinha de ficar sempre atento.
Pegou o mapa sideral e examinou-o atentamente. De repente uma luz nasceu em seu
espírito. Sentas bateu com a mão na testa.
— Mas é claro! Rubi Ômega. Nem sei como não me lembrei disso antes. Sempre fiz
bons negócios com esses ratos cavadores. Compravam tudo quanto era bobagem. O nome
do planeta é Hidden World. — Sentas pôs a mão no peito, abriu a camisa e tirou uma
pedra colorida cintilante presa a uma fina corrente de prata. — Da última vez que estive
lá me deram um talismã. Dizem que deixa a gente sempre alegre e bem-humorado. —
Pensativo, contemplou o belo eupholithe. — É um povinho supersticioso, esse pessoal de
Hidden World.
O comandante voltou a abotoar a camisa. A pedra estava encostada em sua pele.
Sentas nem imaginava quanto valia para ele.
Fez o cálculo da rota de Rubi Ômega e chegou à conclusão de que estava a apenas
alguns anos-luz do sistema solitário. Seria capaz de percorrer o trecho mesmo sem a
ajuda do imediato que estava dormindo.
A Trader entrou no espaço linear de acordo com sua programação e voltou ao
universo normal a menos de uma hora-luz do sol vermelho.
Lark Sentas sentou à frente do rádio e tentou fazer contato com a estação da USO,
da qual precisava de uma permissão de pousar. Não se espantou nem um pouco quando
dali a pouco recebeu uma resposta, juntamente com um pedido de identificação.
— Nave mercante Trader, proprietário Capitão Lark Sentas. Peço permissão de
pouso.
A voz que respondeu ao seu pedido parecia fria, controlada e distante, mas não
tinha nada de antipática.
— Pouse na cratera. Não sei se conhece a área. Se não, forneceremos a direção.
Anote uma ordem terminante. Em hipótese alguma saia da nave. Se a nave for atacada,
não use armas mortais. Entendido?
Sentas respondeu com outra pergunta.
— Conheço o porto espacial. Por que alguém iria atacar-me? Conheço os colonos.
Faz cinco anos que estive aqui pela última vez. Será que os besouros voltaram a crescer?
— Pouse, não saia da nave e aguarde novas instruções. Considere isto uma ordem
dum escalão superior, capitão. Tudo em ordem a bordo?
Aos poucos Lark Sentas começou a ficar desconfiado. Não esperara uma recepção
tão esquisita em Hidden World. Mas teve de reconhecer que a última pergunta tinha sua
razão de ser.
— Nada está em ordem a bordo — respondeu. — Pode parecer uma atitude
arrogante, mas afirmo que sou a única pessoa normal a bordo. É um fato. O senhor
poderá verificar se quiser.
— Acreditamos no que diz. A situação em Hidden World é mais ou menos a
mesma. Deixemos as explicações para depois. Pouse e obedeça às minhas instruções.
— Está bem. Posso saber com quem estou falando?
— Com Perry Rhodan, Administrador-Geral do Império Solar. Isto basta?
Bastou.
Lark Sentas calou-se.
Não sabia o que dizer.
6

No dia seguinte Icho Tolot comunicou a Rhodan e todos que queriam ouvi-lo que se
sentia bem e perfeitamente normal. Mas por causa de sua alegria as palavras foram ditas
em voz tão alta que puderam ser ouvidas em toda a nave. Um oficial supernervoso quis
dar o alarme, porque acreditava que animais selvagens tinham invadido a Good Hope
para devorar a tripulação. O mal-entendido só foi esclarecido no último instante.
Atlan pegou o colar com os eupholithes.
Flinder já estava de pé de novo. Tentara juntamente com Rhodan e alguns oficiais
chamar os colonos à razão, mas não conseguira. Não havia quem convencesse essa gente
de que os forasteiros vindos do céu eram culpados de sua desgraça. Só podiam ter sido
eles que fizeram desabar suas cavernas e obstruíram várias galerias.
Outros grupos se tinham entrincheirado junto à cratera. Não se atreviam a lançar um
ataque frontal contra a Good Hope, porque ainda não se tinham esquecido da lição
recebida.
Mas de repente chegou outra nave.
