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A A ndré, Luiui è Tomás, crescendo em sabedoria e graça.

Aos amigos M ônica Yumi Jinzenji, Luciano M endes


de Faria Filho, Ceres Leite Prado, A dlene Arantes,
Fabiana Silva e M arta Catanho, que fizeram uma
leitura atenta; os erros e as lacunas são só nossos.
JK . i •
L

y .

Território plural
A pesquisa em história da educação

Ana Maria de Oliveira Galvao


Doutora em Educação pela Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG)

Eliane Marta Teixeira Lopes


Professora emérita da Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG)

ea
editora atica
o A^a Mana de OIrrara Calvin e Eüane Mar» Taxara Lopes

Eáiror-chefe Carlos S Mendes Rosa


Leitor üí^rmrc Tranlc de Olivara
Copidesque Jos4 Munu )r
Rcvuorcs Maurício Kaayama. Diniclle Mendes Sales.
Mana do Rosar,o Sousa
Estagi-ina Momse Martina

Aate
Editor Viniaus Rossignol Feíipe
Dugramadora Leslie Morxu
Capa Leslie Morais
Imagem da capa SjpersuxLc/Gerry Images
Pagínação Acqua Esnid.o (jsifi.co

O trecho da thJLogo corre Peprns e Alm inc pthiccade *s fd g n j 5. ex n t+ o do nJr


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CJP-BRAS1L CATALOGAÇÃO VA FON"^E


SINOICATO NACIONAL i> A EdWo RFN R,*1

L85I:
Lopes, FJnne V.aitj $01:01 T n im . IV46-
Jtrriofio plural a pe.qu.ia cm lu ó ra ca r.\ ua— cLu~^ '-tara Tarara Lopes. Ana Mjru
de Oliveira Galvio - * ed - São Paulo Ano 2010
I !2p (F-ducaçin)
Incij, jibliiRirlia
ISBN 978-B5-OB 15414-4
I Ld,.cação - Hjtoira. 2 educação - P cscca I Ga-ae. Asa Mana Oe Ol vr-.-a li TPulo
III Série
10-2324 C0 3 3' 5 01
CD».' 37 048 *•<*' <Vf)

ISBN 978 85 08 13414-4


Código da obra CL 7371VI

2010
1* edição
1* impressão
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desemprego, prejudica a difusão da c u ltu n e encirece os livros que vocé compra
- O que é a osc riu?
- O guarda da história.
- O que é a palavra?
- A delatora dos segredos da alma.
- Quem gera a palavra?
- A língua.
- O que é a língua?
- O chicote do ar.
- O que é o ar?
- O guarda da vida.
- O que é a vida?
- A aiegria dos ditosos, aflição dos miseráveis, espera da m orte.
- O que é a morte?
- Um fato inevitável, uma incerta peregrinação, lágrimas dos vivos,
confirmação dos testamentos, ladrão do homem
- Que é o homem5
- Servo da morte, caminhante passageiro, sempre um hóspede em
qualquer lugar. (...)

Trecho de um diálogo entre o mestre Pepino


e ojovem Alculno, filho de Carlos M agno,
século V III ( tradução de Jean L auand)
Sumário \

Apresentação...................................................
Introdução........................................................
Uma pequena história da educação........................

1 História da educação: uma disciplina,


um campo de pesquisas ...........................
Uma história do campo: os enfoques tradicionais
Outras tendências historiográficas e a história da
educação....................................................................................... 31

2 Histórias da educação: novos objetos................... 43


História do ensino ....................................................................... 43
História dos intelectuais c do pensamento
pedagógico................................................................................. 46
História da alfabetização, do livro c da leitura .................. 47
História das crianças e dos jovens ........................................... 52
História das m ulheres.................................................................... 57

3 Fontes para uma história da educação................... 65


A escolha das fontes ..................................................................... 66
Algumas fontes ............................................................................. 67
O tratamento das fontes............................................................. 78

4 O projeto de pesquisa em história da educação ... 83


O problema de pesquisa e a justificativa ................................ 84
A revisão de literatura ................................................................ 89
A fundamentação teórica .......................................................... 90
Os objetivos.................................................................................. 91
A. metodologia ...............................................................................
Referências e bibliografia............................................. .............. 93

Uma palavra final.................................................... 95


Bibliografia e sugestões de leitura ................................. 105
Apresentação

Uma primeira versão deste livro foi publicada cm 2 0 0 1 , por


outra editora, com o título História da educação. Decidimos rces-
crevê-la e atualizá-la com base nos estudos que vêm sendo realiza­
dos na última década, além de lhe acrescentar um capítulo, em que
sugerimos caminhos para a elaboração de um projeto de pesquisa
nesse campo.
O livro é dirigido a alunos de graduação, cm particular os de Pe-
dagogia, os de História e os de outras licenciaturas. Pensamos, ainda,
nos que estão começando uma trajetória de pesquisa na área e nos
alunos de mestrado em Educação e em História, que muitas vezes
somente têm contato com o campo ao elaborar sua dissertação. Por
fim, desejamos que o livro seja útil para professores em formação e
em exercício, assim como para um público mais amplo de educado­
res, historiadores e curiosos.
Como professoras e pesquisadoras de história da educação, temos
deparado com diversas perguntas, cujas respostas procuramos organi­
zar neste livro:

1. Como surgiu a disciplina história da educação e esse campo de estudo?


Com base nesse questionamento elaboramos o primeiro capítu­
lo, que trata do momento e do contexto em que surgiu a discipÜna
de história da educação e de como ela se desenvolveu, sobretudo no
Brasil. Partimos da premissa de que, por trás de todo conhecimento
produ/.ido, existe um trabalho de investigação. É, portanto, com o
um território aberto à pesquisa que tratamos a disciplina história da
educação. Não pretendemos fazer uma cronologia do seu desenvol­
vimento. Em vez disso, procuramos identificar características que o
marcaram e ajudaram a configurar esse campo, dando a ele seus con­
tornos atuais.

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2. De que se ocupa. afinai a bistóna da educação Se ó história, que


histónaísj com aQ uau uio seus personagens, em que trnanos se desenro­
lam as rramas?
Basta olhai cm solta —a dimensão educativa perpassa a sociedade
como um todo F m nosso temyv», .1 esrwia o a principal tnstmiiçvo (|«ir
educa c instrui, mas todas as sociedades u existentes criaram, s.ula
uma a seu tempo, maneiras de educar homens c mulheres, crianças,
jovens e adultas. Nesse senodo. sena mais apropriado talar cm histó­
rias da educação Por tsso interessam-nos não somente os estudos so­
bre o ensino e a escola - oh fttn tradicionais da disciplina. í preciso
tamhcm considerar as pesquisa» sobre as crianças c os |Ovcns, o livto
e a leitura, as rruihcrev. entre tantos outros sujeitos c objetos 1-ssa
variedade de abordagens. de coe trararrmos no segundo capítulo, con-
trioui para comprrrnocr os praccaos educativos do passado.
3 Com o o hisw rzaojrr <ta ea u io Jic nrconstrói o passado sobre o qu al se
debru ça' D e qu e 'irmrr.x-! .onça mao para escm v r seu roteiros'
É. sempre mister.oso. pan caem lc um livro dc cunho histórico,
pensar como o autor cr.es-- ••• i escrever o que escreveu Como ele sabe
isso que eu não sei' O rde e como ficou sabendo' Se há uma história
contada, como se cnovruirarr .< pedamos dc história? Sc o passado nun­
ca pode s c t plcnameme cor.ncoúo c compreendido, como ter acesso ao
que passou' A resposta a todas «vai perguntas está nos traços que Fo­
ram deixadas nos vesrigir» r_ao apagados, que dizem algo sobre a vida
das pessoas c sobre as relações que cia» estabclccrrani entre si. No ter­
ceiro capítulo, vamos nos deter na maicria-prima básica do historiador,
tudo aquilo que ele encontra e uta para fazer história: as fontes
4. Com o se fa z um projeto de pesquisa em história da educaçao'
O primeiro passo que se deve ciar para fazer uma pesquisa, cm
qualquer área, é elaborar um projeto. Com base nas dúvidas que te­
mos escutado, no quarto capítulo apresentaremos sugestões de como
consiruí-lo.
Para a conclusão, escolhemos um poema que diz um pouco do
que dissemos, pensamos e... sentimos, pois de literatura também vi­
vem a história e os historiadores

10
I I-
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y> Introdução
í . :*~
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I - >«

Educação. Ensinar, aprender. Aulas, alunos, provas Professoras.


Material escolar. Ltvros e leituras. Transm issão da cultura de geraçao

a geração. , f
De uma maneira ou de outra, esses (erm os lhe são ou ja lhe loram
familiares. Pelo menos para nós, leitores escolarizados, o universo da
educação e, particularm ente, o m u n d o escolar estão (ou esn v e ra m ;
bastante presentes no cotidiano. D e tão falada, vista, vivida, in corp o­
rada, acostumamo-nos com essa realidade. C o m isso, correm os o ris­
co dc naturalizá-la; torn am o-n os incapazes de esrran h a-la e d c nos
surpreendermos com ela. A primeira vez que tom os à escola, a estreia
como professores, as experiências co m o pais e m ães, filhos e filhas,
nossa formação com o leitores... Tudo que um dia foi o outro , c que
causava surpresa c encanto, hoje faz paitc dc nós.
Apesar dessa familiaridade, m uito do que o corre no universo da
educação ainda é pouco conhecido pelos pesquisadores — e m esm o
pelos professores. Imersos nesse m undo, nem sem pre eles conseguem
perceber o que os estudantes pensam, o que é ensinar e aprender,
qual é o sentido dc cada uma das cenas que co m p õem o dia a dia da
escola, que significados possuem a leitura e a escrita, o con h ecim en ­
to e o saber.
O estudo da história proporciona uma experiência sem elhante
àquela que obtemos quando viajamos para um lugar que ainda não
conhecemos. Nos dois casos, deparamos com o ''oucro”, algo distante
de nós no tempo e no espaço. Esse encontro nem sempre causa uma
mudança no olhar do estudioso da historia ou do viajante — tornan­
do-o menos etnocêntrico, por exemplo. No entanto, o contato com
o que ê diferente pode possibilitar, por similitude c dilerença, uma
maior compreensão de si e da própria cultura. Ele nos mostra o quan­
to somos universais e, ao mesmo tem po, particulares.

11
A na M arta rie 0«veira Galvão e Eltane M arta Teixeira Lopes

Além da história e das viagens, há muitas outras experiências que


proporcionam essa descoberta: o cinema, o teatro, a literatura, a con­
versa com pessoas e grupos de diferentes idades, classes sociais, etnias,
gcncros... N o encontro com personagens e paisagens que não são os
dc nosso cotidiano, estabelecemos uma relação com um mundo ori­
ginal e, ao mesmo tempo, com o que é familiar, universal. Cabe-nos
cultivar a sensibilidade, a disposição e a disponibilidade para compa­
rar, analisar, interpretar, descobnr os quês e os porquês de outras épo­
cas, de outros lugares, que, a um só tempo, parecem tão próximos e
tão distantes daquilo com que lidamos a cada dia.
Para fazer história, é necessário, antes de mais nada, estar radical-
mente disposto a ler, ver, ouvir e contar o outro. Imersos num presen­
te que traz indagações, impõe questões e sugere temáticas, os pesquisa­
dores e os professores atentos formulam problemáticas para a história:
o que se fazia, por que se fazia, quem fazia, como se fazia algo em de­
terminada época, numa sociedade específica?
Do ponro de vista pragmático, a hisTÓria pode ser considerada um
saber inútil. Porém, há quase um século da vem abandonando o pa­
pel de julgar o passado. Em vez disso, o historiador debruça-se sobre
esse passado e exrrai dele lições para o presente c para o futuro. Junto
com outras formas de explicação da realidade, a história tem contri­
buído para que entendamos rnelhor o que o presente nos coloca co­
mo problemas: um gesro, um modo de pensar, uma maneira de se
comportar, uma forma de agir... Talvez por isso, muitos alunos e pro­
fessores tenham dificuldade piara respxjndcr “para que serve a história”
e, partieularmente, a história da educação Afinal, o trabalho cotidia­
no em sala de aula exige respostas rápidas, seguras, diretas.
Em contrapartida, podemos oferecer o seguinte argumento: mu­
dam os currículos, os professores, as leis, os métodos c as técnicas de
ensino, mas muito do que se foi permanece. A história nos permite
ver que, em outros lugares, em outras culturas e em outras épocas, ou
aqui perto de nós, a educação (de modo geral) e a escola (em particu­
lar) têm se transformado, mas mantêm elementos que, surpreenden-
temenre, são os mesmos de um século atrás. Desse modo, a história

12
Temíóno plural

ajuda-nos a oLhar nossa realidade com paciência - afinal, as coisas


demoram muito para m udar Às vezes, é preciso esperar duas ou três
gerações para que uma inovação educacional se estabeleça.
As práticas escolares reperem-se em diversos tempos e espaços, com
diferenças que sugerem “variações sobre o mes/no tema”. É com o sc
folheássemos um livro de figuras. N um a página, vemos o pedagogo
que leva o menino a algum lugar: mãos dadas, olhos nos olhos. Em
seguida, o clérigo e os meninos com tabuinhas apoiadas no colo, sem
quadro-negro. Mais adiante, jovens rapazes lotam um anfiteatro en­
quanto o mestre empunha um livro e discursa em voz alta; na figura
ao lado, meninas de saias compridas e blusas engomadas, ornadas de
firas e cruzes, fazem fila sob o comando da professora-freira. Em outra
cena, a sala de aula não tem mais do que o piso de terra, caixotes ser­
vem de apoio aos papéis; os alunos têm alturas diversas, e a professora
pode ter a idade de qualquer um deles. Em outra figura ainda, vemos
20 computadores e 20 crianças, empolgadas com as maravilhas da tec­
nologia; à frente, um professor tenra encantá-las —injusta competição!
Atrás dc uma mesa, uma professora lê um livro. Os olhares das
crianças parecem vaguear. Um aluno boceja, o professor olha o reló­
gio —o tempo, às vezes, demora muito para passar... A luta contra o
tédio é incessante e se desdobra em pianos de aula e cronogramas mi­
nuciosos, belas ilustrações para temas insossos, proezas inacreditáveis
de professores que inventam músicas rimadas e métodos mnemòni-
cos infalíveis. As vezes, a indisciplina prevalece e é chamada resistên­
cia; às vezes, não. Confundem-se autoridade e autorirarismo; Liberda­
de e irresponsabilidade — mas nem sempre. No pátio de recreio, uns
provocam os outros, correm, brincam, fazem grupos, se batem. Há
jogos e lutas; há namoros, beijos clandestinos, troca dc bilhetes e de
afeto, ou grosserias. A vezes é mais bruto —muito mais.

