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MODERNA
GRADUAÇÃO
Unicesumar
Reitor
Wilson de Matos Silva
Vice-Reitor
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de Administração
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de EAD
Willian Victor Kendrick de Matos Silva
Presidente da Mantenedora
Cláudio Ferdinandi
HISTÓRIA MODERNA
SEJA BEM-VINDO(A)!
Olá, aluno(a)!
Seja bem-vindo(a) à disciplina de História Moderna. Neste livro, abordaremos temas que
estão diretamente vinculados à formação de nossa sociedade Ocidental. Entretanto, an-
tes de apresentarmos de forma mais detalhada o conteúdo, me apresentarei a você.
Sou graduado em História pela Universidade Estadual de Maringá (2007), especialista
em Docência no Ensino Superior pela Unicesumar (2011), com ênfase em Educação a
Distância, e também sou Mestre em Políticas e Movimentos Sociais, com ênfase em His-
tória das Ideias e das Instituições, pela Universidade Estadual de Maringá (2013). Atual-
mente, curso a graduação em Direito pela Unicesumar, além de me dedicar ao estudo
da civilização Ocidental bem como de suas instituições jurídicas, econômicas, políticas
e sociais.
Para apresentar o nosso conteúdo, gostaria de propor a você uma reflexão muito interes-
sante. Se você já passou dos 30 anos de idade, certamente deve ter assistido ao famoso
filme da década de 1980, “De volta para o futuro”, sob a direção de Robert Zemeckis. Na
verdade, estou me referindo a um dos integrantes da clássica trilogia, o “De volta para o
futuro III”, em que boa parte dele se passa no ano de 1955 e 1885. Há uma cena no filme
que me chama muito atenção. É aquela em que os dois principais personagens, Mar-
ty McFly (Michael J. Fox) e o Doutor Emmett L. Browm (Critopher Lloyd) estão em 1955,
no fundo de uma antiga mina abandonada, em busca do Delorean e, ao constatar que a
peça que estava dando defeito era fabricada no Japão, o Dr. Browm alertou: “Claro que
esta peça é defeituosa. Ela é fabricada no Japão”. Com um olhar de reprovação, Mar-
ty olha para ele e responde: “Doutor, em 1985 (ano em que tudo começou) tudo é fabri-
cado no Japão”. Com um olhar de espanto, o doutor Browm aceita, meio a contragosto.
Esta cena, por mais engraçada que pareça ser, representa muito do ponto de vista his-
tórico. O Japão havia sido devastado pela Segunda Guerra Mundial (1939-1945), além
de ter sofrido com os efeitos da primeira bomba atômica lançada sobre uma nação na
história da humanidade. Em pouco tempo, do ponto de vista histórico, esta nação havia
se tornado uma das maiores economias do planeta. Mas e quando se trata da Europa?
Se tivéssemos a oportunidade de voltarmos no tempo, mais precisamente uns 600 anos
atrás, dificilmente imaginaríamos que as bases de um dos modelos mais bem-sucedidos
de civilização emergiriam deste continente.
Segundo Niall Ferguson (2012), em 1415, a Europa estava devastada. Era um continente
miserável. A Inglaterra e a França quase se destruíram na Guerra dos Cem anos (1337-
1453). Após este evento, a Inglaterra mergulhou fundo em uma guerra civil (1455-1485),
a Guerra das Duas Rosas. Na Península Ibérica, Portugal e, em especial, a Espanha tra-
vavam uma luta sangrenta contra os muçulmanos, em busca do total controle da re-
gião. Além desses problemas de ordem política, tivemos também a Peste Negra, que
devastou quase um terço de toda população do Continente. Diante disso, como foi pos-
sível emergir deste continente um dos modelos de civilização que mais influenciou e
influencia até hoje o mundo? A resposta está nas suas instituições.
APRESENTAÇÃO
UNIDADE I
15 Introdução
36 Considerações Finais
UNIDADE II
45 Introdução
69 O Renascimento Cultural
72 Considerações Finais
SUMÁRIO
UNIDADE III
81 Introdução
UNIDADE IV
109 Introdução
UNIDADE V
145 Introdução
150 O Absolutismo
171 CONCLUSÃO
173 REFERÊNCIAS
176 GABARITO
Professor Me. Kleber Eduardo Men
I
AS TRANSFORMAÇÕES
UNIDADE
POLÍTICAS E SOCIAIS NA
BAIXA IDADE MÉDIA
Objetivos de Aprendizagem
■■ Compreender o conflito político estabelecido na Baixa Idade Média
entre a Igreja e as Monarquias Emergentes.
■■ Entender as propostas teóricas sobre as atribuições do poder real e
do poder papal.
■■ Observar como a centralização monárquica, ocorrida na Baixa Idade
Média europeia, se deu à luz de muitos conflitos religiosos.
■■ Relacionar as discussões políticas com o contexto histórico estudado.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Igreja e poder na baixa Idade Média
■■ Egídio Romano e o poder eclesiástico
■■ João Quidort entre o poder papal e o poder real
■■ Considerações acerca da Centralização Política
15
INTRODUÇÃO
Olá, aluno(a)!
Dando início à nossa discussão sobre a Idade Moderna, abordaremos, nesta
unidade, algumas das transformações que influenciaram na configuração deste
período histórico, mas suas raízes não estão ligadas ao recorte temporal que
o quadripartismo histórico convencionou denominar Idade Moderna. Em outras
palavras, como faremos uma análise das instituições que fizeram parte do contexto
da Idade Moderna, os recortes temporais são secundários, pois, assim, podemos
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Introdução
I
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
IGREJA E PODER NA BAIXA IDADE MÉDIA
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
e, certamente, os estamentos
superiores eram tidos com mais
©Wikipedia
Basílica de São Pedro, Vaticano.
privilégios frente aos demais.
Certamente o clero, a instituição mais importante da Idade Média no sen-
tido político, era o grande responsável pela concepção tripartida de sociedade. O
Bispo Adalberon, da região de Laon, assim se expressou no século XI: “A casa de
Deus que parece uma é, portanto, tripla: uns rezam, outros combatem e outros
trabalham. Todos os três formam um conjunto e não se separam” (ADALBERON,
s/d apud FRANCO JUNIOR, 1985, p. 34).
O conflito entre Igreja e as monarquias nascentes foi a tônica do período,
dando origem às teorias que, ganhando corpo no século XIII, visavam fortalecer o
poder papal, centralizando em suas mãos tanto o poder secular quanto o temporal.
Com a teoria hierocrática do poder, o Papa tornou-se o ser supremo da cristan-
dade ocidental (KRITSCH, 2002). Todavia o que estava em jogo mesmo eram os
interesses políticos. De um lado, a Igreja querendo se fortalecer ainda mais e, de
outro, as monarquias emergentes, lutando por sua soberania. Como bem desta-
cou Kritsch (2002, p. 225):
É possível assegurar com alguma convicção, portanto, que as questões
vinculadas à noção de soberania eram simultaneamente políticas e
jurídicas. Eram políticas porque envolviam a construção de um sistema
de poder, fosse ele hierocrático ou estatal. A imagem do rex in reg-
no suo imperator est – que viria a ser muito em breve reivindicada pelos
governantes dos Estados territoriais emergentes – evocava, ao mesmo
tempo, a concentração do comando territorial (relações internas) e a
pretensão de independência em face de potências externas, fossem elas
os não cristãos ou os territórios vizinhos. Jurídicas porque todas as
pretensões eram apresentadas como legais.
Não é difícil entender a razão pela qual a Igreja possuía, entre os seus clérigos,
o que se havia de melhor em termos de material humano intelectual. A maioria
das produções filosóficas e intelectuais da sociedade europeia medieval estava
sob o domínio do clero. Não obstante, muitas de suas formulações foram utili-
zadas pelos reis das monarquias emergentes, como foi o caso de Felipe, o Belo,
da França.
Enfim, o que devemos deixar em evidência é a enorme representação que a
Igreja tinha no período, tornando-se uma das principais barreiras a serem trans-
postas no processo de centralização política em curso na Europa, tanto no plano
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Como isso repercute na sociedade medieval? O reflexo principal aparece
praticamente na perpetuação da desigualdade social, que será a principal
característica dessa sociedade. No entanto, podemos afirmar que tudo isso
contribuiu diretamente para o surgimento de uma nova organização política
que acabaria com as intrigas entre clero e aristocracia, colocando fim a tudo
o que pudesse impedir o desenvolvimento dessa sociedade. Com o desenro-
lar da história e o surgimento das monarquias nacionais, Igreja e reis entram
em conflito, o que resulta em uma reorganização dos poderes. Baschet (2006,
p. 269) sintetiza bem esse processo:
É verdade que o crescimento dos poderes monárquicos obriga a Igreja a
recuos e novos arranjos. As justiças eclesiásticas cedem terreno perante
os oficiais reais, e se a imunidade fiscal do clero o põe ao abrigo do
imposto direto, o papa muitas vezes cede aos reis uma parte importante
dos dízimos que normalmente lhe cabem, enquanto os Reis Católicos
obtêm do clero o pagamento de subsídios excepcionais para financiar a
Guerra contra Granada, assimilada a uma cruzada.
Enfim, pode-se afirmar que o clero sempre soube estar ao lado do poder. Enquanto
predominava a descentralização política característica do feudalismo, este exer-
ceu o poder e influenciou toda a Europa. Com a formação das monarquias e o
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surgimento dos Estados Nacionais, a Igreja manteve seu poder, não como antes,
mas exercendo diretamente influência sobre reis e príncipes. Entretanto, antes que
isso, de fato, ocorresse, muitos conflitos e debates foram travados. É o que vere-
mos adiante, na análise de textos escritos no período. De nosso ponto de vista,
eles sintetizam o conflito político deflagrado entre o poder papal e o poder real.
A fonte que será estudada neste tópico consiste em um relato muito detalhado
de como estava o clima político na Baixa Idade Média. Egídio Romano (194?-
1316) é, dentre os autores contemplados neste estudo, o defensor de um poder
eclesiástico centralizador e manipulador, ou seja, um poder que comandasse tudo
ao seu redor. Vivendo entre os séculos XIII e XIV, ele não defende um Estado
independente, mas, sim, um Estado totalmente vinculado e submisso ao clero.
Seu pensamento expressivamente clerical reforça a ideia de que o embate tra-
vado entre canonistas e defensores da autonomia dos reinados emergentes em
relação ao eclesiástico era mesmo a tônica da época.
Segundo Raquel Kritsch (2002), embora tenha defendido a centralização
do poder na Igreja, Egídio Romano pode ser considerado como um dos autores
que serviram de base para a elaboração de um sistema monárquico absolutista,
mesmo sem ter essa intenção.
Com uma posição diretamente ligada à sua formação, Egídio Romano foi a prin-
cipal voz em defesa de uma Igreja poderosa, não submissa ao poder dos reis.
Ele ingressou na ordem agostiniana por volta de 1260, sendo aluno do mestre
Tomás de Aquino. Foi exímio estudioso e sua incursão no campo político o fez
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tornar-se preceptor de Felipe, o Belo. Durante esse período, escreveu De regi-
mine Principum, uma de suas principais obras e a mais lida na Idade Média
(BONI, 1989).
Ele acompanhou os conflitos travados entre o papa Bonifácio VIII e o seu
ex-aluno, Felipe IV, o Belo, e, mesmo que nesse conflito esteja envolvida uma
pessoa pela qual nutre bastante apreço, Egídio não hesitou em se posicionar ao
lado do Papa. É nesse momento que escreveu De eclesiástica potestade.
Escritor fecundo e talentoso, não possui o gênio de Tomás, seu mes-
tre, nem de Duns Scotus, seu contemporâneo. Escreveu sobre os mais
diversos temas. (...) Se defendeu Tomás de Aquino contra os que pre-
tendiam condená-lo, não foi, contudo um simples repetidor. Seguindo
seus próprios caminhos, desviou-se frequentemente do mestre e em
sua síntese filosófico-teológica aproximou-se das correntes conserva-
doras do final do século XIII (BONI, 1989, p. 12).
Como você pôde perceber claramente, Egídio Romano defende, com muita con-
vicção, a submissão do poder temporal ao poder eclesiástico. De seu ponto de
vista, para Deus não ignorar o homem, este não deve ignorar o Sumo Pontífice,
o qual, como o vigário de Cristo, tem o poder de legislar sobre todas as coisas,
tanto no campo espiritual quanto no temporal.
Ora, compete ao sumo pontífice e à sua plenitude de poder dispor o
símbolo da fé e estabelecer as coisas que se relacionam com os bons
costumes, porquanto, se surgir uma questão, quer de fé, quer de cos-
tumes, compete a ele dar uma sentença definitiva e estabelecer, como
também dispor firmemente, o que os cristãos devem crer e que aspecto
os fiéis devem evitar daquelas coisas de onde se originam os litígios
(ROMANO, 1989, p. 37).
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suprema, que era Deus (KRISTCH, 2002, p. 401).
Percebe-se, ao ler Egídio Romano, sua irredutibilidade diante das novas situa-
ções que permeiam o contexto histórico. A tentativa recorrente de defender o
poder eclesiástico o faz parecer mais um escritor dos séculos XI e XII do que
o do seu século. A defesa de um absolutismo eclesiástico, no contexto do gra-
dual enfraquecimento do poder temporal da Igreja, o faz buscar justificativas
em textos dos séculos anteriores. A bula Unan sactam foi publicada pelo Papa,
em 1302, no entanto, boa parte dos argumentos apresentados parecem cópias
literais de excertos eclesiásticos escritos anteriormente (BONI, 1989). Isto mos-
tra como o pensamento de Egídio Romano foi comungado pela Igreja Católica.
A subordinação exigida pela Bula Unam Sanctam tem sido muito
discutida. Significa que até mesmo no plano temporal todos os homens
(inclusive os reis) devem submeter-se ao Papa? Ou só se pode afirmar
isto no plano espiritual, isto é, no plano dos valores éticos (que decorrem
da Lei de Deus)? A segunda interpretação é a única correta; a sujeição se
dá tão somente ratione peccati, isto é, quando o pecado entra em jogo; o
fundamento para se preferir a segunda interpretação é o início da pró-
pria Bula Unam Sanctam, que afirma ser a Igreja necessária para a sal-
vação eterna; além disso, é no sentido espiritual que S. Tomás de Aqui-
no entende tal subordinação, no opúsculo Contra errores graecorum c.
32, fonte do texto de Bonifácio VIII. Prevalece, assim, a tese do poder
indireto do Papa sobre os monarcas: a atividade política destes não deve
ser controlada pela Igreja, na medida em que é especificamente política;
como, porém, toda atividade humana, além das suas notas específicas,
tem características éticas (é virtuosa ou pecaminosa), a moral cristã,
cujo porta-voz é o Papa, deve pronunciar-se sobre ela (na medida em
que toca a moral) (STREFLING, 2007, p. 533).
O gládio material tem seu poder vindo do sumo pontífice, pois todo
poder que há na Igreja militante é derivado dele; ninguém pode ter al-
gum poder justamente, nem ser dono de alguma coisa com justiça, (...),
a não ser através da Igreja, ou porque é regenerado por ela e absolvido
sacramentalmente. Portanto, os príncipes seculares têm o poder vindo
de Deus. Há aqui uma certa semelhança entre o poder que o gládio
material tem, vindo da Igreja, e o poder que as coisas naturais têm,
vindo de Deus; e se não é semelhança de todos os modos, é o quanto
basta para a questão (ROMANO, 1989, p. 192).
Como veremos adiante, a forma com que ele se refere ao direito natural difere
totalmente da tônica aristotélica defendida por Tomás de Aquino e que foi o
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argumento mais aceito entre os escritores da época. O mestre Tomás de Aquino
(1997) faz uma diferenciação: as leis dos homens são para os homens e as leis
de Deus são para as coisas espirituais. Egídio Romano não concorda com esta
concepção, conforme destaca Kristch (2002, p. 429-430):
Por ser senhora de direito de tudo quanto havia no mundo, residia
na Ecclesia – que tinha no sumo pontífice o seu representante máximo
– a plenitudo potestatis, dizia Egídio no livro III. Por isso, pertencia a
ela criar leis, publicá-las aos povos, explicá-las e interpretá-las. Aque-
les que diziam ter o imperador o mesmo poder porque “o que apraz
ao príncipe tem força de lei”, como estava dito nos Instituta, exortava
Egídio, tinham de compreender que havia um gládio sob o outro, um
principado sob o outro. Do mesmo modo, era preciso que as leis se su-
jeitassem às leis. Pois o poder da Igreja, e, portanto o do sumo sacerdo-
te, que a representava, era sem peso, número e medida. Mesmo assim,
o pontífice devia se impor limites e procurar viver de acordo com as
leis estabelecidas, já que convinha àquele que criava as leis observá-las.
Enfim, prezado(a) aluno(a), para Egídio Romano sempre haverá um poder acima
do outro, mas nenhum poder caminhará sem as determinações da Igreja, sem
obedecer às deliberações do Sumo Pontífice. Assim, podemos concluir que ele se
posiciona contrariamente à existência de um Estado independente das normas
impostas pelo poder eclesiástico. O mesmo não se pode afirmar de seu contem-
porâneo, João Quidort, como veremos a seguir.
Monge Dominicano e professor em Paris, sua principal obra foi escrita no iní-
cio do século XIV, com base na metodologia de análise proposta pela escolástica,
numa clara demonstração de que ele foi muito influenciado pelo mestre Tomás de
Aquino. No livro, O Poder Papal e o Poder Real, faz uma dura crítica aos defenso-
res do poder direto do Papa em questões civis. Entretanto, segundo Luis Alberto
de Boni (1989), Quidort não trata o Sumo Pontífice de maneira desrespeitosa
como fizeram outros defensores do poder real. Com uma análise mais centrada
na questão de jurisprudência, tendo como princípio a Bíblia e as obras de Tomás
de Aquino, o autor procura definir até onde vai o poder papal, como se organiza
o poder real e quais são suas atribuições.
O contexto histórico vivido por Quidort tem como pano de fundo a luta
entre reis e clero a respeito da jurisprudência quanto à extensão do poder de
um e ao início do poder do outro. No caso dos reis, eles estão em busca da legi-
timação de um poder independente do poder eclesiástico; o Papa, por sua vez,
busca, de todas as formas, continuar interferindo nos assuntos temporais. O
papa Bonifácio VIII, foi o responsável pela reafirmação do poder eclesiástico
e, como destaca Strefling (2007), foi questionado por setores da própria Igreja:
Vendo periclitar o poder papal, Bonifácio VIII, formado na linha ca-
nonista, interpõe-se energicamente e age com inteligência e idealismo.
Governou a Igreja com a mentalidade do século XII, não reconhecendo
que, no século XIV, os tempos haviam mudado. A influência dos Es-
pirituais criou uma concepção nova de Igreja, na qual a plenitude po-
testatis do Papa é questionada dentro da própria Igreja (STREFLING,
2007, p. 526).
Um dos teólogos a questionar essa atuação do Papa nos assuntos temporais foi
João Quidort. Rachel Kristch afirma que seu tratado sobre o poder régio e papal,
além de ser uma resposta imediata a Egídio Romano, correspondeu a uma apre-
sentação dos princípios da monarquia constitucional:
A resposta imediata ao tratado de Egídio Romano foi escrita por
João Quidort ou João de Paris. Retomando a noção do rei como
“um imperador dentro de seu reino”, João Quidort escrevia ao mesmo
tempo contra os defensores do sacerdotium e contra os do imperium.
Do confronto entre esses dois universalismos, nascia, depois de um
longo processo de gestação, o poder político secular propriamente dito,
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tal como manifesto nas monarquias cada vez mais nacionais. João Qui-
dort, entretanto, embora partidário do rei, não era um defensor in-
condicional da causa real: às pretensões absolutistas de Felipe IV o
autor opunha o populus, o novo intermediário tanto do poder tempo-
ral quanto do eclesiástico, como já havia ensinado Tomás de Aquino
(KRISTCH, 2002, p. 436).
Além de demonstrar uma clara preferência pela existência de regras a serem cum-
pridas por todos, o populus, ele compartilha da opinião de Tomás de Aquino a
respeito do direito natural, buscado na filosofia clássica de Aristóteles. Esse ponto
de vista o ajuda a entender e dar significado, tanto ao poder real quanto ao poder
papal. Para Quidort, a definição de reino é: “o governo de uma multidão per-
feita, ordenado ao bem comum e exercido por um só indivíduo” (QUIDORT,
1989, p. 44). Assim como Aquino, Quidort justifica a necessidade do homem
viver em sociedade:
As influências de Tomás de Aquino não param por aí. Assim como o mestre,
João Quidort acredita que o fim de todo o governante é a busca pelo bem comum.
E, vivendo o homem em sociedade, tal finalidade pode ser facilmente alcançada,
como ficou patente na afirmação acima.
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Para defender a tese de que deveria haver uma limitação entre os poderes
temporal e sacerdotal, Quidort traça um longo caminho. Primeiramente, ele
busca dar sentido à origem do sacerdócio que, segundo seu entendimento, “é o
poder espiritual conferido por Cristo aos ministros das Igrejas para dispensa-
rem os sacramentos aos fiéis” (QUIDORT, 1989, p. 48). Dentre as atribuições
sacerdotais, existem também as hierarquias; estas devem ser respeitadas pelos
sacerdotes, mas entre os reis, sua mensuração é diferente.
