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Volume 21, N. 1, pp.

132 - 157, Jan/Jun, 2017

ENTREVISTA DE ANAMNESE DA TERAPIA DO ESQUEMA PARA


CRIANÇAS: ANÁLISES E REFLEXÕES

Fabíola Rodrigues Matos


Renata Ferrarez Fernandes Lopes
(Universidade Federal de Uberlândia – UFU)

Resumo

Esta pesquisa tem como objetivo analisar a entrevista de anamnese da Terapia do Esquema
(TE), proposta por Loose, observando se é um instrumento adequado para elaboração de uma
conceitualização de caso de acordo com os pressupostos da TE. A entrevista é composta por
12 perguntas, que objetivam investigar os recursos parentais e da criança. Observou-se que as
perguntas são simples e objetivas, semi-estruturadas, avaliativas e categoriais. Há ênfase nas
questões dedicadas à história da infância da criança na perspectiva dos pais e em EIDs
presentes na história de vida dos mesmos. O roteiro permite hipotetizar a presença de EIDs,
esquemas geracionais e modos de esquemas tanto nas crianças em seus primeiros anos de
vida, como dos pais nesse mesmo período.

Palavras chave: anamnese; terapia do esquema para crianças; esquemas desadaptativos


iniciais.

Abstract

Schema Therapy for children’s anamnesis interview: analysis and reflections

This research aims to analyze the anamnesis interview of the Schema Therapy (TE), proposed
by Loose, observing if it is an adequate instrument to elaborate a case conceptualization
according to the TE presuppositions. The interview is composed of 12 questions, which aim
to investigate the parental and child resources. It was observed that the questions are simple
and objective, semi-structured, evaluative and categorical. There is an emphasis on the issues
of children's history from the perspective of parents and from EIDs present in their children's
life history. The script allows the hypothesis the presence of EIDs, generational schemas and
schema modes in the children in their early years and parents in the same period.

Keywords: medical history; schema therapy for children; early maladaptive schemes.

Introdução está sendo apresentado pelo paciente como


queixa e como isso o afeta. Nesse contexto
Em psicologia clínica, as sessões são realizadas entrevistas que possuem
iniciais têm como objetivo avaliar o que como objetivo formular hipóteses
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diagnósticas para determinar as Segundo Lopes e Lopes (2013), “a


intervenções psicoterápicas que serão avaliação de uma criança em Terapia
feitas ao longo do processo terapêutico Cognitivo-Comportamental é um processo
(Affonso, 2005). amplo que abrange a averiguação de
A anamnese é um instrumento informações de múltiplas fontes” (p.23).
crucial do diagnóstico psicológico, pois Os autores sugerem que uma boa
através dela pode-se obter informações anamnese é condição fundamental para
relativas à história de vida do paciente, uma adequada conceitualizacão de caso em
assim como dados sobre afetos, normas, Terapia Cognitivo-Comportamental,
preconceitos, expectativas, padrões portanto ela deve ser ampla envolvendo
familiares, problemas psiquiátricos informações de diferentes fontes tais como
pregressos, etc. (Ramos, 2011). Através da os pais, os familiares, os professores e a
realização da anamnese será possível uma própria criança.
tomada de decisão em relação à escolha de
quais instrumentos serão utilizados para o Terapia do Esquema: EIDs, estratégias
processo de investigação clínica (testes, de enfrentamento e teoria dos modos
escalas psicológicas, entre outros)
avaliando-se a partir disso quais as Os Esquemas Iniciais
intervenções psicoterapêuticas mais Desadaptativos: EIDs, conceito angular da
indicadas a serem oferecidas ao paciente Terapia do Esquema, são representações
(Affonso, 2005). (esquemas) estáveis e duradouros que se
Sendo assim, uma entrevista desenvolvem precocemente perdurando ao
psicológica pode ser de dois tipos longo da vida de uma pessoa e encontram-
fundamentais: a aberta (semi-estruturada) e se associados a diversas psicopatologias.
a fechada (estruturada). Na entrevista São padrões emocionais e cognitivos
semi-estruturada há uma maior desadaptativos que tendem a se repetir em
flexibilidade, pois o entrevistador conduz o determinadas experiências, modificando
curso das perguntas de acordo com a processos de funcionamento da
necessidade e o caso. Já na entrevista personalidade que mediam a interação do
estruturada há uma ordem quanto à indivíduo com a realidade (Cazassa, 2007;
maneira de formular as perguntas, que já Lopes, 2015).
estão previstas e não podem ser alteradas Os EIDs apresentam várias
(Ramos, 2011). características definidoras que se
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destacam: são incondicionais; são suas necessidades emocionais


resistentes à mudança; são disfuncionais de fundamentais que não foram
maneira significativa e recorrente; são adequadamente satisfeitas sejam eles
ativados por acontecimentos ambientais crianças, adolescentes ou adultos (Loose,
aos quais o indivíduo é especialmente 2011; Lopes, 2015; Young, Klosko, &
sensível; estão ligados a altos níveis de Weishaar, 2008).
afeto; e resultam da interação entre o De acordo com Van Vreeswijk,
temperamento (inato) e as experiências Broersen e Nadort (2012), a Terapia do
disfuncionais nas relações familiares e Esquema pressupõe a existência de 19
sociais nos primeiros anos de vida (Duarte, EIDs, sendo organizados em 5 domínios. O
Nunes & Kristensen, 2008; Lopes, 2015). domínio I (desconexão e rejeição) engloba
Quanto à origem dos EIDs é necessário esquemas que se relacionam com
salientar que resultam de necessidades sentimentos de frustração em relação à
emocionais não-satisfeitas na infância. segurança, estabilidade, carinho, aceitação
Existem cinco necessidades emocionais entre outros. Os esquemas presentes são:
fundamentais para os seres humanos: 1) abandono/instabilidade,
Vínculos seguros com outros indivíduos desconfiança/abuso, privação emocional,
(segurança, estabilidade, cuidado e defectibilidade e isolamento social.
aceitação); 2) Autonomia, competência e Esquemas do domínio I podem ser
sentido de identidade; 3) Liberdade de originados por diversas causas, por
expressão, necessidades e emoções válidas; exemplo, fatores que podem colaborar para
4) Espontaneidade e lazer; 5) Limites o desenvolvimento do esquema de
realistas e autocontrole. Tais necessidades abandono/instabilidade: morte de um dos
parecem ser universais, sendo que algumas pais quando se era criança; separação da
pessoas apresentam necessidades mais mãe por longos períodos de tempo na
intensas do que outras, em função de infância; pouca atenção dos pais (Young &
aspectos diáticos (por exemplo, seu Klosko, 1994).
temperamento). Um indivíduo que O domínio II (autonomia e
consegue satisfazer de forma adaptativa as desempenho prejudicados) agrega
necessidades emocionais básicas é esquemas que se relacionam com a
considerado psicologicamente saudável. O incapacidade de separação dos outros e
objetivo da Terapia do Esquema (TE) é, com a deficiência de autonomia para
então, colaborar para que os pacientes sobreviver de modo independente. Os
encontrem formas adaptativas de satisfazer esquemas presentes nesse domínio são:
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dependência/incompetência, No domínio IV (direcionamento