Uma pequena história da educação

É curiosa a origem da palavra “escola”, tal como nos ensinam os


dicionários. Em grego, ao pé da letra, skholè quer dizer “ócio, vagar,
Ana Mana de Oliveira Galvào e Ellane Marta Teixeira Lopos

lazer”. No latim schoU, “ócios consagrados ao estudo”. A ideia que


hoje temos de ociosidade, muito ligada à preguiça, não é o que expli­
ca a essência da escola em seus primórdios. Anugamente, para estu­
dar, uma pessoa tinha de deixar de lado outras ocupações: o tempo
empregado nos estudos era digno apenas dos homens livres. A ocupa­
ção era um negocio, pois era preciso estar desocupado para aproveitar
a aprendizagem; era preciso cultivar uma preguiça, um ócio - que
logo, logo deixaria de ser. A escola era um lugar para se entregar aos
estudos Isso exigia um desejo de saber, um gasto por esse tipo de ari-
vidade em detrimento de outras. Aliás, a origem da palavra “estudo”
(do latim studium) está relacionada a gosto, desejo.
A escola foi uma invenção da sociedade grega, no século VI a.C.
Com o surgimento da democracia, um número cada vez maior de
privilegiados reclamava para seus filhos a iniciação ein técnicas e co­
nhecimentos até então reservados às famílias aristocratas, aquelas que
tinham aretê* (valor, excelência, virtude). Nesse contexto, o ensino
individual de mn p receptor já não bastava As crianças consideradas
livres frequentavam vanos tipos dc escola: de gramática, de educação
física, de música... Elas eram levadas à escola por um pedagogo (do
grego pauiagógos), o escravo encarregado de conduzir a criança à esco­
la e cuidar de sua educação moral, dc colocá-la no bom caminho —o
caminho da escola.
Ao longo do tempo e em cada cultura, a escola assumiu diversas
características. Entre os romanos, por exemplo, os estudos literários e
científicos constituíram o cerne do plano de estudos - diferentemen­
te dos gregos, que tinham na filosofia um dos seus pilares. Depois dc
substiruir a Grécia como potência econômica e militar da Antiguida­
de, o Império Romano leva os princípios da pax romana a todas os
domínios conquistados e faz do latim"' a língua parrilhada por todos.1

1. O conceito dc aretié fundamental para se entender a educação na Grécia antiga.


Sugerimos a leitura de Jacgcr (1979, p. 21-34).
2. O latim era a língua falada na região do Licio, onde se localiza Roma. A expansão
do latim para as regiões conquistadas pelo Império Romano fez surgirem as atuais
línguas româmeas, com o o português, o espanhol c o francês, entre outras.

14
Território plural

A Igreja Católica, que surgiu no interior desse império com o institui­


ção central da fé cristã, ocupou-se da educação, criando soas próprias

escolas.
Durante a longa Idade Média (séculos IV -X JV ), a Igreja ao mes­
mo tempo negou c conservou as heranças grega c rom ana Suas « c o ­
las nasceram sob o abrigo de mosteiros, igrejas e abadias, m as foram
também impulsionadas pelas atividades com erciais e artesanais que
começaram a se desenvolver nos burgos (cidades) e nas corporações
de ofício. Isso deu origem a instituições im portantes, co m o a univer­
sidade. Nas escolas medievais, estavam presentes tanto a form ação bí­
blica cristã quanto a preparação para o trabalho. Essa dupla natureza
do ensino estabeleceu novas formas de relação, dc ética e de estética,
inclusive pedagógicas. A preocupação com a educação, nessa época,
pode scr percebida na fachada e no interior das catedrais. As escultu­
ras, os vitrais e a organização do espaço religioso revelam o em penho
da Igre|a em ensinar aquilo que era im portante para ela c para as m o­
narquias que a apoiavam: a vida dos santos, de homens e (poucas) m u­
lheres sábios, e de Cristo - modelos de vida c de com portam ento.
Na Renascença (século X V ), a arte e a literatura antigas são resga­
tadas, anunciando uma nova visão de m undo. Deus e a vida santa,
extraterrena, deixam de ser o foco principal dos ensinam entos; em
contrapartida, a vida das pessoas de carne e osso torna-se um aspecto
central da cultura. Ou seja, a visão teocêntrica do m undo ( theós =
deus) vai dando lugar a uma visão antropocêntrica (anthrópos = ho­
mem). O movimento renascentista admite que a escola pode ser ale­
gre e que os estudos literários, científicos e filosóficos são panes igual­
mente importantes do currículo.
A conquista da A m érica pelos europeus anuncia um a nova era,
com novas raças e culturas, o que obriga a pensar um novo tipo de
educação e um novo tipo de escola. Os portugueses chegaram a uma
nova terra —depois cham ada Brasil —e dela se apossaram. D urante
mais de três séculos, apesar dos muitos movimentos de resistência e
rebeldia, a colônia serviu de base econômica da metrópole europcia,
que aos poucos entrava em decadência. A grande propriedade agr/co-
^ ch MeS” d de O iiviira Galvào e tlia n e i^a rla 'eixoira Lo.»es

la c a escravidão sustentavam a economia dessa nova sociedade. Ela


era formada basicamente pelos índios, que já habitavam o Brasil ha­
via séculos, pelos colonos portugueses, por holandeses e franceses, e
pelos que vieram forçosamente da África, como escravos.
A Idade Moderna, a partir do século XVI. abre de pai em par ja­
nelas até então apenas entreabertas. As proposições teológicas da Re­
forma e da Contrarreforma, aliadas ao surgimento da imprensa, trou­
xeram profundas consequências para a educação. Primeiro, porque
estenderam a leitura e a escrira a um número maior de pessoas, o que
trouxe novos desafios para a escola, seus métodos c seu corpo docen­
te e discente, com suas regras de conduta e bem viver. Segundo, por­
que tais proposições admitiam um novo lugar para homens e mulhe­
res no mundo c no Universo, e uma nova concepção de ciência e de
razão. Olhando o céu prometido pela Igreja Católica para depois da
morte, a astronomia decide o lugar da Terra em relação ao Sol e aos
outros planetas.
O Brasil, parte do Novo Mundo conquistado por Espanha e Por-
tugai — países catolicos contrarrcformados teria na Companhia de
Jesus seu principal agente educador. Apesar das revoluções científicas,
a teologia, a moral e uma disciplina militar deram o tom do ensino
jesuítico, dirigido principalmcnte às crianças indígenas e aos filhos de
colonos. Por um lado, a ação educativa dos padres contribuiu para
destruir a cultura dos nativos, fazendo-os adotar hábitos e crenças dos
europeus colonizadores. Por outro lado, os jesuítas protegeram os ín­
dios dos mercenários c foram responsáveis pcJa educação da elite nos
colégios secundários, além de formar quadros para a própria Ordem
nos cursos superiores de teologia.
Com as transformações políticas da época e o advento da Revolu­
ção Industrial, as conquistas científicas da Europa disseminaram-sc
pelo mundo. Isso dá outra direção às relações entre Estado e capital,
estabelecendo uma nova geopolítica em nível mundial. Uma das con­
sequências mais importantes desse processo foi a democratização da
educação. Em Portugal, o marquês dc Pombal, representante dos no­
vos ventos racionalistas que varriam a Europa e outras partes do mun­

16
Território pluml

do, expulsou os jesuítas do reino c das colônias, acusando-os de acu­


mularem fortuna e de não propagarem as conquistas das revoluções
científicas. No Brasil, alguns anos se passaram até que o Fstado assu­
misse responsabilidades sobre a instrução. Para tentar preencher o
vácuo deixado pela Companhia de Jesus, foram promovidas as cha
madas “aulas régias”, classes avulsas de matérias que compunham o
que mais tarde seria o ensino secundário.
A partir da Revolução Francesa (século XVTII) e da definitiva
inserção do terceiro estado - isto é, de todos aqueles que não perten­
ciam nem ao clero (primeiro estado) nem à nobreza (segundo esta­
do) - na ordem econômica, são criados sistemas públicos de ensino.
Sob inspiração dos princípios do liberalismo, a educação gradativa­
mente torna-se pública, leiga, universal, gratuita e obrigatória: dever
do Estado, direito do cidadão. No caso brasileiro, o século XIX foi
marcado pela progressiva institucionalização da escola e da lenta afir­
mação do Estado como principal provedor da educação. Em 1808,
com o estabelecimento da família real no Brasil, que fugira das tropas
dc Napolcão, novos ares culturais c educacionais pasmam a ser respi­
rados na colônia. São criados cursos superiores, a Biblioteca Nacio­
nal, o Museu Nacional e o Jardim Botânico, entre outras instituições.
Com a Independência, em 1822, uma série de legislações nacionais
e provinciais começa a ser estabelecida. Questões antes intocadas,
como a inserção das meninas e dos negros na educação formal, tor­
nam-se bastante frequentes no debate político. O governo cria as
escolas normais e, a partir do final do século, a mulher passa a ocupar
a maior pane dos lugares no magistério primário. É também no sé­
culo XIX, principalmente após a abolição da escravatura, que imi­
grantes europeus e asiáticos começam a se estabelecer no Brasil como
mão dc obra livre, criando novas demandas para a educação e insti­
tuindo novos modos de educar.
Com a República (1 8 8 9 ), novas preocupações são anunciadas
em relação à educação e ao papel do Estado. Aos poucos, as institui­
ções escolares ganham materiais, espaços (prmcipalmente os chama­
dos “grupos escolares”) e profissionais adequados para esse tipo de
a i .;. Ma.ia ec Oliveira Galvao e Eliane M aria Teixeira Lopes

trabalho. A escola passa a ser vista com o a principal instância de


transmissão do saber cm detrim ento de outras —a família, as igrejas,
o trabalho etc.
C om a contribuição de novas ciências, como a psicologia e a so­
ciologia, o século X X traz novos debates sobre a educação. A escola
passa a ser fortemente questionada por dentro: o movimento da Es­
cola Nova, em suas várias vertentes, chama a atenção para o papel do
aluno com o sujeito da aprendizagem c do professor como mediador
desse processo. No Brasil, o Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova, de 1 9 3 2 , é um marco desse movimento: ao mesmo tempo que
questionava os métodos tradicionais de ensino, ele afirmava princí­
pios com o a obngatoriedade, a gratuidade, a laicidade e a coeduca-
ção, numa sociedade ainda pouco escolarizada.
O século X X é também o m om ento em que a instrução se disse­
mina no Brasil. Pnncipalmente a partir de 1930, em meio aos proces­
sos de industi ialização c urbanização, diversas leis foram criadas para
m elhorar a educação primária, secundária e superior. Aos poucos, as
cam adas popuiaics com eçaiam a ingressar nos processos formais J c
escolarização, embora nem sempre conseguissem neles permanecer.
Nesse período, vivemos duas diraduras: a do Estado Novo, de 1937 a
1 9 4 3 , e a militar, de 1964 a 1983. Em ambas, a educação foi vista co­
m o um elemento importante para formar as novas gerações e inseri-las
num a ordem política e econôm ica que não se podia questionar.
N a transição do século X X para o X X I, a escola ganha novos ins­
tru m en tos de ensino. As máquinas não estão instaladas apenas nas
industrias, mas também nas salas de aula. Há desde aquelas que hoje
são consideradas obsoletas (projetores de sluUs, gravadores, retropro-
jetores) até televisões e com putadores ligados à internet. A escola não
é mais o lugar privilegiado da produção e difusão de conhecimentos,
pois a cultura midiática invade as instituições e instaura novas manei­
ras de interagir com o m undo. As novas tecnologias de comunicação
aprofundam as m udanças trazidas pelo surgimento da imprensa, sé­
culos antes. O co m p u tad o r e as linhas de transmissão possibilitam
que, em tese, qualquer pessoa acesse informações disponibilizadas do

18
m Tem lóno pluraJ

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outro lado do mundo. Mais do que nunca, saber é poder. A atençãC)
.-isC
de especialistas se volta agora para o papel do professor e para o risco
* ir?. do excesso, pois sabe-se que as doses excessivas de informação a que
i t ':
cada vez mais pessoas estão expostas, m uito ao contrário de aum en­
' a j»
tar o sabei, provocam a ignorância. Por isso, mais do que nunca, co­
i .v
mo saber é poder.
I Mas a educação nunca se restringiu à escola. Práticas educativas
i-5v-
' ij? ocorrem também fora dessa instituição, às vezes com m aior força do
1 5>t''
$.
que se considera. A cidade, o trabalho, o lazer, os movim entos sociais,

^',7 a família c as igrejas tinham —e continuam tendo — um enorm e poder
de inserir as pessoas em mundos culturais específicos.

19
História da educação: uma
disciplina, um campo de pesquisas

Em que contexto surgiu a disciplina história da educação? E no


Brasil* como ela se desenvolveu? Por que a história da educação é
também um campo de pesquisas? Neste capítulo, vamos falar um
pouco sobre essas questões. Não pretendemos fazer uma cronologia
do desenvolvimento da disciplina. Em vez disso, o objetivo é identi­
ficar, em sua trajetória, características que a marcaram e deram a ela
os contornos atuais.

Uma história do campo: os enfoques tradicionais

A disciplina história da educação nasceu no final do século XIX.