Ele assevera que, na Igreja, existe a autoridade do Papa porque, nas coisas
divinas, uma pessoa precisa estar à frente de tudo. Ao nomear o Papa, por este ser
descendente de Pedro, Cristo teria dado origem à autoridade papal. No entanto,
na vida temporal, esta hierarquia nem sempre é possível. Não há como o Papa
determinar o que deve ser feito em todos os lugares do mundo.
Já os fiéis leigos não têm uma determinação de direito divino que, nas
coisas temporais, os coloque sob um só monarca supremo. Pelo contrá-
rio, por um instinto natural, que provém de Deus, são levados a viver
na comunidade civil e, para bem viver em comum, elegem chefes, que
variam em quantidade segundo o número das comunidades. A colo-
cação de todos sob um único monarca supremo, nas coisas temporais,
não se fundamenta nem na inclinação natural, nem no direito divino,
e nem lhes convém da mesma forma como aos ministros eclesiásticos
(QUIDORT, 1989, p. 49).
mais fácil do que pela força, torna-se necessário haver governos com juris-
dição sobre os diferentes territórios. Assim, o poder da Igreja restringe-se
ao campo espiritual e o do rei ao campo temporal, cabendo a cada monarca
cultivar o que é de mais virtuoso em cada reino, pois “o que é virtuoso num
povo não é em outro” (QUIDORT, 1989, p. 50) e uni-lo na fé é mais fácil
que politicamente.
Percebe-se que, a todo o momento, João Quidort faz questão de separar o
que é dever da Igreja e o que é poder dos reis. Então, seria correto afirmar que a
posição do autor é por uma Igreja que não interfira nos assuntos temporais ou
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por um Estado centralizado, que seja independente da interferência da Igreja?
Pelo fato de Quidort ter sido monge, parece-nos que sua intenção era limitar
a ação da Igreja, evitando maiores conflitos. Seria mais vantajoso para a socie-
dade se a Igreja não se intrometesse nos assuntos de ordem temporal. Como foi
afirmado anteriormente, Quidort encontra, na Bíblia, os argumentos para sua
discussão sobre quem tem a prioridade para governar nos assuntos temporais.
Ao contrário de Egídio Romano, ele não considera que é o Papa quem concede
poder aos reis, mas, sim, que são os governantes seculares que, com sua bondade
e porque não dizer conveniência, permitem que o Papa atue em suas jurispru-
dências (KRITSCH, 2002).
1 EPÍSTOLA Sicuti universitatis conditor (1198) apud S. Baluzius: Epistolarum Inocentii III, I, 235. In:
ARTOLA, Miguel. Textos fundamentales para la Historia. Madrid: Alianza Editorial, 1992, p. 126.
A teoria contida nessa alegoria retirada do livro de Gênesis (Gn 1:16) é refutada
com maestria por Quidort.
Segundo Dionísio, a interpretação mística só vale como argumento
quando sua afirmação deixa-se comprovar por outro texto da escritura,
pois a teologia mística não é argumentativa (...) Mesmo, porém, que
fosse aceita a interpretação oposta, esta também estaria em favor de
nossa tese, pois embora a lua não ilumine a noite a não ser pela luz que
recebe do sol, contudo possui uma força própria que lhe foi dada por
Deus, e não pelo sol. Por tal força, ou virtude, a lua esfria e umedece,
enquanto o sol faz o contrário. Isto pode ser aplicado deste modo es-
pecial a nosso caso: o príncipe recebe da Igreja a iluminação e a infor-
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mação sobre a fé, contudo possui um poder distinto que lhe é próprio,
e que não recebe do papa, mas imediatamente de Deus (QUIDORT,
1989, p. 96, grifo nosso).
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CONSIDERAÇÕES ACERCA DA CENTRALIZAÇÃO
POLÍTICA
Depois de toda esta discussão, você deve estar se perguntando: a quem interes-
sava a centralização política? De fato, havia muitos interesses em jogo. Poder
político, econômico e religioso certamente eram os principais pontos da dis-
cussão. Sendo assim, precisamos entender que, do ponto de vista da economia,
uma grande e importante classe social emergia, a burguesia. Essa classe social
que crescia era de origem exclusivamente urbana. A própria palavra “burguês”
tem sua origem nos burgos, que eram vilarejos cercados por muros, ou seja, as
cidades medievais.
A burguesia, para escapar do jugo dos senhores feudais, decidiu se aliar a uma
força diferente daquela. Apoiar um poder centralizado tornava-se uma chance
de ver seus negócios prosperar. Nas palavras de Braick (2011, p. 155):
A centralização do poder real significava o uso de uma mesma moeda
e de um padrão de pesos e medidas único, o que facilitaria bastante
as atividades comerciais. Ao mesmo tempo, a cobrança de impostos
passaria a ser feita apenas pelo Estado, e não mais por cada feudo, tor-
nando mais barato o comércio entre diferentes regiões.
O que foi exposto acima, prezado(a) aluno(a), é aquilo que Norbert Elias (1993)
chamou de processo monopolizador. Para o Estado se fortalecer, seria necessá-
rio ter sob o seu controle algumas funções essenciais, como a justiça (acabando
Percebe-se que a aliança entre o rei e a burguesia foi indispensável para a conso-
lidação dos Estados Nacionais. Enquanto um garantia os fins necessários a uma
determinada atividade, outro garantia os meios necessários. Os burgueses entra-
vam com o dinheiro, arrecadado por meio dos impostos, e os reis entravam com
o poder administrativo. A única instituição que tinha a perder com a centrali-
zação política nas mãos dos reis era a Igreja Católica. O surgimento de Estados
Nacionais, como o poder unificado nas mãos de um monarca, faria da Igreja uma
instituição subordinada a um poder maior dentro de uma determinada região.
A questão da Soberania, muito discutida por Kritsch (2002), consistia em não
admitir que o Estado poderia ter em seu próprio território um poder igual ou
maior do que o seu. Nesse caso, é preciso entender que o rei não iria admitir
que a Igreja pudesse desempenhar todas as suas funções. Sendo assim, fica ainda
mais clara a discussão feita aqui nesta unidade com relação aos limites do poder.
Em suma, a nova sociedade que emergia na Baixa Idade Média europeia teve,
como um dos seus principais feitos, a centralização de um poder nas mãos de
um monarca. Isso se viu em toda Europa Ocidental. Inglaterra, França, Portugal,
Espanha são exemplos de países que conseguiram se unificar sob a batuta de um
rei no período em questão. Holanda, por exemplo, obteve sua unificação e inde-
pendência no século XVI e a Itália, assim como a Alemanha, somente conseguiu
se unificar depois de muitas lutas, se consolidou somente em fins do século XIX.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Prezado(a) aluno(a), espero que, ao final desta unidade, você tenha conseguido
perceber os principais fatores políticos que envolvem a disputa entre o poder
real e o poder papal. Sabemos, como já fora citado ao longo desta unidade, que
a Igreja Cristã Ocidental era a instituição que possuía o maior poder. Este poder
não se resumia apenas ao religioso, mas a todas as esferas. Não se fazia nada sem
a permissão do papa. Assistir ao surgimento de pessoas que tinham como obje-
tivo limitar o poder da Igreja não poderia ocorrer sem qualquer resistência por
parte desta. Por isso, assistimos a um verdadeiro combate de ideias, travado no
calor da hora.
É importante que você tenha percebido que havia pensadores que busca-
vam de todas as maneiras defender o seu posicionamento frente a essas questões.
Egídio Romano e João Quidort foram as fontes utilizadas por nós neste texto,
mas há outras leituras que, caso você queira se aprofundar em tal temática, tor-
nam-se obrigatórias, como é o caso de Marsílio de Pádua, autor precursor de
Nicolau Maquiavel. Nesta unidade, ficou bem claro o posicionamento extre-
mamente medieval de Egídio Romano, enquanto, de outro lado, João Quidort
demonstra um pensamento mais autônomo frente às atribuições do Clero.
A profunda mudança social, política e econômica que marcou a transição
entre os valores medieval e moderno não se restringiu a disputas entre Igreja e
monarquias emergentes. Havia, também, uma disputa entre o velho e o novo,
representado por dois modelos distintos de sociedade: aquela que ainda insistia
em existir, baseada nos privilégios feudais; e a outra que gradativamente ganhava
força, representada pelo poder mercantil da burguesia. E será este conflito que
poderá ser melhor observado em nossa próxima unidade, ao analisar a impor-
tância de um dos maiores pensadores políticos, Nicolau Maquiavel.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Considerações Finais
O GRANDE CISMA DO OCIDENTE (1378-1417)
2 A Cúria Romana é o corpo administrativo que auxilia o Papa a exercer o seu poder. Segundo o Concílio
Vaticano I, o poder do Papa “é pleno e imediato sobre a Igreja do mundo inteiro”. Para exercê-lo, o Papa se
utiliza dos Dicastérios (que são equivalentes aos ministérios no governo secular), ou seja, órgãos executivos
na maioria das vezes, pois também existem alguns Tribunais, os quais o ajudam a exercer a sua função de
Romano Pontífice. Disponível em: <https://padrepauloricardo.org/episodios/o-que-e-a-curia-romana>.
Acesso em: 15 mar. 2015.
39
Nos reinos ibéricos, o clima foi mais caute- prestes a se tornar palco de uma guerra
loso. Em Castela, Henrique II (1334-1379) se entre ambos, afinal, a primeira tentativa
declarou neutro; a mesma posição foi a de de superação do cisma era pela força, a
João I (1358-1390), seu filho, que relutante- chamada via facti (PALENZUELA, 2005, p.
mente convocou uma assembleia do clero 717). Felizmente, o conflito não chegou a
para que pudessem chegar a um denomi- ser iniciado.
nador comum; em1380, Castela se decidiu
por Clemente VII. O rei aragonês Pedro IV, o Em 1389, morria Urbano VI. Surgia um novo
Cerimonioso, também se declarou indife- alento de ver, mais uma vez, a Cristan-
rente, mas não tardou a se colocar favorável dade unida sob um mesmo líder espiritual.
ao Papa avignonês. Carlos II (1332-1387), de No entanto todas as expectativas foram
Navarra, foi o único monarca a não aban- frustradas e, quinze dias após sua morte,
donar a neutralidade, conservando-a até o napolitano Pietro Tomacelli era eleito o
sua morte. Portugal, sob o governo de Fer- novo Papa, que adotou o nome de Bonifá-
nando I (1345-1383), apoiou Clemente VII; cio IX (1356-1404). O Cisma persistia.
no entanto, a partir de 1383, já sob a política
de João I (1357-1433), o reino português Com a morte de Clemente VII, em 1394,
favoreceu o papado romano. mais uma vez se tinha a expectativa de
que a divisão da Igreja chegaria a seu fim.
Na Itália, o reino de Nápoles optou por Contudo, os cardeais da obediência avigno-
Clemente VII. Já os Estados do norte nesa não depositaram seus votos no Papa
da península se posicionaram a favor de romano. Procederam, assim, com uma nova
Urbano VI. Antes de se instalar em Avig- eleição, que recaiu sobre o cardeal arago-
non, Clemente VII permaneceu alguns nês Pedro de Luna, que adotou o nome de
meses em território italiano. Com os dois Bento XIII (1328-1423).
pontífices em mesmo solo, a Itália esteve
Fonte: Adaptado de SILVA, Matheus Corassa. O Grande Cisma do Ocidente em O Sonho, de Ber-
nat Metge. In: Revista Medievalis. V. 2. Ano, 2012.
1. Descreva, em linhas gerais, o contexto histórico de transição entre a Idade Média
e a Idade Moderna, abordando as questões que envolvem o poder político.
2. Defina, com base nos argumentos apresentados nesta unidade, o posicionamen-
to de Egídio Romano, referente à relação entre o Papa e o Rei.
3. Observando o contexto histórico da Europa no período de transição entre a Idade
Média e a Idade Moderna, no que diz respeito à formação das monarquias unifica-
das, ASSINALE A ALTERNATIVA CORRETA:
a. O embate entre o Papa e o rei francês foi uma amostra de que, por um lado,
a Igreja acatava essa ideia de perder seu poder, mas não queria admitir isso
publicamente.
b. João Quidort e Egídio Romano foram dois pensadores que buscaram defen-
der a soberania do poder religioso sobre o poder dos reis.
c. O Papa Bonifácio VIII, percebendo que o poder da Igreja pudesse ser coloca-
do em xeque, decidiu reafirmar o poder religioso, com a publicação da Bula
Unam Sanctum.
d. A Bula Unam Sanctum foi um documento que visava estabelecer as regras do
que seria atribuição da Igreja e do que viria a ser atribuição dos reis, para que
ambos pudessem governar tranquilamente.
e. Egídio Romano era um dos principais pensadores que defendia uma maior
autonomia do poder real sobre o poder papal.
O Nome da Rosa
Direção: Jean-Jacques Annaud
Ano: 1986
Gênero: Drama/Suspense
Elenco: Sean Connery, Christian Slater e grande elenco.
Sinopse: Baseado no romance homônimo do escritor italiano
Umberto Eco, este filme conta a história de uma abadia onde mortes
misteriosas ocorrem. O filme mostra um pouco de como era a vida
dos monges, enfatizando principalmente a disciplina que lhe era
exigida. Além disso, mostra uma visão sobre o Tribunal da Inquisição,
além de outros pontos que contribuem significativamente para a
discussão do período da Baixa Idade Média.
A cidade medieval – também conhecida como burgo – até o século XI era, de certa forma, uma
extensão do mundo senhorial.
<http://www.historiadomundo.com.br/idade-media/renascimento-urbano-medieval.htm>.
Artigo: Rumo ao Estado Moderno: as Raízes Medievais de alguns de seus Elementos Formadores
<http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n23/24625.pdf>.
Material Complementar
Professor Me. Kleber Eduardo Men
II
A IMPORTÂNCIA DE NICOLAU
MAQUIAVEL À COMPREENSÃO
UNIDADE
DAS TRANSFORMAÇÕES
NA ERA MODERNA
Objetivos de Aprendizagem
■■ Apresentar a importância histórica de Nicolau Maquiavel.
■■ Destacar como este autor observou as transformações históricas do
seu tempo.
■■ Compreender como a análise feita por ele representou uma quebra
no paradigma da ciência política.
■■ Mostrar como sua análise contribui para a compreensão dos temas
relacionados à política moderna.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Quem foi Nicolau Maquiavel? Apontamentos biográficos
■■ O historiador Nicolau Maquiavel e o seu tempo
■■ O contexto de transição entre os valores medievais e modernos
■■ O Renascimento Cultural
45
INTRODUÇÃO
Introdução
II
Estimado(a) aluno(a), nosso objetivo, nesta unidade, será o de fazer uma aná-
lise de alguns pontos do pensamento do escritor florentino Nicolau Maquiavel
(1469-1527), no que diz respeito principalmente às instituições e às finalidades
que o Estado devia ter em um momento histórico em que as discussões sobre
esses temas estavam cada dia mais presentes bem como à legitimidade dessa nova
forma de organização social que emergiu em fins da Idade Média. Também apre-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
sentaremos brevemente a você, aluno(a) do curso de História da Unicesumar,
um pouco do que esse autor tinha como ideal de governante.
Para que nossa análise seja um retrato mais próximo da visão do autor, nosso
estudo prestou-se a uma análise de alguns pontos das obras de Nicolau Maquiavel,
principalmente no que tange à organização das instituições.
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Cidade de Florença, Itália. Berço de Nicolau Maquiavel e um dos principais centros irradiadores da cultura
renascentista.
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menor importância e, após a deposição e execução de Savonarola (1498) pelo
Papa Alexandre VI, Maquiavel assumiu o cargo de Segundo Chanceler da
República, o primeiro cargo de grande importância de sua carreira política.
Este contato mais próximo dos assuntos de Estado despertou em Maquiavel
a necessidade de refletir sobre as práticas políticas dos homens e a posição
que estes deveriam manter quando estivessem à frente de um governo. A
questão que envolveu Florença e Pisa em longo conflito foi decisiva na vida
de Maquiavel e aguçou-lhe mais ainda a necessidade de refletir sobre esses
temas (MARTINS, 2000).
Depois de um período de convivência com o Duque Valentino,
César Bórgia (1475-1507), filho do Papa Alexandre VI (1492-1503), Maquiavel,
mais uma vez, foi tocado por uma série de acontecimentos e, com base no que
via, nascia o que seria a sua principal característica como cientista político:
a valorização dos acontecimentos históricos por parte dos governantes como
item indispensável às ações e práticas políticas. Maquiavel acreditava que a
História não poderia servir apenas de passatempo, mas, sim, como um ins-
trumento de governo para que as ações fossem executadas da maneira mais
eficiente possível.
É neste ponto que eu gostaria que você prestasse muita atenção! Nicolau Maquiavel
foi um pensador que elevou os eventos históricos à categoria de indispensáveis
aos governantes. É como a praxeologia defendida por Ludwig von Mises. A histó-
ria não seria, para Maquiavel, apenas um passatempo, mas, sim, uma importante
ferramenta para que os governantes atingissem aquilo que almejassem. Ao longo
desta unidade, você vai perceber como este autor deu valor ao nosso ofício.
Antes mesmo, se faz necessário discutir a praxeologia que não é
uma ciência histórica, mas uma ciência teórica e sistemática. Seu
escopo é a ação humana como tal, independentemente de quaisquer
circunstâncias ambientais, acidentais ou individuais que possam influir
nas ações efetivamente realizadas. Sua percepção é meramente formal
e geral, e não se refere ao conteúdo material nem às características
particulares de cada ação. Seu objetivo é o conhecimento válido
para todas as situações onde as condições correspondam exatamente
àquelas indicadas nas suas hipóteses e inferências. Suas afirmativas e
proposições não derivam da experiência. São como a lógica e a mate-
mática, aprioristas, ou seja, não estão sujeitas à verificação com base
na experiência e nos fatos. São tanto lógica como temporalmente an-
teriores a qualquer compreensão de fatos históricos. São um requisito
necessário para qualquer percepção intelectual de eventos históricos.
Sem sua ajuda, nossa percepção do curso dos eventos históricos ficaria
reduzida ao registro de mudanças caleidoscópicas ou de uma desordem
caótica (MISES, 1990, p. 48).
É importante se ter em mente que, quando o assunto é política, aquele que toma
partido de uma determinada situação corre o risco de sofrer as consequên-
cias, caso esta não lhe seja mais favorável. E foi o que ocorreu entre os anos de
1512 e 1513, quando Maquiavel sofreu inúmeras retaliações, dentre elas, o exí-
lio político. Desse período até sua morte, em 1527, Maquiavel esteve à mercê da
inconstância política italiana e vez ou outra se via afastado das funções públicas
pelas quais nutria um apreço inquestionável. Foi durante esse afastamento da vida
pública, vivendo na ociosidade, que Maquiavel escreveu suas principais obras: O
Príncipe (1513) e Os discursos sobre a primeira década de Tito Lívio (1512-1517).
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Na obra O Príncipe, Maquiavel fez um tratado de governo em que buscou,
por meio da experiência adquirida em sua vida pública, expor o que o governante
deveria fazer para manter um Estado unido, forte e pronto para enfrentar qual-
quer problema de ordem política. Essa obra foi dedicada a Lorenzo de Médici
II, alguém que Maquiavel acreditava ter as características básicas e que, por-
tanto, poderia se tornar o governante certo para promover a unificação italiana.
Contudo, dentre as características necessárias, uma faltava a Lorenzo de Médici
II – era a virtú (RIDOLFI, 2003). Dessa forma, essa característica foi uma das
mais debatidas pelo autor ao longo desse livro, como veremos adiante. A inten-
ção do autor era clara: educar o novo príncipe dentro do seu conceito de virtú.
Os Discoursi são considerados a principal obra de Maquiavel. Nessa obra, escrita
em um período de cinco anos, o autor tratou, de forma magistral, como se deve-
ria organizar uma república, suas instituições, seus cidadãos e, além disso, deixou
explícito o conflito de gerações que havia na Itália, mostrando sempre que, para os
novos ideais políticos prevalecerem, era necessário que as antigas instituições feu-
dais fossem suplantadas por esses. Nessa obra, Maquiavel celebrou a organização
institucional da república romana e a considerou um modelo perfeito de governo.
Estão entre as composições de Nicolau Maquiavel, além das obras já cita-
das que apresentam inestimável valor político, obras literárias que são Asno,
a Mandrágora e Belfagor. Maquiavel foi um dos poucos escritores que obtive-
ram êxito em mais de um gênero literário. Além disso, escreveu um manual de
ciência militar, intitulado A Arte da Guerra, o qual dedicou a Lorenzo Strozzi em
virtude de um benefício recebido. Nessa obra, Maquiavel mostrou, mais uma
vez, seu caráter historicizante com que buscou legitimar as ações por meio dos
escritos antigos e da longa experiência vivida por ele frente aos assuntos de cunho
diplomático (RIDOLFI, 2003).
nosso estudo no debate historiográfico. Embora muitos autores tenham sido pes-
quisados por nós, chegamos à conclusão de que, se fôssemos nos concentrar em
uma análise do pensamento de Maquiavel e, ainda por cima, discutir a historio-
grafia existente sobre o mesmo, este trabalho ficaria muito extenso e perderia a
objetividade necessária a um livro didático como este.
