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Bônus demográfico brasileiro: 1970-2037

José Eustáquio Diniz Alves


Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População,
Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas - ENCE/IBGE;
Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

O Brasil teve uma grande conquista com a transição demográfica. Em primeiro lugar, a queda
da taxa de mortalidade evitou a continuidade das mortes precoces, fato absolutamente
extraordinário e que é a base de todas as outras conquistas. A esperança de vida ao nascer que
estava abaixo de 30 anos no final do século XIX, ultrapassou 70 anos no ano 2000. Em segundo
lugar, a queda da taxa de fecundidade foi acompanhada de uma mudança cultural fundamental,
pois as mulheres e os casais trocaram o investimento na quantidade para o investimento na
qualidade dos filhos.

Houve uma mudança no fluxo intergeracional de riqueza que beneficiou toda a sociedade (Alves,
1994). A transição demográfica é sempre acompanhada por uma transição da estrutura etária
que, por sua vez, gera uma janela de oportunidade demográfica, que favorece o
desenvolvimento humano e possibilita um salto na qualidade de vida da população.

O gráfico 1, com estimativas da Divisão de População da ONU (revisão 2017), mostra a dinâmica
da população total e da população em idade ativa (PIA) – assim com a percentagem da PIA sobre
a população total, para o período 1950 a 2100 no Brasil. Em 1950, a população brasileira era de
53,9 milhões de habitantes e a PIA era de 29,9 milhões, representando 55,5% do total. Nas
décadas seguintes, ambas as curvas cresceram. Mas o fenômeno bastante positivo foi que a PIA
(pessoas em idade ativa) cresceu em ritmo mais rápido do que a população total até o
quinquênio 2015-20. A ONU estima que a população brasileira deve ser de 213,8 milhões e a PIA
de 149,2 milhões, em 2020, representando 69,8% do total. Ou seja, a proporção de pessoas em
idade ativa passou de 55,5% do total em 1970 para quase 70% em 2020 (como pode ser visto
nas colunas do gráfico).

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Este período vantajoso para a economia e para o avanço social é conhecido como janela de
oportunidade ou bônus demográfico, pois é um momento de melhora na relação entre
“produtores líquidos” potenciais e “consumidores líquidos”. O Brasil nunca teve e nunca mais
terá cinco décadas tão favoráveis do ponto de vista demográfico.

Outra forma de apresentar o fenômeno do bônus demográfico é por meio da razão de


dependência (RD) - que mede a relação entre o número de pessoas em idade considerada
dependente (crianças, adolescentes e idosos) e o número de pessoas em idade considerada
produtiva (15 a 64 anos). Este indicador mostra as potencialidade que a transição demográfica
abre para o desenvolvimento econômico e para a justiça social.

O gráfico 2 mostra a RD para o Brasil e o mundo, indicando que na segunda metade do século
passado, o Brasil tinha uma RD maior do que a média mundial, pois tinha uma estrutura etária
mais rejuvenescida. Mas a RD brasileira que estava em 88% (88 pessoas em idade dependente
para cada 100 pessoas em idade ativa), em 1965, caiu para menos da metade (cerca de 43%) no
quinquênio 2015-20. Portanto, no atual quinquênio, a RD está em seu nível mais baixo de todos
os tempos. Ela vai começar a subir, mas continuará em níveis baixos nas próximas duas décadas.
No final do século XXI, a RD brasileira voltará ao nível elevado de 1950-65.

Portanto, a demografia (estrutura etária) tem fornecido condições excepcionais para o Brasil dar
um salto no desenvolvimento humano e na qualidade de vida da população. O Brasil tem uma
vantagem comparativa em relação à média mundial, pois a RD brasileira permanecerá abaixo da
RD global pelo menos até a década de 2040. Todavia, o maior desafio para o aproveitamento do
bônus demográfico não é o aumento da RD nas próximas duas décadas, mas as condições
econômicas e sociais agravadas pela recessão, que não estão possibilitando o aproveitamento
adequado desta janela de oportunidade, que é única, pois só acontece uma vez na história de
cada país.

As projeções mais recentes da população brasileira foram divulgadas pelo IBGE, em 25 de julho
de 2018. O gráfico 3 mostra alguns marcos da dinâmica demográfica do país. Entre 2010 e 2017,
a População em Idade Ativa (PIA) passou de 132,5 milhões de pessoas para 143,6 milhões,
enquanto, no mesmo período, a população total passou de 194,9 milhões para 206,8 milhões.

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Desta forma, na projeção do IBGE, o ponto máximo da abertura da janela de oportunidade
ocorreu em 2017 (com PIA de 69,5% em relação ao total).

A PIA continuará crescendo até o ano de 2037, quando deve alcançar o seu pico de 152,9 milhões
de pessoas, representando 66,3% da população total. Ou seja, a PIA continua crescendo, mas
em ritmo inferior ao conjunto da população. Isto quer dizer que a janela de oportunidade
começar a se fechar, saindo da situação de abertura total, em 2017, para o fechamento total em
2037, quando a PIA começa a diminuir em termos quantitativos. Esta data marcará o fim do
bônus demográfico, pois, a partir de 2038, a PIA terá decrescimento não só relativo, mas
também absoluto. A PIA passará de 152,9 milhões de pessoas (representando 66,3% da
população), em 2037, para 136,5 milhões de pessoas (representando 59,8% da população), em
2060. O número de brasileiros atingirá o pico populacional em 2047, com 233,2 milhões,
decrescendo para 228,3 milhões de habitantes em 2060.

Todos estes números mostram que a janela de oportunidade demográfica começou a se abrir
no início da década de 1970, chegou em sua abertura máxima em 2017, iniciando o fechamento
a partir de 2018 e cerrando totalmente em 2037, quando o número e o percentual de pessoas
em idade ativa começará a encolher. Podemos dizer então que o bônus demográfico brasileiro
vai de 1970 a 2037.