Ela sc desenvolveu sobretudo nas chamadas “escolas normais” e, pos-
ccriormente, nos cursos de pedagogia das faculdades de filosofia - e
não, como se poderia supor, nos institutos de pesquisa e ensino de
história. Assim, a história da educação não se desenvolveu com o uma
área da história, embora seu objeto seja muito importante para com ­
preender o passado das sociedades. No campo da história, a educação
tem sido um objeto pouco pesquisado, embora isso venha mudando
com a influência de novas tendências historiográficas.
No caso brasileiro, trabalhos de história da educação já eram es­
critos por membros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
(IH G B) na segunda metade do século X IX e nas primeiras décadas
do século X X (Vidal c Faria Filho, 2 0 0 3 ). Contudo, a trajetória da
disciplina está intrinsecamente relacionada ao campo da pedagogia -
que, desde o século X V III, começava a se desenvolver cm alguns paí-

21
'Vna M ana de Oliveira G aivào e Eliane M aria Teixeira Lopes

scs da Europa e nos Estados Unidos, profundamente marcado pela


presença da teologia e da filosofia. E m nosso país, a disciplina foi in­
troduzida no currículo da Escola N orm al do Rio de Janeiro em 1928,
na reforma preconizada por Fernando de Azevedo (Vidal e Faria Fi­
lho, 2 0 0 3 ). Depois dc se tornar n n u disciplina nos cuisuí J c lorma-
ção de professores, diversos manuais didáticos foram produzidos para
o seu ensino.
Essa trajetória da disciplina trouxe consequências importantes pa­
ra o nosso m od o de pcsquisa-la e ensiná-la. Na área dc educação, é
com um a preocupação com a utilidade dos conhecimentos, tendo em
vista as práticas pedagógicas. As necessidades do professor, do aluno,
da escola e do sistem a educacional dem andam respostas imediatas,
dados os problemas que surgem no cocidiano da ação educativa. Nes­
se sentido, a históna da disciplina está marcada pelo caráter utilitário
que podería cum prir na formação de professores. Muitos dos educa­
dores que pesquisam temas em história da educação estão fazendo
esforços para com preender '■ua<- práricas e aperfeiçoá-las Muitas ve­
zes, jusiifica-sc a importância da disciplina para a pedagogia com uma
suposta re’açào m ecanica e direta entre o passado, o presente e o fu­
turo. A própria area dc história propalou essa vLsão por muito tempo,
sobrerudo p or m eio dos livros didáticos. Nessa perspectiva, estudar
históna da educação serviría para com preender o presente e intervir
no futuro por m eio do estudo do passado, não repetindo os erros já
com etidos. M as será que a história, qualquer que seja ela, tem mesmo
esse poder? O u , em vez disso, ela nos ajuda a compreender o presente
pelo en con tro co m o ourro, que nos causa surpresa c espanto, desna­
turalizando nossos gestos e palavras?
A o subordinar o esrudo do passado a uma previsão do futuro, não
estaríam os acreditando que o processo histórico se dá de maneira li­
near, cam in h an d o sempre para o progresso, para um destino previ­
sível? E, q u an to aos erros, com o podem os julgar o passado com base
nos nossos valores atuais? C o m o colocar no banco dos réus persona­
gens e latos se não vivemos nas mesmas circunstâncias em que ho­
mens e m ulheres romaram cenas decisões que fizeram a história?

22
T crruon o plural

Características institucionais e tendências temáticas

Talvez p or essa necessidade que a área de ed u cação rem de solucio­


nar os problem as da p rática, a históna e a filosofia foram considera­
das pouco im p ortan tes para a com preensão d o fen ôm en o e d u ^ -i.o
Essas duas áreas eram vistas apenas com o disciplinas de fundam entos
nos cursos de fo rm ação de professores. C o m a E scola N ova, a psico­
logia e a biologia passaram a ser consideradas ciências centrais para a
educação; já nos anos 5 0 (e, novamente, nos an os 8 0 ) , a sociologia foi
vista com o a chave para explicar os fenôm enos ed u ca tiv o s. Desse m o­
do, a história da educação foi considerada secundária no próprio cam ­
po da educação.
É exaram ente a filosofia que vai a co m p a n h ar a história da edu­
cação em sua trajetória. Essa associação enrre as duas áreas, até hoje
presente nos cursos de form ação de professores, tro u xe con seq u en -
<_ias im portantes para os contornos que a h istó ria da ed u cação tem
assumido.
A primeira delas c que. por m uito te m p o , nao houve dijíiiiçao
nítida entre as duas disciplinas. Em alguns cursos, am bas eram agru­
padas sob a rubrica “Fundam entos da Educação ’ E n q u an to a histó­
ria ocupava-sc de co m o os sistemas dc ensino se organizaram ao lon­
go do tem po, a filosofia tratava do pensam ento pedagógico. M uitos
manuais dc história geral da educação, ainda bastante utilizados nos
cursos de form ação de professores, trazem essa m arca. Exem plos des­
ses manuais são as obras, já bastante anngas, d c M on roe (1 9 4 9 ), Lu-
zuriaga ( 1 9 5 1 ) , L arroyo ( 1 9 4 4 ) , H ubert ( 1 9 4 9 ) , D ilthey (1 9 3 4 ) e
Abbagnano (1 9 5 7 ).
Mesmo a partir dos anos 7 0 , quando com eçaram a sc separar ins­
titucionalmente, as duas áreas continuaram bastante relacionadas. Em
departamentos, faculdades, centros e programas de pós-graduação cm
educação, não raro as duas disciplinas form am um a única linha de
pesquisa, um setor ou uma área; os concursos para provimento de pro­
fessores são para as duas disciplinas em co n ju n to . Essa associação
com a filosofia da educação contribuiu para que uma das vertentes
Ana Marta Ue Oi v^ira Ga> ào ? tH anr Ttvxçva Liyos

mais pesquisadas na história da educação fosse evatumonte a históru


das idéias pedagógicas. A fonte privilegiada para esse tipo dc investi­
gação é a obra dos grandes pensadores.
O utro aspecto importante e o de que a arca Je educação, como
vêm mostrando alguns trabalhos e«ri prohmdamrnre impregnada tie
um etos religioso ( Lopes e outros. 2003V O discurso M»brr o profes­
sor, repetido ao longo dos séculos. tem insistido no caráter missioná­
rio de que a profissão sc reveste ou d o rn a se revestir. F.ssa influencia
religiosa se expressa tarrbem ra cons‘iru»ção da disciplina história da
educação: os diversos ideanos pedagógicos são concebidos como ver­
dadeiras doutrinas. e >c_> o p o cn :cs sao considerados sacerdotes, pro­
pagadores de uma sercade que centena as melhores propostas para
resolver os problemas cviuoaocnatv Também nesse caso, fica evidente
a relação da historia da ecucaçac com a ttíosofu da educaçao.
Essa posição saivacjorAsca c :ão forre oue. mesmo quando não co­
mungamos (não esourcarros a origem rei.giosa dessa palavra) de uma
mesma tendência r r o r c a pare-ormos mhuidos de cerra militância.
Nao nos conrrmarros etr. a realidade- queremos trans-
formá-la. Algumas pesqu-sn n c , pc-evcm plo. Nunes, 1996) têm
mostrado que muitos dos pr .' ev -cs e Cm autorc' de livros dc histó­
ria da educação eram. ate recen:cr-erire, membros ou cx-membros de
ordem católicas ou protcsrar.rm. ou ainda miluames ou ex-militan-
tes de movimentos rehgiovos Na h uto-.a da educação brasileira, é
surpreendente a quantidade de açõei do Estado baseadas no traba­
lho voluntário dos educadores. Essa uruaçao nao r exclusiva dos que
trabalham com as duas disciplinas citadas, pois marca iodo o campo
educacional.
Outro aspecto a ser considerado é o dc que cxiurm dificuldades
para constituira história da educação como área de pesquisa propria­
mente dita. É muito recente, no Brasil, a fundação dc associações,
grupos de trabalho e periódicos especializados que insistem no trata­
mento historiográfico das fontes e na necessidade de realizar pesqui­
sas em arquivos. Nas décadas de 30 e 40, algumas obras importantes
foram escritas - é o caso de A cultura brasileira, de Fernando de Aze-

24
Twrrlóoo pfur**

vedo ( 194 3 ). No cn u n to, é sobretudo a partir cfos ano-; 50 e 6 0 que


começa a se configurar um campo de pesquisas cm história da educa­
ção, com levantamentos de fontes, por exemplo F.m 1955. quando
ainda não havia no país os cursos de pós-graduação, foram enados o
( ent ro IWisileirodc Pesquisas Fdueacionajs, no Rio «le Janeiro '•o*
Centros Regionais de Pesquisas Educacionais de Pernambuco, Bahia,
Minas Gerais, São Paulo c Rjo Grande do Sul. Vinculados ao Institu­
to Nacional dc Estudos Pedagógicos (Inep), eeses centros tiveram um
papel im portante ao desenvolver c consolidar a pesqui.sa na área de
educação como um todo, e de história da educação em pamcuJar.
No final dos anos 6 0 , a produção da área deslocou-sc para os pro­
gramas de pós-graduação em educação, onde se concentra até hoje, e
a partir dos anos 8 0 diversas iniciativas contribuíram para íortalecer a
área. Em 1984, por exemplo, foi criado o Grupo de Trabalho de His­
tória da Educação da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pes­
quisa em Educação (Anped), que vem se constituindo num dos prin­
cipais fóruns acadêmicos da área. Mais recentemente, foram criados
o grupo de estudos c pesquisas H istória, Sociedade e Educação no
Rrasil/H ISTED RR (1 9 9 1 ), a Associação Sul-Rio-Grandense de Pes­
quisadores em História da Educação/Asphe (1 9 9 6 ) e a Sociedade
Brasileira de História da E d u cação/S B H E (1 9 9 9 ). Além disso, nos
últimos dez anos surgiram grupos de pesquisa ligados a universida­
des, bem com o associações regionais e estaduais de história da edu­
cação. Destacamos também a realização de seminários e congressos
ibero-americanos, luso-brasileiros, brasileiros, regionais e locais de his­
tória da educação. Hoje em dia, há também periódicos especialmen­
te dedicados à produção da área. Por fim, os pesquisadores brasileiros
tém participado cada vez mais dos congressos anuais da International
Standing Conference for the History o f Education (Ische).
Iradicionalmence, as pesquisas em história da educação tendem a
se concentrar mais no que a realidade deveria ter sido do que no que
ela foi, com o já mostrava Anísio Teixeira em seu artigo, hoje consi­
derado clássico, Valores proclamados e valores reais nas instituições
escolares brasileiras (1 9 6 2 ). Os educadores questionavam as práticas

25 (S&
Ana M aria de O liveira Galvão e Eliane M aria Teixeira Lopes

pedagógicas ocorridas nas diferentes instâncias educativas e busca­


vam fórmulas para solucionar os problemas antes mesmo de conhe­
cê-los e compreendê-los. Muitas das pesquisas realizadas em história
da educaçao —com o ainda hoje ocorre em muitos domínios da área de
educação — mais expunham o que deveria ter acontecido do que o
que de fato aconteceu. Analisavam-se leis, reformas e regulamentos
do ensino, bem com o as macro rrelações estabelecidas entre o con­
texto socioeconôm ico e político da época e uma suposta (porque
não estudada) realidade do cotidiano escolar. Tratava-se pouco das
práticas escolares, dos alunos e dos professores. Dessa forma, muitas
vezes a história da educação traca(va) de um passado educacional
que expressa(va) um desejo, mas não uma realidade —ou um aspec­
to dela3.
A inserção aa história da educação no campo da pedagogia tam­
bém gerou uma tendência a explicar os fenômenos educativos do
passado sem relacioná-los a outros aspecros da época. Há registros, já
no início do século X X , de criticas aos educadores por fazerem uma
história da educação desvinculada do* contextos analisados. No caso
da história da educação no Brasil, a tentativa de articular a educação
com aspectos da história econòrmca, política e social do país é ainda
mais recente.
O perfil daqueles que pesquisam na área também é consequência
da relação entre a história da educação e o campo do ensino. Assim
com o na Europa e em outras partes do mundo, no Brasil os que pes­
quisam o passado da educaçao possuem formações bastante diversifi­
cadas: pedagogos, historiadores e professores especialistas em suas
disciplinas (geralmente do ensino fundamental e médio). Movidos
por uma curiosidade ou por um espanto que o presente lhes provoca,
eles buscam na história da educação respostas para suas inquietações.
Essa diversidade na formação dos pesquisadores gera uma heteroge-

3. Falamos em xspecto porque não acreditamos na ilusão positivista, expressa na


famosa frase atribuída a Leopold Rankc (1 7 9 5 -1 8 8 6 ), de que cabe à história narrar
os fatos tal com o eles rcalmcme aconteceram.

26
ne idade na produção da área: há grande pluralidade ram o de aportes
teórico-m etodológicos quanto de temas.
Para que o pesquisador se torne um historiador da educação com ­
petente, precisa ter uma form ação rigorosa e específica, o que supóe
um mergulho no que é próprio ao cam po do outro. Q u em quer fazer
história da educação deve con h ecer bem as teorias e mecodologias da
história e a prática dos arquivos, de m odo que possa realizar a ope­
ração historiográfica”, para usar a expressão de M ichel de C erteau
(1 9 8 2 )\ É preciso tam bém ter fam iliaridade com o ob jeto que será
investigado e com o cam po que configura esse objeto: a educação e
suas especialidades. Consideram os im portante insistir nesse aspecto
na medida em que a história da educação tem sido um cam p o fértil
para os amadores, pois parece ser um dom ínio de investigação bas­
tante acessível. Pesquisas realizadas no Brasil têm m o strad o que a
maioria dos autores de livros didáticos de história da ed u cação não
são pesquisadores da área e produziram esses materiais num m om en ­
to específico da trajetória acadêmica. Muitas vezes, esses autores es­
crevem sobre outras áreas da educação - c, com o se poderia prever,
sobre a filosofia.
Por muito tempo, nos cursos de formação de professores a disci­
plina se restringiu à história geral da educação. A inclusão de uma
unidade sobre a história da educação no Brasil dependia do tem po
e da disposição do professor. Se já não era com um pesquisar a his­
tória da educação, ainda mais raras eram as investigações sobre a histó­
ria da educação brasileira. Som ente nos anos 7 0 é que os cursos de
pedagogia passam a contar com uma disciplina específica para tal.
Talvez por isso, muitos manuais sobre o tema se baseiem não no
trabalho historiográfico, mas em outros livros — principalm ente os
primeiros escritos no país —, tomando-os com o se fossem fontes pri- 4

4. Afirma esse autor “Encarar a história como uma operação será tentar, de maneira
necessariamente limitada, comprecndc-la como a relação entre um Lugar (um recru­
tamento, um meio, uma profissão etc.), procedimentos de análise (uma disciplina) c a
construção de um texto(uma literatura)” (Ccrtcau, 1982, p. 66).