Portanto, o que buscamos mostrar a você é o momento delicado pelo qual
passava a Itália de Maquiavel e as soluções apontadas por ele para que um Estado
fosse capaz de emergir da desordem reinante naquele contexto – desafogando a
Itália politicamente e colocando-a novamente em posição de destaque conforme
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fora em tempos anteriores. Com essas informações, poderemos compreender
não apenas a Itália, mas todo o conflito de instituições e pensamentos que pre-
dominavam no ambiente europeu.
Maquiavel, como já deve ter ficado claro a você, foi um político que enxergou a rea-
lidade vivida por ele e seus contemporâneos de maneira bastante particular. Esse
autor foi a expressão política do período por ele vivido. É consenso geral, nas ciên-
cias humanas, que cada um escreve tendo como base seus valores. A essa altura, tal
concepção já deve estar bem clara. Em suma, cada um busca dar sentido ou respos-
tas às questões colocadas pelo seu tempo, pelo momento a que cada um pertence ou
pertenceu. Nicolau Maquiavel foi, assim, um escritor que viveu em um período de
transição entre os valores medievais e os valores modernos de governo e de sociedade.
gia empregada) tanto na Itália quanto em outros locais por ele estudados, em
linhas gerais, possuiu grandes semelhanças. Embora os resultados tenham sido
muito diferentes, o fato é: diferenças ou não, a formação dos Estados nacio-
nais ocorreu em toda a Europa, fosse ela Ocidental ou Oriental, o que tornou
a Itália e também a Alemanha exceções a essa regra. Isso deve ficar bem claro a
você! A Idade Moderna foi o momento da consolidação dos Estados Nacionais.
A transição entre esses dois períodos – Idade Média para a Idade Moderna
– foi, sem dúvida, um momento muito rico para análise da sociedade. A socie-
dade estamental, atributo da Alta Idade Média, já não era aceita no século XVI,
principalmente pelo desenvolvimento cada vez mais intenso das atividades
comerciais bem como pela nova classe em ascensão, a burguesia. Surgiu, assim,
um debate sobre os males causados pelas instituições feudais, sobre o perfil da
nova sociedade e das qualidades dos governantes que coordenavam a vida dos
homens que nela habitavam.
O pensamento de Maquiavel surgiu como um divisor de águas na história
do pensamento político, já que conseguiu expressar muito bem aquilo que era
um esboço das novas ideias e valores políticos que orientavam os homens na
sociedade moderna em construção. Este ponto da obra de Maquiavel deve sem-
pre ser destacado, reiterando sua importância como historiador.
Uma das características principais da sociedade moderna que se firmava
historicamente na Europa foi o Renascimento italiano, marcado pelo retorno
dos valores culturais da Antiguidade clássica. Maquiavel não poderia ter vivido
naquele contexto sem ter sido influenciado por essas transformações, fato esse
que vamos buscar mostrar ao longo desta unidade.
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maravilhoso espírito florentino, esse espírito ao mesmo tempo justo,
enamorado pelo belo, ávido de criar, transforma incessantemente o
estatuto político e social, incessantemente o descreve e o julga. Deste
modo, Florença tornou-se a pátria das doutrinas e das teorias políticas,
das experiências e das bruscas transformações, mas, ao mesmo tempo,
tornou-se com Veneza o berço da estatística e, antes de todos os estados
do mundo, o berço dos estudos históricos no sentido moderno da
expressão (BUCKHARDT, 1973, p. 65-66).
O sentido de modernidade
frisado por Buckhardt (1973)
relaciona-se com a partici-
pação popular nos assuntos
políticos. Quando ele des-
taca que, em Florença, o povo
inteiro se preocupava com
assuntos que em outros luga-
res eram de exclusividade de
uma família apenas, está se
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Gostaria que você observasse com bastante atenção tal afirmação. Maquiavel uti-
lizou-se da experiência dos grandes homens do passado, como o próprio sempre
fez questão de destacar, para criticar a atitude dos governantes do seu tempo e, na
maioria das vezes, indicar-lhes o caminho mais adequado para atingir determinado
objetivo. Mas o próprio autor tinha a consciência de que observar essas experi-
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ências não era uma prática comum e nem uma virtude da maioria dos homens.
Para Maquiavel, isso se deu
pelo fato de os poderosos
valorizarem muito mais as
honrarias e adulações do que
os conselhos. Mas os pró-
prios conselhos podem ser
um perigo, já que a maioria
deles é feita por pessoas que
se aproximam do governante
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em busca de privilégios, dei-
xando a franqueza necessária
para esse tipo de assunto em Gênova, assim como Veneza e Florença, também foi um dos centros
irradiadores da cultura Renascentista.
segundo plano.
Já no início dos Discoursi, Maquiavel deixou claro que seu “interesse” era
mostrar uma leitura dos fatos dos grandes homens, principalmente dos antigos,
para deixá-los como exemplo para os que lessem seu texto:
Querendo, pois, tirar os homens desse erro, julguei necessário escrever
sobre todos aqueles livros de Tito Lívio, que não foram roubados pela
malignidade dos tempos, e falar sobre tudo aquilo que eu, segundo as
coisas antigas e modernas, julgar necessário para maior inteligência
delas, a fim de que aqueles que lerem estes meus discursos possam
deles extrair aquela utilidade pela qual se deve buscar o conhecimento
da História (MAQUIAVEL, 1970, p. 97).
Mais uma vez, ele mostra sua preocupação com a História. Uma das grandes
contribuições desse autor para nossa profissão foi a de valorizá-la como instru-
mento de poder. Quem sabe mais, corre o risco de errar menos. Para Maquiavel,
aprender com os erros dos outros era uma grande virtude. Ao longo de sua vida,
fez importantes observações e buscou registrá-las, a fim de que viessem a servir
a esses grandes homens destacados nas citações anteriores. Tomemos o exem-
plo da França. No que diz respeito à natureza dos franceses, o autor faz alguns
apontamentos sobre a forma como eles interagem nos negócios e no respeito
uns com os outros. Um destaque que nos chama atenção é com relação à ques-
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O que podemos afirmar com essas simples anotações de Maquiavel? Pelo menos
no que tange aos negócios, o egoísmo dos franceses é algo que fica explícito.
Ter apenas o lucro em mente, não objetivando a qualidade dos serviços presta-
dos, era algo nocivo ao desenvolvimento dos empreendimentos econômicos, o
que poderia levar à desestruturação de um sistema financeiro em longo prazo.
Nas entrelinhas, podemos perceber que os franceses, ao necessitarem de muito
dinheiro para abrir um negócio, o necessitavam pela forte dependência que
tinham com relação às ações do Estado.
A França foi um dos primeiros países a se unificar e a estabelecer um
governo centralizado, por volta do século XIV. Essa dependência fica clara na
seguinte citação:
“aquele que vence está, por isso mesmo e quase sempre, com o rei; o
que perde, raríssimas vezes; por esse motivo, quem precisa realizar um
empreendimento deve considerar rapidamente se tal lhe sairá bem ou
não” (MAQUIAVEL, 2000b, p. 212).
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na sociedade. Além disso, quando um súdito se beneficiava pelo simples fato de
ele estar ao lado do rei, isso impedia que outros súditos mais empreendedores
pudessem contribuir para o bem comum, gerando mais riquezas e outros bene-
fícios para a sociedade.
Ainda com relação à França, Maquiavel (2000c) assinalou que ela era a
coroa mais rica e poderosa na época. Maquiavel apontou os motivos do desta-
que financeiro da coroa francesa. Para ele, esse fato basicamente se resumia na
existência de um Estado forte e centralizado. Um Estado que estivesse acima de
todos os cidadãos. Assim, o interesse maior de Maquiavel (2000c) em descrevê-
-lo era mostrar os meios que fizeram a França se tornar tão forte e próspera e,
ao mesmo tempo, instruir o governo de Florença acerca dos pontos fortes dos
franceses para que assim pudessem se relacionar de modo mais seguro. Além
disso, o autor tinha o interesse de interpretar as características do Estado francês
que poderiam ser utilizadas pelo governo florentino para que a mesma prospe-
ridade francesa pudesse ser atingida também por Florença.
Vejamos o que Maquiavel (2000c, p. 215) enfatiza com relação à força insti-
tucional da monarquia francesa:
A coroa, transmitida por sucessão de sangue, veio a se tornar rica; isso
porque às vezes, não tendo filhos os reis, nem sucessores na própria he-
rança, foram para a coroa suas posses e seus Estados. E, como tal suce-
deu a muitos monarcas, a coroa acabou sendo muito enriquecida pelos
numerosos Estados que lhe couberam; como ocorreu com o ducado
de Anjou, e no presente, como sucederá ao rei atual, o qual, não tendo
filhos varões, deixará para a coroa o ducado de Orleans e o Estado de
Milão; de sorte que, atualmente, todas as boas terras de França são da
coroa, não dos seus barões, em particular.
A citação de Maquiavel (2000c) nos chama atenção principalmente pela parte final
destacada por ele, em que afirmou que as boas terras eram todas posses da Coroa
e não dos barões. Certamente que se as boas terras pertencessem aos campone-
ses, talvez isso não despertasse tanto a atenção de Maquiavel, justamente pelo fato
de que estes não eram concorrentes ao poder dentro do Estado francês. Quanto
mais terras produtivas nas mãos dos barões, maior o poder destes e isso poderia
fazer com que o Estado, representado pelo rei, viesse a se tornar um instrumento
de manipulação por parte desses poderosos. Essa era a característica principal da
sociedade que estava desaparecendo, a feudal, e que Maquiavel tanto repudiava
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
O fato acima mostra que, na pior das hipóteses, mesmo aqueles nobres inimigos
do rei tinham medo de perder o direito à potencial sucessão do trono. Mais uma
amostra clara da importância desse Estado unificado que Maquiavel tanto fez ques-
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tão de demonstrar direta ou indiretamente. É que, nessa situação, eliminava-se
a possibilidade de um nobre tentar se unir a algum estrangeiro e, consequente-
mente, colocar a perder a possibilidade de um dia vir a assumir o trono ou um
cargo de maior importância. Não estaria Maquiavel (2000c) mandando um recado
indireto àqueles que, cegos pela ganância do poder político, estariam colocando
barreiras às suas próprias possibilidades de ascensão ao poder? Florença se encon-
trava tomada pela desordem por causa dos acordos políticos feitos por aqueles
que colocavam os interesses pessoais acima dos interesses do Estado.
Apesar de mencio-
narmos constantemente o
período em que se dá nossa
discussão, não podemos
deixar de destacar que esse
contexto é denominado por
Renascimento e de apontar
uma das principais carac-
terísticas dessa etapa da
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
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para elaborar suas obras. Observe com muita atenção, pois, como aluno(a) do
curso de História, precisa estar bastante ligado(a) a isso. O autor, com esse olhar
atento aos fatos acontecidos, inaugurou o realismo na política, distanciando-se
de vez do paradigma religioso. Para ele, era claro que a maioria das pessoas, ao
discorrerem sobre política, se perdia em afirmações infundadas, em idealizações
de governos e governantes que não se aplicavam na prática. Como o próprio
Maquiavel (2000a) afirmou, a verdade foi procurada pelo resultado das coisas e
não a partir do que foi imaginado.
Maquiavel (2000a) deixou claro que havia uma distância enorme entre o
que era e o que deveria ser quando o assunto era política. Para ele, quando havia
uma preocupação apenas com aquilo que se pudesse imaginar e não com a rea-
lidade demonstrada pelos fatos, o governante seria derrotado bem antes do que
pudesse imaginar. Em suma, seu reino seria levado à ruína.
Outro fato importante na citação é com relação ao perfil do governante
analisado por Maquiavel (2000a). Para o autor, a atitude do príncipe se
resumiria em saber fazer o bem, saber ser bom, conforme necessário, mas
também saber empregar a maldade na justa medida de suas necessidades.
Para se conservar um principado, o emprego da força e da maldade se tor-
nava indispensável. Em suma, um bom príncipe era aquele que não fazia
profissão de bondade.
Tanto nos Discoursi quanto em O Príncipe, esse objetivo de analisar os fei-
tos reais estava bem claro. Dessa forma, vejamos uma passagem dos Discoursi:
Por isso, eu, para não incorrer nesse erro, escolhi não aqueles que são
príncipes, mas aqueles que mereceriam sê-lo, pelas suas infinitas e
boas qualidades; não os que me podem cumular de títulos, honrarias
e riquezas, mas sim aqueles que, embora não o possam, desejariam fa-
zê-lo. Os homens, quando querem julgar acertadamente, devem esti-
mar aqueles que são e não aqueles que podem ser liberais, assim como
aqueles que sabem e não aqueles que, sem saber, podem governar um
reino (MAQUIAVEL, 1970, p. 94).
adequada para assumir tal compromisso. Não deveria, portanto, ser conven-
cido por aqueles que só faziam tais elogios em busca de vantagens pessoais.
Esse é um fator importante em suas obras. Para Maquiavel (2000a), os cidadãos
precisavam apoiar aqueles que possuíssem um perfil político que estivesse com-
provadamente vinculado às necessidades principais para o bom andamento das
Instituições. Como ele mesmo destacou acima, “precisamos optar por aque-
les que são e não por aqueles que pretendem ser” (MAQUIAVEL, 1970, p. 94).
Essa certeza só é possível ter ao observarmos o histórico político de cada um.
Além disso, podermos fazer um paralelo entre as ações políticas e as virtudes de
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um indivíduo como cidadão.
Entretanto, a grande insatisfação de Nicolau Maquiavel era com essa socie-
dade que se baseava nas adulações e na ambição do poder pelo poder, não com
um fim que pudesse beneficiar a grande maioria dos cidadãos. Por isso, ele se
colocou como um dos principais críticos dessa forma de organização que pre-
dominou durante praticamente toda a Idade Média europeia. Embora a região
em destaque não tenha registrado o desenvolvimento de um feudalismo clássico,
conforme o visto na França, Alemanha, dentre outros, em termos de costumes
e das relações de poder, não há motivos para não levarmos em conta tais fatos.
É muito importante que fique claro que Maquiavel não foi o paladino da
igualdade social e econômica. Ao criticar os aduladores, ele o fez na intenção de
mostrar que esses em nada contribuíam para o bom funcionamento do Estado.
Ao não ajudarem o príncipe a enxergar as coisas como elas realmente eram, esses
aduladores poderiam levar o Estado à ruína.
Outra característica da sociedade a que Maquiavel se contrapôs, em linhas
gerais, é composta pelo que ele definiu de gentil-homem. Em resumo, esse sujeito
era aquele que vivia do esforço alheio. O autor, assim, o descreveu:
Para esclarecer o que entendo por gentil-homem, direi que se chamam
assim os que vivem na ociosidade, do produto de seus bens, que fruem
os dias na abundância, sem nenhuma preocupação a tratar, para viver,
nem de agricultura, ou de qualquer comércio. Esses homens são peri-
gosos em todas as repúblicas e em todos os Estados: deve-se, porém,
temer, acima de tudo, todos aqueles que, além das vantagens que aca-
bo de mencionar, comandam castelos e têm vassalos que lhes prestam
obediência (MAQUIAVEL, 1970, p. 244).
odo não foram uniformes, ou seja, não ocorreram ao mesmo tempo em todas
as regiões. A prova disso são os exemplos que o escritor renascentista cita
como contraponto à sua exposição. Ora ele destaca que determinada região
é avançada com relação a isso, ora ele menciona o atraso de uma região com
relação àquilo.
Todo esse conjunto de transformações acentuou a instabilidade polí-
tica. As intensas disputas entre os representantes das famílias nobres fizeram
com que inúmeros conflitos fossem gerados, arruinando a economia de
determinadas regiões. Nesse sentido, isso era extremamente nocivo ao desen-
volvimento. Essa instabilidade política e a ausência de um corpo unificado
que pudesse prover maior segurança aos moradores de determinada loca-
lidade seriam as grandes responsáveis pelo relativo atraso econômico por
que a região atravessava.
A Itália foi um dos países que mais demorou em conseguir sua unifica-
ção política e territorial. Enquanto Portugal, França, Inglaterra e Espanha
já eram monarquias praticamente consolidadas ao final de Idade Média, a
Itália, assim como a Alemanha, só conseguiu sua unidade territorial e polí-
tica no século XIX. Apesar de ser uma região próspera, muito superior a
outras da Europa, a região da península estava extremamente dividida em
facções políticas. Umas em posse da Igreja, outras nas mãos de aristocratas,
o que tornou essa disputa pelo poder um dos principais motivos que impe-
diam essa unificação. Sobre esse fato, Buckhardt (1973, p. 56) fez o seguinte
apontamento:
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
dava e em que os partidos no poder tinham há muito tempo declarado
impraticável o armamento de todos os cidadãos. A tirania devorou a
liberdade na maior parte das cidades. De tempos a tempos os tiranos
eram derrubados, mas levantaram-se sempre e a tirania reaparecia
mais vivaz do que nunca, porque a situação interna a favorecia e já não
existiam forças vivas capazes de combatê-la [sic].
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
tem tantas causas de corrupção, a lei lhes opõe um dique demasiado
frágil: é indispensável uma força mais irresistível, que reside somente
na mão de um rei; é seu poder absoluto e ilimitado que pode por um
freio à ambição excessiva e à corrupção dos homens poderosos (MA-
QUIAVEL, 1970, p. 244).
O que percebemos é que Maquiavel conhecia muito bem aqueles que eram
inimigos das instituições civis e que essas eram indispensáveis para o estabele-
cimento da ordem, da paz, da liberdade bem como para proporcionar segurança
e prosperidade a seus cidadãos. Siena, Luca e Florença eram as cidades que se
encaixavam nesse contexto de devastação política provocada por esses gentis-
-homens. A Florença de Maquiavel parecia estar tomada pela falta de liberdade e
de instituições políticas que garantissem sua segurança, sua liberdade e sua pros-
peridade, ao contrário de outras cidades da região que conseguiram manter tais
instituições. Qual seria, então, a principal diferença entre essas três repúblicas
citadas anteriormente e as demais tratadas por Maquiavel? Na visão do autor,
Isso provém de que nesse país não existe nenhum proprietário de cas-
telo, nenhum gentil-homem, ou, pelo menos, muito poucos, e que aí
reina uma tal igualdade, que um homem sábio, e instruído quanto à
constituição das antigas repúblicas, nele introduziria facilmente uma
existência legal (MAQUIAVEL, 1970, p. 245).
Pelo que podemos perceber nessas palavras, era o temor o que esses gentis-ho-
mens despertavam em Maquiavel (1970), ou seja, os senhores feudais, que foram
personagens tão importantes da política feudal, eram para ele uma barreira que
deveria ser transposta. Igualmente, havia a necessidade do surgimento de um
homem que possuísse vigor para que colocasse fim aos desmandos dessa classe.
O RENASCIMENTO CULTURAL
Pois bem, até agora, neste livro, tratamos de mostrar a você um pouco do pen-
samento político que envolve o surgimento da modernidade e destacar como
ele influenciou a nova visão de mundo que fora sendo criada, deixando cada vez
mais para trás aquela forma de pensar típica da Idade Média. Entretanto, nosso
trabalho não seria completo se não mostrássemos, ao(à) aluno(a), o fator cru-
cial de transformação na forma de conceber o mundo deste período, que foi o
Renascimento. Sendo assim, conheceremos, agora, o que foi este período bem
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Sendo assim, prezado(a) aluno(a), pelo que fora destacado acima, o Renascimento
foi uma mudança estética no que diz respeito às artes? De certa forma sim, mas
essa mudança, primeiramente, foi entendida como uma nova forma de conce-
ber o homem e, consequentemente, o mundo.
A forma de conceber o mundo do homem medieval era enraizada no teocen-
trismo. Esta expressão significa que era Deus o centro do universo (teo = Deus).
Entretanto o homem renascentista, movido por um novo ideal, começou a modi-
ficar sua forma de interpretar as coisas, se colocando como centro do universo, o
que ficou conhecido como antropocentrismo. Mas, então, o homem teria deixado
Deus de lado? Não, o que mudou foi a forma de conceber o mundo. A religião
influenciou diretamente, todavia, não ficou em segundo plano.
O Renascimento Cultural
II
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
que fez toda a diferença nesse contexto. Segundo Manoel (2011, p. 79):
O Humanismo foi uma violenta reação ao modo de pensar, de educar,
de se exprimir, e, podemos mesmo afirmar, foi uma reação à maneira
de viver da Idade Média. As novas ideias renascentistas não se limita-
ram a recuperar os pensadores da Antiguidade, mas chegaram a esta-
belecer uma espécie de tribunal epistemológico. Se, antes, o que valia
era o saber referente a Deus e à salvação da alma, as novas realidades
concretas e intelectuais do Renascimento, e da Era Moderna em geral,
estabeleceram que o homem era o centro de preocupações do próprio
homem. Abriram, assim, espaço para pesquisas e especulações livres
do controle do tribunal católico. Abandonando as disputas retóricas
sobre gramática e lógica, dever-se-ia enveredar pelos caminhos da mo-
derna ciência. Ocorreu, portanto, uma ruptura com a epistemologia
medieval de bases profundamente teológicas, na qual as ciências físicas
e biológicas, como as denominamos atualmente, tinham pouco, ou ne-
nhum, espaço.
mentalidade. Mas dos séculos XIV a XVI, essa mentalidade renascentista se espa-
lhou por todo o Continente.