vulnerabilidade ao dano ou à doença, para o outro) há um foco excessivo nos
emaranhamento/self subdesenvolvido e desejos e sentimentos alheios,
fracasso (Lopes & Melo, 2014). Por caracterizando-se por uma busca pela
exemplo, o esquema de vulnerabilidade ao obtenção do amor e reconhecimento. Esse
dano ou à doença pode ter diversas domínio engloba os esquemas de
origens: pais que foram superprotetores em subjugação, autossacrifício e busca de
relação a doenças ou que fizeram a criança aprovação/busca de reconhecimento
se sentir muito frágil em relação à saúde. (Lopes & Melo, 2014; Young e outros,
Também pode originar-se por 2008). Tem-se como exemplo no esquema
condicionamento vicariante, no qual a de subjugação, a suposição de algumas
criança aprende, por meio de observação origens: o relacionamento com pais que
de seus pais ou cuidadores, a temerem os procuram controlar todos os detalhes da
mesmos estímulos que eles (Young & vida da criança, que punem ou ficam
Klosko, 1994). bravos quando não conseguem as coisas do
O domínio III (limites jeito deles ou com pais que não permitiram
prejudicados) engloba esquemas sobre a que a criança faça escolhas próprias
deficiência nos limites internos, ausência subjugando-as (Young & Klosko, 1994;
de responsabilidades, dificuldade em Young e outros, 2008).
efetivar seus objetivos a longo prazo e O domínio V (supervigilância e
prejuízo no respeito dos direitos dos inibição) agrega esquemas que indicam
outros. Estão presentes os esquemas de: bloqueios em relação à autoexpressão, à
arrogo/grandiosidade e felicidade, ao relaxamento, aos
autocontrole/autodisciplina insuficientes relacionamentos íntimos e ao
(Lopes & Melo, 2014; Lopes, 2015; Young comprometimento em relação à própria
e outros, 2008). O esquema de saúde. Os esquemas presentes nesse
arrogo/grandiosidade, por exemplo, pode domínio são de negatividade/pessimismo,
se originar de relações com pais inibição emocional, padrões
extremamente permissivos, que dão para a inflexíveis/postura crítica exagerada e
criança tudo que ela quer, no tempo em postura punitiva (Lopes & Melo, 2014;
que ela deseja. A criança acaba Young e outros, 2008). A inibição
controlando seus próprios pais (Young & emocional, por exemplo, pode originar-se
Klosko, 1994; Young e outros, 2008). na relação com pais frios, que não davam
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carinho/atenção ou que não se modos adulto saudável (Young e outros,


preocupavam com as necessidades da 2008).
criança (Young & Klosko, 1994). Os modos criança são inatos, logo
Segundo Young e outros (2008), o todas as crianças podem manifestá-los.
modo como as pessoas se adaptam aos Nessa categoria, incluem-se os modos:
ambientes que não lhe oferecem acesso às criança vulnerável, criança zangada,
necessidades básicas satisfatoriamente, criança impulsiva e criança feliz. No modo
levam ao desenvolvimento de respostas de criança vulnerável se manifestam
enfrentamentos que podem ser esquemas de abandono, abuso, privação e
desadaptativas e que são voltadas para rejeição. No modo criança zangada, a raiva
perpetuação dos esquemas disfuncionais. está presente devido ao fato das
Assim, são descritas três respostas básicas necessidades emocionais não estarem
que correspondem aos estilos de sendo atendidas. Na criança impulsiva,
enfrentamento: resignação (desistir de lutar observa-se que a criança age a partir dos
contra o esquema, aceitando-o como seus desejos, sem pensar nas
verdadeiro), evitação (mecanismo de fuga consequências dos seus comportamentos.
do esquema, evitando a ativação do Por fim, no modo criança feliz, o indivíduo
mesmo) e hipercompensação (luta contra o sente que suas necessidades emocionais
esquema, comportando-se e relacionando- foram atendidas (Lopes, 2015; Young e
se como se o oposto do esquema fosse outros, 2008).
verdadeiro). Existem três modos na categoria
É importante destacar ainda o modos de enfrentamento disfuncional:
conceito de modos de esquema. Os modos capitulador complacente, protetor
de esquema são caracterizados como desligado e hipercompensador. Esses três
operações de esquemas, adaptativos ou modos correspondem aos três estilos de
desadaptativos, que estão ativos num dado enfrentamento de resignação, evitação e
momento, portanto caracterizam um hipercompensação. Em relação à categoria
“estado” do indivíduo, em outras palavras, modos pais disfuncionais são observados
um “estado dissociado”. Foram dois modos: pais punitivos e pais
identificados dez modos de esquemas, exigentes. Em tais modos, o indivíduo
sendo agrupados em quatro categorias: torna-se semelhante à mãe ou ao pai
modos criança, modos enfrentamento internalizado. No caso do modo pais
disfuncional, modos pais disfuncionais e punitivos, o indivíduo pune-se por se
comportar mal, e no caso do modo pais
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exigentes, o modo ativo exige e pressiona sendo responsáveis pela frustração das
o indivíduo a cumprir padrões demasiado necessidades básicas provocando os
elevados. Por fim, o último modo é sintomas e comportamentos disfuncionais
caracterizado como adulto saudável, que é (Lopes, 2015; Loose e outros, 2013).
aquele buscado pela terapia. Assim, A qualidade do relacionamento da
ensina-se ao paciente a sempre fortalecer criança com o cuidador principal,
seu modo adulto saudável, de forma que determinado por padrões remotos de
aprenda a moderar, lidar, cuidar ou comportamentos e experiências dos pais é
neutralizar modos disfuncionais (Lopes, o fator ambiental mais importante para o
2015; Young e outros, 2008). desenvolvimento de uma criança saudável
(Loose e outros, 2013). Torna-se
Modelo alemão da Terapia do Esquema fundamental esclarecer tais fatos aos pais
dando-lhes uma visão ampla sobre o tipo
Conforme Loose, Graaf e Zarbock de esquema que a família assimilou ao
(2013), são transmitidos de geração em longo de gerações, visto que por meio da
geração os princípios, tradições familiares, compreensão dos EIDs que foram
normas, valores e estilos emocionais que desenvolvidos ao longo da história familiar
constituem o relacionamento familiar. Pode é possível combater de forma mais eficaz
então acontecer que os pais da criança em tais esquemas, ajudando assim a criança
psicoterapia não tiveram suas próprias (verdadeiro cliente da terapia infantil) a
necessidades básicas supridas durante suas sentir e agir de uma forma mais criativa e
infâncias, colaborando assim para os saudável.
mesmos não suprirem necessidades básicas
do filho. Surge nesse contexto o conceito A anamnese psicológica
de coaching de esquemas, segundo o qual
os esquemas dos pais se sobrepõem aos da No método clínico, a entrevista é
criança, tornando o processo terapêutico um instrumento essencial, sendo uma
mais desafiador. Os esquemas podem técnica de investigação científica em
entrar em um círculo vicioso, pois psicologia. Como técnica, ela possui seu
considerando a dinâmica sistêmica método e regras empíricas próprias com as
geracional, os esquemas desadaptativos, quais não só se amplia e apura um caso
modos e estilos de enfrentamento clínico, mas também permite o avanço do
perpetuam-se nas gerações familiares conhecimento científico quando o
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pesquisador se dedica a investigar o consideração as seguintes etapas:


alcance dessa técnica de investigação adequação da sequência de perguntas;
(Araújo e outros, 2013). elaboração de roteiros; necessidade de
Tendo em vista os diferentes adequação de roteiros por meio de juízes;
objetivos de uma entrevista inicial, realização de projeto piloto para adequar o
destaca-se nesse trabalho aquele em que se roteiro e a linguagem (Manzini, 2004).
busca conhecer com o maior número de Sabe-se que uma das características
detalhes a história de vida do paciente, esse da entrevista semi-estruturada é a
tipo de entrevista é chamada de anamnese. utilização de um roteiro previamente
O principal objetivo da anamnese é o elaborado com perguntas básicas sobre o
levantamento do histórico do tema a ser investigado. De acordo com
desenvolvimento do indivíduo. Ela Triviños (1987), a entrevista semi-
representa um instrumento de grande estruturada caracteriza-se a partir de
importância, uma vez que permite ao questionamentos que tem como base
psicólogo levantar suas hipóteses, teorias e hipóteses que se relacionam ao
identificar problemas, determinar tema da pesquisa. Tais questionamentos
diagnósticos, esquematizar ações de têm o objetivo de fazer surgir novas
intervenções e acompanhar o progresso do hipóteses por meio das respostas dos
paciente (Castoldi & Scheffel, 2006). informantes. Dessa forma, esse tipo de
entrevista favorece a descrição de
Entrevista semi-estruturada fenômenos sociais, uma explicação e
compreensão de sua totalidade, e também
Todas as entrevistas, independente mantém a presença atuante do pesquisador
do objetivo que possuem, são realizadas no processo de coleta de informações, pois
para alcançar alguma finalidade, elas se este pode ampliar seu horizonte de
dirigem para algum lugar, pois antes da questionamento do interlocutor à medida
realização de uma coleta de dados, é que a entrevista avança. Uma entrevista
necessário saber claramente o que se semi-estruturada gira em torno de um
deseja buscar sobre o objeto de estudo assunto geral para o qual é construído um
(Manzini, 2004). Em uma entrevista, é roteiro com perguntas principais, que
essencial que haja um planejamento da podem ser complementadas por outras
coleta de informações, pois são necessárias questões que estão ligadas às respostas
questões bem elaboradas que atinjam os dadas na entrevista. Esse tipo de entrevista
objetivos pretendidos, levando em colabora para trazer a tona informações de
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um modo mais livre, sem haver uma (2003) alerta sobre a elaboração de roteiros
padronização de respostas relacionadas a para entrevista semi-estruturadas. Alguns
uma alternativa (Manzini, 1991). cuidados são necessários na construção das
Manzini (2003) destaca ainda que questões para o entrevistado podendo-se
através da construção de um roteiro com citar: 1) Cuidados quanto à linguagem; 2)
perguntas que focalizam os objetivos Cuidados quanto à forma das perguntas; e
pretendidos é possível haver uma melhor 3) Cuidados quanto à sequência das
organização e planejamento para a perguntas nos roteiros.
interação do pesquisador com o Utilizando-se como base o que foi
informante. Triviños (1987), por sua vez, apresentado sobre a importância de uma
diferencia os tipos de pergunta da boa entrevista e do que deve ser feito para
entrevista semi-estruturada de acordo com o alcance dos objetivos da mesma, foi
duas vertentes teóricas: fenomenológica ou realizada uma análise do roteiro da
histórico-estrutural (dialética). Na vertente entrevista de anamnese para crianças
fenomenológica, o objetivo é atingir a desenvolvida por Loose (2011) para
clareza nas descrições dos fenômenos identificar a sua adequação em termos de
sociais. Dessa forma as perguntas linguagem, estrutura e sequência das
descritivas possuem grande importância perguntas no roteiro.
para a descoberta dos significados dos O objetivo dessa pesquisa teórica
comportamentos de indivíduos em certos foi analisar as características do roteiro de
ambientes culturais. Já na vertente entrevista semi-estruturada (anamnese),
histórico-cultural (dialética), as perguntas elaborada por Loose (2011) que avalia os
possuem teor mais explicativo ou causal. esquemas desadaptativos iniciais e modos
Esse tipo de pergunta tem como objetivo ativos nas crianças e nos pais que
determinar razões imediatas ou mediatas procuram psicoterapia para seus filhos,
do fenômeno social. segundo a Terapia do Esquema. As
Triviños (1987) também distingue características aqui analisadas foram: a) Se
quatro tipos de categorias de perguntas: a entrevista utilizada é um instrumento
questões sobre consequências; questões adequado para elaboração de uma
avaliativas; questões hipotéticas; e conceitualização de caso de acordo com os
questões categoriais. Tais categorias têm pressupostos da Terapia do Esquema alemã
como objetivo abrir perspectivas para para crianças e b) Se o roteiro de perguntas
análise e interpretação de idéias. Manzini corresponde aos objetivos da entrevista.
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Desadaptativos e modos que estão


Método presentes nos pais durante o
desenvolvimento do filho. É importante
Material destacar que para Loose e outros (2013), a
sobreposição de esquemas entre pais e
O material usado nessa pesquisa foi filhos é um dos impedimentos mais
uma entrevista desenvolvida por Loose comuns para o bom andamento da Terapia
(2011) e traduzida por Lopes (2015) que é do Esquema, decorrendo daí a necessidade
utilizada como anamnese para investigação de uma investigação aprofundada acerca
dos recursos parentais. O objetivo dessa da presença de EIDs e modos disfuncionais
entrevista é coletar informações sobre os dos pais durante os primeiros anos de vida
primeiros anos de vida da criança e da criança (Lopes, 2015). As questões
informações sobre a infância dos pais. presentes na entrevista podem ser vistas na
A entrevista contém 12 questões Tabela 1.
sendo todas voltadas à avaliação de
possíveis Esquemas Iniciais

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Tabela 1: Questões presentes na entrevista de anamnese de Loose (2011)