27
Ana Mana de Oliveira Galvão e Eliane M arta Teixeira Lopes

mártas. É com um , em muitas obras, a referência a José Ricardo Pires


de Almeida [História da instrução pública no Brasil 1500-1889 de
1 8 8 9 ), Primitivo Moacyr (A instrução e as províncias, de 1939-1940,
e A instrução e o Império, de 1936) e Fernando de Azevedo (A cuitura
brasileira, dc 1943). A alusão a esses autores visa conferir lesritirr>idade
a um trabalho que, muitas vezes, não passa de compilação ou resumo,
sem pesquisa histórica propriamente dita. Desse modo, algumas afir­
mações sobre certos eventos históricos parecem se repetir ano após
ano, livro após livro. Isso porque os autores não recorrem a fontes que
possam enriquecer o estado do conhecimento sobre o assunto. Prova
disso é a difusão da ideia, presente sobretudo em Fernando de Azeve­
do, de que a política pombalina foi um desastre para a educação bra­
sileira. Outro exemplo é a concepção de que a educação imperial não
passou de um hiaro entre duas épocas de grande desenvolvimento
educacional, o período colonial (antes de Pombal) e a República.
Parte dessas obras a que acabamos de nos referir apoiava-se cm
pressupostos da história positivista, mesmo que os pesquisadores dis­
so não soubessem. Principalmente no século XIX, no afu de tornar-se
ciência, a história priorizou os aspectos políticos e a ação dos indiví­
duos em conduzir e transformar fatos históricos - gerando aquilo que
hoje chamamos de culto aos heróis e as datas. Outra característica
desses trabalhos foi privilegiar o documento oficial como a fonte mais
legítima para a pesquisa, causando uma espécie de deslumbramento
- o fetiche diante do documento. Além disso, muitas dessas pesquisas
eram realizadas sem o apoio daquilo que se discutia no campo da his­
tória. Os educadores, muitos com formação cristã c professores tam­
bém de filosofia, escreviam uma história da educação romântica, sem
o trabalho com as fontes.
No Brasil, o final da década de 7 0 e os anos 80 foram profunda­
mente marcados pela influência marxista na área da educação. AJ-
thusser e Gramsci eram certamente os autores mais estudados. A his­
tória da educação foi bastante influenciada por esse movimento, que
deu subsídios para sua renovação, propondo-lhe novos objetos dc
pesquisa, novas abordagens e novas fontes. Uma de suas grandes con-

28
Território plural

tribuições foi situar a educação em relação a aspectos econômicos,


sociais e políticos das sociedades A maioria desses trabalhos adotava
abordagens macroscópicas, para entender a educação como um fenô­
meno superestrutural no interior de condições econômicas específi­
cas. Outra inovação diz respeito à importância atribuída à categoria
de classe social para compreendei a educaçao no passado. Agora eram
grupos sociais, e não mais indivíduos, os considerados responsáveis
pelos fatos educativos.
No entanto, muitos desses trabalhos incorporaram o marxismo de
maneira apressada e pouco profunda. Isso porque quase nunca se ba­
seavam nos escritos do próprio Marx, mas em leituras de segunda,
terceira, quarta, quinta mão. Com isso, tais estudos acabavam por ape­
nas justapor o fenômeno educativo ao que ocorria em cada socieda­
de ou período estudado, do ponto de vista econômico5. Um exemplo
clássico desse tipo de estudo é Educação e luta de classes, de Aníbal
Ponce, escrito em 1937 e publicado no Brasil em 1981. O livro traz
um esquema típico do marxismo estruturalista, que foi (e ainda é)
largamente usado nos cursos de formação dc professores, pelo sim-
phsmo da análise, o que facilita a compreensão por parte dos alunos
e a explicação por parte dos professores. Obras desse tipo mostram
ao leitor a história como uma sucessão de causas e consequências,
logicamente encadeadas, ordenadas por leis invisíveis que regeríam,
no limite, todas as ações humanas.
Por isso, esses trabalhos partiam de premissas que seriam neces­
sariamente confirmadas: eles se serviam das fontes apenas para refe­
rendar aquilo que já se sabia desde o início. Pairava a sensação de que
havia pouco a pesquisar, pois o marxismo, o materiaiismo histórico
e dialético, o capitalismo, os modos de produção, a luta de classes já
teriam explicado tudo. Se o Brasil era um país agrário e dependente
das exportações, a educação só podería ser considerada supérflua, e

5. Sabemos que esse não foi um procedimento usado por Marx cm seus textos histé­
ricos. É o que atcscam a beleza e a profundidade dc suas reflexões cm O IS B rum ãrw
c G uerra C iv il em F ran ça, por exemplo.

29

K
Ana Mana de Oliveira G alvào e Eliane M arta Teixeira Lopes

assim por diante. Em outros casos, os pesquisadores, buscando nas


fontes apenas aquilo que corroborava seus pontos de partida, ignora­
vam as informações que contradiziam o que já tinham como hipótese
- e, via de regra, com o resultado da pesquisa.
Em nome do contexto”, que se tornou o primado dessa» produ­
ções, pouco se conhecia a respeito do objeto: os aspectos econômicos
e políticos de uma época serviam para explicar (quase) tudo que se
referia à educação. Esta era, em geral, considerada bipartida: de um
lado, a educação das elites dominantes; de outro, a das camadas po­
pulares. O binômio dominador-dominado era capaz de explicar tudo
e, mesmo que tenha feito algumas temáticas avançarem, o fez simpli­
ficando as complexas relações entre classes, gêneros, gerações e raças/
etnias. A análise do contexto, que nas dissertações e teses ocupava um
capítulo do trabalho, muitas vezes servia para qualquer objeto e pou­
co ajudava a explicá-lo. No extremo, era possível escrever análises de
contexto (e em geral os marcos eram políticos e econômicos, empres­
tados da história mais ampla) para qualquer pesquisa que se debru­
çasse sobre aquele pciíoúo iusiónco. Em outros casos, o primeiro
capítulo da dissertação ou tese trazia um arremate das idéias dos au­
rores da moda; esse quadro teórico-m etodológico era abandonado
tão logo, nos capítulos subsequentes, os dados fossem interpretados e
a pesquisa fosse descrita.
Além disso, muitos historiadores da educação tendiam (e ainda
tendem ) a narrar a história de modo linear, progressivo, apagando
possíveis descontinuidades, retrocessos, ambiguidades e contradições.
Apesar de se posicionarem com o antipositivistas, esses autores dão a
impressão de que o processo histórico, cronologicamente delimita­
do por marcos políticos ou econôm icos, caminha sempre em dire­
ção ao progresso.
C om o vimos, a história da educação tradicional buscava julgar os
grandes pensadores e os movimentos educacionais. Essa tendência
não desapareceu, mas assumiu outro contorno quando a área tor­
nou-se campo fértil da influência do marxismo de vulgarização. Des­
sa vez, o desejo dc colocar-se a favor das camadas populares fez alguns

30
T e rritório plural

pesquisadores - e algumas dessas visões ainda hoje circulam com for­


ça no pensamento educacional - classificarem os m ovim entos com o
progressistas ou conservadores, com eten d o anacronism os e atribuin­
do à história o papel de juíza. N o m o m en to em que vivíamos a di­
tadura militar, essa tendência historiográftca contribum para que, nr.
limite, rotulássemos os pensadores e os m ovim entos educacionais co ­
mo “bons” ou “maus”. Os que eram julgados negatjvamente caíam
numa espécie de limbo: não valeria a pena pesquisar algo ou alguém
que não tivesse contribuído ou não pudesse con trib u ir para a trans­
formação revolucionária da sociedade. A Escola Nova talvez tenha si­
do o m ovim ento mais criticad o: p oucos consideraram as co n d içõ es
particulares em que ela emergiu e se desenvolveu.
C om o qualquer outro quadro teórico que se torna h eg em ô n ico
num determinado campo, a vulgata marxista funcionava co m o uma
profissão de fé. Um texto com evidentes indícios marxistas era bem
aceito, assim como seus autores, e o resultado da pesquisa era pouco
discutido. Se o “con texto” estivesse bem construído e as discussões
corroborassem aquilo que o campo )ú tinha com o verdade, pouco im ­
portavam os refinamentos ou aprofundamentos que as probíemáricas
apresentadas pudessem suscitar.

Outras tendências historiográficas


e a história da educação

Nas últimas três décadas, diversas mudanças vêm acontecendo na


área de história da educação, seja em seus contornos ceórico-mecodo-
lógicos, seja na ampliação de seus objetos c fontes. No entanto, essas
mudanças não evitam que a postura positivista e a visão romântica e
cristã da história continuem impregnando nossa maneira de selecio­
nar, cratar e analisar as fontes e escrever a história.
Hoje. a pesquisa em história da educação, tanto no Brasil com o
em outros países, é muito mais imaginativa e inovadora do que era há
alguns anos e do que expressam os manuais didáticos da área. A partir
dos anos 60. na Europa, a história da educação foi influenciada so-

31
Ana M ana de Oliveira Galvão e Eliane M arta Teixeira Lopes

bretudo pela sociologia, antropologia, linguística e teoria literária, à


semelhança do que já ocorria em outros domínios da história. Com
isso, ela passa por um processo de renovação, e seus objetos e fontes
sáo ampliados e diversificados (Compère, 1995). No Brasil, esse mo­
vimento se dá a partir de meados dos anos 80 Nele, não se observam
apenas mudanças qualitativas, mas também quantitativas: surgem
diversos espaços para discutir a produção do campo da história da
educação, como associações científicas, eventos e periódicos especia­
lizados. Esses espaços de intercâmbio lèm ajudado a constituir e con­
solidar a pesquisa na área.
Nas últimas décadas, três grandes tendências influenciaram deci-
sivamente o campo da história da educação, contribuindo para reno­
vá-lo: a história cultural, a históna social e a micro-história.
Entre essas três tendências, talvez a que tenha causado maior im­
pacto entre os pesquisadores de históna da educação seja a história
cultural. Essa corrente hisioriograíica, que tem sido identificada co­
mo pane da terceira geração dos Annales. surgiu no final dos anos 60,
no interior de um movimento que se convencionou denominar No­
va História (Burke, 1991b Ela tem levado os pesquisadores a temas
antes considerados pouco nobres no interior da própria história da
educação, ampliando os objetos, as fontes e as abordagens tradicio­
nalmente empregados na pesquisa historiográfica. Muitos dos pressu-
postosda história rankiana passaram a ser enricados, pnncipalmente
a partir do surgimento da revista francesa Annales â ‘Instoire iconomi-
que etsociale, fundada em 1929 por Lucien Febvre e Marc Bloch. A
hisrória, não mais restrita à política, passa a interessar-se também por
aspectos econômicos, sociais e culturais da sociedade. Mais recentc-
mente, sobretudo nos últimos 50 anos, vaJorizam-se cada vez mais
os sujeitos “esquecidos7^da história, como as crianças, as mulheres, os
negros, os índios e as camadas populares. Sentimentos, emoções e
mentalidades também passam a fazer pane da história. Fontes até en­
tão consideradas pouco confiáveis e científicas começam a fornecer
indícios para reconstruir o passado. Nesse processo, a história se apro­
ximou de ciências como a antropologia e a linguística, que lhe propu-

32
Temló/io plural

seram novos olhares e novos instrumentos conceituais, refinando a


análise desses novos objetos.
A história cultural, cujas origens estão nesse legado de Fcbvrc e
Bloch e seus seguidores (entre eles Fernand Braudel, que dominou o
panorama historiografico até meados da decida de 60), rem chamado
a atenção principalmente pelos trabalhos realizados por Roger Char-
tier. Esse pesquisador destaca a necessidade de estudar os objetos cul­
turais em sua materialidade, restabelecendo os processos de produ­
ção, circulação e consumo, as práticas, os usos e as apropriações. Nas
palavras do autor, a história cultural “tem por principal objeto iden­
tificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma deter­
minada realidade social é construída, pensada, dada a ler (Chartier,
1990, p. 16-17). A incorporação das contribuições da história cultu­
ral torna mais produtivas as pesquisas cujo objetivo é compreender
como determinadas visões de mundo — materializadas em produtos
culturais - foram produzidas e disseminadas por diferentes grupos
sociais. No centro desse debate está a tentativa de entender como
(por meio de que processos e em que condiçoes) os sujeitos atribuem
significado ao mundo em que vivem.
Outra tendência que vem influenciando os historiadores da edu­
cação é a denominada história sociai. Segundo Hebe Castro (1997),
essa expressão remete a diversos movimentos e diferentes tradições
historiográficas. Embora também tenha sido influenciada pelos An-
nales, a história social vincula-se, de maneira mais restrita, à tradição
hiscoriográfica anglo-saxônica. Principalmcnte a partir dos anos 30,
com o avanço das idéias socialistas e o crescimento do movimento
operário na Inglaterra, buscou-se realizar uma história —que também
se opunha à tradição rankiana - de um sujeito coletivo, das identi­
dades sociais. Realizaram-se trabalhos sobre a história social do traba­
lho, dos movimentos sociais (em particular o movimento operário)
c das representações coletivas. Nos anos 60, o impacto dos Annales
nessa produção historiográfica tornou-se ainda maior, contribuindo
para que os trabalhos se centrassem no papel da ação humana —cole­
tiva, social - na história. A obra de E. P. Thompson teve, sem dúvida,

33 ( 3 / '
Ana Maria de Oliveira Galvão e Eliane Marta Teixeira Lopes

um papel crucial no desenvolvimento dessa tendência, ao trazer para


o debate a ideia de uma “história vista de baixo” (history frotn below).
O autor destaca a ccntralidadc da experiência c da cultura para a aná­
lise da ação social, bem como os processos de constituição de atores
sociais cm sujetros históricos.
Nas últimas décadas, a história social tem se desenvolvido de mo­
do bastante plural, mas autores como Thompson e, mais recentemen­
te, Hobsbawm continuam sendo referencias importantes na área. No
caso brasileiro, Hebe Castro (1997) identifica três grandes domínios
de análise em que a presença da história social se faz. sentir de manei­
ra mais significativa: a família; o trabalho; c o Brasil Colonial e a es­
cravidão. Esses trabalhos têm sido fundamentais para revisitar estu­
dos tradicionais sobre as famílias escravas, o cotidiano dos operários,
o movimente sindical e os processos de urbanização (incluindo a vida
cocidiana nas cidades, a construção de identidades sociais, o controle
social e a questão da cidadania). É possível dizer, então, que as pes­
quisas cujo foco seia compreender como determinados sujeitos histó­
ricos movimentavam-se em suas realidades sociais ou como essas rea­
lidades constiruem os sujeitos históricos podem aproveitar o debaie
realizado pela historia social. No centro desse debate está entender
como (por meio de que processos e em que condições) os sujeitos co­
letivos vivenciam e experienciam o mundo.
A micro-história também tem exercido significativa influência so­
bre os historiadores da educação. Essa tendência surgiu de pesquisas
desenvolvidas nos anos 70 por um grupo de historiadores italianos.
Trata-se de uma prática historiográfica, com referências teóricas va­
riadas (podendo incluir pressupostos tanto da história social quanto
da história cultural), que se baseia na redução da escala da observa­
ção, em uma análise microscópica e em um esiudo intensivo do ma­
terial docum ental” (Levi, 1992, p.136). Essa opção está fundamen­
tada na hipótese de que a observação microscópica pode revelar ao
pesquisador fatores previameme não observados. Como afirma Jac-
ques Revcl (1 9 9 8 ), uma realidade social não é a mesma dependendo
da escala de observação. Vejamos, por exemplo, uin fenômeno como