A Renascença espalhou-se lentamente pela Europa, deslocando-se de
sua base original italiana para a França, Inglaterra, Espanha e Alema-
nha. Por volta de 1600, a primeira onda deu origem ao florescimen-
to da poesia e da prosa em vernáculo. Os herois da primeira onda
foram escritores como Clement Marot (1496?-1544) e Fraçois Rabelais
(1483?-1533), em francês, e Geoffrey Chaucer (1342/3-1400) em inglês.
Esta primeira onda foi seguida, tal como acontecera na Itália, por uma
profusão de obras em latim clássico (DOREN, 2012, p. 171).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
O Renascimento Cultural
II
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
1543). Nesta teoria, Copérnico ousou discordar do geocentrismo de Ptolomeu,
em que, para ele, a Terra era o centro do Universo, para afirmar que era a Terra
que girava em torno do Sol.
Para a divulgação destas novas ideias, outra invenção foi de suma importân-
cia, que foi a Prensa de Gutenberg. A criação dos tipos móveis permitiu que os
livros pudessem ser impressos com maior facilidade. Antes, os livros eram pro-
dutos caríssimos, pois dependiam da ação dos monges copistas para que fossem
reproduzidos. Com a invenção de Gutenberg, diversas cópias poderiam ser fei-
tas, o que facilitou a sua popularização.
Além desses dois personagens, também temos Leonardo da Vinci, Miguelângelo,
Rafael Sânzio, Giotto, Petrarca, dentre outros importantes nomes que contribuí-
ram para imortalizar este capítulo da história Ocidental.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
mito da realidade. Como ele bem destacou, ele fez uma análise real, não fictícia.
Escreveu com o intuito de ser verdadeiro e não adulador.
É importante que o aluno de História tenha clareza dos temas abordados
por Maquiavel, principalmente neste choque de gerações que ele menciona,
pois, ao longo da Idade Moderna, perceberemos que, conflitos desta natureza,
serão bastante comuns. Assistiremos isso primeiramente na Inglaterra, França
e na América, que serão o prenúncio de uma nova era em termos institucionais.
Além disso, precisamos ter em mente que Nicolau Maquiavel foi fruto de
todas as transformações ocorridas no contexto do Renascimento. Entendê-lo
tendo por base esta perspectiva, nos permite compreender ainda mais o perí-
odo em questão.
Considerações Finais
O HUMANISMO E A LINGUAGEM POLÍTICA DO RENASCIMENTO: O USO
DAS PRATICHE COMO FONTE PARA O ESTUDO DA FORMAÇÃO DO
PENSAMENTO POLÍTICO MODERNO
Newton Bignotto
concernentes à própria sobrevivência da a ser falada não apenas pelos que se inte-
cidade. Essas fontes são fundamentais para ressavam pelos studiahumanitatis, mas
a compreensão do funcionamento das ins- também pelos participantes mais ativos
tituições florentinas no final do século XV, da cena pública, em particular no período
mas elas contêm mais do que um reper- entre 1494 e 1512. Nesse período, a parti-
tório de falas que precediam a tomada de cipação nos negócios públicos aumentou
decisões. Nelas se refletia um século de cul- de forma expressiva, como resultado da
tura humanista e se forjava a nova reflexão introdução de novas instituições sob a
política. Para formular, no entanto, correta- instigação de Savonarola. Num terceiro
mente uma hipótese de trabalho, é preciso momento, vamos nos perguntar pelo
clarear alguns pontos. uso filosófico que pode ser dado aos tex-
tos conservados nos arquivos florentinos,
Nossa investigação parte da ideia de que tendo claro que nosso objeto de fundo é
o desenvolvimento do humanismo criou o aparecimento de uma reflexão política
uma linguagem capaz de influenciar não inovadora durante o Renascimento, e não
apenas os estudiosos da política, mas a pró- a história italiana em sua generalidade. De
pria vida política. Num primeiro momento, forma mais precisa, interessa-nos estudar
vamos tomar essa afirmação como plausí- a relação entre linguagem política e filo-
vel e tentar, de forma sumária, identificar sofia no contexto aludido. Ao fim desse
alguns elementos dessa linguagem, lem- percurso, acreditamos que teremos cha-
brando alguns tempos fortes da reflexão mado a atenção para alguns temas que
de humanistas como Leonardo Bruni. Nossa podem contribuir para uma melhor com-
segunda tarefa consiste em mostrar que, preensão da questão mais ampla da relação
de fato, a língua dos humanistas passou entre filosofia política e história.
Fonte: BIGNOTTO, Newton. O humanismo e a linguagem política do renascimento: o uso das Pra-
tiche como fonte para o estudo da formação do pensamento político moderno. Cad. CRH [online].
2012, vol.25, n.spe2, p. 119-131. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_art-
text&pid=S0103-49792012000500009&lang=pt>. Acesso em: 16 mar. 2015.
1. Maquiavel foi um autor renascentista. Com base no que fora estudado sobre
ele, destaque em quais pontos podemos observar essa influência no autor.
2. Faça uma breve pesquisa pela internet pelos seguintes termos: “maquiavélico”
e “os fins justificam os meios”. Feito isso, descreva em linhas gerais como tais
termos estão atrelados à obra de Maquiavel.
Os Bórgias
Gênero: Seriado/Drama
Criador: Neil Jordan
Elenco: Jeremy Irons, François Arnaud, Holliday Grainger,
Joanne Whalley e David Oakes.
Ano da primeira temporada: 2011
Sinopse: Esse seriado conta a história de ascensão da família Bórgia ao
poder na Itália, por meio da eleição do patriarca, Rodrigo Bórgia, que
foi eleito papa pelo conclave de 1492, assumindo seu pontificado com
o nome de Alexandre VI. Esta família é conhecida por ter agido sem
qualquer tipo de escrúpulos para se manter no poder. César Bórgia,
inclusive, foi uma das inspirações de Maquiavel em muito de seus escritos.
O seriado é ambientalizado na Itália Renascentista.
História Moderna
Paulo Miceli
Editora: Contexto
Sinopse: O livro faz uma abordagem bastante diversificada sobre a
Idade Moderna. Ele traz temas como o Renascimento, a emergência
das monarquias, o humanismo, a cultura, o desenvolvimento do
comércio, enfim, tudo que o leitor precisa saber para compreender
de forma mais ampla as principais transformações ocorridas neste
período histórico. Este livro encontra-se disponível em nossa biblioteca virtual.
Material Complementar
Professor Me. Kleber Eduardo Men
III
A REFORMA PROTESTANTE
E SUA INFLUÊNCIA SOBRE
UNIDADE
A POLÍTICA, SOCIEDADE
E ECONOMIA
Objetivos de Aprendizagem
■■ Apresentar o contexto histórico que possibilitou o surgimento de
uma reforma religiosa envolvendo a Igreja Cristã.
■■ Destacar a importância de Martinho Lutero bem como seus ideais na
formulação de uma nova doutrina religiosa.
■■ Refletir sobre os fatores políticos e econômicos que envolveram a
Reforma Protestante.
■■ Estudar a importância da doutrina calvinista para a formação da
mentalidade burguesa.
■■ Debater acerca da importância da ética protestante para a
consolidação do capitalismo moderno.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ O contexto histórico da Reforma religiosa
■■ Martinho Lutero e a reforma na Alemanha
■■ A Reforma de João Calvino
■■ Da contribuição do protestantismo ao desenvolvimento do
capitalismo
81
INTRODUÇÃO
Prezado(a) aluno(a), a história, como você já pôde ter percebido em outras lei-
turas, é um emaranhado de rupturas e continuidades. Dificilmente se vê algo
iniciado do zero. Toda etapa histórica é isso, pois percebemos que muitas insti-
tuições são substituídas por outras que melhor atendem aos anseios da sociedade
naquele contexto. Na Idade Moderna, isso não foi diferente.
Um dos grandes eventos que podemos destacar como balizador do perí-
odo em questão foi a Reforma Protestante, iniciada por Martinho Lutero e
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
que, ao longo do século XVI, assistiu a sua propagação por toda Europa. O
rompimento de Lutero com a Igreja Romana foi mais do que uma disputa por
questões teológicas, uma vez que ele teve como apoiadores setores da nobreza
e da burguesia mercantil, que ganhava cada vez mais força. Assim também se
deu com João Calvino.
O ambiente religioso da Idade Média europeia é marcado pelo pleno domí-
nio da Igreja Católica Apostólica Romana. Qualquer desafio aos dogmas dessa
instituição poderia ser condenado à morte, por meio do seu principal instru-
mento de coação, o Tribunal do Santo Ofício, criado justamente com o intuito
de punir aqueles que discordavam dos mandamentos da Santa Sé. Entretanto,
esses doutrinadores não se intimidaram diante de tanta opressão e desafiaram o
clero, propondo uma nova forma de pensar o cristianismo, quebrando de uma
vez o monopólio da Igreja Romana.
Assim, nosso objetivo nesta unidade será o de apresentar, ao(à) estimado(a)
aluno(a), as principais transformações provocadas por essa reforma. Procuraremos
mostrar o que estava por trás desses interesses, o contexto no qual essas refor-
mas ocorreram e, por último, destacar a contribuição essencial que essa nova
mentalidade religiosa, oriunda dessas transformações, possibilitou ao desen-
volvimento do capitalismo, proporcionando o fortalecimento e a consolidação
definitiva desse sistema econômico.
Introdução
III
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
O renascimento fez debutar uma nova concepção de homem. Mais ale-
gre, mais feliz; esse homem se colocava como sendo a mais perfeita criatura
de Deus, conforme se observava nas Sagradas Escrituras. Dessa forma, a vida
deixava de ser contemplativa e se tornava mais ativa. Deus não deixou de ser
importante, mas, no que diz respeito à vida terrena, o livre arbítrio passou a
ser entendido de forma mais ampla, dando maior liberdade às atitudes dos
homens.
Para termos uma visão mais ampla dessas transformações, torna-se pru-
dente destacar o que leciona Manoel (2011, p. 36):
O mundo moderno, conforme o entendimento de muitos historiado-
res, começou a se estruturar nos séculos XV e XVI. Seus fundamentos
são três: primeiro, a definição da propriedade individual da terra e a
eliminação da propriedade comunal, onde houvesse; segundo, a urba-
nização relacionada inicialmente ao mercado e, futuramente, também
à industrialização; terceiro, a formação dos Estados Nacionais, com a
centralização do poder na Coroa e com a eliminação do poder local da
nobreza.
Os pontos destacados acima pelo autor são imprescindíveis para que pos-
samos visualizar o tamanho que essas transformações representaram no
contexto em que ocorreram. Alterar a relação de propriedade, tornando-a
individual, mudaria uma estrutura praticamente milenar. Consoante a isso,
a servidão deixou de ser a principal forma de trabalho e fora substituída pelo
trabalho assalariado. Só isso já nos fornece uma boa noção de como as coi-
sas andavam por lá!
Diante disso, havia uma instituição que sofreu muito com essas transforma-
ções: a Igreja Cristã, com sede em Roma e liderada pelo Papa. Sua intransigência,
bem como sua negativa em ceder em alguns pontos importantes, fez com que
algumas de suas próprias lideranças se irrompessem contra ela, causando pro-
fundas mudanças.
O aluno precisa ter em ©shutterstock
No que diz respeito à religião, essa instituição implantou uma forma de pen-
sar o cristianismo que não permitia que nada fosse concebido sem o endosso
dela. Criou-se, na Europa, durante a Idade Média, uma “civilização católica” e
que, segundo Manoel (2011, p. 37), alicerçava-se nos seguintes princípios:
1. O poder religioso, isto é, o poder católico romano, materializado no
Papa e na Cúria Romana, é, e sempre será, superior ao poder civil dos
governos dos Estados.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
samento.
Gostaria que você prestasse muita atenção nos pontos destacados acima. Somente,
por si só, já seriam suficientes para compreender a incompatibilidade dos valo-
res defendidos pela Igreja Católica com os novos valores que emergiam naquele
contexto. Dessa forma, vou comentar de forma breve cada um dos pontos apre-
sentados pelo autor supracitado.
Com relação à superioridade do poder do Papa sobre os demais, já discuti-
mos, suficientemente, na primeira unidade deste livro. Sendo assim, prolongá-la
seria desnecessário. Já com relação ao segundo ponto, ficou explícito que a
Igreja Católica era contrária à liberdade de pensamento. Qualquer forma de
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Fonte: O autor.
dado um filho homem, para que pudesse ser herdeiro do trono. De fato, preza-
do(a) aluno(a), naquela época, não se tinha o conhecimento biológico de que
o responsável pelo sexo do bebê era o homem e não a mulher. Dessa forma, o
rei inglês acreditava que o simples fato de trocar de esposa resolveria aquilo que
hoje sabemos ser problema seu.
Além disso, o rei possuía uma amante, Ana Bolena, e a anulação do seu casa-
mento abriria a possibilidade de que ele viesse a casar com ela. O papa na época
era Clemente VII e, tendo se recusado a anular esse matrimônio, viu surgir diante
de seus olhos mais uma religião, a anglicana. Entretanto, por trás desse fato fami-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
liar, há outros pontos que devemos levar em conta, já que a Igreja Católica, além
do poder religioso, possuía dentro do território inglês muitas propriedades.
Em 1531, ano em que Henrique VIII oficialmente rompeu com a Igreja
romana, este se autoproclamou chefe da Igreja Anglicana. No bojo desse aconte-
cimento, Henrique VIII pôde colocar em prática seu plano de expropriar a Igreja
de suas propriedades em território inglês. Dessa forma, ele fez pressão para que
o Parlamento inglês abolisse as taxas pagas
pelo Clero e que desvinculasse a Inglaterra
da autoridade romana. Além disso, confis-
cou boa parte das terras e propriedades da
Igreja Católica Romana.
A Reforma foi consolidada com a for-
malização do Ato de Supremacia, assinado
pelo Rei em 1534. Esse ato teve como princi-
pal consequência a transformação do rei na
autoridade máxima da religião na Inglaterra,
que contou com o apoio de diversos setores
da sociedade, já que a Igreja Católica repre-
sentava uma barreira para o desenvolvimento
dos negócios mercantis.
Prezado(a) aluno(a), é importante
ressaltar que o rei inglês, Henrique VIII, fun-
dador do anglicanismo, não foi nenhum
Rei Henrique VIII (1491-1547), reformista inglês que
teólogo que desenvolveu uma nova forma fundou a Igreja Anglicana.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
MARTINHO LUTERO E A REFORMA NA ALEMANHA
Como promessa à Santa Ana – em razão de ter saído ileso de uma grave
possibilidade de morte – Lutero decide se tornar monge, sendo ordenado pela
Cristo, como uma noiva com seu noivo. Desse casamento resulta, como
diz São Paulo, que Cristo e a alma formem um só corpo tornando bens
comuns a ambos a felicidade e o infortúnio e tudo o mais; que o Cristo
tem, pertence à alma crente, e o que a alma possui todos os bens e toda
a bem-aventurança que pertencerão à alma.
Segundo Manoel (2011), a tese de que a fé era a única responsável por salvar o
homem foi a grande bandeira de Lutero. Essa foi a sua principal tese. Lutero também
obteve o título de Bacharel Bíblico, em 1509, e o de Doutor em Teologia, em 1512.
As opiniões de Martinho Lutero não passavam despercebidas pelos fiéis.
Imagine, prezado(a) aluno(a), que, se fosse nos dias atuais, Lutero seria um daque-
les sacerdotes celebridades e que seus cultos e celebrações arrastariam milhares
de pessoas, gravaria vídeos com suas pregações e venderia livros aos montes.
Segundo Manoel (2011), pessoas de outros países iam ver as missas celebradas
por Lutero, tamanha era sua popularidade.
A mudança de posicionamento com relação à Igreja começou em uma de
suas viagens até a sede do
papado, em Roma. Segundo
Manoel (2011), Lutero viu de
perto o esplendor da Santa Sé
e a busca indiscriminada de
recursos pelos membros do
clero. A venda de cargos ecle-
siásticos, a corrupção moral,
além do despreparo da maio-
ria dos clérigos fizeram com Estátua de Martinho Lutero, em Wittenberg, Alemanha.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
indulgências era uma farsa para ludibriar o povo e conseguir recursos
para custear os gastos desenfreados de Roma. A terceira, uma questão
social: por meio da venda das indulgências, a Igreja Católica Romana
empobrecia ainda mais o povo, em particular os já despossuídos cam-
poneses e artesãos.
95 teses de Lutero, para que o(a) aluno(a) veja quais eram as principais inquie-
tações desse teólogo:
1. Dizendo nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo: Arrependei-vos... etc.,
certamente quer que toda a vida dos seus crentes na terra seja contínuo
e ininterrupto arrependimento.
5. O papa não quer e não pode dispensar de outras penas além das que
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impôs ao seu alvitre ou nem acordo com os cânones, que são estatutos
papais.
28. Certo é que, no momento em que a moeda soa na caixa, vem lucro,
e o amor ao dinheiro cresce e aumenta; a ajuda, porém, ou a intercessão
da igreja tão só correspondem à vontade e ao agrado de Deus.
32. Irão para o diabo, juntamente com os seus mestres, aqueles que
julgam obter certeza de sua salvação mediante breves de indulgên-
cia.
E qual o resultado de toda essa discussão provocada por Lutero? Sem dúvida,
a Igreja não poderia simplesmente ignorá-lo. Inclusive, as suas teses ultrapassa-
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ram o âmbito acadêmico, foram traduzidas para o alemão e se tornaram públicas,
chegando mesmo a servir de fomento às Guerras Camponesas (MANOEL, 2011).
Sendo assim, o resultado não poderia ser outro senão o de ser obrigado a se retra-
tar, conforme destacou Manoel (2011, p. 41):
Leão X (Papa) condenou 41 das 95 Teses de Lutero e exigiu que ele se
retratasse e declarasse submissão à autoridade do papa e à teologia ro-
mana. Como se recusasse, em 21 de janeira de 1521, foi excomungado,
isto é, expulso do convívio católico e, conforme reza a doutrina católica
romana, condenado às penas infernais.
Ser excomungado, atualmente, pode não significar muita coisa para muitos,
entretanto, receber tal punição naquela época seria a mesma coisa que ser conde-
nado à morte, haja vista que o seu contato com os católicos deveria ser cortado.
Qualquer pessoa que tentasse contra a vida de um excomungado, seria visto como
uma espécie de herói. Lutero somente conseguiu sair vivo de toda essa confu-
são em razão de haver sido protegido por príncipes alemães que viam nele uma
possibilidade de organizar uma Igreja local que fosse desvinculada da autori-
dade romana, o que fortaleceria ainda mais a consolidação da Alemanha como
um Estado centralizado.
Vivendo praticamente como um exilado, continuou lecionando sob a pro-
teção dos príncipes, traduziu a Bíblia para o Alemão e tratou de organizar a sua
própria Igreja, juntamente com sua própria doutrina cristã. Se acaso o aluno não
é luterano e/ou nunca foi visitar uma Igreja dessa confissão, não se espante, pois
a semelhança com a Igreja Católica Romana é muito grande.
©shutterstock
O Livro dos Salmos (2002, p. 216), deixa-
-nos uma passagem bastante clara sobre João Calvino, fundador da doutrina conhecida por
essa conversão: Calvinismo.
Como pode ser visto, Calvino era muito mais radical em comparação ao lute-
ranismo. Ele organizou uma religião em que a intolerância com aquele que
discordasse era a tônica. Isso não era uma característica apenas do calvinismo,
mas também de outras religiões. Manoel (2011, p. 44) dá mais destaques sobre
essa característica:
Esse dado histórico é extremamente importante porque revela duas
coisas. Primeiro, o extremo grau de violência e intolerância existentes
na Europa, situação em que a diversidade não era aceita e a solução
sempre posta em prática não era o diálogo, o debate das ideias, mas a
eliminação física do oponente, em rituais sangrentos, quase macabros.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Segundo, que também o calvinismo na Suíça, e nos EUA, posterior-
mente, instituiu sua inquisição com as mesmas características e violên-
cia da inquisição católica romana.
Observe a citação acima, prezado(a) aluno(a), veja o que o autor destacou. Isso
foi o divisor entre as doutrinas luterana e calvinista. Se, para Lutero, a fé seria
a grande responsável por salvar o sujeito, para Calvino, a salvação, embora já
tivesse sido determinada, poderia ser reconhecida por meio de sua atuação na
comunidade: na forma de trabalhar, de agir, ou seja, mais do que uma doutrina
religiosa, o calvinismo pregou uma ética social. Segundo Manoel (2011), a grande
diferença entre essas duas doutrinas era que as bases do calvinismo somente
poderiam ser plenas se colocadas em prática no ambiente urbano.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
“Os erros jamais podem ser arrancados do coração humano, enquanto não
for nele implantado o verdadeiro conhecimento de Deus”
(Calvino).