Pousou na cratera, a menos de duzentos metros da Good Hope. Era um veículo
espacial esférico de sessenta metros de diâmetro que ostentava o nome Trader.
Os espíritos maus estavam recebendo reforços.
Numa súbita decisão, os colonos prepararam-se para o ataque.
Hershell Anders parecia ter recuperado um pouco de sua inteligência. De forma
quase imperceptível foi absorvendo as impressões, ia aprendendo e conseguiu raciocinar.
Naturalmente não voltara ao QI normal, mas já se podia falar com ele. Compreendia o
que tinha acontecido.
— Tentarei explicar-lhes o que houve — disse e apontou para a tela que mostrava
os colonos se agrupando. — Querem atacar a nave que acaba de pousar.
— Sentas possui armas narcotizantes — respondeu Rhodan. — Poderá defender-se.
Acho bom que os próprios colonos percebam que a outra nave também dispõe de
recursos para repelir seus ataques. Desta forma se cuidarão melhor daqui em diante. Mas
de qualquer maneira fico muito grato pela oferta. Talvez ainda recorra ao senhor, pelo
menos em relação ao pessoal que se reúne lá em cima, em tomo da estação.
Gucky parecia ser o único que se divertia com a situação. Flinder mal se recuperara,
quando Gucky o convenceu a fazer uma excursão nas galerias subterrâneas. Queria ver a
cidade dos cupins e agora que Flinder já não usava o colar podia teleportar a qualquer
momento e para onde quisesse.
Rhodan não fez nenhuma objeção.
Flinder, que estava na plena posse de suas faculdades mentais, queria tirar todo o
proveito possível da situação. Não era todos os dias que se arranjava um teleportador para
ajudar a gente. Com ele podia-se chegar até às galerias obstruídas e a corredores ainda
não descobertos sem expor-se a qualquer perigo.
Gucky naturalmente leu os pensamentos do primeiro cavador e resolveu agir de
acordo. Teria muito cuidado. Se materializassem numa caverna afastada onde houvesse
eupholithes, não poderia teleportar mais. Ficariam irremediavelmente presos.
Mas apesar de todo o cuidado Gucky sofreu uma repreensão.
Os dois teleportaram para trás das posições dos colonos. Flinder conhecia uma
entrada semi-obstruída que pretendiam usar. Gucky exigira que não se teleportasse
sempre. Para ter uma ventura de verdade era necessário andar a pé, caminhar, rastejar por
galerias apertadas e queimar as gorduras supérfluas.
E dessas gorduras Gucky possuía uma boa quantidade, como viviam lhe dizendo.
Estavam de pé junto à entrada da galeria, muito bem camuflada por alguns arbustos
ambulantes e blocos de pedra.
— Quer dizer que tenho de entrar neste buraco?
— Você não queria andar a pé? — lembrou Flinder com uma ponta de ironia. —
Mas não se preocupe. Depois de alguns metros o corredor fica mais largo. Poderemos
andar de pé. Eu conheço. Conheço esta galeria.
— Para onde leva?
— Para a cidade dos cupins.
Os dois entraram no buraco de quatro. Depois de alguns metros a previsão de
Flinder se confirmou. Puderam caminhar de pé. Gucky trouxera uma lâmpada forte. Não
estava com vontade de bater com a cabeça na escuridão.
— Sempre me interessei pelos cupins. Aliás, interesso-me por todos os insetos. Em
minha opinião alcançaram certo grau de inteligência em todas as partes da galáxia. Sem
dúvida são os próximos candidatos ao governo do universo, depois dos humanóides.
Flinder não estava acreditando muito.
— Não são inteligentes de verdade. Só possuem certo instinto, se me permite que
use esta palavra. Ficam unidos e cuidam da perpetuação de sua espécie. Isto não tem
muita coisa a ver com uma verdadeira inteligência.
— Quando você me falou a respeito de certa cidade sua opinião não parecia ser
esta.
— Espere até chegarmos lá.
Caminharam pelo menos uma hora. De repente Gucky parou.
— Quanto falta?
— Dez quilômetros, contando a volta que daremos.
— Que volta?
Flinder sentou numa pedra.
— Esta galeria não está diretamente ligada às outras. Faz uma curva que temos de
acompanhar. Por isso fica tão longe.