1-Com quanto tempo vocês souberam da gravidez? Período de tempo: ...
2-Como você classifica, a partir da perspectiva de hoje, a qualidade de seu relacionamento naquela
época? (Por exemplo, amoroso, distante, ou similar)
3-Planejamento e desejo de gravidez: (sublinhe conforme o caso)
Mãe: a gravidez no geral: ocorreu no momento esperado, foi planejada, foi desejada, não foi
desejada.
Pai: a gravidez no geral: ocorreu no momento esperado, foi planejada, foi desejada, não foi
desejada.
4-Como a mãe passou durante a gravidez, tendo em vista a:
-Sua saúde corporal?
-Sua saúde mental?
Estresse psicológico
-Problemas com o parceiro (por exemplo, os conflitos aumentaram, houve alguma separação
ou algo similar?)
-Consumo de nicotina e de drogas/álcool/outros?
-Houve outras fontes de estresse (por exemplo, problemas de ordem financeira, perda de
emprego, sofreu ameaças, teve seus próprios pais doentes …)
5-Como é que você experimentou, como mãe ou como pai, o nascimento da criança?
6-Do seu ponto de vista, você acredita que houve complicações durante ou após o parto? Você, por
exemplo, ficou assustada?
7-Como você se sentiu nos dias e semanas logo após o nascimento da criança?
8-Você participou dos cuidados da criança nos primeiros dias e semanas após o nascimento?
9-Seu filho teve algum problema nos três primeiros meses de vida? (por exemplo, a dor, dificuldade
de se alimentar, dificuldade de manter contato).
-Quanto tempo a criança foi amamentada?
-Houve complicações (por exemplo, dor, infecções no peito)? Se não ficou satisfeita (o), por
quê?
10-Cuidador Primário/ Ajudante
0-3 meses ____________________________________
3-6 meses ____________________________________
6-12 meses ____________________________________
2 anos ____________________________________
3 anos ____________________________________
4 anos ____________________________________
5 anos ___________________________________
6 anos ___________________________________
(...)
11-As perguntas realizadas aos pais: Agora, por favor, descreva em termos gerais a sua infância. –
Por favor, liste três declarações típicas de sua mãe e/ou seu pai em sua infância.
12-Por favor, nomeie alguns atributos/adjetivos que refletem sua personalidade. Como você avalia
seu atual estado mental (por exemplo, equilibrado, frágil, amedrontado, etc)? Como você mantém a
sua própria saúde mental (hobbies, preferências, fontes de alimentação)?

O roteiro de entrevista de anamnese relacionamento dos pais nessa época, o


analisado nessa pesquisa envolve planejamento desta, como estava a saúde
perguntas que cronologicamente remetem da mãe durante a gravidez, como foi
ao período em que os pais descobrem a vivenciado o nascimento do filho, aspectos
gravidez, sobre a qualidade do da infância dos pais, entre outros.
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esclarecer os objetivos da entrevista; c)


Procedimento de análise Considerando que entrevistas semi-
estruturadas podem ser classificadas em
As questões aqui analisadas são perguntas sobre consequências, avaliativas,
provenientes do roteiro de entrevista de hipotéticas e categoriais, procedeu-se uma
anamnese proposto por Loose (2011). análise da categoria de cada uma das
Duas frentes de investigação foram perguntas semi-estruturadas do roteiro.
estabelecidas nesse trabalho teórico: Uma Para responder a segunda frente de
entrevista semi-estruturada, como a investigação: a) Avaliou-se se todas as
entrevista de anamnese analisada, é um perguntas são semi-estruturadas; b)
instrumento adequado para elaboração de Investigou-se se todas as perguntas são
uma conceitualização de caso de acordo simples e objetivas; c) Examinou-se se a
com os pressupostos da Terapia do quantidade de perguntas no roteiro são
Esquema alemã para crianças, adequadas e equilibradas frente aos
especialmente no que tange ao conceito de objetivos da entrevista; d) Avaliou-se a
sobreposição de esquemas paternos em natureza da sequência das perguntas no
relação aos EIDs dos filhos? O roteiro de roteiro; e) Estabeleceu-se possíveis
perguntas corresponde aos objetivos da relações entre o tipo de pergunta semi-
entrevista? aberta da anamnese e os aspectos teóricos
Para responder a primeira frente de da Terapia do Esquema para crianças da
investigação, foi adotado o seguinte escola alemã.
procedimento de análise qualitativa: a)
Análise das vantagens e desvantagens do Resultados e Discussão
uso da entrevista semi-estruturada a fim de
se verificar se as vantagens alinham-se à Primeira frente de investigação: A
proposta de conceitualização de caso na anamnese da Terapia do Esquema para
Terapia do Esquema para crianças; b) crianças segundo a escola alemã enquanto
Considerando que uma entrevista semi- entrevista semi-estruturada.
estruturada supõe que o entrevistado e o
entrevistador devam chegar a algum A) Avaliação das vantagens e
objetivo pré-determinado, analisou-se se as desvantagens do uso da entrevista
perguntas semi-estruturadas permitem semi-estruturada da TE
alcançar o objetivo proposto no cabeçalho
do instrumento analisado que visa
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Sabe-se que a entrevista semi- Por favor não se acanhe em nos dar
estruturada viabiliza ao entrevistador informações adicionais pois é necessário
discorrer sobre um determinado tema ampliar ao máximo nossa visão atual da
proposto, de uma forma em que ele siga criança. Sua informação é estritamente
um conjunto de questões previamente confidencial. Muito obrigado.” (Loose,
definidas, mas em um contexto mais livre, 2011).
dando abertura para discussão sobre o que Considerando que a entrevista tem
se responde. Esse tipo de possibilidade como objetivo investigar de forma ampla
alinha-se perfeitamente ao conceito de os primeiros anos de vida da criança a luz
conceitualização cognitiva estabelecido de possíveis EIDs ativos nos pais naqueles
pela Terapia Cognitivo Comportamental e períodos, assim como algumas
pela Terapia do Esquema. informações da infância dos pais, pode-se
Considerando que a anamnese afirmar que a entrevista cumpre seus
compõe os instrumentos para se objetivos. Na primeira parte da entrevista
estabelecer uma conceitualização cognitiva as questões buscam compreender de forma
adequada (Lopes & Lopes, 2013), a precisa todos os eventos que fizeram parte
estrutura do roteiro de anamnese proposto dos primeiros anos de vida da criança a luz
pela escola alemã parece ser vantajosa, da provável presença de EIDs paternos (cf.
tanto para fins clínicos, quanto para fins de Tabela 1). A segunda parte busca coletar
pesquisa, para se atingir os objetivos informações da infância dos pais, no
pretendidos (conhecer os EIDs dos pais momento em que esses EIDs poderiam ter
que se sobrepõem aos EIDs das crianças). surgido (cf. Tabela 1).
O roteiro permite com base nos
B) Análise dos objetivos da anamnese dados oferecidos pelos entrevistados,
da TE hipotetizar a presença de EIDs tanto nas
crianças ao longo de seus primeiros anos
A entrevista de anamnese inicia com o de vida, como de seus pais nesse mesmo
seguinte cabeçalho: “Caros pais, a correta período, esquemas geracionais e domínios
avaliação dos problemas do seu filho exige de esquemas.
um conhecimento preciso dos primeiros
anos de vida da criança e algumas C) Classificação das perguntas semi-
informações da sua própria infância. estruturadas da anamnese da TE
Gostaríamos, portanto de pedir a sua ajuda.
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As perguntas presentes em uma questões avaliativas, questões hipotéticas e


entrevista semi-estruturada podem ser questões categoriais (Triviños, 1987). Na
classificadas em quatro categorias Tabela 2 encontramos os tipos de questões
diferentes: questões sobre consequências, que compõem o roteiro de anamnese.