Essa ética criada pelo calvinismo foi muito bem aceita pela burguesia mercan-
til, já que o trabalho, bem como o acúmulo de riquezas, também foi visto como
uma forma de manifestação da vontade divina. Se, para o clero romano, lucrar
era pecado, para o calvinismo seria uma forma de manifestação da graça. Um ato
de que Deus o havia escolhido. Isso fez com que uma nova mentalidade acerca
do trabalho e do capital fosse desenvolvida, sendo o calvinismo um dos grandes
responsáveis pela formação de uma ética capitalista, conforme veremos a seguir.
A CONTRIBUIÇÃO DO PROTESTANTISMO AO
DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO
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incentivar esse modelo que muito influenciou na melhora da educação, em fun-
ção da autonomia que pregava com relação à leitura e interpretação da Bíblia.
Vale lembrar mais uma vez que foi Lutero o responsável por traduzir a Bíblia
para o Alemão, possibilitando essa autonomia. Para que o crente pudesse ter
seu contato estabelecido com Deus, seria necessário que soubesse ler e escrever.
Consequentemente, nos países em que o protestantismo se desenvolveu, o nível
de alfabetização tornou-se, também, muito alto.
A respeito da relação entre trabalho, desenvolvimento econômico e protes-
tantismo, é importante destacar:
Se você fosse um próspero industrial vivendo na Europa no fim do sé-
culo XIX, haveria uma chance desproporcional de que fosse protestan-
te. Desde a Reforma, que levara muitos Estados do norte da Europa
a se afastarem da Igreja Católica Romana, o poder econômico havia
passado de países católicos, como a Áustria, a França, a Itália, a Espa-
nha e Portugal, para países protestantes, como a Inglaterra, a Holanda,
a Prússia, a Saxônia e a Escócia. Era como se as formas de fé e de culto
estivessem, de algum modo, relacionadas com a fortuna econômica das
pessoas. A pergunta era: o que havia de diferente no protestantismo?
O que havia nos ensinamentos de Lutero e de seus sucessores que en-
corajou as pessoas não só a trabalhar duro como também a acumular
capital? O homem que deu a resposta mais influente a essas perguntas
foi um professor alemão depressivo chamado Max Weber – o pai da
sociologia moderna e o autor que cunhou o termo “ética protestante”
(FERGUNSON, 2012, p. 305).
Observe que a Reforma não eliminou o poder da Igreja na vida das pessoas.
Muito pelo contrário. O que houve foi uma reformulação doutrinária. O con-
trole, que antes era mais brando, passou a ser muito mais intenso, saindo da esfera
espiritual e controlando todas as situações em que o sujeito estivesse envolvido.
Da casa ao trabalho, na vida doméstica e religiosa, na relação com Deus e
com as pessoas, ou seja, o que o protestantismo criou foi uma rígida doutrina
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sou a existir na modernidade após o advento da Reforma Protestante, veio no
intuito de educar e selecionar as pessoas que melhor se adaptam a essas condições.
Já citamos que a Reforma foi a faceta religiosa do renascimento. Uma das
principais transformações na concepção de mundo foi relegar ao homem o papel
de centro do universo (antropocentrismo). A vida, pouco a pouco, deixou de ser
contemplativa e se tornou mais ativa. Uma mudança bem radical foi a de que o
que estava em cheque naquele momento não era apenas uma questão de espí-
rito; de que você deveria esquecer-se dos temas mundanos e se dedicar somente
a Deus. Os afazeres do dia a dia também passaram a ser vistos como uma dádiva
divina, uma vocação e, ao mesmo tempo, um dever para com Deus. Conforme
podemos observar:
Foi isso que deu pela primeira vez este sentido ao termo vocação, e que,
inevitavelmente teve como consequência a atribuição de um significa-
do religioso ao trabalho secular cotidiano. Foi, portanto, nesse conceito
de vocação que se manifestou o dogma central de todos os ramos do
Protestantismo, descartado pela divisão católica dos preceitos éticos
em praecepta e concilia, e segundo a qual a única maneira de viver acei-
tável para Deus não estava na superação da moralidade secular pela
ascese monástica, mas sim no cumprimento das tarefas impostas ao
indivíduo pela sua posição no mundo. Nisso é que está a sua vocação
(WEBER, 2010, p. 43-44).
A “vocação” ganhou um sentido muito mais prático com a Reforma. Aquela vida
reclusa, tão comum aos monges, fora vista como uma forma de egoísmo, já que
nada faziam para melhorar as condições do mundo, exceto rezar.
Em suma, podemos sintetizar a ideia com o seguinte silogismo: Deus é o
Criador de todas as coisas que existe no universo. Dentre suas obras, o homem
foi o único criado à sua imagem e semelhança. Sendo assim, o homem tornou-se
sua criação especial, pois era seu dever reinar sobre as outras coisas. Ao criar o
homem, Deus lhe deu inúmeros dons e capacidades. Deu capacidade de racioci-
nar e agir conforme seu pensamento; deu capacidade de sentir prazer; capacidade
para trabalhar, inventar, inovar, lucrar, enfim, Deus praticamente presenteou o
homem com inúmeros dons e colocá-los em prática seria uma das formas de
agradecê-lo. As ações cotidianas também se tornaram uma forma de louvar e
agradecer a Deus, conforme destacamos anteriormente.
As teses de Weber não poderiam estar isentas de alguns equívocos, pois,
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Em suma, como havíamos citado no início deste tópico sobre a relação entre
educação, desenvolvimento e protestantismo, prossegue Ferguson (2012, p. 309):
Devido à importância central que a leitura individual da Bíblia ocupa
no pensamento de Lutero, o protestantismo encorajou a alfabetização,
sem falar da imprensa, e essas duas coisas sem dúvida impulsionaram o
desenvolvimento econômico (a acumulação de “capital humano”), bem
como o estudo científico. Essa proposição não é válida somente para
países como a Escócia, onde os índices de alfabetização, matrícula em
escolas e gastos em educação eram excepcionalmente altos, como tam-
bém para o mundo protestante como um todo. Aonde quer que fossem
os missionários protestantes, eles promoviam a alfabetização, com be-
nefícios mensuráveis a longo prazo para as sociedades que procuraram
educar; não se pode dizer a mesma coisa dos missionários católicos
durante o período que vai da Contrareforma às reformas do Concílio
Vaticano II (1962-5).
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se tornou uma forma de louvar e agradecer a Deus. A personificação maior dessa
ética está ligada ao calvinismo, como podemos perceber abaixo:
Em princípio, parece um mistério como a indubitável superioridade
do Calvinismo na organização social pôde se relacionar com as suas
tendências para arrancar o indivíduo dos mais fortes laços pelos
quais ele se liga a este mundo. Todavia, por mais estranho que possa
perecer, ela decorre da forma peculiar com o qual o amor fraternal
cristão foi forçado a assumir, através da fé calvinista, a pressão do
isolamento interno do indivíduo. Em primeiro lugar, ela decorre disto
dogmaticamente. O cristão eleito está no mundo apenas para enaltecer
esta glória, cumprindo Seus mandamentos o melhor que puder
(WEBER, 2010, p. 59-60).
Weber captou a mensagem de que o calvinismo era uma religião bastante rígida
em seus posicionamentos. Nenhuma outra religião conseguiu implantar na
cabeça do indivíduo uma disciplina religiosa e social tão exitosa como essa. O
homem vive em função de Deus. Ele come porque Deus assim lhe permitiu. Ele
trabalha porque Deus lhe dera o dom e deve agradecê-lo por tudo isso diaria-
mente. A todo instante de sua vida. Tudo isso seria a garantia da sua salvação.
Qual seria a principal diferença, para Weber, da forma de vida dos católicos
para os protestantes calvinistas? Essa é uma questão de grande importância para
esse debate, pois, assim, temos um ponto de partida para que possamos conti-
nuar nossa discussão. Sendo assim, o autor destacou:
A diferença pode ser formulada da seguinte maneira: o católico leigo
medieval normal vivia eticamente, por assim dizer, imprevidentemen-
te. Em primeiro lugar, ele executava conscienciosamente as obrigações
tradicionais. Além deste mínimo, suas “boas obras” não formavam ne-
cessariamente um sistema de vida integrado, ou pelo menos racionali-
zado, mas eram mais uma sucessão de atos isolados. Ele podia usá-las,
conforme as exigências da ocasião, para expiar determinados pecados,
para melhorar suas possibilidades de salvação, ou, ao aproximar-se o
fim de sua vida, como um tipo de prêmio de seguro. Naturalmente a
ética católica era uma ética de “intenções”, mas a intentio concreta de
um único ato determinava seu valor. Esta única ação – boa ou má –
era creditada ao agente, determinando seu destino temporal ou eterno
(WEBER, 2010, p. 63-64).
Em suma, o que ficou evidente nas palavras acima é que o católico tinha uma
relação bastante pontual com a salvação. O católico não via em suas ações coti-
dianas uma forma de louvar e agradecer a Deus – para ele a salvação não estaria
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ligada a essas questões. Assim, o católico poderia pecar, mas, depois que se con-
fessasse e pagasse a penitência, tudo estaria resolvido. Contudo, os calvinistas
não pensavam assim. Em suma, o autor prossegue:
A diferença entre o ascetismo calvinista e o medieval é evidente. Con-
sistiu no desaparecimento do concilia evangélica e na subsequente
transformação do ascetismo em atividade terrena. Não que o catoli-
cismo tenha restringido a vida metódica à cela monástica. De modo
algum foi este o caso, quer na teoria, quer na prática (WEBER, 2010,
p. 65-66).
Em outras palavras, aquilo que antes era visto apenas no plano dos céus, do
divino, foi trazido para a vida terrena.
Do ponto de vista do capitalismo, quais as lições que podemos tirar da aná-
lise feita por Marx Weber? Primeiramente, precisamos compreender que, para o
autor, sem a ética desenvolvida pelos protestantes, o capitalismo jamais teria se
desenvolvido da maneira como foi. A conduta diária do protestante, bem como
a sua aplicação com o trabalho e o acúmulo de riquezas, foi a grande responsá-
vel por dar ao capitalismo a dimensão que este alcançou.
Para os calvinistas, uma vida de fé sem a relação com as práticas diárias era
nula. De nada adiantava ter fé sem ter ação. Por isso, o protestantismo conse-
guiu se desenvolver e obter mais êxito do que as demais religiões. Além disso,
os níveis de educação também caminharam juntos, em razão da necessidade
de interpretação bíblica. Portanto, o capitalismo moderno foi desenvolvido, em
grande parte, devido à Reforma Protestante.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Prezado(a) aluno(a), espero que ao final desta unidade você tenha percebido
alguns pontos essenciais, os quais gostaria de destacar. Primeiramente, preci-
samos entender que o contexto econômico e social do período em questão, as
estruturas religiosas, ainda atreladas ao modelo de sociedade feudal, não pode-
riam continuar da maneira como estavam. Principalmente, quando se trata da
afirmação do modelo de vida urbano e do capitalismo como estrutura econômica.
No que diz respeito à Reforma feita por Henrique VIII, não é difícil perce-
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ber que o elemento político, que envolve as questões de soberania de um Estado,
foi o principal fundamento dessa Reforma. Sendo assim, a Reforma Anglicana
foi, antes de tudo, uma Reforma política, diferente das empreendidas por Lutero
e Calvino.
Também é necessário perceber que a intenção de Lutero não era criar uma
nova religião, mas sim reafirmar os dogmas da Igreja Católica Romana por meio
de um amplo debate acadêmico, além de tornar o tema público para perceber
como a população acolheria essas inovações na esfera religiosa. A corrupção reli-
giosa do Clero, as questões morais, principalmente no que diz respeito à venda
de indulgências, foram o grande motivo de descontentamento de Lutero.
Com relação ao calvinismo, essa religião trouxe para o cotidiano a prática
intensa de se louvar a Deus. Tudo passou a ser visto como forma de agradeci-
mento pela obra do Senhor. Nesse diapasão, a classe burguesa que emergia nesse
contexto viu nessa nova doutrina religiosa uma forma de atrelar trabalho e lucro
com a religião. Para tanto, a doutrina da Predestinação foi de suma importân-
cia para a consolidação do calvinismo.
Ambas as doutrinas foram importantes por moldar uma nova mentalidade
acerca do trabalho e da acumulação de capital. Dessa forma, conforme foi pos-
sível observar em Max Weber, dificilmente o capitalismo teria se desenvolvido
como foi sem a contribuição essencial da ética protestante.
Do Pecado
O pecado originou-se de um só homem, Adão, por cuja desobediência todos os homens
se tornaram pecadores, sujeitos à morte e ao diabo. A isso se chama pecado hereditário
ou pecado capital. Esse pecado hereditário é a corrupção de tal maneira profunda e per-
niciosa da natureza, que razão alguma o compreende. Deve, ao contrário, ser crido com
base na revelação da escritura.
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Da Lei
A lei foi dada por Deus para refrear o A função ou virtude principal da lei é revelar
pecado, de um lado, com ameaças e pelo o pecado hereditário com os frutos e tudo,
temor do castigo e, de outro, com promessa e mostrar ao homem a que tremenda pro-
e oferecimento da graça e do benefício. fundidade sua natureza caiu e quão abismal
Tudo isso, porém, malogrou por causa da foi sua corrupção.
maldade que o pecado operou no homem.
Do Arrependimento
Do Evangelho
Considerações Finais
Do Batismo
O Batismo, que outra coisa não é se não a também pertencem à redenção prometida,
palavra de Deus na água, é ordenado por que se realizou através de Cristo. A Igreja
sua instituição. Por isso, cremos que as deve administrá-lo.
crianças devem ser batizadas, pois elas
Do Sacramento do Altar
Lutero
Gênero: Cinebiografia histórica
Diretor: Eric Till
Elenco: Joseph Fiennes, Peter Ustinov, Bruno Ganz e grande elenco
Ano de lançamento: 2003
Sinopse: O filme retrata a vida de Martinho Lutero, um homem que
quase foi morto por um raio e viu nesse acontecimento um chamado
de Deus. Ao se tornar monge, percebe como são as práticas adotadas
pela Igreja Católica Romana e inicia um debate acerca dos dogmas,
propondo uma reforma.
IV
A INGLATERRA MODERNA: DA
UNIDADE
FORMAÇÃO DA NAÇÃO ÀS
REVOLUÇÕES BURGUESAS
Objetivos de Aprendizagem
■■ Analisar como foi o processo de unificação inglesa.
■■ Compreender como foi a consolidação do absolutismo na ilha.
■■ Observar como era o ambiente político surgido das condições sociais
e econômicas deste país.
■■ Compreender os fatores que contribuíram com o processo
revolucionário.
■■ Entender o significado das revoluções do século XVII à história
inglesa.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ A formação do estado inglês
■■ A sociedade moderna inglesa
■■ A revolução puritana e o protetorado de Cromwell
■■ O legado da revolução gloriosa à Inglaterra
109
INTRODUÇÃO
Prezado(a) aluno(a), para você que hoje vê toda a grandeza e poder dos Estados
Unidos da América, que consegue perceber toda a força dessa nação surgida
aqui deste lado do Atlântico, talvez seja difícil perceber que, no início do século
passado, esse poderio se concentrava nas mãos de uma nação que se situava do
outro lado deste mesmo Oceano, no velho continente europeu.
A Inglaterra foi um país que passou por diversas situações catastróficas,
como a Guerra dos Cem Anos (1337-1453), quando se opôs à França em um
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Introdução
IV
Embora todos esses eventos citados soem como uma espécie de determinismo
histórico, precisamos deixar claro que o objetivo desta unidade é fazer uma análise
da história inglesa. Observaremos suas instituições políticas, as transformações
a que foram sujeitas bem como o tipo de sociedade que se formou naquele local.
Dessa forma, convido você a viajar até a Inglaterra e mergulhar a fundo nos
primórdios de sua história, daquela que fora considerada, até parte do século
XX, como o Império onde o sol nunca se põe.
Desejo um bom estudo a você!
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A FORMAÇÃO DO ESTADO INGLÊS
embora muitas dessas instituições feudais tenham perdurado por muitos anos,
até sucumbirem definitivamente.
O motivo principal dessa guerra que opôs França e Inglaterra por mais de
cem anos foi iniciado por uma questão sucessória. Com a morte do Rei fran-
cês Carlos IV, em 1328, como este não havia deixado herdeiros, inicia-se uma
disputa para ver quem ficaria com o trono. Depois de muitas disputas entre os
nobres parentes do rei morto, o trono foi para as mãos de seu sobrinho, Felipe
de Valois. O que parecia ser uma disputa interna, ou seja, de total responsabili-
dade da França, atravessou o Canal da Mancha e foi parar na Inglaterra.
Você deve ter percebido que, ao longo da história, muitos conflitos se iniciam
em razão de disputas econômicas. Neste, em especial, não foi diferente. França
e Inglaterra possuíam interesses em comum na rica região de Flandres, grande
produtora de tecidos. O fato de a nobreza de Flandres ser vassala do rei francês
ia de encontro aos interesses dos comerciantes dessa região, que eram ligados à
Inglaterra, já que esta era grande produtora de lã, principal matéria-prima dos
comerciantes dessa região. Essa questão se intensificou no ano de 1337, quando
o rei Eduardo III, da Inglaterra, decidiu se unir aos comerciantes de Flandres e
se declarar rei da França e da Inglaterra. Foram mais de cem anos de conflitos,
recheados de tréguas, avanços e retração de ambos os lados.
Embora a França tenha sido a vencedora desse conflito, já que continuou
com o território de Flandres, essa Guerra foi um arraso para ambos os países,
já que foram destruídos campos de plantações, além de milhares de mortos de
ambos os lados. A destruição dos campos provocou fome e miséria que se alas-
trom por quase toda a Europa.
JOANA D’ARC
A história é rica em episódios heroicos e mitológicos. Muitos são tão extra-
vagantes que chegam até ser custoso acreditar, haja vista a dimensão que
tais fatos atingem. Nesse sentido, em se tratando da Guerra dos Cem anos,
a figura de Joana D’arc é uma das mais emblemáticas desse período. Sai-
ba detalhes dessa personagem em: <http://guiadoestudante.abril.com.br/
aventuras-historia/historia-heroina-joana-d-arc-674505.shtml>. Acesso em:
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29 abr. 2015.
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pelas guerras (KARNAL, 2007, p. 31-32).
DINASTIA TUDOR
Dinastia Tudor
IV
Certamente, você deve estar se questionando sobre a Inglaterra e sua política externa
nesse contexto. Pois bem, é sabido que a França, desde a Guerra dos Cem Anos
(1337-1453), era a principal rival inglesa. Entretanto, segundo Karnal (2007), a
França fora substituída pelo “perigo espanhol”. Temia-se mais pelo poder espanhol,
em razão do poderio naval desenvolvido por essa nação, principalmente após o
descobrimento do território americano, do que pelo poder de qualquer outro país.
Entretanto, esse perigo passou a não representar mais nada com o episódio conhe-
cido como a Invencível Armada, ocorrido em 1588, em que a Inglaterra derrotou
a frota naval espanhola. Em suma, aos poucos, a Inglaterra foi ganhando contor-
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nos de nação politicamente moderna, deixando para trás aquele velho método
de fazer política. Ao que fica evidente nas palavras de Karnal, percebemos que os
ideais políticos de Nicolau Maquiavel (1469-1527) não demoraram a atravessar o
Continente europeu e cruzar o Canal da Mancha, como fica claro na citação abaixo:
Os ingleses estavam desenvolvendo a “modernidade política”. Mas no
que ela consistia? Basicamente, seria uma ação politica independen-
te da teologia e da moral. Em outras palavras, a ação dos príncipes
modernos não procura levar em conta se o que fazem é moralmente
correto. Os príncipes modernos agem porque tal ação é eficaz para
atingir seus objetivos, dentre os quais o maior é conseguir o poder ab-
soluto. Na história política da Inglaterra, entre o final da Idade Média
e o início da Moderna, esse tipo de príncipe foi comum. Eram prínci-
pes reais, concretos, sem fumos divinos ao redor do trono (KARNAL,
2007, p. 33).
Dinastia Tudor
IV
©shutterstock
nova sociedade. E esse será o tema de preo-
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cupação de nosso próximo tópico. Ricardo III da Inglaterra governou a ilha entre os anos
de 1452 a 1485.
Pois bem, prezado(a) aluno(a), dos eventos que marcaram a Idade Moderna, sem
dúvida alguma, estão as denominadas pelos livros didáticos como revoluções
burguesas. De fato, a burguesia estava entre os líderes desse movimento, mas
essa revolução foi uma resposta da sociedade inglesa aos desmandos ocorridos
durante o século XVII. Entretanto, antes de entrarmos a fundo nesse processo
revolucionário, que dominou o cenário político inglês por quase meio século,
precisamos compreender qual foi a dinâmica social desenvolvida nesse país.