Gucky fungava.
— Muito bem. Se é assim teleportaremos. Você seria capaz de dar uma descrição
exata da situação? Preciso conhecer a direção e a distância.
Flinder esforçou-se o mais que pôde. Finalmente conseguiu convencer Gucky de
que tudo tinha de dar certo. O rato-castor concentrou-se no ponto indicado e os dois
desmaterializaram.
Saíram bem no centro da cidade dos cupins.
Entusiasmados com o resultado, a primeira coisa que fizeram foi inspecionar as
instalações subterrâneas e defender-se de um ataque dos besouros médios. Gucky ficou
muito admirado com a arquitetura dos cupins. Não compreendia que os besouros
estúpidos tivessem sobrevivido a eles.
— Só pensam em comer — opinou Flinder. — Talvez seja por isso que ainda estão
vivos.
Gucky acenou com a cabeça.
— Você deve ter razão. Mas seja franco. Você traz uma ideia nas profundezas do
subconsciente. Que bobagem de rainha é essa?
Flinder percebeu que fora descoberto. Era impossível esconder seus segredos de um
telepata. Começou a falar em tom hesitante, explicando ao rato-castor o que havia com os
restos mortais de uma rainha de cupins.
— Então é isso! — Gucky pôs-se a refletir. Afinal, todos deviam muito ao primeiro
cavador. — Deixe-me pensar. Depois que me afastei dez metros de seu colar, consegui
teleportar de novo. Quer dizer que se encontrarmos uma rainha e o bicho emitir seus
raios, não poderei teleportar. Mas se me afastar dez metros do lugar, a coisa volta a
funcionar. Quer dizer que no fundo não assumiríamos nenhum risco se quiséssemos
tentar. Ou será que assumiríamos?
— É claro que não — concordou Flinder entusiasmado. — Não pode acontecer
nada. Preste atenção. Tenho minhas ideias. A única rainha descoberta em Hidden World
estava naquele corredor. — Flinder apontou para a parede oposta. — Não se encontrava
no lugar que costumamos chamar de cemitério. Parece que as rainhas eram uma exceção.
— Vamos dar uma olhada — sugeriu Gucky.
Os dois desviaram-se de alguns besouros agressivos, que ainda não tinham desistido
da esperança de uma boa refeição. Flinder parou à frente de um paredão liso.
— É atrás deste paredão — disse.
— Atrás? Como os cupins atravessaram a rocha?
— A rocha foi colocada depois. Além disso eram capazes de perfurar camadas de
pedra. Deviam possuir mandíbulas de aço.
— Hum. Quer dizer que teremos de teleportar através da rocha, o que não seria
nenhum problema, se eu soubesse onde fica o espaço oco. Não estou com vontade de
rematerializar em plena rocha.
— Isso pode ser calculado. Afinal, conheço os hábitos de um cupim moribundo. Na
horizontal e sempre em frente. Tentaremos por etapas.
Depois de quatro saltos, que terminaram em certo trecho da galeria fúnebre,
finalmente alcançaram o mausoléu propriamente dito. Assim que Gucky ligou a lâmpada,
Flinder soltou um grito de alegria. Descobrira a rainha bem no canto, quase encoberta
pelo deslizamento de terra.
— É a segunda rainha de cupins em Hidden World!
Flinder precipitou-se sobre ele e pôs-se a abrir a blindagem da barriga com uma
pedra. Gucky contemplou-o fascinado quando dali a pouco tirou os eupholithes coloridos
e os enfiou no bolso. Enquanto isso ficava murmurando alguma coisa, como se tivesse
pegado a febre do ouro.
Enquanto isso Gucky olhou em volta e logo percebeu que cometera um erro de
raciocínio.
A câmara mortuária tinha cerca de um metro de largura e quatro de comprimento.
Eram menos de dez metros.
O rato-castor sentou. Esperou que Flinder se acalmasse e chegasse perto dele.
— É uma descoberta sem igual, mais rentável ainda que a primeira. Gucky, eu lhe
agradeço. Como poderei recompensá-lo?
— Começando a cavar, meu chapa.
Flinder fitou-o como quem não tivesse compreendido.
— Cavar? Como?