34
Território plural

a formação da sociedade industrial ou o crescimento do Estado. Fa­


çamos uma análise não mais em lermos globais, como de hábito, mas
tendo em mente a trajetória individual ou familiar de pessoas que vi-
vcnciaram esses fenômenos. Esse método com certeza trará uma lei­
tura completamente diferente da realidade estudada Do ponto de
vista teórico, o que une os trabalhos com base nessa dessa perspectiva
é um modelo de ação e de conflito do homem no mundo, um homem
que reconhece a própria liberdade relativa, construída no interior de
sistemas normativos prescritivos e opressivos. Explica Giovarmi Levi:
“Toda ação social é vista como o resultado de uma constante nego­
ciação, manipulação, escolhas e decisões do indivíduo, diante de uma
realidade normativa que, embora difusa [...], oferece muitas possibi­
lidades de interpretações e liberdades pessoais” (1992, p. 135).
Na história da educação, essas tendências historiográficas também
provocaram mudanças na seleção dos objetos de pesquisa e na forma
de abordá-los. A cultura e o cotidiano escolares, a organização e o
funcionamento interno das escolas, a construção do conhecimento, o
cuirículo e as disciplinas, os agentes educacionais (piolessotcs c pro­
fessoras, mas também alunos e alunas), a imprensa pedagógica, os Li­
vros didáticos, a infância, a educação rural, a educação anarquista etc
têm sido estudados e valorizados. Os pesquisadores deslocam seu in­
teresse das idéias e políticas educacionais para as práticas, os usos e as
apropriações dos diferentes objetos. Os grandes modelos de explica­
ção histórica têm perdido força nos últimos anos entre os historiado­
res da educação. Como veremos no próximo capítulo, mesmo os te­
mas tradicionais têm sido estudados sob o impacto dessas tendências
historiográficas recentes.
Alcm de inovar na escolha de objetos, a história da educação tem
incorporado categorias teorizadas em outras áreas das ciências huma­
nas e hoje consideradas imprescindíveis para compreender o passado
dos fenômenos educativos. É o caso de conceitos como gênero, etnia
c geração - ao lado de classe social, já consagrado pelos estudos mar­
xistas e da história social. A história da educação, assim como o cam­
co m p reen d er
po da educação de modo geral, sabe que não é possível

35
(
Ana M aria ot» O liveira Gatvão e Ehane Mana Teixeira Lopes

2 educação sem lançar mão dessas categorias, que contribuem para


aguçar o olhar sobre diferentes realidades. Por muito tempo, nao sc
problem.uizou a educação dos negros c dos indígena', ou as cspccifi-
cidades da educação feminina nos diferentes m omentos do passado.
Hoie, essas questões sao fundamentais para entender o que foi c o que
é a educação brasileira. Mesmo assim, muitos insistem em não enxer­
gar que são profundamenre dderrnres as histonas da educação do ho­
mem e da mulher, da enança e do adulto, do negnv do branco, do in­
dígena c do judeu. Enxergar o outr\> continua exigindo um grande
esforço, pnncipalmcme para os çuc nac> ocupam o lugar dos que pou­
co puderam ralar ou escrever ao iongv> da historu.
Têm se tornado i r a i frequentes. ram hem. os estudos localizados,
que lidam com realidades mais cuvunscntas e períodos curtos. Essa
rendenexa tem possxodiracc aprofundar cemis remas c ennquccer a
compreensão do cassado oc detrrrrànackss rrnómenos educativos que,
antes, eram enxergacu» acenas ce maneira panorâmica. No Brasil é
com um , por exemple, eue o» cescu.vadores procurem compreender
os movimenfivi cü » . . ' j r a i > •a nra e c v u iiu t d». seus respecti­
vos estados Afinai, vs— .rr apo* I9A3 foram instinndas no país le­
gislações cen rn irzando — -v- A-ro- oisv» cada uma das províncias
tinha seus prôpnos o M e ra n m to i .ruais no cue sc relcre à instrução.
Em um pais de roo zn r-zc cjrxeruão remtonai. eram quase desconhe­
cidas as múltiplas rea.;<iadei educaoonai * existem es Esses novos tra­
balhos têm provocado uma rev.xáo iaqudo que ames se tinha como
verdade para lodo o pa.s e cu c. muitas vczrv, só servia para compre­
ender a realidade de São Paulo o-a Co amigo D o rm o federal. Alguns
estudos realizados em locais que ftenc são mau forics econômica c po­
liticamente generalrzavam suai eoncluvícs para a realidade do país io­
do, desconsiderando as especmcjdades d r cada lugar.
Oucro problema com um , e que nw últimos ao os icrn mudado, ê
o das pesquisas que consideravam estados ou cidades importantes na
atualidade com o igualmenrc imporrantes no passado Gcncrali/ava-xc
para o país o que era específico dc uma parte dele. Hoje, graças aos
estudos localizados e em profundidade, sabc-sc que o movimento da

36
TorrUfim plural

Escola Nova, por exemplo, assumiu tonrornos muito Jiferrnres rm


estados como Minas Gerais, Pernambuco e Rio Grande do Norte.
Sabe-se também que Maranhão, Pará c Pernambuco tiveram. no sé­
culo XIX , um papel fundamental na edição de livros e. ames disso, na
circulação e apropriação de objetos de Irirura que vinham d i i urnpi
- difcrcnteinenie de hoje, quando os centros de produção e circula
ção são outms.
Se, por um lado, as novas tendências hisroríogrãficas têm feruh-
7ado o campo da história da educação, por outro elas trazem desafios
para os que nele atuam, na medida em que se trata de um cam po bas­
tante recente e ainda frágil. É o risco que se ocorre em qualquer área
do conhecimento cuja tradição de pesquisas é recente e marcada por
vícios: agora que nos afastamos de alguns quadros conceituais que
engessavam nosso olhar, corremos o risco dc realizar pesquisas pouco
relevantes c pouco rigorosas. As investigações mais recentes no cam ­
po da historia da educação, bem com o 11a própria historia, caracten -
zam-sc pela extrema especialização. Há estudos refinados e consis­
tentes do ponto dc vista ceonco-m etodologico. mas pouco uieis para
compreender realidades sociais mais amplas. Esses esrudos localiza­
dos têm a vantagem do aprofundam enro mas trazem tam bém um
risco: o objeto se torna tão recortado e específico que não explica qua­
se nada. Isso acontece porque, muitas vezes, eles não contam com uma
pesquisa basica, que forneça informações relevantes a respeito do pe­
ríodo 011 do objeto cm questão. Assim, surgem pesquisas feitas no
“vazio’ , que não sc baseiam numa cultura histórica, num co n h eci­
mento cumulativo, construído a partir de estudos anteriores que sus­
tentem a abordagem daquele objeto. E, então, o que podería signifi­
car aprofundamento redunda em superficialidade.
Dc certa forma, as pesquisas mais recentes abandonam a ideia de
um contexto único, que possa basear as explicações sobre qualquer
objeto. O que se coloca co m mais frequência é que a base da história
é estabelecer relações e associações, sempre que possível. O pesquisa­
dor, então, deve saber usar as informações que aparecem (e aparecem
porque ele faz, as perguntas) nas diversas fontes com as quais trabalha.

37
( Je
Ana Maria de Oliveira Galváo e Elmno Marta Teixeira Lopes

Quanto mais ele for capaz de associar essas informações com estudos
já realizados sobre o tema, as teorias estudadas e outros documentos
que não faziam parte do seu corpus original, mais condições ele tem
de legitimar, com rigor, o conhecimento que construiu c aproximar-sc
da verdade - sempre incompleta f ntão, para compreender n educa­
ção, é possível - e, muitas vezes, imprescindível - lançar mão do que
já se sabe sobre fatos políticos e econômicos que marcaram uma épo­
ca- No entanto, essas informações só ganham senrido se forem neces­
sárias à compreensão do objeto em questão, e não apenas porque é
preciso contextualizar o fenômeno educativo. O próprio objeto estu­
dado vai mostrar que só pode ser compreendido quando posto em
relação com outros objetos, aspectos c fenômenos da época.
Outro grande desafio para compreender a história da educação
brasileira diz respeito aos períodos investigados. Os primeiros traba­
lhos abordavam panoramicamentc a educação em todos os momen­
tos da históna brasiieira, realizando grandes sínteses. Já o período
republicano, nocadamence o Estído Novo, foi profícuo em estudos
ditos marxistas. Nos uiumo' anos, (em cre\cicio o interesse dos pes­
quisadores pelas décadas iniciais do século XX. O século XIX tam­
bém tem atraído um numero significativo de historiadores, que têm
se reunido em fóruns específicos de discussão e publicado coletâ­
neas sobre o período. Esse interesse talvez se justifique pelo desafio de
mostrar que, muito mais do que um hiato, esse momento foi funda­
mental para a institucionalização da escola brasileira.
O maior vácuo de pesquisa é o período colonial. Alguns faiores
talvez expliquem o pequeno número de estudos realizados hoje sobre
essa época. Em primeiro lugar, os documentos são mais raros, menos
conservados e menos inteligíveis para amadores e pesquisadores de
primeira viagem. Segundo, o próprio fenômeno educativo nesse pe­
ríodo é mais fluido e menos visível, na medida em que o Brasil colo­
nial se caracterizou pela quase ausência de iniciativas oficiais e for­
mais em educação. Por fim, talvez por ser um período mais remoto,
ele afaste os historiadores da educação preocupados cm fornecer sub­
sídios para compreender o presente. O fato é que ainda conhecemos

38
Território plural

pouco sobre a realidade educacional brasileira dos óculos XV I, XVíl


e XVIII. Pouco também sabemos, do ponto dc vista da educação, o
que esse encontro com o outro, que ocorre no m omento da chegada
às novas terras e na colonização do Brasil, provocou no português, no
holandês, no francês c também no índio, nr. africano friro cs. - tvo,
no judeu, no árabe... Sc nos reportarmos ao período anterior à chega­
da dos portugueses ao Brasil, o mistério é ainda maior: a arqueologia
é uma ciência pouco íntima dos historiadores, sobretudo dos histo­
riadores da educação. Ficam as perguntas...
De qualquer modo, a periodização deve ter seus marcos na lógica
do próprio objeto. Tomar emprestados os marcos políticos ou eco­
nômicos de uma suposta história geral nem sempre funciona para ex­
plicar os fenômenos educativos. Dependendo do objero que se está
pesquisando, o início da República ou a passagem do modelo agroex-
poi tador para o urbano-industrial podem não ser marcos úteis à in­
vestigação. Além disso, os historiadores da educação têm percebido
que a periodização não é um simples recorte temporal, como por mui­
to tempo se acreditou. Afinal, a definição de um período para estudo
faz parte da configuração do próprio objeto. Por exemplo: é impossí­
vel estudar o processo dc fcmimzação do magistério elegendo os anos
70 do século XX como recorte, pois esse fenômeno ocorreu pelo me­
nos cem anos antes. É preciso que o período escolhido seja representa­
tivo daquilo que se está estudando —e esse dado nem sempre virá do
campo da educação. Nem sempre o pesquisador sabe de antemão qual
período é mais interessante para estudar um fenômeno específico. Em
muitos casos, o período escolhido auxilia a definir o próprio objeto.
Os estudos já realizados sobre o tema podem auxiliar nessa delimita­
ção que, prudentemente, o pesquisador elege como provisória: o tra­
balho diário com as fontes fornece parâmetros para que ele defina qual
será sua periodização. Esta, vale ressaltar, se dá sempre por aproxima­
ção, na medida em que os fenômenos culturais, com o a educação,
nem sempre são explicáveis a partir de limites precisamente datados.
A renovação nos temas, abordagens e fontes na pesquisa em histó­
ria da educação não se tem feito acompanhar pelos pouco inovadores
« E A ijn iT BBâm JtSt

Ana Maria de Oliveira Gaivão e Eliane Marta Teixeira Lopes

manuais c livros didáticos usados nos cursos dc formação de profes­


sores. A maior pane dessas publicações, principalmente aquelas que
dizem respeito à chamada história geral da educação, foram escritas
há quarenta, cinquenta anos. Elas não se baseiam no trabalho de pes­
quisa em arquivos c focalizam, sobretudo, a lu sió ria dos sistemas dc
ensino e do ideário pedagógico, a reboque de uma história mais geral.
Trazem, quase sem exceções, capirulos dedicados á educação na Anti­
guidade (Grécia e Roma), Idade Média. Renascimento, Idade Moder­
na e Idade Contemporânea. São obras que, embora digam abordar a
educação mundial, restringem-se a alguns países da Europa, excluin­
do o que não parece homogêneo Baseiam-se num tempo linear, que
possui um início (inventado) e caminha progressivamente para um
futuro (projetado) que referenda suas premissas. Reccntcmente, têm
sido publicadas algumas obras mais inovadoras, mas ainda são raras
as traduções piara o português.
Na história da educação no Brasil, também constatamos poucas
inovações Muiros manuais não passam dc compilações apressadas de
outras obras e trazem poucos resultados dc pesquisa. Como no caso
dos livros dc hisrória geral, a produção mais tradicional tem como fio
condutor dos capítulos as transformações ocorridas nos sistemas de
ensino e as obras dos grandes educadores. Gii-sc, novamente, numa
história filosófica. As obras mais recentes, produzidas entre as décadas
de 70 e 80, trazem a marca do marxismo cstruturaJista. Elas fornecem
importantes explicações acerca da educação em cada período da histó­
ria brasileira, relacionando-a com os contextos sucessivos dc uma su­
posta história gcraJ. Contudo, pouco dizem sobre outros aspectos que
auxiliam a compreender a educação no passado, como a cultura c o
cotidiano da escola, o lugar das mulheres, dos negros e dos índios etc.
Assim, pode-se constatar que a produção científica na área não
tein se refletido na produção de livros didáticos. Vários fatores aju­
dam a explicar esse descompasso. Primeiro, as pesquisas cm história
da educação têm priorizado temas ponruais, localizados, passíveis de
aprofundamento. Estudos panorâmicos, rnais apropriados aos ma­
nuais, têm sido escassos. Em segundo lugar, o ensino da história da