A Inglaterra, por uma longa tradição, que remonta ao período feudal,
sempre foi uma sociedade mais aberta, livre e democrática; nela, o po-
der real sempre foi mais fraco e, em contrapartida, a sociedade civil mais
autônoma e zelosa de seus direitos. Sabemos que, desde muito cedo, no
começo do século XIII, os ingleses tinham estabelecido leis e criado
instituições para coibir os possíveis excessos do poder dos reis. A Carta
Magna de 1212(sic) e a criação de um Parlamento livre são exemplos
de como, ainda na vigência do feudalismo, a sociedade inglesa foi se
organizando em torno do ideal de liberdade (PEREIRA, 2011a, p. 25).
“A vida é uma peça de teatro que não nos permite ensaios, por isso, cante,
dance, ria, viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine
sem aplausos. Não perca tempo, a vida passa num piscar de olhos. Aproveite
cada segundo que passa, pois o tempo infelizmente não volta. Arrase ao
máximo. Divirta-se ao extremo. Viva! E faça cada momento valer a pena”.
(W. Shakespeare).
(1990) e Pereira (2011a) destacaram, não foi suficiente para evitar que o poder real
se tornasse tão forte. Sim, parece que, quanto a isso, não podemos negar. Tendo
sido fácil ou não, o fato é que esse fortalecimento do poder real sob a batuta da
dinastia Tudor ocorreu. Entretanto, esse absolutismo foi diferente daquele que
ocorreu no restante da Europa, principalmente na França, que abordaremos na
próxima unidade. A despeito disso, Pereira destacou:
A propósito, é necessário esclarecer que estado centralizado e estado
absolutista são coisas distintas, embora o segundo derive do primei-
ro. Não há absolutismo real sem um estado centralizado, mas nem
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todo estado centralizado é um estado absolutista. O estado centrali-
zado transforma-se em estado absolutista somente quando o monarca
enfeixa os poderes executivo, legislativo e judiciário em suas mãos,
confundindo-se com o próprio estado. Dessa forma, ele se coloca aci-
ma da própria lei e reage de modo arbitrário e intolerante a qualquer
crítica ou oposição vinda dos súditos. É necessário esclarecer, ainda,
que o estado absolutista surge na chamada era absolutista, que se ini-
cia no século XVI e toma contornos definidos no século XVII; no
entanto, varia de país a país, sendo mais forte e mais arbitrário em
algumas sociedades do que em outras. Por exemplo, o absolutismo
real na Inglaterra é mais fraco e menos arbitrário do que na França
(PEREIRA, 2011a, p. 26).
Tal impulso absolutista foi freado por duas causas. Em primeiro lugar,
porque os reis ingleses se defrontaram com algumas tradições insti-
tucionais de caráter liberal-democrático herdadas do feudalismo, que
foram o Parlamento e o direito consuetudinário. Em segundo lugar,
porque, mal havia dominado a nobreza feudal, melhorado suas finan-
ças e instaurado um sistema de leis unificado e uma ordem pública
mais segura, a Coroa inglesa viu-se envolvida com a questão religiosa
(PEREIRA, 2011a, p. 26).
Gostaria que você observasse a citação acima com bastante atenção! O que se
percebe na Inglaterra era que havia um temor muito grande em não dar limites
ao poder do rei. Nem bem a ilha havia conseguido se consolidar como estado
unificado, já estava na iminência de enfrentar outros problemas mais sérios. Por
isso a importância dessa tradição liberal e democrática que já citamos anterior-
mente e, por consequência, a importância dessas duas instituições: o Parlamento
e o direito consuetudinário.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
O Direito Consuetudinário (Comom Law) é utilizado até hoje pelos pa-
íses de origem anglo-saxões. A base desse Direito está nos costumes e
nos princípios gerais. Não há, como nos países de origem jurídica roma-
no-germânica (como é o caso do Brasil), uma tradição legiferante (Civil
Law), ou seja, que o Direito é produzido quase que exclusivamente por
meio de leis editadas pelo Congresso Nacional, Câmara de Deputados
Estaduais ou pelos vereadores municipais. Dessa forma, fica o juiz vin-
culado aos bons costumes e à boa fé objetiva, na hora de decidir sobre
alguma lide.
Fonte: o autor.
O que ficou bem explícito foi o grande respeito que havia pelas instituições tradi-
cionais. Essas instituições foram as responsáveis por evitar que o pior ocorresse.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Percebe-se na citação acima que na Inglaterra não havia um orgulho de classe
mais intenso. Um dos fundamentos da sociedade feudal, que era a separação de
classes por nascimento, denominado de estamental, parecia já haver sido supe-
rado há muito tempo, diferente da França, como bem destacou Tocqueville (1997),
que ainda convivia, em sua época pré-revolucionária, com elementos sociais
muito fortes oriundos da sua tradição feudal.
Essas questões sociais também não deixariam de se refletir nas questões
políticas, haja vista que bastava haver uma violação de algum desses itens, tidos
pela sociedade como direito, para que ela se unisse na luta pela manutenção ou
melhoria desses direitos. Dessa forma, com todo esse sentimento de liberdade,
parece que estava bem claro qual seria o papel do Estado Inglês: uma espécie de
árbitro. Além disso, como destacou Pereira (2011a), no corpo de funcionários
do Estado não havia apenas pessoas ligadas à nobreza, mas também oriundas de
várias classes sociais, tornando o serviço público mais democrático.
No seio da sociedade agrária inglesa surgiu uma nova espécie de classe social,
a gentry. Nas palavras de Pereira podemos assim defini-la:
Uma espécie de classe média abastada que, ao lado da burguesia comercial
e manufatureira, foi a grande protagonista nos acontecimentos políticos
e religiosos dos séculos XVI e XVII. Esta classe, embora tenha sido pro-
duto genuíno da modernização em andamento, só se consolidou como
poderosa classe proprietária entre 1538 e 1563, quando apoiou a Refor-
ma Protestante inglesa promovida por Henrique VIII e recebeu, como
recompensa, boa parte das terras que foram expropriadas da Igreja Cató-
lica. Nesse sentido, em parte, foi um produto social e político da reforma
religiosa e das estratégias da monarquia inglesa para construir uma nova
base social e religiosa de sustentação do Estado absolutista (2011a, p. 30).
Certamente, você já deve imaginar que essa jogada feita pelo rei não veio sem
qualquer ônus. No jogo político, infelizmente, o que prevalece é o jogo do “toma
lá, dá cá”. Se, de um lado, o rei permitiu a esses proprietários possuírem as terras
que pertenciam à Igreja, por outro lado, o rei necessitava do apoio desse pessoal
para que seu governo, frente ao Estado inglês, fosse possível. Em resumo, a gen-
try passou a ser uma peça indispensável no jogo político da monarquia inglesa,
como fica claro na citação abaixo:
Além de terras, o Estado inglês vendeu títulos de nobreza para esses no-
vos proprietários rurais com o objetivo de criar uma nobreza artificial
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
O que podemos compreender dessa nova classe social é que havia no cená-
rio inglês mais um grupo que seria imprescindível ao equilíbrio necessário das
forças políticas. Se, por acaso, o rei tivesse um grupo mais coeso de nobres, cer-
tamente ele os dominaria com mais facilidade, entretanto, como cada classe
possuía algo muito particular para defender, seria muito difícil uni-las em busca
de algo que beneficiaria apenas uma delas. Ou seja, o equilíbrio de forças, que
é algo fundamental em uma democracia, já estava presente no seio dessa socie-
dade moderna inglesa.
Para atestar isso, prezado(a) aluno(a), verificamos o que escreveu Pereira:
Na passagem do século XVI para o XVII, a gentry também fortaleceu sua
representação política no Parlamento inglês: o número de deputados na
Câmara dos comuns passou de 300 para 500. Simultaneamente a essa
ampliação do Parlamento, a representação da gentry, que antes ficava
com 50% dos assentos parlamentares, passou a ficar com 75%. Nessa
época, como as seções do Parlamento ocorriam com maior frequência,
seus representantes ganharam muita experiência e autoconfiança polí-
tica (2011a, p. 31).
Acima está o maior exemplo do fortalecimento desta classe social e de sua impor-
tância no cenário político. Toda essa configuração foi decisiva para o desfecho
favorável a uma maior liberdade do Parlamento frente ao rei em meio aos con-
flitos que marcaram a história inglesa no século XVII.
Além desse grupo, originado no seio da zona rural inglesa, também é preciso
destacar a importância que os setores urbanos tiveram nessa nova configuração
social da Inglaterra Moderna.
O setor industrial da Inglaterra nos séculos XVI e XVII sofreu profundas
transformações. Consoante a isso, assistimos também a um desenvolvimento
do comércio e, como consequência de tudo isso, o desenvolvimento das cidades.
Além do ambiente rural fortalecido pela formação da gentry, podemos perceber
também o fortalecimento da burguesia mercantil.
Beneficiados pela ausência de pedágios nos rios e nas estradas, pelas
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baixas taxas de juros, pela maior segurança jurídica nos negócios e
pelas facilidades de criação de sociedades empresariais por ações, os
novos setores comerciais manufatureiros expandiram-se. A partir de
1540, a Inglaterra vivenciou uma onda de criação de novos setores pro-
dutivos que passaram a rivalizar com a tradicional manufatura de lã
organizada com base no sistema de corporações. Foi o caso da pro-
dução de carvão de Newcastle, a primeira indústria de grande escala
no Ocidente. Criaram-se, ainda, as manufaturas de arame e de sabão,
que logo arrebataram a liderança tecnológica que pertencia ao sistema
manufatureiro da Alemanha (PEREIRA, 2011a, p. 31).
Toda essa transformação fez com que os pequenos e médios centros urbanos
aumentassem a sua população em uma proporção muito grande. Como foi o
caso de Londres, que passou de 60 mil pessoas, no final do século XV, para mais
de 400 mil habitantes, em meados do século XVII.
Gostaria que você, aluno(a) de História, refletisse sobre a seguinte questão:
será que nesse ambiente de crescente economia, em que as relações sociais esta-
vam cada vez mais dinâmicas, haveria espaço para descontentamentos? Sem
dúvida alguma! Não são apenas as necessidades que fazem com que as pessoas
clamem por direitos, mas também o desejo de liberdade e de prosperidade.
Principalmente quando essas pessoas vivenciam um estágio muito avançado no
que diz respeito aos seus direitos políticos e sociais. Sendo assim, esse ambiente
se tornou propício para que se desenvolvessem alguns questionamentos com
relação aos rumos dessa sociedade.
Essa corrente de descontentamentos nasceu justamente daquelas diferentes
forças que passaram a compor o cenário social como a gentry, a burguesia tradi-
cional, a burguesia emergente e a nobreza. Todo esse conflito dificultou a atuação
do rei, para que exercesse cada vez mais os mecanismos de arbitragem dos con-
flitos. Pereira (2011a, p. 33), observando o que escreveu Stone (2000), destacou
o que estava ocorrendo no contexto social dessa sociedade:
A quantidade de textos políticos e religiosos publicados na Inglaterra,
na primeira metade do século XVII, dá uma ideia do clima político
reinante: vieram a público, aproximadamente, 22 mil textos, divididos
entre sermões, discursos, panfletos e jornais. Isso evidencia o choque
de ideologias, de tais ideias religiosas, de ideias científicas, de manifes-
tações culturais, boa parte delas contaminadas por concepções radicais
acerca de todos os aspectos do comportamento humano e de todas as
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instituições da sociedade.
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Henrique Cardoso para Luís Inácio Lula da Silva e, desse último, para Dilma
Rousseff, todos eleitos com o voto direto pelos cidadãos. Isso atesta que o pro-
cesso democrático havia se consolidado.
Embora sejam assuntos complexos e impossíveis de tratá-los com profundi-
dade apenas a título de comparação, diante do exposto, parecia que os brasileiros
não tinham razões para saírem às ruas e fazer o que fizeram. Mas a história
nos mostra que as coisas não são tão simples como se parece e nosso objeto de
estudo nesta unidade – a Inglaterra – mostra que algo parecido ocorreu neste
país no século XVII, que acabou por colocar fim ao absolutismo monárquico.
A Inglaterra, desde o fim dos conflitos do final da Idade Média, ascendia como
uma grande potência econômica. Como já mencionamos anteriormente, houve
a ascensão de novos grupos econômicos e sociais, o que contribuiu diretamente
para a melhoria da qualidade de vida na ilha.
Ao longo do século XVI, o absolutismo inglês se fortaleceu e, em meados
do século XVII, ele já foi contestado. Foram mais de cem anos. Muito pouco, se
comparado à França, onde o absolutismo teve sua personificação mais clara. A
respeito do absolutismo inglês, Pereira destacou (2011b, p. 63-64):
No século XVI, quando os monarcas ingleses, seus ministros e conse-
lheiros invocavam a doutrina do Direito Divino dos Reis para legitimar
os atos reais, não provocavam uma reação popular generalizada, apesar
da tradicional antipatia dos ingleses por qualquer discurso autoritário.
Isto ocorria porque, internamente, após a dissolução do feudalismo, a
Inglaterra passou por um processo de redefinição social, no qual nem a
nobreza feudal enfraquecida nem os novos setores sociais tinham con-
dições de agir de modo eficaz contra todas as arbitrariedades do estado
absolutista.
Certamente você já deve ter ouvido aquela expressão “dividir pra reinar”. Pois
bem, foi mais ou menos isso que ocorreu. Embora com toda participação política
no Parlamento, parece que esse mecanismo tradicional de controle do executivo
não surtia o efeito desejado, o que acabou permitindo ao rei agir de forma abso-
luta. Além disso, o surgimento de revoltas camponesas acabou por colocar a vida
da gentry em risco, fazendo com que muitos fugissem de suas terras. Somado a
isso, temos as revoltas religiosas que colocaram a Inglaterra à beira de uma Guerra
Civil. Todos esses ingredientes possibilitaram
ao rei agir de forma mais dura. O temor da
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Frente a essa configuração social, você poderá perceber que nem tudo eram flo-
res. Embora a Inglaterra tivesse atingido um desenvolvimento econômico e social
muito bom, ainda convivia com resquícios do período feudal e isso ocasionava
conflitos sociais, principalmente em decorrência da alta carga tributária que aca-
bava por reter grande parte do fruto do trabalho dos produtores e comerciantes.
Somado a isso, temos também o empobrecimento econômico e o enfraqueci-
mento político da nobreza de sangue azul, o que tornava essa classe bastante
ressentida com as atitudes do rei. Os setores mais pobres sofriam com o pro-
cesso de cercamento (enclausures), incentivado pelo próprio estado absolutista
(PEREIRA, 2011 b). Esse era o cenário que Carlos I haveria de enfrentar. Antes
de prosseguirmos nesse assunto, a título de esclarecimento, é de suma importân-
cia que o(a) aluno(a) tome conhecimento do que foi a política de cercamentos.
Com o advento do capitalismo, a terra deixa de ser sinônimo de poder e passa
cada vez mais a se tornar uma mercadoria. Durante o feudalismo, era comum
as terras dos senhores feudais serem exploradas pelos servos e camponeses que,
em troca de produzir sua subsistência, pagavam a título de obrigações alguns tri-
butos a esse nobre. Os impostos eram diversos. Entretanto, como a propriedade
havia se tornado uma mercadoria valiosíssima, muitos nobres acabaram expul-
sando de suas terras esses servos, para que essas propriedades fossem alugadas
aos produtores de ovelhas. Essas ovelhas eram utilizadas para a produção de lãs,
principal matéria-prima da Revolução Industrial do século XVIII.
É importante lembrar, prezado(a) aluno(a), que a política dos cercamen-
tos (encalusures), embora tivesse se intensificado no século XVIII, já era uma
prática recorrente desde o século XVII. Aos que foram tirados de suas terras não
restou outra coisa a não ser migrarem para as cidades, engrossando a quantidade
de pessoas sem trabalho disponíveis e que viriam a ser de grande importância
para o advento da revolução Industrial, no século XVIII.
E foi dentro desse contexto de efervescência econômica, social e política que
começou a emergir na Inglaterra uma sensação de descontentamento muito grande.
Isso incentivou o avanço da oposição, mas, por outro lado, Carlos I não assistiu a
tudo isso de forma passiva. A oposição a Carlos I se concentrava no Parlamento.
Conforme já citamos anteriormente, vários setores da sociedade passaram a engros-
sar as fileiras dessa instituição, tornando-a a principal base da resistência ao rei.
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Esse novo conjunto de ideias, conforme destacou Lawrence Stone (2000), são
de origens diversas, as quais destacaremos de forma resumida: 1) o puritanismo,
uma versão mais radical do calvinismo, pregava uma forma de religião muito
mais ortodoxa, radicalmente oposta ao catolicismo. O puritanismo, além de
questões religiosas, também passou a invocar em seus discursos uma posição de
crítica ao Estado absolutista. 2) As pessoas ligadas ao Direito Consuetudinário,
oriundo do período da Idade Média, eram totalmente contrárias aos desmandos
cometidos pelo Estado Absolutista. Eles defendiam que esse direito, por ser mais
antigo que o próprio Estado Absolutista, tinha sobre esse maior preponderân-
cia. 3) Também havia uma corrente mais romântica, cujos seguidores pertenciam
a gentry e defendiam que o campo era superior à cidade. 4) Por último, havia uma
questão científica muito influente, já que esses intelectuais, liderados por Galileu
Galilei, defendiam o conhecimento científico como a base principal e eram, em
sua maioria, contrários a uma posição mais mística das coisas do Estado.
Todas essas ideias em jogo colocaram em xeque a política absolutista de Carlos
I, que caminhou para um confronto entre o rei e a oposição. Isso se acentuou
com a dissolução do Parlamento e com a imposição de taxas arbitrárias e mui-
tas outras práticas absolutistas, que acabou desencadeando uma Guerra Civil,
conhecida também como Revolução Puritana.
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beneficiados com favores do Estado, como é o caso dos comerciantes que rece-
biam cartas de monopólio, ficaram em oposição ao governo. Isso só intensificou
cada vez mais a crise institucional. Em consonância com essa grave crise polí-
tica, houve também uma crise econômica muito grande, em decorrência das más
colheitas que se sucederam bem como os problemas na exportação dos produtos
de origem têxtil. Diante de grave crise financeira que a coroa passou a enfren-
tar, Carlos I se viu obrigado a convocar o Parlamento e a propor aumentos de
imposto para custear a continuação da Guerra contra a Escócia. Essa atitude
representou o colapso do seu governo.
A derrota nesta guerra, causada em grande parte pela má vontade de
lutar das tropas e dos comandantes ingleses, fez com que a Coroa, por
sua vez, perdesse o controle sobre suas forças armadas, que é o pri-
meiro e mais necessário prelúdio de uma revolução. A greve parcial
dos contribuintes, o custo da guerra, e as reparações exigidas pelos
escoceses juntaram-se para esvaziar o tesouro régio e levar o Estado
ao colapso financeiro. Privado do suporte financeiro da City de Lon-
dres, o governo somente podia obter dinheiro para se manter apelando
ao Parlamento, o que implicava uma rendição às forças - agora a todo
vapor - da oposição que se opunham à política régia em todos os
domínios (STONE, 2000, p. 234).
É necessário perceber que, quando a situação do executivo vai mal, ocorre tam-
bém um enfraquecimento da sua base aliada no Parlamento. Isso também foi
assistido com a nova composição dessa instituição, quando, na necessidade
de conseguir mais dinheiro, Carlos I convocou novas eleições, mas o resultado
lhe deixou ainda mais isolado. Até mesmo os aliados naturais da realeza esta-
vam em situação complicada.
Diante de tal derrota, o rei não viu alternativa a não ser buscar refúgio na Escócia,
o que não ocorreu, pois foi perseguido e acabou se rendendo – o que pôs fim
à primeira fase da Guerra Civil. No entanto, os problemas estavam apenas come-
çando para Carlos I.
Foram inúmeras as tentativas do rei em busca de reaver o seu trono, inclu-
sive, chegou a tentar, de forma sorrateira, uma aliança com a Escócia. Ao ser
descoberto, a guerra civil inicia-se novamente, o exército real é definitivamente
derrotado e os deputados favoráveis ao rei foram expurgados do Parlamento.
Diante disso, o rei foi julgado e sentenciado à morte. Matar um rei não era
nada de inovador na história mundial. Muitos reis já haviam sido mortos ou depos-
tos. Contudo, pela primeira vez na história Ocidental, um rei havia sido morto
depois de julgado e condenado. O seu julgamento lhe deu condições de se defen-
der e se retratar diante do Parlamento, porém, diante da negativa parlamentar, não
houve saída para os seus julgadores que não fosse lhe condenar à pena capital, fato
que ocorreu no dia 30 de janeiro de 1649, no Palácio de Whitehall, em Londres.
Diante disso, cabe uma pergunta: quem iria governar a Inglaterra, agora
que o rei Carlos havia sido decapitado? Essa era uma questão que se discutia
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muito naquele contexto. Diante da recusa de Cromwell, a Inglaterra ficou sob
o comando do Parlamento, que buscou resolver os problemas que se arrasta-
vam, como os que envolviam a Irlanda, por exemplo.
O resultado foi mais uma guerra, que acabou por implantar o puritanismo
à força na Irlanda pelo exército liderado por Cromwell, em 1951 (PEREIRA,
2011 b). Além da Irlanda, os problemas da Escócia também se arrastaram.