— Com as mãos. Ou será que você me pode dizer como farei para afastar-me dez
metros dessas suas malditas pedras?
Flinder compreendeu logo.
— Podemos tentar. Se não for possível, você terá de avisar Fellmer Lloyd. Virão
tirar-nos daqui.
Flinder começou a trabalhar com uma disposição que só podia causar a admiração
de Gucky. O corredor pelo qual se podia voltar à cidade só estava obstruído por massas
de terra, mas felizmente não era de rocha natural. Nos últimos dez mil anos houvera
certas mudanças. Os terremotos e os movimentos tectônicos tinham contribuído para que
Flinder fosse punido pela ganância. Gucky ajudava-o de vez em quando, para aliviá-lo,
mas principalmente porque não queria levar uma bronca de Rhodan.
Depois de três horas de trabalho duro finalmente conseguiram.
Mas aí apareceu outro problema.
— Se você levar as pedras não poderemos teleportar, meu chapa. Leve-as de volta à
rainha morta para que fiquemos a dez metros de distância.
— Quer que deixe estes belos eupholithes?
— Só se quiser. Se não quiser, volte sozinho para junto da rainha e eu sairei daqui.
Não adiantava discutir.
Só havia uma possibilidade, a não ser que Flinder quisesse ficar enterrado vivo. Era
verdade que com um esforço tremendo conseguiria avançar pelo corredor obstruído, mas
se encontrasse massas de rocha pela frente estaria perdido.
A decisão só podia ser uma.
— Está bem. Seja o que você quiser. Mas ainda voltarei para buscar as pedras.
Atlan diz que precisaremos de muito eupholithe. Principalmente daquele que pertencia às
rainhas. Não sei o que quer dizer com isso, mas já sei onde procurar.
— Espero você aqui — prometeu Gucky.
— Flinder voltou rastejando à câmara mortuária e pegou as pedras coloridas
brilhantes que tinha guardado no bolso. Empilhou-as cuidadosamente ao lado do
esqueleto da rainha e voltou para junto do rato-castor.
— Lá atrás há uma fortuna — disse amargurado.
— Se você estiver morto ela não lhe servirá para nada — consolou-o o ilt.
Em seguida segurou a mão de Flinder, concentrou-se no pavilhão da cidade dos
cupins — e teleportou.
Não foi um salto perfeito.
Rematerializaram cinco metros acima do chão rochoso. Como não estavam
preparados, sofreram uma queda violenta. Gucky esfregou as canelas.
— Que foi isso? Não compreendo. Se conheço oticamente o destino, sempre dá
certo. — Depois de lançar um olhar penetrante para Flinder, prosseguiu. — Como é? Não
tem nada a dizer?
Flinder esfregou as juntas doloridas.
— Tudo por causa duma pedrinha...! Eu não sabia.
— Deixe-me ver! — disse Gucky zangado.
Flinder enfiou a mão no bolso e tirou um eupholithe mais colorido que os outros.
Gucky pegou-o.
— Esta pedra poderia ter-nos custado a vida, seu leviano! Por que resolveu levá-lo?
Não vai ficar mais rico por causa dela.
— Levei por levar — respondeu Flinder.
Gucky tomou impulso e atirou a pedra para o meio de uma horda de besouros
canibais.
— Vai buscá-la. Se fizer isso, prepare-se para voltar à nave a pé. Porque me
despedirei de você exatamente dentro de dez segundos. Então...?
Flinder segurou a mão de Gucky.
— Não estou muito disposto a andar — disse.
Gucky teleportou de volta para a Good Hope.
***
Lark Sentas saiu da nave depois que Rhodan lhe deu permissão. Trancara seu
imediato na cantina, com os outros. Não queria arriscar-se. Usara a arma narcotizante
para defender-se dos ataques dos colonos. Os homens ainda estavam deitados no chão,
inconscientes, nas mais diversas posições.
Rhodan cumprimentou-o num misto de cortesia e curiosidade.
No primeiro encontro, ao qual Atlan esteve presente, ficou-se sabendo por que
Sentas não fora atingido pela deterioração mental. Usava um eupholithe como talismã.
Parecia que a teoria de Atlan se confirmara.