40
Território plural

educação, principalmente nos cursos de formação de professores, tal­


vez por ser o campo menos "nobre” de atividade dos historiadores da
educação, não tem sido devidamente discutido em fóruns acadêmi­
cos e publicações da área. Com isso, pouco se conhece das experiên­
cias dos professores em sala dc aula f provável tambrm que cm
muitas instituições, haja uma dissociação entre os que pesquisam c os
que dão aula na graduação em Pedagogia. Isso sem falar nas institui­
ções onde não se faz pesquisa e nas de ensino médio, onde o debate
acadêmico quase não chega.
Além disso, torna-se um verdadeiro dilema para os novos historia­
dores da educação selecionar, dentre os muitos estudos produzidos^
aquilo que pode ser importante para o professor que está se formando
e que não será um historiador da educação. Esse dilema diz respeito
não apenas aos livros didáticos, mas ao ensino de história da educa­
ção em geral. Como pensar num conhecimenro que seja importante
para a prática pedagógica do professor sem justificá-lo com a crença
numa suposta utilidade da história? Afinal, muitos dos novos hisro-
riadores acreditam que, embora a história parta das questões postas
pelo presente e até auxilie cm sua compreensão, ela não tem o papel
de apontar soluções para os problemas contemporâneos, tampouco
de projetar o futuro. Como afirmou Lucien Febvre (1977), a única
lição que a história oferece é a de não oferecer lição nenhuma. Como
se mover, então, dentro do espírito de normatividade que caracteriza
os cursos de formação de professores? Poderiamos questionar os pro­
gramas dc ensino de história da educação: ao assumir a tarefa de en­
sinar aos alunos como foi a educação “dos gregos aos nossos dias” ou
“de 1500 à atualidade”, eles inviabilizam a produção de manuais que
forneçam explicações mais complexas sobre as ações educativas nos
diversos períodos, incorporando as informações das pesquisas mais
recentes. Fmalmence, é preciso considerar que as editoras privilegiam
as sínteses em detrimento das obras com resultados dc pesquisas - daí
a preferência por compilações de segunda mão.
Uma alternativa tem sido produzir coletâneas com resultados de
investigações e usá-las nos cursos de formação de professores. Essas
Ana Mara de Oliveira Galvào e Eliane Marta Teixeira Lopes

publicações, no entanto, têm como principal limite o fato de serem


fruto de reflexões solitárias, fragmentadas, de cada um dos autores de
capítulo Por isso, raramente essas obras trazem reflexões - temáticas,
teóricas, conceituais ou sobre o período abordado - acerca daquilo
q u e u n e os diversos texto s nel.is reu nidos. P u blic.içõ es m ais recentes,
canto na Europa quanto no Brasil, tendem a privilegiar obras coleti­
vas: as obtas dt apenas um autor são cada vez menos comuns. Mesmo
assim, elas são boas alternativas para o trabalho em sala dc aula.

42
Histórias da educaçao:
novos objetos

Atualmente, pode-se falar de forma mais apropriada cm histórias


da educação, pois as investigações que vêm sendo realizadas no cam­
po não se restringem mais ao ensino e ao pensamento pedagógico,
objetos tradicionais da disciplina. A aproximação da hisrória da edu­
cação com outras ciências humanas e cotn outras áreas da história
contribuiu para que as crianças c os jovens, os intelectuais, o livro c a
leitura, as mulheres etc. também se tornassem objeto da disciplina.

História do ensino

Um dos domínios mais tradicionais da história da educação é a


história do ensino. Esse campo de estudos também cem incorporado,
de maneira significativa, as reflexões realizadas dentro das tendências
historiográficas contemporâneas. Com isso, a área acaba por amoliar
suas fontes, lançando novos olhares para os mesmos objetos e, em al­
guns casos, para as mesmas fontes.
De modo geral, considera-se limitado o ponto de vista que traça
uma relação direta entre a escola e os aspectos econômicos e políticos
da época. Influenciados pelo pensamento de tradição marxista, so­
bretudo nos anos /O e 80, muitos pesquisadores realizavam uma his­
tória da escola de cunho eminentemente político e institucional. No
limite, é como se estudar o contexto de cada sociedade nos dispensas­
se de investigar as práticas escolares em si: acreditava-se que, ao co­
nhecer o conrexto, automaticamente se conheceria a escola. E*se pro­
cedimento trazia como pressuposto a não autonomia da instituição
Ana Marta de Oliveira Galvão e Eltane Maria Teixeira Lopes

escolar, que simplesmente cumpriría o papel de reforçar as desigual­


dades sociais. Essas análises, muitas vezes, vinham marcadas por um
caráter ideológico e militante.
A história do ensino não mais sc restringe à história das instirui-
ções escolares, do pensamento pedagógico e dos movimentos educa­
cionais. Recentemente, tem crescido o interesse pelas práticas escola­
res cotidianas, por exemplo. Os historiadores da educação cada vez
mais percebem que, para entender os processos de ensino nas diferen­
tes épocas, não basta investigar como a organização da escola sc trans­
formou ao longo do tempo. Por isso, não é suficiente estudar leis, re­
formas, regulamentos, programas, ou o que pensavam e propunham
os educadores ilustres. Tampouco basta escrever uma história dos pro­
jetos - ou seja, uma história do que deveria ter sido. É preciso, cm
vez disso, captar o dia a dia da escola de outros tempos - os métodos
de ensino, os marenais cidaticos utilizados, as relações professor-alu-
no e aluno-aluno, os conteúdos ensinados, os sistemas de avaliação e
de punição...
Recentemente, esses fenômenos tem sido analisados à luz do con­
ceito de cultura escolar flulia, 2001 >. Muitas dessas pesquisas mos­
tram que a pratica escolar é aquilo que menos sofre mudanças na
história da educação. Apesar das reformas propostas, dos pensamen­
tos inovadores e das feições específicas que assume em cada sociedade
e época, a prática escolar materializa alguns papéis que há muito lém
sido previstos para sua ação e que ainda hoje persistem com força em
seu funcionamento diário.
Pesquisas recentes também consideram questões como a inserção
das meninas e mulheres nos sistemas de ensino (como alunas e pro­
fessoras), a coeducação, a educação rural, a educação dos indígenas e
dos quilombolas, e a formação de professores. Outra preocupação co­
mum é a de ver de que forma se deu a progressiva afirmação da esco­
la no interior das diferentes sociedades como espaço privilegiado de
transmissão do conhecimento. Todas essas abordagens são influencia­
das pelos avanços e pelos novos questionamentos propostos pela so­
ciologia e pela antropologia.

44
Território plural

Os historiadores da educação têm invesrigado a progressiva trans­


formação da escola em espaço nuclear de transmissão do saber nas
diferentes sociedades, ou nas distintas regiões de um país. Nesse con­
texto, cabe investigar como foi implementada a rede formal de esco­
las e de que maneira essa rede se ampliou e se diversificou, bem como
verificar o crescimento da taxa de escolarização. Além disso, convém
pesquisar as consequências desse processo: a necessidade de formar e
profissionalizar os professores, elaborar livros e materiais didáticos,
construir espaços específicos para a ação escolar etc. Nessas investiga­
ções, é importante reconstruir as estatísticas, fonte fundamental para
conhecer os segmentos populacionais que frequentavam a escola, e a
distribuição desses grupos por região, sexo, idade, classe social, raça/
etnia etc. Afinal, quem tinha acesso à escola e quem a frequentava
numa certa época e sociedade? No caso brasileiro, essa questão é de­
licada: para entender a oferta de instrução escolarizada anterior ao
século XX, é necessário fazer um laborioso esforço de pesquisa sobre
a realidade de cada província.
O estudo das disciplinas e dos saberes escolares tem sido funda­
mental para compreender o papel dos contexros culturais na defi­
nição daquilo que deve ser ensinado na escola e, em contrapartida,
o papel da escola ao produzir e reelaborar o conhecimento, princi-
palmente pelos processos de didatização. Esses estudos são comu-
mente realizados por pesquisadores especializados na teoria do cur­
rículo ou por professores que, instigados por questões da prática
escolar contemporânea, se interessam em conhecer o passado dos
saberes com que lidam no cotidiano. A história das disciplinas c
dos saberes escolares, ao abordar os conteúdos do ensino, os pro­
gramas, as provas, os manuais e os exercícios escolares, contribui
para conhecer melhor o que ocorria dentro da escola, relativizando
as abordagens macrossociológicas. Por sua vez, os estudos sobre
manuais escolares começam a tentar compreender os procedimen­
tos de seleção e transmissão dos saberes — diferentemente do que
ocorria ha alguns anos, quando tinham como foco a propagação de
ideologias.

45
Ana Maria de Oliveira Galvão e Eliane Marta Teixeira Lopes

História dos intelectuais e do


pensamento pedagógico

Recentemente, a história dos intelectuais e do pensamento peda­


gógico é também reabzaua cuin base em novas abordagens c novas
fontes. Os pesquisadores contemporâneos tendem a não mais homo­
geneizar as correntes de pensamento. Eles deixaram de tentar recons­
truir uma trajetória linear e evolutiva das grandes tendências pedagó­
gicas que teriam marcado a história da educação. Interessam-se, por
exemplo, pelas disputas travadas entre os diversos representantes de
um movimento para fazer as idéias de alguns serem mais legitimadas
que as de outros. Investigam percursos de formação e a influência das
idéias de autores estrangeiros na configuração e veiculação de de­
terminado pensamento pedagógico no Brasil. Preocupam-se também
em destacar as cspecificiüades de cada movimento nos diversos esta­
dos brasileiros e estudam as ideus de intelectuais pouco evidenciados
pela historiografia tradiciona'. como mulheres, protestantes e negros.
As próprias n oyjo de ‘ iniclcciuaT e ^intelectual da educação
têm sido oroblematizadas. Sabemos que no século XIX, por exemplo,
não havia uma distinção m uja entre os campos do conhecimento;
homens públicos opinavam sobre assuntos diversos - incluindo a
educação. Nesse sentido, ganham relevo hoje os estudos que discu­
tem não apenas as idéias pedagógicas desses sujeitos, mas também os
processos de formação intelectual, as redes de sociabilidade, as via­
gens formativas, o papei da imprensa e de outros veículos, as estraié-
gias de legitimação etc.
Com base em novas abordagens historiográficas, a história dos
intelectuais e do pensamento pedagógico usa fontes pouco explora­
das até recentemente. Além dos livros desses pensadores, são objeto
de estudo as correspondências, os artigos publicados na imprensa, os
discursos, as autobiografias e as bibliotecas pessoais. Nesse último ca­
so, analisam-se os livros do acervo e, quando possível, as marcas de
leitura deixadas. Mesmo nos trabalhos que tomam as obras dos inte­
lectuais como principal fonte de pesquisa, muitos pesquisadores não

46

\ •
Território plural

se limitam a analisar os conteúdos expressos e tentam compreender


seus processos de produção c circulação.

História da alfabetização, do livro e da leitura

Hoje, a história da educação está estreitamente relacionada a um


rico campo de pesquisas no interior da história cultural: a história da
alfabetização, do livro e da leitura. Já no final dos anos 60, algumas
pesquisas foram realizadas na F.uropa com o objetivo de identificar a
distribuição territorial da alfabetização em alguns países. Mas como
saber quem era alfabetizado numa época em que não existiam estatís­
ticas? Esses estudos macroscópicos tomavam como principal fonte as
assinaturas existentes em testamentos, atos de batismo e registros de
matrimônio. A aptidão do indivíduo para assinar era, então, confron­
tada com outras variáveis, como sexo, origem (rural ou urbana), ocu­
pação e religião. Com base na caligrafia, os historiadores inferiam a
maior ou menor familiaridade da pessoa com a escrita: se esta era he­
sitante, supunha-sc que o sujeito possuía menor habilidade de escre­
ver; uma letra firme, por outro lado, indicava intimidade com a es­
crita. Tais estudos revelaram também que, em vários casos, o domínio
da leitura não era acompanhado de um domínio da escrita: muitas
pessoas sabiam ler, embora não soubessem escrever, e vice-versa. Ou­
tra conclusão importante foi que a generalização da leitura parece ter
sido anterior à da escrita.
Aos poucos, estudos desse tipo foram cedendo espaço para pes­
quisas qualitativas, preocupadas em reconstituir os processos de aqui­
sição e as práticas de leitura e escrita. Em geral, esses trabalhos refe-
rem-se a espaços mais delimitados e grupos relativamente pequenos.
A assinatura deixa de ser a fonte privilegiada, cedendo iugar a auto­
biografias, atos judiciários e, mais recentemente, depoimentos orais.
A própria noção de alfabetização tem sido considerada do ponto dc
vista histórico e, em alguns casos, ampliada. Influenciados por estu­
dos americanos, pesquisadores brasileiros têm tomado o conceito de
Ana M aria de O liveira G alvào e Eliane M ada Teixeira Lopes

gar os usos da leitura e da estrita que efetivamente são feitos por in­
divíduos ou grupos. Interessa, nesses trabalhos, a compreensão his­
tórica dos papéis sociais, dos usos e funções da escrita c das relações
desses elementos com variáveis com o classe social, ocupação, lugar de
habitação (urbano ou rural), gcncio c euua. lbw>es estudos têm >.oiiin-
buído para m ostrar com o são complexas as relações - nem sempre
diretas e mecânicas - entre os níveis de escularização c a capacidade
de ler c escrever .Assim, cabe perguntar qual é o papel da escola na
transmissão das competências de leitura e escrita? C om o essa trans­
missão se deu ao iongo dos séculos? C om o as pessoas sem acesso â
escola ou com cscolanzação rcstnra participavam dc contextos cultu­
rais ji marcados pela presença da escrita? Fontes variadas, com o in­
ventários. correspondências e manuais escolares, podem ajudar a res­
ponder a essas e a outras qucstócs.
Além das pesquisas sobre alfabetização e Ictramento, historia­
dores da educação têm se ocupado do livro e da leitura. A história
do livro é, cronologicam ente anterior à história da leitura En­
quanto a primeira descreve quanutuuvam cntc os objetos mais li­
dos c os leitores dc uma determ inada época, a história da leitura
reconstitui, para utilizar a expressão dc Robert Darnion (1 9 9 0 ), os
“co m o " e os “porquês da leitura. Para isso, os estudos nessa linha
tem enfocado os três principais m om entos do circuito que torna
possível o ato de ler: a produção, a circulação e a apropriação dos
materiais de leitura.
A produção dos materiais c um dos domínios mais e s tu d a d o s . A
com preensão do lugar ocupado pelo escrito nas diferentes sociedades
tem se enriquecido com as pesquisas sobre o papel dos editores, revi­
sores, impressores, tipógrafos, ilustradores e tradutores na preparação
do impresso. Discutem-se também as legislações de direito autoral, os
contratos de edição e o m ecenato Ao contrário dos estudos tradicio­
nais, as pesquisas mais recentes investigam náo apenas objetos dc lei­
tura consagrados pela tradição erudita, mas outros tipos dc escritos:
literatura popular (almanaques e folhetos dc cordel), histórias em qua­
drinhos, romances policiais, folhetins, revistas, literatura pornográfi­