Entretanto, gostaria de focar nossa discussão, prezado(a) aluno(a), no papel de
Oliver Cromwell, grande líder do puritanismo inglês.
Gostaria que você prestasse muita atenção, pois a história, neste ponto, é
bastante contraditória, já que Cromwell se
colocou como líder do exército que lutava
contra o absolutismo de Carlos I, mas, assim
que ele tomou as rédeas da Inglaterra, diante
dos primeiros desentendimentos que este
teve com o Parlamento, convocou o seu
exército pessoal e acabou por dissolver essa
instituição. No entanto, com a intensificação
da crise, criou-se um novo Parlamento, mas
esse ficou composto quase que exclusiva-
mente de fanáticos religiosos, principalmente
após a renúncia dos deputados moderados.
Por fim, em 1653, Cromwell foi indicado ao
cargo de Lorde Protetor da Inglaterra, a única
Oliver Cromwell (1599-1658), líder da Revolução
fase republicana pela qual esse país passou. Puritana.
ganhos aos ingleses, que se viram diante de uma administração mais sen-
sata e menos ideológica, já que o próprio Lorde Protetor havia se distanciado
dos mais radicais (PEREIRA, 2011b). Não obstante, o embate entre ele e o
Parlamento estava longe de terminar e Cromwell acabou por dissolver essa
instituição em 1654.
Com a morte de Cromwell, em 1658, o poder foi entregue ao seu filho, mas
este se viu mergulhado em muitos conflitos. Um Parlamento livre se reuniu, em
abril de 1660, e acabou por restaurar a monarquia na Inglaterra, entregando a
coroa a Carlos II, filho de Carlos I. Entretanto, é preciso analisar a fundo a obra
desta revolução que se iniciou na década de 1640.
Muitos foram os benefícios gerados pela revolução no que diz respeito às
liberdades política e religiosa. É necessário perceber que, mesmo com todo o
sofrimento que a Inglaterra passou diante de quase duas décadas de instabili-
dade política, essa foi a última grande revolução pela qual esse país passou no
que diz respeito a essa temática.
Houve uma grande melhora na economia inglesa durante o período em que
Cromwell esteve à frente do poder, pois tanto as manufaturas quanto a agricultura
estavam mais livres das barreiras mercantilistas. Além disso, com mais liberdade
religiosa, houve uma crescente alfabetização na Inglaterra, diante de uma maior
necessidade de haver pessoas capazes de ler e interpretar a Bíblia.
Pereira (2011b) destacou que no plano externo a Inglaterra se tornou uma
potência marítima em razão do Ato de Navegação assinado por Cromwell. Mesmo
diante de tais avanços, mesmo aqueles que haviam apoiado a revolução clama-
vam pela restauração da monarquia. Contudo, essa monarquia não seria mais
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Prezado(a) aluno(a), certamente você já deve ter ouvido a expressão Revolução
Gloriosa, entretanto, você sabe qual é o verdadeiro sentido dela? Em linhas
gerais, podemos defini-la como o momento em que houve a restauração da
monarquia e, mesmo diante de todas as controvérsias que esse processo apre-
sentou, não houve o derramamento de nenhuma gota de sangue. O que ocorreu
foi uma restauração envolvida em acordos políticos entre as elites monarquistas
rurais e o Parlamento. Havia, de um lado, exigências quanto ao posicionamento
do rei, mas havia, também, algumas concessões (PEREIRA, 2011b). Porém, essa
restauração, ocorrida em 1660, estava longe de colocar um fim nos problemas
políticos ingleses.
É necessário perceber que da restauração monárquica até a consolidação
da revolução foram vinte e oito anos de disputas e acordos políticos. Se, de
um lado, o rei aceitou respeitar o poder legislativo, além de dividir com esse
algumas importantes funções, por outro lado, houve um retrocesso político-
-religioso, pois, com a restauração do anglicanismo, a elite religiosa passou a
ocupar cargos e a monopolizar aqueles mais importantes. Além disso, houve
também uma perseguição empreendida pelo rei Carlos II e, posteriormente,
Jaime II, contra aqueles apoiadores da Revolução de 1642, em sua maioria,
líderes puritanos. Entretanto, os tempos eram outros e o monarca inglês, qual-
quer que fosse, encontraria muita resistência se tentasse implantar um modelo
absolutista de governo. Sem dúvida alguma, uma das grandes heranças da
Revolução Puritana.
Em suma, a coroa foi tirada das mãos de Jaime II e entregue ao marido de sua
filha, Maria (1662-1694), que era casada com o Príncipe holandês Guilherme
de Orange-Nassau. Este, após aceitar o convite, foi empossado rei inglês com o
nome de Guilherme III. Entretanto, para que ele pudesse subir ao trono, teve
de aceitar as imposições do Parlamento. Segundo Trevelyan (1982, p. 61-62):
O Acordo da Revolução [de 1688] foi nada mais nada a menos do que o
restabelecimento do império da lei. Foi o triunfo das leis comuns e dos
juristas sobre o rei, que havia tentado colocar sua prerrogativa sobre o
direito. Portanto a lei só poderia ser alterada por decretos aprovados
pelas duas Câmaras, com o consentimento do rei. E a interpretação
da lei estava, a partir deste dia, confiada a tribunais libertados, pela
revolução, de todas as interferências governamentais, segundo o novo
princípio da irremovibilidade dos juízes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Prezado(a) aluno(a), espero que ao final desta unidade você tenha compreen-
dido como foi o processo de consolidação da unificação inglesa bem como o
fortalecimento do absolutismo monárquico. É preciso prestar muita atenção nos
detalhes que envolvem essa temática, como se atentar aos diferentes posiciona-
mentos apresentados logo no início. Mas é preciso estar ciente de que o processo
de consolidação da Inglaterra esteve envolto em muitos conflitos.
Nesse diapasão, é preciso perceber que, desde os tempos feudais, os habitantes
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daquela ilha se mostravam muito preocupados com os limites que deveriam ser
impostos ao monarca. O ideal de liberdade política bem como o cuidado que os
governantes deveriam ter com o dinheiro oriundo dos impostos pareciam estar
impregnados no DNA do ideal de nação desse país.
A unificação política proporcionou aos habitantes dessa ilha um grande
avanço social e econômico. A prosperidade permitiu o desenvolvimento de for-
ças econômicas e sociais que seriam a base de sustentação política. Manter esse
equilíbrio, sem dúvida alguma, estava implícito na pauta de reivindicações dos
revolucionários puritanos.
Em suma, entendia-se que, antes da França, a Inglaterra já sabia muito bem
o que significava os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Esse modelo,
com certeza, foi um dos grandes fatores que proporcionou a emergência de uma
civilização do outro lado do Atlântico, os Estado Unidos da América, onde o
povo teria a supremacia sobre o Estado.
Outrossim, é de suma importância atentar-se ao fato de que, desde o século
XVII, a Inglaterra vive um ambiente de relativa estabilidade política. Desde a
Revolução Gloriosa, de 1688, não ocorre nada que pudesse colocar as estruturas
democráticas em jogo, enfraquecendo o Parlamento ou qualquer outra instituição
em jogo. Não diferente, possibilitou que a Inglaterra figurasse entre as grandes
potências mundiais já vistas.
Fonte: PEREIRA, José Flávio. A sociedade moderna na Inglaterra. In.: PEREIRA, José Flávio.
(org.). Tempos Modernos: economia, política, religião e arte. Maringá: EDUEM, 2011. p. 95-96.
141
V
DO FEUDALISMO À MODERNIDADE:
A FORMAÇÃO DA FRANÇA E O
UNIDADE
CENÁRIO REVOLUCIONÁRIO DO
SÉCULO XVIII
Objetivos de Aprendizagem
■■ Analisar o processo de formação da Sociedade Francesa.
■■ Estudar as principais bases que configuraram o Absolutismo
monárquico.
■■ Compreender o contexto social francês.
■■ Refletir sobre a obra da Revolução Francesa.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ A Sociedade do Antigo Regime na França
■■ O absolutismo
■■ O cenário Revolucionário Francês
■■ A obra da Revolução Francesa
145
INTRODUÇÃO
Olá, aluno(a)!
Certamente, você já deve ter ouvido falar que a França é o berço da liberdade,
da igualdade e da fraternidade. Esse, de fato, foi o lema da Revolução Francesa,
que se espalhou por todo o mundo a partir do final do século XVIII, inclusive
sendo sentido os seus reflexos no Brasil. Entretanto, quais foram os fatores que
motivaram tal evento? As explicações são muito mais complexas do que aque-
las proferidas nos livros didáticos. Para entendermos a Revolução que ocorreu
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Introdução
V
Como você bem percebeu na unidade I, a França foi palco de um dos confli-
tos mais intrigantes da História do Ocidente. Foi nesse país que ocorreu uma
disputa muito acirrada envolvendo a questão da soberania do rei frente ao
papa. Felipe IV, conhecido como Felipe, o Belo, se lançou em uma cruzada
política contra o papa Bonifácio VIII. Em suma, foi na França que aconteceu
a primeira manifestação, velada de descontentamento com as intromissões
da Igreja na esfera política, e isso alterou completamente essa relação entre
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Igreja e Estado.
A formação da sociedade francesa, que também pode ser denominada
por Sociedade do Antigo Regime, até mais ou menos o século XIV, era
muito semelhante à inglesa, conforme destacou o ilustre pensador Alexis
de Tocqueville (1997). Como você pôde perceber na unidade anterior, até o
fim da Guerra dos Cem Anos (1337-1453), que envolveu Inglaterra e França,
tanto uma como a outra enfrentaram os mesmo problemas, inclusive, as carac-
terísticas da nobreza desses dois países eram muito semelhantes. Em termos
sociais e políticos, nada podemos destacar que venha a estabelecer um hiato
muito grande entre as duas. A esse respeito, é importante observar o que des-
tacou Pereira (2011a, p. 39):
Percebemos, assim, que, no século XIV, no contexto do enfraqueci-
mento das relações feudais e da indefinição social e política que se ins-
taurou em seguida, Inglaterra e França vivenciaram, para as condições
históricas da época, um ambiente político relativamente democrático
e cooperativo. No entanto, embora algumas semelhanças entre elas se
mantivessem, conforme as instituições e as relações sociais e políticas
foram redefinindo e se reordenando ao longo desse século, os dois paí-
ses enveredaram por caminhos políticos distintos.
Entretanto, prezado(a) aluno(a), para que nossos estudos sobre a França sejam
mais claros, torna-se indispensável que façamos uma comparação com a Inglaterra,
pelo menos em linhas gerais, para que você possa compreender os pontos essen-
ciais de sua evolução política.
DO FEUDALISMO À MODERNIDADE:
147
os tempos de Felipe IV, o poder real já se mostrava bem definido quanto ao tipo
de influência que ele queria exercer sobre os seus súditos. Na França, mesmo
com toda resistência, não houve o que limitasse o engrandecimento do Estado
na vida das pessoas. A esse fato podemos utilizar o mesmo raciocínio empregado
por Karnal (2007) para explicar o que, no seu ponto de vista, havia sido a razão
pela qual o poder real inglês havia se consolidado, que é a situação de vulnera-
bilidade que essa nação se encontrava quando a Guerra dos cem anos terminou.
Esse argumento utilizado por Karnal (2007) para explicar a centralização
inglesa, no que diz respeito à sociedade francesa, segue a mesma linha de racio-
cínio que foi empregada por Pereira (2011a, p. 40-41).
O que parece ter contribuído de modo marcante para o aumento do
poder do Estado e dos reis franceses foi a Guerra dos Cem Anos (1337-
1453). Diante da invasão do território francês pelos exércitos ingleses,
amplas parcelas da população francesa foram tomadas pelo pavor, o
que levou à aceitação do aumento do poder tributário, político e mili-
tar do Estado e dos reis franceses. Estado e reis mais poderosos e ricos
seriam, na visão dessa parte da população, a única saída para garantir a
integridade e a independência da França diante dos invasores ingleses.
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o Estado francês estava se revestindo:
Quando os predecessores de Vossa alteza tencionavam ir à guerra,
costumavam convocar os três estados; convidavam representantes da
Igreja, da nobreza e dos plebeus para reunirem-se com eles em suas
boas cidades. Vinham e explicavam o estado das coisas, diziam o que
era necessário para resistir ao inimigo, e solicitavam que os represen-
tantes reunidos se consultassem sobre a maneira como a guerra devia
ser conduzida, a fim de ajudarem o reio com impostos decididos nes-
sa discussão. Vossa alteza sempre observou esse procedimento, até que
compreendeu que Deus e a Fortuna - que é mutável - a ajudaram de tal
forma que tais discussões estão agora abaixo de sua dignidade. Vossa
alteza impõe agora as “aides” e outros tributos e permite que sejam co-
bradas como se fossem tributos de seu próprio domínio, sem a anuên-
cia dos seus três estados. Antes..., o reino podia, com justiça, ser deno-
minado ‘Royaume France’, pois costumava ser livre [franc] e gozava de
todas as liberdades [franchisesetlibertés]. Hoje o povo nada mais é do
que escravo, arbitrariamente tributado [taillables à voulenté]. Se exami-
namos a população do reino, descobrimos apenas um décimo dos que
antigamente nele viviam. Não desejo reduzir o poder de vossa alteza,
mas, sim aumentá-lo tanto quanto estiver dentro de minhas forças. Não
há dúvida de que um príncipe, e em especial vossa alteza, pode em cer-
tos casos tirar [tailler] alguma coisa de vossos súditos e cobrar as ‘aides’,
sobretudo para defender o reino e a coisa pública [chose publique]. Mas
tem que concordar em fazer isso de forma razoável. A tarefa dele não
é a minha. É possível que a vossa Alteza seja soberana nas questões de
justiça, e que esta seja sua autoridade. Mas no que interessa às receitas de
seus domínios, o rei tem seu domínio e cada particular também possui
o seu [N.B: em outras palavras, o rei deve sustentar-se com a receita
de suas propriedades e domínios, sem usurpar o controle da receita de
todo país]. Hoje, os súditos têm tosquiada não só a sua lã, mas também
a pele, a carne e o sangue, até os ossos (apud ELIAS, 1993, p. 182-183).
DO FEUDALISMO À MODERNIDADE:
149
Luís XIV, “L’Étatc’est moi” (O Estado sou eu), dava a entender perfeitamente que
as esferas pública e privada pertenciam a um mesmo sujeito - o rei.
Foi nesse ambiente político que os súditos franceses começaram a cha-
mar a atenção para o caráter público da função real. Expressões que
hoje em dia são triviais eram, naquele momento, utilizadas pelos súditos
para marcar posição contra os abusos dos reis e distinguir uma instân-
cia da outra. Foram usadas, assim, pela primeira vez, expressões como
coisa pública, pátria e mesmo Estado para se contrapor a príncipes e a
reis que, em suas ações, confundiam o que lhes pertencia e à sua família
com o que era do Estado propriamente dito e da sociedade. No entanto,
apesar das reações contrárias das várias ordens sociais, os reis franceses
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foram os grandes vencedores do conflito, persistindo, portanto, a ideia
de que rei e Estado eram a mesma coisa (PEREIRA, 2011a, p. 41).
Como podemos perceber, parece que nesse ponto reside o grande divisor de águas
no que diz respeito à história francesa e à inglesa. Enquanto na última o rei teve
de conviver com a constante pressão de diferentes grupos sociais, impondo-lhe
limites, na França, o rei sobressaiu como força soberana e absoluta, não deixando
aos seus opositores grandes chances de se verem livres das garras do Estado.
Além desse ponto importante, você deve observar que o Antigo Regime
francês já nasceu envolto em inúmeros vícios administrativos. Não é apenas a
confusão patrimonial, mas também inúmeros outros problemas de ordem admi-
nistrativa e tributária que fezeram emergir um conceito de Estado em que algumas
pessoas viviam como parasitas, enquanto uma grande parcela da população tra-
balhava para sustentá-las, mas isso será tratado mais à frente.
O ABSOLUTISMO
Como você já deve ter percebido, do ponto de vista político, a França tornou-
-se um Estado muito forte, no qual o rei passou a exercer plenos poderes. Foi
na França que o absolutismo monárquico se cristalizou. O conceito de absolu-
tismo, como já mencionamos na unidade anterior, significa que o rei detém em
suas mãos as funções de executor, legislador e julgador. Na carta do bispo ao rei
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O Absolutismo
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gar a qualquer empresa contra os reis, como era o caso dum duque
de Guiena e de Bourbon, os quais, hoje, são todos muito benevolentes.
Tornou-se, dessa maneira, o mais forte (MAQUIAVEL, 2000, p. 215).
Nessa citação, fica claro que o poder na França, em pleno século XVI, já estava
bem concentrado nas mãos dos reis. Inclusive, fica também exposto que o rei
soube muito bem domesticar a ira dos barões feudais, visto que estes represen-
tavam um grande perigo. Segundo Adam Smith (1999, p. 660),
Nesses tempos conturbados, todo grande proprietário era uma espécie
de príncipe em ponto pequeno. Os seus arrendatários eram seus súdi-
tos. Ele era o Juiz e, em chefe, em tempos de guerra. Fazia guerra ao seu
bel-prazer, e, frequentemente, contra seus vizinhos, e, às vezes, contra
o seu soberano.
DO FEUDALISMO À MODERNIDADE:
153
Por fim, não é preciso dar maiores destaques com relação ao fato da França estar
ou não unificada, visto que os documentos citados até aqui já deixam isso bem
explicitado. Entretanto, precisamos compreender como se organizou o absolu-
tismo nesse país.
Quando afirmamos anteriormente que a França foi o país onde o absolu-
tismo se cristalizou de forma mais velada, Norbert Elias (1993, p. 19) também
considera esta afirmação:
Alguns dos mecanismos mais importantes que, em fins da Idade Média,
foram aumentando o poder da autoridade central de um território po-
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Tocar nesse assunto sem, mais uma vez, fazer uma comparação com a Inglaterra
é praticamente impossível. Da mesma forma, quanto mais você perceber essas
diferenças, melhor será para que o conteúdo fique mais claro. No entanto, ao
contrário do que houve na Inglaterra, em que o poder do rei foi constantemente
O Absolutismo
V
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
a supremacia do poder central corria sério risco ou - como no caso
da Inglaterra - tinha seus dias contados. Dessa maneira, observamos
frequentemente entre os governantes que, enquanto um protege e pro-
move a burguesia porque a nobreza aparece poderosa demais e, por
isso mesmo, perigosa, outro se inclina para a nobreza, porque esta se
tornou muito fraca ou porque a burguesia se mostra muito refratária,
sem, contudo que o outro lado seja jamais inteiramente negligenciado.
Como foi possível perceber, prezado(a) aluno(a), o rei sabia muito bem fazer o
jogo do poder. Ele sabia utilizar-se do poder econômico para comprar seu apoio.
Além disso, soube utilizar o seu poder de concessão de monopólios, pois, dessa
forma, obteria o apoio da burguesia.
O mecanismo de divisão social que havia na França era um dos principais
pontos que davam sustentação ao absolutismo. Havia nesse país uma rígida hie-
rarquia social, que já existia desde os tempos do feudalismo. A sociedade francesa
era dividida em estados, com os mesmos pressupostos dos estamentos no feu-
dalismo, visto que era o nascimento a condição que determinava o estado ao
qual o sujeito pertencia.
O resultado da desigualdade política, tributária e jurídica que se insti-
tuiu foi uma sociedade dividida rigidamente em três Estados: no topo
da pirâmide social, e beneficiados por vários privilégios, estavam o
clero (Primeiro Estado) e a nobreza (Segundo Estado); na base, esta-
vam os integrantes da burguesia (Terceiro Estado), cuja esmagadora
maioria era praticamente desprovida de qualquer privilégio e ficava
com todo o ônus tributário da nação. O desenvolvimento da França no
período moderno assentou-se, portanto, na rígida e desigual hierarquia
social, que acabou por determinar a forma como os franceses aboliram
o Antigo Regime no século XVIII (PEREIRA, 2011a, p. 42).
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O Absolutismo
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cracia que o nosso sistema político e econômico tem, desde os tempos coloniais.
Isso foi denominado por Tocqueville como Estado tutelar, em que cabia a este
“proteger” o súdito.
No antigo regime, como hoje, não havia nenhuma cidade, aldeia, vi-
larejo ou povoação da França, por menor que fosse, nem hospital,
fábrica, convento ou colégio algum com o direito de administrar in-
dependentemente seus negócios particulares ou seus bens. Na época,
como aliás hoje, a administração tutelava todos os franceses e, se a
insolência da palavra ainda não se produzira, a coisa em si já existia
(TOCQUEVILLE, 1997, p. 71-76).
Essa dependência das decisões do Estado se mostrou muito nociva, já que houve
um grande desestímulo à produção. A longo prazo, a falta de investimentos decor-
rentes do excesso de intervenção – essa que era assistida em toda as esferas do
poder - produziu uma grande crise econômica, que foi acelerada por inúmeros
outros problemas econômicos e sociais. Segundo Pereira (2011a, p. 45):
Foi moldada, ao longo do tempo, uma população cujos indivíduos as-
semelhavam-se pela condição de dependentes e tutelados do Estado
absolutista. Isso trouxe sérios problemas políticos para os reis france-
ses, principalmente no século XVIII, pois eles se viram impossibilita-
dos de atender a todas as demandas da sociedade, que havia se tornado
mais complexa, exigente e dividida em termos sociais e políticos. Nesse
contexto, eles passam a perder legitimidade e apoio para governar de
modo absoluto, inclusive no interior do clero e da nobreza.