A bordo da nave de Sentas havia mantimentos para muitos meses. Rhodan
recomendou que ficasse em Hidden World, para aguardar os acontecimentos. Devia
entrar em contato com Flinder e revezá-lo no serviço da USO.
Sentas ficou apavorado quando descobriu a causa de tudo isso. Era bem
compreensível que fizesse uma pergunta.
— O Enxame! Eu o vi. Em que consiste? Em naves dirigidas por seres que não
conhecemos? Querem destruir-nos? De onde vieram?
Rhodan e Atlan fizeram um gesto de resignação.
— Não sabemos, Sentas — respondeu Atlan. — Por enquanto não sabemos
absolutamente nada. Contamos o que chegou ao nosso conhecimento. O Império Solar
como nós o conhecemos não existe mais. A maior parte da humanidade foi atingida pelo
processo de deterioração mental. A ordem estabelecida desmoronou-se. Por enquanto
estamos indefesos diante do desconhecido que nos atinge. Existe um velho provérbio
terrano, Sentas, que diz: Contra a estupidez até os deuses lutam em vão. É bem verdade
que quem fez este provérbio se referia à estupidez com que nascem certas pessoas, mas
agora nos defrontamos com uma estupidez provocada. Talvez seja uma radiação que
afeta os cérebros. Nem sequer sabemos se esta radiação é espalhada em nossa galáxia de
propósito ou involuntariamente.
— Quer dizer que, resumindo, o inimigo é desconhecido?
— Não o conhecemos e não sabemos se um dia poremos os olhos nele. Nem sequer
sabemos se o inimigo existe. É possível que os desconhecidos nem saibam que estrago
estão causando. O importante é sobrevivermos — e o senhor poderá contribuir para isso,
Sentas. Cuide da estação da USO com Flinder e deixe que seu pessoal saia da nave.
Talvez façam as pazes com os colonos.
Sentas suspirou.
— Quem dera que eu pudesse jogá-los fora e decolar. Se ficar sozinho, levarei a
Trader a qualquer lugar da Via-Láctea.
Rhodan fitou-o com uma expressão indagadora.
— O que vai fazer lá? Acha que as coisas são diferentes daqui? Trata-se de uma
catástrofe universal. É incompreensível e suas proporções não podem ser avaliadas. Acha
que pode escapar dela?
Sentas ficou embaraçado.
— Desculpe, foi somente uma ideia. Uma ideia tola.
— Tola não, mas irrefletida. Quer dizer que o senhor fará o que foi combinado?
— Naturalmente, senhor.
***
Antes de decolar, recapitularam os fatos.
Estavam na pequena sala de reuniões da Good Hope — Rhodan, Atlan, Cascal,
Saedelaere, os mutantes, alguns cientistas e o comandante Mentro Kosum.
Sentas e Flinder tinham comparecido como convidados, da mesma forma que
Hershell.
— Por enquanto não existe nenhuma esperança de que as condições em Hidden
World ou em qualquer outro lugar se normalizem — principiou Rhodan depois que
tinham discutido o assunto. — Flinder continua como chefe da colônia. Hershell e Sentas
serão seus assistentes. Três homens normais para um mundo tão escassamente povoado
— é mais do que poderíamos esperar. No que diz respeito à Good Hope e sua tripulação,
daqui em diante teremos de cuidar-nos melhor. Tivemos sorte, uma vez que em Hidden
World não enfrentamos nenhum perigo grave. Mas em outros mundos pode ser diferente,
porque lá existem armas.
— Quanto à estação da USO — prosseguiu Atlan — sabemos quais são as tarefas
que deverá desempenhar. Por enquanto não se pode contar com um revezamento por
homens regularmente treinados. Sempre que houver uma indagação sensata, deverão
fornecer os dados disponíveis a respeito do Enxame. O pouso de naves deve ser
impedido, a não ser que se trate de naves cargueiras à procura de socorro ou unidades
militares comandadas por alguém que tenha ficado normal. Ainda não pudemos
interpretar todas as gravações que fizemos. É bem possível que delas possamos extrair
informações muito úteis. A colônia Hidden World fará o possível para arranjar-se sem
nenhuma ajuda de fora. Logo, terá de tomar-se independente em matéria de fornecimento
de energia e alimentos. Pode demorar muitos anos até que apareça uma nave para trazer
abastecimentos. A extração dos eupholithes e do óleo deverá prosseguir. Flinder fica
encarregado disto. — Atlan sentou. — Era só o que eu queria dizer. Tenho certeza de que
Flinder, Anders e Sentas cumprirão seu dever.