48
Terrrtório piorai

ca, materiais religiosos (bíblias, livros dc prece e santinhos), boletins,


jornais, panfletos, novelas seriadas, livros mfanns erc
No campo da educação, cresce o interesse dos historiadores pela
produção dc livros escolares e paradidáticos, dc coleções dirigidas a
professores, dc imprensa pedagógica ctc. No caso Lra^.leiio, há estu­
dos que descrevem a função desses impressos, ao lado dc ourros ma­
teriais didáticos c métodos dc ensino, na progressiva consolidação da
escola com o principal espaço educativo. As pesquisas também rêm
procurado examinar o papel dos materiais não impressos; cartazes,
cartas, pichaçócs c até mesmo lápides dc túmulos têm sido considera­
dos. Em países onde a imprensa se difundiu tardiamente, com o o Bra­
sil, sabe-se que o manuscrito desempenhou papel essencial, marcan­
do de maneira profunda o desenvolvimento da cultura esenta.
Já os estudos que se detêm sobre as formas de circulação dos ob­
jetos dc leitura discutem com o os materiais escritos eram disponibili­
zados para os potenciais leitores em diferentes sociedades c épocas.
Os principais agentes que atuam nesse momento do circuito são os
autores, os editores c os livreiros, que o iam c põein cm prática estra­
tégias de divulgação do escrito. Adquirem importância estudos que
examinam o papel de instituições cspecialmente destinadas à circula­
ção do escrito, como livrarias, bibliotecas, bibliotecas escolares e gabi­
netes dc leitura. Do mesmo modo, ganha destaque o escudo dc meios
informais e de espaços pouco convencionais dc circulação do esento:
empréstimos pessoais, afixação de objetos esemos cm muros e pare­
des, leituras em voz alta, bancas de revista, vendedores ambulantes,
correios e mercados públicos, entre outros. Também têm sido realiza­
das pesquisas sobre a interdição ou a restrição da circulação dc im­
pressos, por meio de censores. Tais estudos contribuem para a com ­
preensão dos valores predominantes em diferentes contextos.
Sob a influência da história da leitura, alguns pesquisadores têm
analisado como o ensino e as práticas de leitura foram objeto de dis­
cussão nos diferentes movimentos educacionais, parncularm enie na
Escola Nova. No caso brasileiro, observa-se nos anos 20 e 3 0 um in­
tenso debate, provocado pelos educadores escolanovistas e expresso
Ana Maria de Oliveira Galvão e Eliane Marta Teixeira lo jie s

cm artigos c Livros, cm torno das usos escolares e outras apropriações


do livro c da leitura. As concepções pedagògtcas desses autores resul­
taram em diversas ações: reformulação de programas de ensino, cria­
ção c renovação de bibliotecas escolares, construção de ambientes
próprios para a leitura, lorniulaçáo dc regias normativas paia a uoa
leitura (por exemplo, a indicação das posturas corporais corretas para
o leitor e a prescrição de livros avaliados como bons).
Considerado o polo mais fugidio e imponderável, o leitor tam­
bém tem sido alvo de investigação. Em alguns casos, o objetivo da
pesquisa é captar as maneiras singulares dc ler; cm outros, a finalidade
é compreender os modos de ler de grupos específicos dc leitores (mu­
lheres, intelectuais, crianças, trabalhadores etc.). Outra abordagem
comum c reconstituir a histona da formação de leitores, em geral in­
telectuais ou personalidades como políticos, médicos, advogados e
professores. Esse tipo de investigação costuma ser realizado pelo es­
tudo de bibliotecas particulares, do levantamento das leituras que os
sujeitos faziam e das anotações que deixavam nos livros. Tais métodos
põem cm evidência a trajetória pessoal c profissional dos leitores, elu­
cidando aspectos importantes de sua formação. Os catálogos de bi­
bliotecas públicas também tèrn ajudado a reconstruir o publico leitor
de certos gêneros literários cm determinadas épocas. Alguns histo­
riadores da educação examinam a participação dc homens e mulheres
no mundo da escrita e os modos implícitos ou explícitos de formação
dos leitores. Essas abordagens consideram não apenas formas institu­
cionalizadas dc escolarização, mas processos alternativos, como a ins­
trução familiar e as autodidatas.
Os modos de ler são também considerados objeto de investigação:
o ato de ler feito de forma silenciosa ou cm voz alta, solitariamente ou
em grupo, intensiva ou cxtensivamcntc condiciona, cm grande parte,
a apropriação dos materiais de leitura. Nas sociedades marcadas pe­
la orahdade, como é o caso brasileiro, assumem importância estudos
sobre os espaços dc sociabilidade entre leitores, como os serões, as
academias literárias e até mesmo as feiras livres, onde eram e são co­
mercializados alguns gêneros populares, como a literatura dc cordel.

50
Território plural

,^tudar os leitores e os modos dc ler.


Tão importante quanto ^ |e|[ura, é investigai os diverso,
para reconstruir as apropri e <jp0cas. Em que comextos
usos da leitura nas erento ^ política, formativa, admi-
e com que funções (rel.gtos , ^ fc„ urd e „ eserita e,a.n
nistrativa, jurídica, prolivs, • c|onal a dasse, a vivén-
utilizadas? D c que maneira P ^ ^ educarivas e o exercício
cia mítico-rel,giosa, as mstn J ^ sem d h lo K S os usos da leitura
do poder político tornam dJ
e da escrita? , Hn
Uma das maneiras que o pesquisador tem de se d°
leitor e da leitura nas sociedades passadas d invesngar os objetos de
leitura em sua materialidade: o texto de um lado, c o impresso de ou­
tro. Essa distinção entre texto e impresso (Chartter, 19 9 0 ). feita pelos
historiado,es da leitura, baseia-* no ptessuposto de que um texto mu-
J ■ I flll, nrtes que lhe dão materialidade. Um tex-
da quando mudam os suporta- 4
to não é o mesmo quando circula em substratos materiais diferentes.
Capa, contracapa, disposição do texto na página, presença ou ausên­
cia de certos caracteres gráficos etc. são elementos importantes de
análise. No mesmo sentido, pesquisas que investigam as diferentes
edições de uma mesma obra - obsenrando as permanências c trans­
formações - também ajudara a reconstituir o público leitor e os mo-
dos de ler. Outra possibilidade é investigar as representações sobre
leitores e leituras mais frequentes nos discursos produzidos em cada
época c sociedade. Nesse aspecto, têm sido utilizadas fontes como do­
cumentos legais, textos literários, pinturas e fotografias.
Num esforço de síntese, rauitos estudos dc históna da leitura tem
enfocado a produção, a circulação c a apropnação dos materiais para
elucidar alguns momentos decisivos da históna do mundo ociden­
tal, que provocaram verdadeira revoluções nas formas de ler. Desta­
cam-se, nesse sentido, a invenção da imprensa, a passagem da leitura
extensiva para a intensiva, a expansão da escolanzação, a organização
dos sistemas de ens.no para as práticas de le.tura e, mais recentemcn-
tc, as repercussões provocadas pelos meios eletrônicos nas formas de
ler e na relação das pessoas com o escrito. Mesmo com todo esse em-V

51 V - í ;
A na Mana de O liveira G alvao e Ekane M arta Teixeira Lopea

pcnho, os leitores, as maneiras de ler e os processos de apropriação da


leitura permanecem em grande medida desconhecidos, fugidios, im­
ponderáveis Mas poderiamos nos perguntar nao C isso que frequen­
temente ocorre quando fazemos história?

História das crianças e dos jovens

Construir as histórias da educação de outros tempos e sociedades


é, quase sempre talar sobre criamos e jovens. A história da infância e
da fuvenrude tem sido cada \ez mais pesquisada no Brasil c cm outros
patscs .Armai, as novas gerações sao o principal alvo dos processos
educativos- A categoria “geração" tem guiado a maioria desses estu­
dos. De modo geraj. cies pressupõem que a educação varia não só
segundo a soucuauc e a época, mas também dc acordo com o gênero,
a raça- ernia. a classe socaai e. claro. a fase da vida em que os indiví­
duo». estão inseridos.
Q uando se fali em história da criança, é impossível não citar Phi-
lippc Aries c s_i osra pioneira. Lenfani cl la vu jamiltalr som lA m ien
Repirrte. pubiicad. ria França cm 1 960 A obra foi traduzida para o
inglcs cm i cr.'_ e Cese modo, üifundida nos países anglofonos. Uma
versão redunda do lrvro foi publicada no Brasil cm 1978, com o títu­
lo H m oria íociai da criança e da família. Iinbora os estudos sobre a
infância tennam se multiplicado desde o finai do século X IX , com o
desenvolvimento da psicanálise, da antropologia, da sociologia e da
pediarrta, o livro de Aries é considerado urn marco, porque transfor­
mou a infância e as representações sobre da em objetos históricos. Na
Europa, fazia-se uma história da m /ancu c da família dc natureza so­
bretudo demográfica, econômica e política Rru>iria-se a documen­
tos passíveis dc tratamento quantitativo, corno registros paroquiais c
rccenseamenros populacionais. Esses estudos contribuiram para re­
velar aspectos importantes, com o as estruturas familiares, a infância
abandonada c o surgimento de práticas comraceptivas.
Com base sobretudo cm fontes iconográflcas, Aries identifica que,
no final do século XV I, houve uma mudança fundamental no estatu-
Território pitiral

co «ia infância no mundo ocidental. a criança passa ser concebida não


mais com o um adulto cm miniatura. Esse fenômeno está relaciona­
do ao surgimento da família burguesa, que tem menos membros c da
mais valor à privacidade, ã intimidade c à afetividade (principalmen-
tc entre pais c filhos) Nesse contexto, .1 criança passa a ser on strim
da c tratada com o um scr dotado dc identidade própria, que requer
cuidados e atenção especiais. Entre esses cuidados destacam-se a cons­
trução e a valorização de espaços planejados para a ação escolar, que
tem no internato seu modelo mais aiabado. O livro descreve, então,
a importância que a criança vai ocupando na família no decorrer
dos séculos.
O livro de Aries suscitou uma série de críticas e uma diversidade
dc novos estudos, mostrando a fccundidadc de um tema até então
praticamente ignorado pela historiografia. A repercussão dc sua obra
pode ser medida pela quantidade de artigos e livros escritos com base
cm suas idéias, não só em história, mas cm sociologia, psicanálise,
educação, ciência política e mesmo em trabalhos destinados ao gran­
de publico É possível dizer que, hoje, todos os historiadores da infân­
cia se baseiam nas conclusões dc Ariès seja para rcfiiri-las, seja para
corroborá-las cm menor 011 maior grau.
Quais foram as principais críticas feitas a esse autori A hipótese
mais contesrada vem dos medievalistas: para eles, não é a modernida­
de que “cria” a criança. Segundo esses pesquisadores, mesmo antes
dessa época a criança já era representada de maneira particular, ou
seja, já havia consciência da especificidade da infância. Para eles, em
manuscritos medievais é possível encontrar o sentimento de infância,
de ordem moral c religiosa. Os medievalistas criticam basicamente o
uso que Ariès fez da iconografia: para eles c para outros autores que
trabalham com esse tipo de fonte, é preciso entendê-la em cada socie­
dade e época específicas, sem anacronismo.
Outra crítica feita a Ariès diz. respeito ao modo linear com o o livro
reconstitui a história das representações e dos sentimentos em relação
à infância. É to m o se a cronologia proposta pelo autor pudesse ser
aplicada a todas as sociedades e a todas as camadas sociais. Além dis­
Ana M aria de O liveira Galvão e Eliane M aria Teixeira Lopes

so, estudos mais recentes relativizam a hipótese dc que a fragilidade


do recém -nascido c as altas taxas dc mortalidade infantil nas socie­
dades tradicionais têm relação direta com a pouca afetividadc dis­
pensada à criança Alguns pesquisadores atuais criticam também a
concepção que o autor tem de míància, na medida cm que ele pouco
considera as variações de acordo com a época e a sociedade.
De toda essa discussão teórica, fica uma certeza: a história da crian­
ça não pode se restringir às estimativas quantificadas dc natalidade
e m ortalidade. É preciso compreender o significado da infância nas
práticas familiares coudianas. Para isso, os historiadores têm recorri­
do sobretudo a testemunhos singulares (muitas vezes heterogêneos e
dispersos), focalizando os costumes e as menralidades.
H oje, a história da infância situa-se num cruzamento de áreas:
tanto historiadores quanto psicólogos, pedagogos e antropólogos têm
contribuído para ampliar o olhar sobre a infância em outros tempos
e em outras sociedades. A história da família é um dos domínios mais
pesquisados, e esforços têm sido realizados para formular sínteses co­
m o a historia dos pais e das mães, ou da paternidade c da maternidade.
O utros remas privilegiados das investigações históricas são a gravidez,
o nascimento, a amamentação, a mortalidade infantil, o abandono dc
crianças, a escolarização, o trabalho infantil, os asilos, as creches e as
escolas de educação infantil. Esses estudos tendem a abordar a infân­
cia segundo o gênero (afinal, a infância não é a mesma para meninos
e meninas) c a idade (produzem-sc histórias diferentes se investigar­
mos a primeira infância ou a pré-adolescência, por exemplo).
Um a dns principais dificuldades para fazer história da infância é a
escassez de registros produzidos pelas crianças - elas quase não dei­
xaram testemunhos escritos, pessoais ou coletivos. Alguns autores di­
zem que as crianças são os grandes mudos da história. Só se pode
conhecer a história da infância indireumente, pelo ponto de vista dos
adultos que, em diferentes épocas, deixaram registros sobre o que pen­
savam a respeito delas e com o as tratavam. Isso abrange principalmcn-
tc aqueles profissionais que tinham contato mais direto com crian­
ças, co m o pedagogos, escritores, pintores, pais c legisladores - alem