Tabela 2: Classificação das questões semi-estruturadas que compõem a anamnese


Classificação das questões
Questões semi-estruturadas
(Triviños, 1987).
“1-Com quanto tempo vocês souberam da gravidez?” Pergunta avaliativa.
“2-Como você classifica, a partir da perspectiva de hoje, a qualidade de Pergunta categorial
seu relacionamento naquela época?(Por exemplo, amoroso, distante, ou
similar)”
“3-Planejamento e desejo de gravidez: Mãe: a gravidez no geral: Pergunta avaliativa
ocorreu no momento esperado, foi planejada, foi desejada, não foi
desejada. Pai: a gravidez no geral: ocorreu no momento esperado, foi
planejada, foi desejada, não foi desejada”
“4-Como a mãe passou durante a gravidez, tendo em vista a: sua saúde Pergunta categorial e
corporal? Sua saúde mental? Estresse psicológico? Problemas com o avaliativa
parceiro (por exemplo, os conflitos aumentaram, houve alguma
separação ou algo similar?) Consumo de nicotina e de drogas / álcool /
outros? Houve outras fontes de estresse (por exemplo, problemas de
ordem financeira, perda de emprego, sofreu ameaças, teve seus próprios
pais doentes...)”
“5-Como é que você experimentou, como mãe ou como pai, o nascimento Pergunta avaliativa
da criança?”
“6-Do seu ponto de vista, você acredita que houve complicações durante Pergunta avaliativa
ou após o parto? Você, por exemplo, ficou assustada (o)?”
“7-Como você se sentiu nos dias e semanas logo após o nascimento da Pergunta avaliativa
criança?”
“8-Você participou dos cuidados da criança nos primeiros dias e Pergunta avalitativa
semanas após o nascimento?”
“9-Seu filho teve algum problema nos três primeiros meses de vida? (por Pergunta categorial e
exemplo, a dor, dificuldade de se alimentar, dificuldade de manter avaliativa
contato). Quanto tempo a criança foi amamentada? Houve complicações
(por exemplo, dor, infecções no peito)? Se não ficou satisfeita (o), por
quê?”
“10-Quem foi o cuidador primário/ajudante. Pergunta categorial
0---3 meses , etc
11- As perguntas realizadas aos pais: Pergunta avaliativa
“Agora, por favor, descreva em termos gerais a sua infância”
“Por favor, liste três declarações típicas de sua mãe e/ou seu pai em sua
infância”
“12-Por favor,nomeie alguns atributos/adjetivos que refletem sua Pergunta avaliativa
personalidade”
“Como você avalia seu atual estado mental (por exemplo, equilibrado,
frágil, amedrontado, etc)?”
“Como você mantém a sua própria saúde mental (hobbies, preferências,
fontes de alimentação)?”

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REFLEXÕES

Dessa forma podemos concluir que Após analisar as perguntas


a anamnese é predominantemente presentes na entrevista de anamnese da TE
composta por perguntas avaliativas. para crianças, pode-se afirmar que todas as
Com relação à segunda frente de questões são simples, objetivas, claras,
investigação: breves e logicamente encadeadas,
permitindo ao entrevistador obter várias
A) Roteiro de perguntas e a semi- respostas que favorecem a elaboração de
estruturação hipóteses diagnósticas que se sustentam
nos elementos principais da teoria que a
A entrevista de anamnese da subjaz.
Terapia do Esquema para crianças
apresenta todas as características de uma C) Análise da quantidade de
entrevista semi-estruturada e a análise das perguntas
perguntas separadamente corroboram o
caráter de semi-estruturação (cf. Tabelas 1 A porcentagem de questões que
e 2). aborda os diferentes temas da entrevista se
deu da seguinte forma: Primeiros anos de
B) Análise da simplicidade e vida da criança (21%), nascimento (22%),
objetividade das perguntas do gestação (29%), história da infância da
roteiro criança (14%) e história de vida dos pais
(14%).
Segundo Manzini (2003), a Pode-se afirmar que há uma ênfase
formulação das questões de uma entrevista nas questões dedicadas à história da
semi-estruturada deve ser realizada com infância da criança pela perspectiva dos
um cuidado minucioso. Não deve haver pais. Contudo 14% das questões são
perguntas arbitrárias, ambíguas, deslocadas dedicadas a hipotetizar a natureza de EIDs
ou tendenciosas. As perguntas devem ser presentes na história de vida dos pais.
feitas levando em conta a sequência do Conclui-se que a entrevista parece
pensamento do entrevistado, ou seja, proporcional, pois permite avaliar a
procurando dar continuidade na presença de EIDs e modos de esquema da
conversação, conduzindo a entrevista com criança e dos pais ao longo do
um sentido lógico. desenvolvimento da criança.
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de confirmar se estas se distribuem de


D) Análise da sequência das perguntas maneira a favorecer os objetivos da
do roteiro mesma. Observou-se que há uma lógica
temporal, como se pode observar na Tabela
Analisou-se a sequência das 3:
perguntas da entrevista de anamnese a fim

Tabela 3: Sequência cronológica dos temas abordados na anamnese (Loose, 2011)

Cronologia dos temas abordados na Questões


entrevista
Gravidez 1, 2, 3, 4
Nascimento 5, 6, 7
Desenvolvimento infantil posterior 8, 9, 10
Questões ligadas a EIDs dos pais 11,12

Notou-se que as primeiras quatro Com quanto tempo vocês souberam da


perguntas dizem respeito à gravidez; as gravidez?
perguntas 5, 6 e 7, representam a época do De acordo com Loose e outros
nascimento e da experiência de ter uma (2013) alguns modos de esquemas dos pais
nova criança em casa; as questões 8, 9 e 10 podem ser ativados assim que estes passam
são perguntas mais descritivas dos a experimentar a maternidade/paternidade.
primeiros anos de vida da criança e, por Nesse contexto os modos de esquemas
fim, as questões 11 e 12 são ligadas as mais comuns são: adulto saudável, criança
informações da infância dos pais buscando zangada, pais punitivos e exigentes, e
a identificação dos EIDs. Assim, pode-se também os modos de enfrentamento
afirmar que o roteiro da entrevista obedece protetor desligado e hipercompensador
uma sequência cronológica na disposição (Lopes, 2015).
das perguntas. A questão realizada sobre a
cronologia da descoberta da gravidez e os
E) Relação entre as perguntas do relatos em torno dessa descoberta
roteiro e aspectos teóricos da possibilita investigar se algum desses
Terapia do Esquema para crianças modos estava ativo naquele momento, o
segundo a escola alemã que permitirá hipotetizar o funcionamento
cognitivo-afetivo desses pais logo que
souberam que teriam um filho. Nesse