Evidentemente, estas datas estão sujeitas às revisões periódicas, mas a ideia é que o Brasil teve
um período demográfico muito vantajoso entre 1970 e 2017, terá um período menos favorável
que o precedente, mas ainda vantajoso em relação aos demais períodos da história brasileira.
Há que se observar que existem várias réguas e várias fórmulas para se medir o bônus
demográfico. Não existe uma fórmula mágica. A metodologia apresentada acima é útil para
mostrar que a melhor fase do bônus já tem data de validade vencida, mas o “remédio” ainda
pode ser utilizado até 2037.

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A partir de 2038, a demografia deixará de oferecer estímulo à economia, pois o país terá uma
estrutura etária envelhecida (maior quantidade de pessoas de 65 anos e mais em relação ao
grupo 0 a 14 anos). O Índice de Envelhecimento (IE), considerando idosos de 65 anos e mais,
ultrapassará a marca de 100 em 2039, data que o Brasil será definitivamente um país idoso.

Em síntese, o período áureo do bônus demográfico no Brasil (considerando a relação entre a PIA
e a população total) ocorreu entre 1970 e 2017. Contudo, é preciso reforçar a ideia de que o
período 2018 a 2037 não deixará de fornecer uma base populacional adequada ao
desenvolvimento, mesmo que a taxas decrescentes. Se houver avanços na saúde, na educação
e, principalmente, no mercado de trabalho os próximos 20 anos podem representar uma
oportunidade histórica para se construir um país próspero e mais justo. Caso contrário, o Brasil
pode ficar permanentemente preso na “armadilha da renda média”.

Nas eleições presidenciais de 2018 este tema não deve ficar de fora. Aliás, já há candidatos/as
abordando o assunto do bônus e do envelhecimento. O Brasil tem pouco tempo para propiciar
um salto nas condições de vida da população. Toda a sociedade precisa reagir com presteza e as
políticas públicas precisam avançar nas áreas de formação cidadã dos indivíduos, pois só uma
grande percentagem de pessoas em idade ativa ocupada de maneira produtiva pode superar a
pobreza, a desigualdade e o atraso social.

Precisamos lembrar a bandeira da OIT - “pleno emprego e o trabalho decente” - que é essencial
para que uma maior quantidade de pessoas em idade ativa se transforme em uma força de
trabalho produtiva capaz de aumentar a renda per capita do país e garantir uma maior qualidade
de vida para todos os brasileiros.

Referências:
ALVES, J. E. D. Transição da fecundidade e relações de gênero no Brasil. 1994. 152f. Tese
(Doutorado) – Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional, Universidade Federal de
Minas Gerais, Belo Horizonte, 1994.
ALVES, J. E. D. . A polêmica Malthus versus Condorcet reavaliada à luz da transição
demográfica. Textos para Discussão. Escola Nacional de Ciências Estatísticas, Rio de Janeiro, v.
4, p. 1-56, 2002.
http://www.ence.ibge.gov.br/images/ence/doc/publicacoes/textos_para_discussao/texto_4.p
df
ALVES , J. E. D. O Bônus Demográfico e o crescimento econômico no Brasil. Rio de Janeiro,
Aparte, Inclusão Social em Debate, IE-UFRJ, 06/12/2004. Disponível em:
http://www.ie.ufrj.br/aparte/pdfs/bonusdemografico.pdf
ALVES, J. E. D., BRUNO, M. A. P. População e crescimento econômico de longo prazo no Brasil:
como aproveitar a janela de oportunidade demográfica? In: XV Encontro Nacional de Estudos
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Campinas: ABEP, 2006.
http://www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2006/docspdf/ABEP2006_302.pdf
ALVES , J. E. D. A transição demográfica e a janela de oportunidade. Braudel Papers. São Paulo,
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http://fernandonogueiracosta.files.wordpress.com/2010/08/transicao_demografica.pdf
ALVES, José Eustáquio Diniz. Como medir o tempo de duração do Bônus Demográfico?
Instituto Fernand Braudel de Economia Internacional, São Paulo, p.1-4, maio 2008.
Disponível em: http://www.braudel.org.br/eventos/seminarios/2008/0506/como_medir.pdf

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ALVES, J. E. D., VASCONCELOS, D. CARVALHO, A.A., Estrutura etária, bônus demográfico e
população economicamente ativa: cenários de longo prazo e suas implicações para o mercado
de trabalho. Texto para Discussão, 10, Cepal/IPEA, Brasília, pp. 1-38, 2010. Disponível em:
http://www.eclac.cl/publicaciones/xml/1/42471/CEPAL_10_MIOLO.pdf
ALVES, JED, A janela de oportunidade demográfica do Brasil, Recife, Revista Coletiva, FJN, No
14, mai/ago, 2014
http://www.coletiva.org/site/index.php?option=com_k2&view=item&layout=item&id=198&It
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ALVES, JED. O fim do bônus demográfico e o processo de envelhecimento no Brasil. São Paulo,
Revista Portal de Divulgação, n. 45, Ano V. Jun/jul/ago, pp: 6-17, 2015
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ALVES, JED. A nova projeção da população brasileira do IBGE. Ecodebate, 27/07/2018
https://www.ecodebate.com.br/2018/07/27/a-nova-projecao-da-populacao-brasileira-do-
ibge-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
IBGE: Projeção da População das Unidades da Federação por sexo e idade: 2000-2030, ver. 2013
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/projecao_da_populacao/2013/default.shtm
IBGE: Projeção da População (revisão 2018), Rio de Janeiro, 25/07/2018
https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/populacao/9109-projecao-da-
populacao.html?=&t=o-que-e

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