DO FEUDALISMO À MODERNIDADE:
157
nova situação, pouco a pouco, passaram de apoiadores a críticos. Isso pode ser
observado, conforme Pereira (2011a) advertiu, no seio da própria nobreza e do
próprio clero. Em suma, o governo absolutista passava a perder legitimidade
dentro dos próprios segmentos que antes lhe eram fiéis. Esse descontentamento
só fez aumentar, causando revolta e inquietações. Isso é o que veremos no pró-
ximo tópico.
“Ao longo dos séculos, existiram homens que deram os primeiros passos em
novas estradas armados apenas com a sua própria visão”.
(AynRand).
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Diante da questão acima, você pode até mesmo pensar que não há nada
de complexo ou de profundo. Uns podem dizer: mas houve uma Revolução na
Inglaterra. Entretanto, diante da conjuntura que a Inglaterra apresentou às vés-
peras de sua revolução, podemos afirmar que houve uma mesma dimensão? De
fato, não. Sendo assim, nosso objetivo é fazer um debate acerca desses temas,
enfatizando a situação que fez emergir a revolução na França.
O lema da revolução Francesa era “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”,
mas será que os franceses não tinham liberdade, igualdade ou fraternidade
antes de 1789? Primeiramente, um dos pontos principais que devemos obser-
var é com relação à Igreja e a sua posição na sociedade. O Clero, assim como a
Nobreza, pertencia ao estamento superior e, sendo assim, era isento de tribu-
tos. Percebe-se que, em termo de igualdade, no quesito tributo, ela não existia.
Entretanto, engana-se aquele que acredita que os revolucionários eram contra
o poder da Igreja. Segundo Tocqueville (1997), embora o Clero tenha sido um
dos primeiros alvos da Revolução, a instituição religiosa foi a primeira a se orga-
nizar após os conflitos.
Vejam como a marcha do tempo pôs esta verdade em evidência,
realçando-a dia a dia: à medida em que a obra política da Revolução
consolidou-se, arruinou-se sua obra irreligiosa; à medida em que
todas as instituições políticas que atacou melhor foram destruídas,
que os poderes, as influências, as classes que lhe eram particularmente
odiosas foram definitivamente vencidas e que, como último sinal de
sua derrota, os próprios ódios que inspiravam foram enfraquecendo; à
medida, enfim, que o clero mais se afastou de tudo que caíra com ele,
vimos gradualmente o poder da igreja reerguer-se e fortalecer-se nos
espíritos (TOCQUEVILLE, 1997, p. 56).
DO FEUDALISMO À MODERNIDADE:
159
ao povo com mais força seu rigor e sua opressão, mas, ao contrário,
naqueles onde menos se fazia sentir e assim foi que seu jugo pareceu
mais insuportável lá onde era na realidade o menos pesado (TOCQUE-
VILLE, 1997, p. 71).
Como você pôde perceber, na França, em que o jugo feudal parecia mais insu-
portável, era, na verdade, mais leve em relação à Alemanha, por exemplo, já que
o exército de Frederico II, ainda no século XVIII, era composto em sua totali-
dade por servos. Ou seja, essa instituição feudal, a servidão, era muito presente
(TOCQUEVILLE, 1997). Em suma, podemos destacar:
O feudalismo continuou sendo a maior de todas nossas instituições
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civis quando deixou de ser uma instituição política. Assim reduzida,
provocava ainda muito mais ódio e esta verdade permite-nos dizer que
ao destruir uma parte das instituições da Idade Média tornaram cem
vez mais odioso (sic) o que delas sobrava (TOCQUEVILLE, 1997, p.
76).
O autor acima justifica o motivo pelo qual uma revolução, nos moldes como
ocorreu na França, somente encontrou neste país terreno fértil, em razão desse
anacronismo institucional. A revolução aconteceu na França porque era o único
lugar que possuía todas as características necessárias para provocar o ódio e a
revolta na população.
Ainda se tratando da permanência de instituições feudais em pleno século
XVIII, não podemos nos esquecer da própria nobreza. Embora já tenhamos
dado atenção a esse tema de forma superficial, acredito ser pertinente mostrar
a você um pouco mais sobre ele.
No século dezoito, todos os negócios da paróquia eram conduzidos
por um certo número de funcionários que não eram mais os agentes da
senhoria e que o senhor não mais escolhia; uns eram nomeados pelo
intendente da província, outros eleitos pelos próprios camponeses.
Cabia a estas autoridades repartir o imposto, conservar as igrejas,
construir escolas, chamar e presidir a assembleia da paróquia. Velavam
o bem comunal, instauravam e seguiam os processos em nome da
comunidade. O senhor, além de não mais dirigir a administração de
todos estes pequenos negócios locais, tampouco os controlava. Todos
os funcionários da paróquia obedeciam ao governo ou ao controle do
poder central (...). Mais do que isto, quase não se vê mais o senhor
agir na paróquia como o representante do rei, como o intermediário
entre o rei e os habitantes. Não está mais encarregado de aplicar as leis
gerais do Estado, juntar as milícias, cobrar os impostos, publicar os
DO FEUDALISMO À MODERNIDADE:
161
Essa citação, prezado(a) aluno(a), mostra de forma clara que o camponês fran-
cês era um homem livre. O Estado, embora tivesse aquela característica tutelar,
permitia que o camponês francês tivesse uma liberdade como muitos outros da
Europa não possuíam. A servidão era vista em pouquíssimos lugares. Ou seja,
aquele sistema em que o homem era preso à terra, como era o caso da servidão,
não mais existia há quase cinco séculos. Isso já é suficiente para mostrar que a
questão da liberdade, como princípio da luta que ocorreu no século XVIII, não
representa, nas palavras do autor, um fator preponderante.
Mas acreditamos que o(a) aluno(a) também pode pensar no fato de que na
França, embora o camponês fosse um homem livre, este não possuía os meios
necessários à sua subsistência. Do que adianta ele ser livre se não possui, por
exemplo, terras para seu cultivo?
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terras como antigamente. Dentre as instituições feudais, a terra era um instru-
mento de poder. Quem possuía mais terras, certamente, haveria de ter mais
poder. Raramente em uma região havia mais de um proprietário. Sendo assim,
se observarmos a citação acima, perceberemos que a quantidade de proprietários
em comparação à quantidade de propriedades, pressupõe-se que havia uma plu-
ralidade de proprietários. Para os padrões da época, a França havia conseguido
um grande avanço. E o que mudou com isso? Qual foi a grande transformação
que o aumento de propriedades fez na vida do camponês e que, em linhas gerais,
contribui para a eclosão da Revolução Francesa?
Como os camponeses passaram a serem donos de sua própria terra,
puderam perceber quanto sofriam para pagar os impostos. De fato, (...)
só vamos sentir o peso do Estado em nossas costas quando olhamos os
produtos e vemos a quantia absurda de impostos que são cobrados ou
quando vemos o nosso holerite e percebemos o tanto de descontos que
temos em razão das contribuições obrigatórias. Ficamos ainda mais
enervados quando precisamos de serviços públicos de qualidade e nos
deparamos com filas enormes em hospitais e postos de saúde. Quando
percebemos o quão mal tratado são nossas escolas públicas. Ou como
são “bem” conservadas nossas estradas públicas e os serviços básicos de
que tanto precisamos (MEN, 2014, p. 80).
DO FEUDALISMO À MODERNIDADE:
163
O Estado se tornou mais pesado na vida das pessoas, mas não havia qualquer
tipo de retribuição. Na medida em que seu peso foi aumentando e as funções
foram diminuindo, tornou-se uma instituição obsoleta, sendo, assim, necessá-
rio modificar suas bases. Dessa forma, qual foi a grande obra da Revolução? Isso
é o que veremos em nosso próximo tópico.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ra-la tal qual é, veremos claramente que o único efeito desta revolução
foi abolir as instituições políticas que durante século dominaram total-
mente a maioria dos povos europeus e que recebem geralmente o rótu-
lo de instituições feudais e substituí-las por uma ordem social e política
mais uniforme e mais simples tendo por base a igualdade de condições
(TOCQUEVILLE, 1997, p. 67).
DO FEUDALISMO À MODERNIDADE:
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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precisamos interpretar os fatos à luz de uma metodologia que consiga demonstrar
com clareza aquilo que se pretende analisar. Não existe verdade absoluta em histó-
ria. O que torna um fato ou um posicionamento mais aceitável do que outros são
os procedimentos metodológicos bem como as fontes e documentos utilizados.
No que diz respeito à França, precisamos observar que, desde o processo de sua
unificação, há uma intensa luta entre o rei e o clero, bem como rupturas e conti-
nuidade de suas instituições ao longo dos séculos. Esse foi o grande mérito da obra
de Tocqueville. A França moderna era tão parecida com a feudal que as razões pelas
quais se procedeu a Revolução foram muito mais pela falta do funcionamento das
instituições feudais do que pela sua inexistência. Enfim, é um tema bastante com-
plexo e que necessita de um estudo mais aprofundado para sua melhor compreensão.
É importante ressaltar que esta unidade está longe de querer ser transfor-
mada em um fim. Nossa intenção, primeiramente, é fazê-la um meio pelo qual
você, estudante da graduação em História, tome conhecimento dos fatos e possa
se aprofundar em estudos futuros. Essa foi a nossa principal preocupação.
Com relação à França no seu período de consolidação do Estado, torna-se
imprudente destacá-la da realidade vivida por países como Inglaterra. Por isso,
temos que estudar sua história à luz daquilo que se havia na época, sem pré-jul-
gamentos desnecessários.
Outro ponto é com relação ao absolutismo, pois aquela instituição não fora vista
em outro país como fora na França. A sociedade moderna, marcada por uma tutela
excessiva do Estado, foi uma das principais marcas daquela nação e a Revolução
Francesa foi a obra responsável por questionar tudo isso, entretanto, a mudança
vista não foi de toda uma obra da Revolução, como muitos podem acreditar.
DO FEUDALISMO À MODERNIDADE:
167
Ao estudarmos a formação das nações francos, entre 987 e 996. O primeiro pro-
modernas e o papel que as lutas políti- curou governar os senhores feudais, sem,
cas desempenharam nesse processo, não no entanto, deixar de respeitá-los. Luís, o
podemos deixar de considerar um aconte- Gordo, protegeu a Igreja, mas não procurou
cimento que teve sua origem no momento nela a base do poder soberano. Esta realeza
em que as comunas, combatendo os senho- era muito diferente das de Felipe I (1060-
res feudais para obter sua liberdade, davam 1108) e de Roberto II (996-1031), que se
início à formação do Terceiro Estado. Trata- caracterizaram pela moleza e inércia. Tam-
-se da formação da realeza, acontecimento bém não era semelhante à antiga realeza
que foi uma consequência das mudanças dos Carolíngios (751-987), marcada pela
ocorridas nas relações feudais. Reiteramos força e pela glória. Em tudo era uma rea-
que a realeza e o Terceiro Estado nasceram leza distinta da que até então existira. Essa
e se fortaleceram juntos no interior do feu- nova realeza não pretendia o poder abso-
dalismo. Embora a realeza tenha tido um luto e nem se colocava como a herdeira
papel decisivo na libertação das comunas dos antigos imperadores. Ela reconhecia
e na formação do Terceiro Estado, não os e respeitava a independência dos senho-
antecedeu, foi uma espécie de consequ- res feudais, deixando que eles exercessem
ência da luta contra os senhores feudais. a jurisdição em seus domínios. Ela apenas
Ou seja, a constituição da realeza, a forma- se destacava da feudalidade, colocando-
ção dos estados nacionais e a criação das -se como um poder distinto, superior aos
monarquias absolutistas são aspectos do demais. Acreditava ter, pelo título original, o
mesmo processo. direito de intervir para restabelecer a ordem
e a justiça e proteger os fracos contra os
Segundo Guizot, a realeza feudal teve pro- poderosos.
priamente seu início na França, com Luís,
o Gordo (1081-1137). Com este rei princi- Sua originalidade estava no fato de que
piou também a realeza moderna, ou seja, não pretendia fundar um império nos mol-
delineou-se um poder geral nas mãos do des romanos, como fora o caso de Carlos
rei, dando origem à frase Sabe-se que os Magno, tampouco seguir e submeter-se à
reis têm as mãos compridas. Foi nesse Igreja, como ocorreu com Hugo Capeto. A
momento que a realeza começou o pro- originalidade da realeza estava na circuns-
cesso de submissão das diferentes “classes” tância de que se encontrava em harmonia
da sociedade. As características do governo com as necessidades reais e imediatas da
de Luís, o Gordo, em nada se assemelham sociedade, de que não tinha nenhum prin-
às do reinado de Carlos Magno (747-814), cípio que não fosse o estabelecimento da
entre 771 e 814, e, muito menos, às do rei- paz, a proteção dos pobres, a intervenção
nado de Hugo Capeto (938-996) sobre os nas disputas entre os senhores e a busca da
manutenção da ordem. Em síntese, residia Na luta de Felipe-Augusto contra o poder
no fato de que tinha como único princípio o eclesiástico, percebemos que a realeza
bom senso. Embora possa parecer simples, foi se libertando das demais instituições
esse objetivo foi mais do que suficiente de natureza feudal para se converter, len-
para provocar uma completa alteração nas tamente, em um poder soberano. Desse
relações entre a realeza e os senhores feu- modo, a mudança na forma do poder,
dais. Ele deu origem a um poder que se que passou de privado, já que se encon-
encontrava acima dos senhores feudais e trava nas mãos dos senhores feudais, para
que buscava regular as relações sociais. público, porque concentrado nas mãos do
rei, também foi feita de forma gradativa, da
Segundo Guizot, o princípio do bom senso mesma maneira que ocorreu a libertação
alterou a forma da realeza. Com Luís, o das comunas.
Gordo, bem como com seu filho Luís, o
Jovem (1120-1180), a realeza adquiriu Segundo Guizot, o reinado de Felipe
características públicas. Desempenhou a Augusto representou um grande desen-
função de fiscalizar as relações feudais. A volvimento social no sentido de uma
partir de então, a realeza moderna passou organização e de uma sistematização das
a existir verdadeiramente, desempenhando leis e das relações sociais. Um exemplo
o papel que, durante muito tempo, lhe per- desta mudança na forma do poder e da
tenceu. Se, com Luís, o Gordo, e seu filho, organização foi o testamento deixado por
assistimos à tentativa da realeza de sobre- Felipe-Augusto quando participou da Cru-
por-se aos domínios feudais, de estabelecer zada. O fato de ele pretender que o governo
leis com caráter público, com Felipe-Au- do reino fosse tranquilo durante sua ausên-
gusto (1165-1223), vemo-la buscar sua cia dá a medida de como o governo era
libertação do poder clerical, tentar separar real e, de certo modo, geral. Promovendo
o poder temporal do eclesiástico, principal- a estabilização, seu reinado contribuiu
mente o do papa. Esta separação entre o imensamente para o desenvolvimento da
poder temporal e o espiritual, relacionada civilização. Felipe-Augusto fez mais ainda:
ao surgimento de uma realeza indepen- pavimentou as ruas de Paris, aumentou e
dente, mantida pelo seu próprio direito e elevou seus limites, construiu aquedutos,
apoiada pelos grandes vassalos, desem- hospitais, igrejas e aléias. Preocupou-se
penhou um papel importante na história com o conforto material de todos os seus
da França. súditos.
Fonte: adaptado de: OLIVEIRA, Terezinha; MENDES, Claudinei Magno Magre. As transformações
da nobreza e a emergência do Terceiro Estado. In: PEREIRA, José Flávio. (org.). Tempos Modernos:
economia, política, religião e arte. Maringá: EDUEM, 2011. (p. 51-72)
169
Danton
Ano de lançamento: 1982
Gênero: Drama Histórico:
Direção: Andrzej Wajda.
Elenco: Gérard Depardieu e grande elenco.
Sinopse: Este filme mostra o período posterior ao da Revolução
Francesa, em um momento em que o terror começa a tomar conta
daquele país. Os interesses de Danton acabam se chocando com os
de Robespierre, ambos líderes da Revolução. Danton acaba levado
a julgamento.
pôde perceber que essas semelhanças foram ficando pelo caminho, na medida em
que a Inglaterra foi nutrindo um valor e um apreço maior pela liberdade, enquanto
os franceses sucumbiram diante do Estado Tutelar. Os Ingleses mostraram ao mundo
que era possível limitar os poderes reais. Também mostraram que as leis existiam e
deveriam ser seguidas por todos. Além disso, ensinaram uma nova forma de gover-
nar, baseada na cooperação, na discussão e no debate de ideias, não simplesmente
pela imposição. A ideia de Estado de Direito também emergiu diante das situações
criadas na Inglaterra, pois ficou evidente que as leis deveriam ser cumpridas por
todos, inclusive pela autoridade máxima. Dessa forma, não haveria distinção quanto
aos sujeitos de direito. Todos deveriam ter o mesmo tratamento diante da lei.
Na última unidade, mostramos a você como foi o desenvolvimento da sociedade
francesa e como se encontrava esta às vésperas da Revolução. O mais importante
foi perceber que as causas desse evento não foram semeadas a duas, três ou quatro
décadas, mas sim durantes séculos. Por muito tempo a França se viu em situação
delicada, no que diz respeito as suas instituições. O anacronismo tornou essas ins-
tituições inaceitáveis, fazendo com que a população se sublevasse contra o poder
estabelecido.
Dessa forma, agradecemos a sua leitura. Espero que você desperte curiosidade e
vontade pelos temas aqui tratados. Muito em breve, você estará ministrando aulas
ou pesquisando o assunto e o domínio desses temas apresentados será de grande
importância.
173
REFERÊNCIAS
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trópolis, R.J.: Vozes, 1989a. p. 9-33.
BRAICK, Patrícia Ramos. Estudar História: das origens do homem à era digital. São
Paulo: Moderna, 2011.
DOREN, Charles Van. Uma breve História do Conhecimento. Rio de Janeiro: Casa
da Palavra, 2012.
ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993. v. 2
(Formação do Estado e da Civilização).
_____. Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio. São Paulo: Editora Brasi-
leira, 1970.
_____. Da Natureza dos Franceses. In: _____. O Príncipe: Escritos Políticos. São Pau-
lo: Nova Cultural, 2000b. p. 209-212.
_____. Relação sobre a França. In: _____. O Príncipe: Escritos Políticos. São Paulo:
Nova Cultural, 2000c. p. 213-231.
MARTINS, Carlos Estevam. Vida e Obra. In: MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe: Escritos
Políticos. São Paulo: Nova Cultural, 2000. p. 5-27.
PEREIRA, José Flávio. As Revoluções Inglesas de 1642 e 1688. In: PEREIRA, José Flá-
vio. (org.). Tempos Modernos, tempos contemporâneos: as origens da sociedade
contemporânea. Maringá: EDUEM, 2011. p. 83-109.
PEREIRA, José Flávio. A sociedade moderna na Inglaterra. In: PEREIRA, José Flávio.
(org.). Tempos Modernos: economia, política, religião e arte. Maringá: EDUEM,
2011. p. 25-38.
PEREIRA, José Flávio. A Sociedade moderna na França. In: PEREIRA, José Flávio.
(org.). Tempos Modernos: economia, política, religião e arte. Maringá: EDUEM,
2011. p. 39-50.
UNIDADE I
UNIDADE II
1. Nicolau Maquiavel foi um autor que deixou explícito em suas obras muito dos
valores renascentistas. Dentre eles, podemos destacar o humanismo, tendo em
vista que ele valorizava a experiência humana, em detrimento das idealizações
religiosas. Ele também valorizava o conhecimento histórico como uma fonte de
sabedoria e poder. Para esse autor, os homens públicos deveriam se espelhar
mais nas experiências do que em qualquer outra coisa. Além disso, ele foi buscar
inspiração de suas obras na literatura clássica grega e romana, mais uma carac-
terística renascentista.
2. Uma das questões que você deverá observar em sua pesquisa é com relação a
frases que Maquiavel nunca escreveu, por exemplo “os fins justificam os meios”
e o próprio termo maquiavélico que, em linhas gerais, é empregado de forma
errônea.
3. A.
4. B.
GABARITO
UNIDADE III
UNIDADE IV
UNIDADE V
INGLATERRA FRANÇA
Mais liberal Mais dependente
Soube limitar o poder real Não evitou o absolutismo
Criou instituições fortes Possuía instituições anacrônicas
2. O Absolutismo foi um período em que o rei possuía todas as esferas do poder
concentradas em suas mãos. Ele fazia as vezes de executivo, de legislativo e de
judiciário. A própria palavra absoluta tem em seu significado etimológico a ques-
tão “desvinculada”, ou seja, o poder não está vinculado a nada, nem à lei nem a
qualquer instituição. Sendo assim, o rei tinha o poder absoluto e intervinha em
todas as instâncias da vida e da sociedade civil francesa.
3. D.
4. A.