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sentido, por exemplo, se os pais descrevem na relação com a criança futuramente, pois
a notícia da gravidez de forma harmoniosa, quando os pais são empáticos permitem a
hipotetiza-se a ativação do modo adulto criança expor seus sentimentos em
saudável. Por sua vez, se o modo criança palavras e gestos favorecendo a satisfação
zangada esteve ativado estes pais poderiam da necessidade de liberdade de expressão e
descrever a gravidez como algo que de emoções. Além disso, oferecem para si
frustrou suas necessidades e os e para os filhos ambientes em que há
sobrecarregou (Lopes, 2015). previsibilidade nas interações. Por sua vez,
Essa questão ainda permite um relacionamento em que a necessidade
hipotetizar EIDs ativos nos pais no básica de autonomia entre os cônjuges não
momento da notícia da gravidez. Um está sendo suprida, pode haver efeitos
exemplo seria uma mulher, que possui dessa desarmonia na relação com a criança,
esquemas desadaptativos de desconexão e por exemplo, não proporcionando ao filho
rejeição estabelecidos precocemente com senso adequado de independência, da
os pais, ao saber da gravidez ela poderia se autoeficácia no ambiente familiar (Lopes,
conectar intensamente e de forma 2015).
patológica com o bebê (hipercompensação Dessa forma, as repostas a essa
do esquema de abandono) ou poderia questão da entrevista de anamnese dão
desconectar-se totalmente dele uma descrição acerca das necessidades
(manutenção do esquema de abandono), emocionais básicas atendidas ou não
nutrindo em ambos os casos uma relação atendidas pelos parceiros durante a época
potencialmente prejudicial com a criança em que a gravidez foi descoberta e,
(Lopes, 2015). portanto, permite hipotetizar o tipo de
atmosfera afetiva que havia no lar quando
Como você classifica, a partir da a criança nasceu (Young e outros, 2008).
perspectiva de hoje, a qualidade de seu
relacionamento naquela época? (Por Planejamento e desejo de
exemplo, amoroso, distante, ou similar) gravidez: - Mãe: a gravidez no geral:
Em um relacionamento em que o ocorreu no momento esperado, foi
casal possui um vínculo amoroso e estável, planejada, foi desejada, não foi desejada. -
nota-se um convívio mais saudável, Pai: a gravidez no geral: ocorreu no
caracterizado pela confiança mútua, momento esperado, foi planejada, foi
conforto e compaixão. Isso será projetado desejada, não foi desejada
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No domínio V, supervigilância e
De acordo com Young e outros inibição, os esquemas pertencentes a ele
(2008) os esquemas têm começo no início podem ser ativados com uma gravidez não
da infância ou na adolescência, como desejada, pois a mãe, ao saber-se grávida,
representações do ambiente da criança pode se tornar extremamente preocupada e
baseadas na realidade. Os esquemas supervigilante aos eventos da vida. Dessa
pessoais refletem com precisão o clima do forma, a mãe pode desenvolver
ambiente remoto. Como exemplo, Young e sentimentos de pressão constante e uma
outros (2008) afirma que um paciente atitude crítica exagerada, impondo
quando diz que na infância possuía uma elevados padrões internalizados para si
família fria e pouco afetiva, geralmente ele durante a gestação. Em relação ao pai, o
tem razão ao relatar isso, mesmo que possa mesmo pode acontecer, tendo em vista que
não entender, ou fazer atribuições falsas seus EIDs também podem ser ativados
sobre o porquê seus pais apresentavam com a notícia da gravidez e durante a
dificuldade de demonstrar afeto ou gestação. O pai pode ativar os esquemas
expressar sentimentos. Segundo os autores deste domínio, preocupando-se
as razões por ele atribuídas aos exageradamente com a proteção do filho e
sentimentos dos pais podem estar com o bem estar deste, dessa forma ele
equivocadas, porém sua sensação sobre o pode também criar padrões internos
clima emocional e sobre como foi tratado elevados sobre ser um bom pai. Ainda
quase sempre é válida. nesse domínio, observa-se que a frieza
O sentimento que a criança tem sentida pela criança na sua família de
sobre a frieza emocional dos pais pode ser origem pode estar relacionada ao esquema
causado por diversos motivos, entre eles, de inibição emocional, na qual os pais
como a gravidez foi vivenciada pela mãe. restringem a expressão de sentimentos com
Ao se ver grávida, a mãe pode ter ativado o propósito de evitar críticas, sendo assim
alguns EIDs que perduram durante toda a percebido pelo filho como indiferente ou
criação da criança, transmitindo então, frio.
sentimentos que esta pode perceber como Com relação ao domínio IV,
distantes ou frios. Considerando os EIDs, a direcionamento para o outro, os pais
experiência da gravidez pode ser podem ver a gravidez como
relacionada com diferentes domínios de autossacrifício, no qual eles terão que
esquemas. cuidar das necessidades do outro (o filho) e
esquecer as próprias necessidades, com a
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intenção de evitar sentimentos de culpa. Problemas com o parceiro (por exemplo,