O comandante da Good Hope, Mentro Kosum, levantou a mão. Rhodan fez um
gesto para que falasse.
— Que foi?
— A rota, senhor. Ainda não recebi as instruções.
— Resolvemos fazer mais uma experiência. Desta vez nos dirigiremos a um planeta
que fica à frente do Enxame — isto é, a um mundo que em termos relativistas ainda não
foi atingido por seus efeitos. Sei que se poderia objetar que a Terra poderia servir de
exemplo, mas sou de opinião que nunca saberemos bastante. Os dados lhe serão
fornecidos depois que tivermos examinado o respectivo mapa setorial. Mais algumas
perguntas?
Flinder teve uma.
— O que faremos com os eupholithes que forem extraídos daqui em diante se não
aparecer ninguém para levá-los? Onde deverão ser guardados?
— Armazenem-nos num lugar seguro, Flinder. De preferência na estação da USO.
Façam tudo para que os colonos recuperem o juízo. Entreguem-lhes mantimentos em
troca de eupholithes.
— E uma garrafa de cachaça, se trouxerem uma rainha — exclamou Hershell
Anders entusiasmado. Sobressaltou-se e fez cara de espanto: — É melhor não fazer isso.
Era um sinal evidente de que sua inteligência voltara ao normal.
Gucky estava sentado num lugar mais afastado. Não disse uma palavra. Só
estremeceu ligeiramente quando Hershell se referiu à rainha dos cupins.
***
A Good Hope decolou dali a dois dias, em 28-7-3.441.
Hidden World, o mundo do pavor, mas também um mundo em que reinava uma paz
relativa, ficou para trás. Talvez Flinder conseguisse convencer os colonos a voltar ao
trabalho, talvez não. De qualquer maneira a Trader seria vigiada ininterruptamente por
um dos três homens. Representava a única possibilidade de sair do planeta.
— Aprendemos alguma coisa? — perguntou Atlan quando Rubi ômega voltara a ser
apenas uma estrela vermelha.
— Aprendemos muita coisa — respondeu Rhodan. — Tão depressa não voltaremos
a pousar num planeta desconhecido. Enviaremos pequenos comandos para fazer um
reconhecimento. Uma nave grande causa alvoroço e cria confusão entre os habitantes.
Aqui ainda tivemos sorte, mas as coisas poderiam ter sido diferentes. De qualquer
maneira colhemos algumas informações. Logo, valeu a pena assumir o risco.
Depois da primeira etapa linear viram de novo o Enxame.
Cobria uma distância de vários anos-luz e parecia deslocar-se com uma lentidão
incrível à frente da massa de estrelas. A direção parecia ter mudado um pouco. Atlan deu
algumas instruções ligeiras ao oficial navegador.
Esperaram.
Finalmente veio o resultado.
O Enxame seguia em direção à Via-Láctea propriamente dita.
Estava entrando nela.
Rhodan deu ordem para que fosse preparada a segunda etapa, que levaria a Good
Hope mais um pedaço para a frente.
Para a frente do Enxame...

***
**
*

Enquanto Perry Rhodan sai do planeta dos


cavadores numa pequena nave, especialmente equipada
— a Good Hope II — para voltar a fazer investigações
no espaço, outros homens do planeta Terra cumprem
sua missão no cosmos.
Como por exemplo Edmond Pontonac, o
embaixador do Sol, que regressa, encontra-se com o
comboio dos desesperados — e com A Espaçonave do
Ídolo Amarelo...
A Espaçonave do Ídolo Amarelo — é este o título
do próximo volume da série Perry Rhodan.
Visite o Site Oficial Perry Rhodan:
www.perry-rhodan.com.br

O Projeto Tradução Perry Rhodan está aberto a novos colaboradores.


Não perca a chance de conhecê-lo e/ou se associar:

http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?rl=cpp&cmm=66731
http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs.aspx?
cmm=66731&tid=52O1628621546184O28&start=1

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