Com o nascimento do filho, a mãe precisa os conflitos aumentaram, houve alguma
dedicar uma grande parte de seu tempo ao separação ou algo similar?) Consumo de
bebê e isso acarreta deixar de lado nicotina e de drogas/álcool/outros? Houve
momentos do dia que tinha para si mesma. outras fontes de estresse (por exemplo,
O pai também necessita abster-se de problemas de ordem financeira, perda de
afazeres rotineiros para se dedicar ao filho emprego, sofreu ameaças, teve seus
que nasceu. Essas experiências podem ser próprios pais doentes...)
vividas como fontes de sofrimento e Considerando as necessidades
preocupação (Lopes, 2015). básicas e a sua importância na vida de um
No domínio II, autonomia e indivíduo, observa-se que um dos pontos
desempenho prejudicados, a mãe pode que esta questão busca compreender é
ativar esquemas que a fazem pensar que é como a mãe vivenciou os momentos da
incapaz de suportar a dor do parto ou ter gestação, e se suas necessidades
um medo exagerado que algo aconteça emocionais básicas foram atendidas nesse
consigo e com o bebê, como complicações momento. Observa-se também que a
da gravidez/parto. O pai pode desenvolver questão permite à entrevistada indicar em
esquemas que sejam relacionados a crenças sua narrativa a presença EIDs apenas
de incapacidade de dar uma boa criação falando sobre os cuidados com a saúde que
aos filhos e arcar com as responsabilidades tomou, ou não, nesse período.
que este fará surgir (Lopes, 2015). Pode-se então investigar
Conclui-se que essa questão da principalmente dois domínios: desconexão
entrevista de anamnese dá acesso a e rejeição e direcionamento para o outro.
informações que permitem a compreensão No domínio de desconexão e rejeição,
das necessidades básicas dos pais que não esquemas geram sentimentos no indivíduo
foram atendidas na época da gravidez ou se de que as suas necessidades de segurança,
os pais da criança compreenderam que a cuidado e respeito não serão atendidas.
gestação seria um obstáculo em algum Assim, tais indivíduos possuem pais que
aspecto. foram frios, abusivos, rejeitadores ou
individualistas. A falta de cuidado com a
Como a mãe passou durante a gravidez, saúde, o abuso de álcool e de drogas
tendo em vista a: sua saúde corporal? Sua durante a gestação pode apontar para
saúde mental? Estresse psicológico? esquemas do domínio de desconexão e
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rejeição ao bebê presente naquela etapa situações de conflito (Lopes, 2015). Por
(Lopes, 2015). sua vez, se os pais são exigentes e
Em relação a presença de EIDs do punitivos, a criança pode introjetar esse
domínio de direcionamento para outro estilo de enfrentamento (exigente e
ativos durante a gestação pode-se inferir punitivo) e vir a apresentar o modo pais
que a supressão de aspectos importantes da exigentes. Logo, as respostas dos pais a
vida dos pais em vista da chegada do bebê, essa questão podem ajudar a hipotetizar
vivenciados como autosacrifício e busca de modos de esquemas presentes logo nos
reconhecimento, podem gerar expectativas primeiros dias de vida que poderiam vir a
irrealistas sobre a chegada de um filho modelar de maneira vicariante os modos
(Lopes, 2015). apresentados pelas crianças explicando
assim a natureza da queixa.
Como é que você experimentou, como mãe
ou como pai, o nascimento da criança? Do seu ponto de vista, você acredita que
Uma das fontes para a origem dos houve complicações durante ou após o
EIDs é o condicionamento vicariante parto? Você, por exemplo, ficou
estabelecido a partir da observação das assustada?
figuras de apego (pais ou cuidadores). Observa-se que esta pergunta é
Segundo Young e outros (2008), uma das direcionada especificamente à mãe e avalia
teorias do desenvolvimento humano que suas crenças em relação à experiência do
subjazem a Terapia do Esquema é a Teoria parto. A forma como uma mãe percebe
de Apego de Bowlby. Segundo Loose e dificuldades presentes no parto, pode ser
outros (2013) a elaboração dos modos de um indicador de ativação de um modo
enfrentamento bem como os modos pais criança vulnerável, e do EID ligado à
punitivo/exigente, surgem a partir do vulnerabilidade ao dano, já no momento do
condicionamento vicariante. Assim, as nascimento, especialmente se não houve
crianças observam os modos de nenhuma intercorrência grave durante o
enfrentamento dos pais frente a situações parto (Loose e outros, 2013; Lopes, 2015).
aversivas e tendem a reproduzi-los. Nesse Dessa forma, medos de danos ou
sentido, se os pais lidam com suas prejuízos físicos para si ou para a criança
experiências no papel materno e paterno durante esse momento podem indicar a
usando defesas evitativas (modo protetor presença precoce de distorções cognitivas
desligado), as crianças tendem a reproduzir ligadas a catástrofes em termos de saúde,
as mesmas estratégias dos pais frente a catástrofes emocionais ou catástrofes
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externas, que perduraram mesmo depois do prejudicando a confiança da criança, uma


parto, ao longo dos primeiros anos de vida vez que temem fracassar em sua tarefa de
da criança, o que explicaria, por exemplo, cuidador ou interpretam uma intensa
queixas ligadas à ansiedade de separação vulnerabilidade ao dano evidenciada de
na criança (Loose e outros, 2013). maneira irrealística ao choro da criança.
No caso da superproteção é possível inferir
Como você se sentiu nos dias e semanas neste pai/mãe a ativação do modo pais
logo após o nascimento da criança? exigentes e no caso da vulnerabilidade ao
O nascimento de um filho traz para dano a ativação do modo criança
os pais responsabilidades, sentimentos e vulnerável.
experiências que anteriormente não haviam A questão nos permite ainda
vivenciado. Indagações se tornam hipotetizar a presença de EIDs
frequentes durante esse período, como em relacionados ao domínio de
relação à capacidade de cuidar do filho, dar direcionamento para o outro na criança,
segurança, proteção, etc. A presença de um quando seus pais afirmam ter colocado
filho na família torna-se então um desafio como prioridade seus próprios afazeres e
aos pais, acarreta sentimentos ambíguos vontades, indicando uma postura
que se alternam entre a alegria e o medo individualista. Esse padrão poderia
relacionado ao novo papel de ser pai/mãe. desenvolver na criança um foco excessivo
Os sentimentos surgidos nos primeiros dias em cumprir as necessidades alheias em vez
e semanas logo após o nascimento do filho de suas próprias necessidades. Em relação
podem sugerir quais os pensamentos e aos modos, pode-se inferir a ativação do
sensações os pais experimentaram com a modo protetor desligado, quando após o
presença de um filho em suas vidas. Os nascimento, o pai ou a mãe utilizaram
bebês e seus comportamentos podem ativar alguma estratégia evitativa gerando um
nos pais diversos tipos de EIDs, assim desligamento afetivo em relação à criança,
como modos de esquema, que derivavam como em casos de depressão pós-parto.
da frustração das necessidades emocionais Outro modo que poderia estar ativado na
básicas desses pais na infância. depressão pós-parto seria o modo criança
Pode-se citar, por exemplo, EIDs zangada que levaria a mãe a atitudes
do domínio de autonomia e desempenho agressivas contra o bebê.
prejudicados que podem levar os pais a
superprotegerem excessivamente o bebê
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Você participou dos cuidados da criança Seu filho teve algum problema nos três
nos primeiros dias e semanas após o primeiros meses de vida? (por exemplo,
nascimento? dor, dificuldade de se alimentar,
Sabe-se que os esquemas resultam dificuldade de manter contato). Quanto
de necessidades emocionais não satisfeitas tempo a criança foi amamentada? Houve
na infância. Tais necessidades são complicações (por exemplo, dor ou
universais, embora algumas se apresentem infecções no peito)? Se não ficou satisfeita
como necessidades mais fortes do que (o), por quê?
outras. Dessa forma, um indivíduo que se Tendo em vista as necessidades
encontra psicologicamente saudável emocionais básicas que um indivíduo
consegue satisfazer de forma adaptativa as precisa ter para um desenvolvimento
necessidades emocionais fundamentais. A saudável, essa questão traz a tona uma
interação que existe entre o temperamento investigação da relação pais-criança,
inato da criança e o primeiro ambiente tem analisando se tais necessidades estão sendo
como resultado a frustração, ao invés da supridas ou não. Sabe-se que nos primeiros
gratificação, dessas necessidades básicas meses de vida da criança, a família precisa
(Young e outros, 2008). realizar adaptações significativas, como
A gravidez pode colaborar para que adquirir novos hábitos, regulação do sono,
as necessidades fundamentais do ser regulação da vigília do bebê, regulação do
humano sejam supridas, porém ela também comportamento afetivo, desenvolvimento
pode fazer com que tais necessidades não da atenção focalizada e busca pelo
sejam solapadas. A participação ativa e equilíbrio entre o vínculo profundo com a
saudável dos pais nos cuidados do bebê criança e a autonomia. Procura-se saber se
nos primeiros meses de vida é um os pais supriram as necessidades básicas da
indicativo de que a criança não frustrou criança nos seus primeiros meses de vida,
necessidades básicas do casal, ao invés colaborando para o seu desenvolvimento
disso, pode ter suprido necessidades saudável e se não frustraram suas próprias
antigas como as de conexão, autonomia, necessidades básicas.
competência, liberdade de expressão
afetiva entre outras. Por sua vez a recusa Cuidador primário/ajudante, 0-3 meses, 3-
de um dos pais de participar desse período 6 meses, etc
inicial pode ser indicativo de ativação de De acordo com Young e outros
EIDs ligados a desconexão e rejeição. (2008) existem quatro tipos de
experiências no início da vida que
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estimulam o desenvolvimento de Conforme Rapaport e Piccinini (2004),


esquemas. A primeira experiência se trata atualmente é frequente o retorno dos pais
de uma frustração nociva de necessidades, ao trabalho logo após os primeiros meses
que ocorre quando a criança possui poucas de vida do bebê, dessa forma é necessário
experiências boas e adquire esquemas que alguém cuide dele enquanto estes
como privação emocional ou abandono por trabalham. Os cuidados alternativos (não-
meio de déficits no ambiente, no início de parentais) podem ocorrer em: creches e
sua vida. A criança não encontra (ou pré-escolas; creche familiar (pequeno
encontra muito pouco) no ambiente em que grupo de crianças na casa do cuidador);
vive as sensações importantes como cuidado na casa da criança por uma
estabilidade, compreensão e amor. O babá/empregada; e, parente, na casa da
segundo tipo é a traumatização ou criança ou na sua própria casa.
vitimização. Nessa situação, algum dano é Dessa forma, os quatro tipos de
causado à criança ou ela se transforma em experiências nocivas no início da vida que
vítima, assim desenvolve esquemas como estimulam o desenvolvimento EIDs podem
desconfiança/abuso, estar relacionados a outros cuidadores que
defectividade/vergonha ou vulnerabilidade participaram ativamente dos cuidados da
ao dano. No terceiro tipo de experiência, a criança ao longo dos primeiros anos de
criança possui uma grande quantidade de vida.
experiências boas, por exemplo, os pais
proporcionam a ela algo em excesso que, Agora, por favor, descreva em termos
moderadamente, seria saudável. Podem ser gerais a sua infância – Por favor, liste três
desenvolvidos então esquemas como declarações típicas de sua mãe e/ou seu
dependência/incompetência ou pai em sua infância
arrogo/grandiosidade, em que a criança A questão explora os EIDs e modos
raramente é maltratada. A internalização de esquemas presentes desde a infância dos
ou identificação seletiva com pessoas pais. Por meio de frases típicas e apelidos
importantes é o quarto tipo de experiência que os pais receberam na infância pode-se
de vida que origina esquemas. hipotetizar a natureza das relações
Deve-se lembrar que a criança ao familiares deles e inferir possíveis EIDs e
nascer está em um ambiente onde há o modos geracionais. Por exemplo: uma mãe
cuidado dos pais, mas também pode haver ou pai que afirma ter ouvido repetidamente
a presença de diversos cuidadores. em sua infância: “engula o choro!”, podem
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ter desenvolvidos EIDs de privação adulto saudável ou se vivem contextos que


emocional, privação de empatia, favorecem modos desadaptativos que
autossacrifício de necessidades, entre emergem de necessidades básicas
outros. solapadas (Loose e outros, 2013; Lopes,
Com relação aos modos de 2015).
esquema podem emergir o modos criança
vulnerável que se autossacrifica para Considerações Finais
manter o amor aos pais e aos outros. Outro
modo que pode se ativar é a criança Tendo em vista a importância das
zangada por ter que ceder aos outros primeiras sessões e suas entrevistas
(Loose e outros, 2013; Lopes, 2015). Esses iniciais, este trabalho buscou refletir e
pais poderiam exigir dos filhos a analisar, sobre as características da
submissão de suas necessidades, como entrevista de anamnese da Terapia do
fizeram seus próprios pais, ou podem ficar Esquema para crianças da escola alemã. É
zangados facilmente quando interpretam necessário ressaltar que é por meio das
que seus filhos lhe fazem exigências que entrevistas iniciais que é possível a
competem com suas necessidades (Lopes, formulação de hipóteses diagnósticas e
2015). determinação de investigações psicológicas
a serem feitas durante a terapia.
Por favor, nomeie alguns Destaca-se que a entrevista de
atributos/adjetivos que refletem sua anamnese na abordagem da terapia do
personalidade. -Como você avalia seu esquema envolve avaliar a partir de uma
atual estado mental (por exemplo, perspectiva cronológica a possibilidade de
equilibrado, frágil, amedrontado, etc)? EIDs e modos de esquemas presentes nos
Como você mantém a sua própria saúde pais e nas crianças, desde a concepção até
mental (hobbies, preferências, fontes de a idade atual da criança. Por meio das
alimentação)? informações pessoais dos pais é possível
As arguições sobre a saúde mental, analisar tanto na criança quanto nos pais os
física e sobre as necessidades de lazer esquemas iniciais desadaptativos, domínios
permitem ao entrevistador avaliar se as de esquemas predominantes e modos de
necessidades básicas dos pais estão sendo esquemas que podem estar presentes,
atendidas atualmente. Permitem ainda levando essa família a ter pensamentos,
avaliar se os pais criam condições para si emoções e comportamentos
próprios que permitem a ativação do modo desadaptativos.
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Além disso, a entrevista de Dessa forma foi possível analisar e


anamnese avaliada permite verificar a afirmar que, por meio das questões que
sobreposição de esquemas, indicando que é foram aqui exploradas, os objetivos da
uma entrevista bastante adequada aos entrevista de anamnese são coerentes com
pressupostos dessa abordagem, o que os pressupostos teóricos da Terapia
considerando não só os objetivos da do Esquema trazem. Futuras pesquisas
própria entrevista, mas também os poderão avaliar empiricamente o uso dessa
propósitos de uma entrevista semi- entrevista para esclarecer a presença de
estruturada. Este trabalho permitiu esquemas iniciais desadaptativos, domínios
verificar que a entrevista associada a e modos de esquemas.
outros instrumentos de avaliação da
abordagem, corrobora aos propósitos da
Terapia do Esquema para crianças.

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FABÍOLA RODRIGUES MATOS, RENATA FERRAREZ FERNANDES LOPES

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ENTREVISTA DE ANAMNESE DA TERAPIA DO ESQUEMA PARA CRIANÇAS: ANÁLISES E
REFLEXÕES

As autoras:

Fabíola Rodrigues Matos é mestranda em Processos Cognitivos, na Psicologia pela Universidade Federal de
Uberlândia (2016-2018), graduada em Psicologia pela Universidade Federal de Uberlândia (2015). E.mail:
fabiolarmatos@yahoo.com.br

Renata Ferrarez Fernandes Lopes possui graduação em Psicologia pela Universidade de São Paulo (1993) e
graduação em Teologia pela Faculdade Católica de Uberlândia (2013), mestrado em Psicobiologia pela
Universidade de São Paulo (1996) e doutorado em Psicobiologia pela Universidade de São Paulo (1999).
Atualmente é professora associada do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia. Tem
experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicoterapia Comportamental-Cognitiva para adultos e
crianças. E.mail: rfernandeslopes@fapsi.ufu.br

Recebido em: 25/05/2017.

Aprovado em: 23/06/2017.

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