54
Território plural

de adultos que, ao escrever autobiografias e memórias, relembram a


própria infância.
Diante dessa dificuldade, os pesquisadores vêm utilizando diver­
sos tipos dc fontes, em geral representações sobre meninos e meninas
cm obras literárias em. arquivos de hospitais, no discurso médico e
até em baixos-relevos e esculturas que ornamentavam monumentos
funerários. Objetos do cotidiano e vestígios da ação de meninos e
meninas - brinquedos, roupas, correspondências e registros sobre jo­
gos e brincadeiras - também têm auxiliado os historiadores a com ­
preender como era a vida das crianças em outras épocas. Com o ocor­
re em outros campos da pesquisa histórica, os estudos de história da
infância também recorrem ao cruzamento de diferentes fontes, na me­
dida em que cada uma traz uma interpretação particular para o mes­
mo fenômeno.
Mas outro ponto de vista precisa ser considerado: a ausência de
traços deixados pelas crianças deve ser rributada a representação que
cada sociedade faz delas. Na medida em que as considera sujeitos é
que uma sociedade levará cm conra e preservará sua produção, seus
documentos. As agendas, os diários, as redações são fontes que devem
ser situadas c cotejadas a outras; entretanto, não se pode dizer que os
objetos ou os sujeitos da pesquisa estão mudos. O que acontece mui­
tas vezes não é que a criança seja um objeto de pesquisa mudo - a
sociedade que a cerca é que c surda.
Os historiadores lidam com outro problema inerente à especifici­
dade desse objeto: a ideia de criança tem mudado ao longo do tempo.
A infância não é simplesmente uma fase biológica, mas uma constru­
ção histórica e cultural - e, portanto, cívica e jurídica. Assim, o olhar
que temos hoje sobre a infância é diverso daquele que os gregos ou a
sociedade colonial brasileira tinham. Um dos anacromsmos que de­
vemos evitar éjuJgar o modo como era pensada a infância no passado
tomando por base as idéias dc hoje, quando a criança c o centro das
atenções da família. Náo se pode postular uma suposta identidade in­
fantil a pnorz. desse modo, o historiador só recnconrraria aquilo que
o seu próprio tempo coloca como verdade. ■

55
( *# /
r

Ana Mana d*i C^tv^-ra Ga'*áo e E iane Ma \i Teixeira l upnr>

Um a das maneiras de «nadar as fronteiras existentes enue a infân­


cia, a juventude e a v>da adulta e reconstituir os ritos dc pavsagem das
so o ed ad « ooder.uas - a pnmeira a'nm :th.uv o casamento, o servido
militar etc. Mesmo assim, as diticuldad« aniunium , quanto mais lon­
gínquo tu: o r > :v ^ - G.>i.uus <.m u í i.il v lulluiolitu nic
i for a sociedade que sc pesquisa mais os vestígios parecem fugidios.
í Falem os, e n tã o , d r u m d o m u u o a in d a mais recente: a h is tó ria dos
i-
jovens. D iversas Descuisas s»>rc a tm r tm id e to ram feiras nas décadas
dc 7 0 e 8 0 . nas áreas de a n tro .v s lo p a . psico lo g ia , sociologia c d e m o -
1
3 graiãa. P orem , so m ais rre rs u e m e n te o tem a te m sid o a b o rd a d o n u m a
4*
perspectiva h is s o r o x s a ir u r a í Pccienam os cxsguar que basta estender
a a m p h ru d e Ca» num erosa» pesquisas sobre a in tà n c ia tase p o s te rio r
da vid a . a j uvem-ade. V ' e n ta n to . a h is ró n a dos |ovcns tem u m a es­
p e c ific id a d e p o o crar um a senc de d ific u ld a d e s que não c o in c id e m
co m aquelas r r k- —- u u . ' n d o s h isto ria d o re s da m tu n cia
O maior prucierru « ra r.c pnopno fundamento c na própria razão
de v r d r ob - a r-a Cur c r ivrm idr' Não existe uma resposta
uruca pura a . jcicíl . . . . . •» a mr^n^ia c as ouiras Iuses da vida, a
juventude rva«; e um r puramente biológico: trata-se de uma
cmv.iruip r " ' •a. s u - c_ • ira; c, portanto, variável. O que
os historiadores cox m> .cru tém afirmado é que essa fase da vida sc
define muito mais ptr wev. caracer de uamição duque por uma supos­
ta estabilidade e f.-iniev Ser //-.em c sobirtudo, estar situado entre
duas margens 'também m u a c r a f a iu .io n a d a s pela sociedade e pela
época): de um lado. a cr:ar<ça dependente" dc outro, o adulto autôno­
mo. Em geral, esses umirex cão rnari ad'K por ritos dc saída c dc entra­
da, por valores simbohco* q.ir definem quais papéis sociais os jovens
devem ocupar na cultura em que vivem v,o rni.mio, <•%%«•» papéis não
são definidos pelos mesmos criréme, ^dcjiendriicia venus autonomia)
em todos os domínios da vicia: cies variam ern relação à sexualidade,
à vida cívica, á atividade econômica e dc acordo com a classe social, o
gênero c a etnia. A juventude não é a mesma para homens e mulhe­
res, para negros, brancos e índios, para indivíduos pertencentes as
camadas populares, às classes medias e às elites econômicas de cada

56
Tnrrdrtfio oHiral

sociedade. Por isso, não se pode falar numa hisrórta d.i juventude (no
singular), mas em história de juventudes, de jovrm Vale lcmbr.tr tam­
bém que essa f,Lsc da vida, assim com o as outras, é uma condição
provisória: os sujeitos atravessam a juventude dc m aneira relativa-
ineme lugaz.
Para dar respostas às problemáticas citadas, ganham importância
nos estudos temas com o ritos de passagem, sacramentos e conver­
sões, associações e movimentos de jovens, viagens de formação, tes­
tas (de caráter religioso ou profano) c processos de educação c e s c o
lan/açáo. A delinquência, a violência, a revolta e as mudanças sociais
c políticas, cm geral associadas a essa fase da vida, também têm sido
pesquisadas.

História das mulheres1

Nos anos 6 0 e 7 0 tomou forma, no Brasil, o que em outros países


já era chamado de movimento feminisra. Fssc movimenro tinha por
objetivo fundamental a conquista da igualdade de direitos entre ho­
mens c mulheres, em todos os aspectos da vida (trabalho, família,
religião, educação etc ). Foi uma luta que se fe7. de muitas formas As
mulheres foram para as ruas e protestaram contra as tradicionais - e,
muitas vezes, dissimuladas - formas de opressão. Elas entraram em
campos profissionais até então reservados aos homens, com o a en­
genharia, a medicina e o direito. Fizeram literatura, publicaram seus
diários íntimos, tornaram-se produtoras e diretoras de teatro e cine­
ma. Aquilo que havia um século era proibido às mulheres por lei - ter
direito ao próprio corpo e ao próprio destino — ficava então ao alcan­
ce de todas.
Esse movimento social repercutiu nas pesquisas acadêmicas, so­
bretudo no campo das ciências sociais e humanas. A história não fi­

1. Este trecho contou com a colaboração dc Marta Madalena Assunção, mestre e


doutora cm Educação c professora da Pontifícia Universidade Católica dc Minas
Magistério primário e cotidiano escolar
Gerais, autora dc (Autores Associados. 19061

57
Ana Mana de Oliveira Galvão e Eliane Marta Teixeira Lopes

cou à parte: o sexismo, imperante na historiografia de até meados do


século X X , foi aos poucos sendo substituído pela exigência de fazer
história levando em conta homens e mulheres. A história da educação
aceitou essa constatação e esse desafio. No entanto, sua tarefa foi (e é)
mais complicada. Não bastai ia uucgiai a história uiniu um cauipo de
saber sexuado: era preciso que educadores, sociólogos, filósofos, psi­
cólogos e professores da área de educação se dessem conta de que
o mundo é habitado e partilhado por homens c mulheres, que nem
sempre recebem o mesmo tratamento.
Sabemos hoje que a educação, tal como a história, é baseada no
gênero. Sempre houve (e há) uma educação para meninos e ourra
para meninas. É preciso que sc diga isso cm alro e bom som. Afinal,
quando se falava em educação ou história da educação, era sempre dc
meninos que sc ralava. ;a que o masculino era tornado universal. Fa­
lava-se em homens e todos deveriamos eniender que as mulheres aí
estavam compreendidas. Se a educação faz parte do mundo das pala­
vras e rituais, foi (e e) um avanço perceber nesse universo simbólico
o que é ícimiuoo c o que c masculino.
No final dos anos 80, uma nova categona - o gênero — veio da
antropologia instaurando uma o c r a exigência epistemológica para
as ciências sociais. A história e a educação não poderiam ignorá-la.
O gênero é uma categoria relacionai que permite estabelecer cons­
truções contrastantes tendo em vista a cultura. Na área da educação,
diversas obras recentes tomam o gênero como uma categoria de aná­
lise definidora dos papéis sexuais a serem desempenhados por homens
e mulheres na sociedade.
Da década de 80 para cá, surgiram grupos de trabalho, programas
de pós-graduação, dissertações e teses que contemplam esse tema. Por
um lado, há as pesquisas que incluem a categoria gênero como fun­
damental para a interpretação; por outro, as investigações dedicadas
à mulher e às relações que ela estabelece no espaço das fábricas, das
empresas, das famílias e das escolas. Mas como a história da educação
poderia abordar tais questões? Tomemos com o exemplo a associa­
ção que se faz hoje entre a imagem da mulher e a ocupação de profes-

58
Território plural

\
«ora. Tal associação nos leva a csqucccr que essa foi uma conquista
- lenta c difícil - das mulheres no cam po profissional. Outra rcte-
rència para abordar historicamente as questões de gín ero no magts-
rírin: quando o professor é mulher, i professora. Assim encontram os

no dicionário:

Professora (ô) [Fcm. dc professor.] I . Mulher que ensina ou exerce o


professorado; mestra. 2. Bras., N .E . Pop. Prostituta com quem ado­
lescentes sc iniciam na vida sexual. [PI.: professoras (ó). Cf. professo­
ra e professoras, do v. prolessorar.] (Holanda Ferreira, 1996).

Curiosamente, professor não é aquele com quem adolescentes se


iniciam na vida sexual. Mas deixemos essa questão de lado...
Então, o professorado pode ser - e é - exercido por mulheres. M as
o exercício desse professorado se faz de maneira diferente? A desinên-
cia <7, indicando o gênero, traz por si só atributos diferentes de exer­
cício profissional?
Na história, os homens são mais citados que as mulheres. Fala-se
dc Sócrates, Platão, Aristóteles, Quinciliano, Santo Agostinho - todos
eles mestres. Ainda não eram professores, que vieram depois, quan­
do foi preciso que uma doutrina fosse proclamada, confessada, apre­
goada, ensinada em voz alta. Mas muitas vezes esquecemos que as
mulheres sempre ensinaram a vida e a morte. Elas ensinam a andar,
a falar (a língua não é materna?), a vestir, a com er. Encom endam e
pranteiam os m onos da família e da cidade. Tudo isso as mulheres
faziam antes que a escola fosse um espaço ocupado quase integral­
mente por elas.
Na Grécia antiga, a mulher se tornou juridicamente livre e, por
isso, em algum momento (século VI) sua situação pareceu ser melhor.
Entretanto, do ponto de vLsta social, ela ficou cada vez mais alijada
da vida política ou cultural. Confinada aos gineceus2, fosse ela mãe,

2. \ra Grécia antiga, parte da residência que era reservada às mulheres. H oje, é o
nom e dado pelos biólogos ao órgão feminino das flores.

59
Ana Mana de Oliveira Galvào e Eliane Marta Teixeira Lopes

aia ou ama de leite, liberta ou escrava, o objeto de seus ensinamentos


não passou para a história. A mulher foi descrita apenas como prepa-
radora do “homenzinho’ que deveria ter boas maneiras, civilidade
pueril e correta, disciplina moral, tudo isso por meio de brinquedos c
brincadeiras.
Em Roma, a situação da mulher como ensinante não mudou mui­
to. Não há notícias de mulheres que lecionavam nas escolas primá­
rias, e muito menos nas de nível mais elevado. O litterator, o primtis
magistere o magister iuat htrrani cram cargos exercidos por homens,
aqueles que ensinavam as letras. A diferença cm relação à Grécia fica
por conta da educação familiar; em Roma, é a mulher-mãe - c não
mais a escrava ou a mulher liberta para esse fim - que se ocupa da
pnmeira educação, da formação dc boas maneiras, do respeito à pá­
tria e aos ancestrais. Esses traços permanecem nas civilizações latinas,
mas com as modificações trazidas pela circulação de pessoas por cos-
rumes e culruras diferentes.
Na Idade Mécita, o declínio e o quase desaparecimento da insti­
tuição escolar conservaram a situação da mulher em relação a esses
aspectos. A Igreja mantinha o controle sobre o passado e o presente,
sobre as escolas e os cenrros dc produção de conhecimento e cultura.
No entanto, o ressurgimento das cidades como centros ativos de pro­
dução econômica recria a escola. No século XII, as cidades se torna­
ram também centros de intensa produção cultural. A cidade tem,
então, o mercado e a escola. E a escola liga-se ao mercado para formar
um novo tipo de conhecimento, um novo tipo de pensamento. Pes­
quisas sobre o século XIV mostram que havia professoras ensinando
nas escolas de algumas cidades.
No entanto, durante muito tempo foi só nos conventos que a mu­
lher ocupou legitimamente o lugar daquela que ensina. Nesses lo­
cais, o ensino se dava - e possivelmente ainda sc di - de diferentes
maneiras. Em alguns conventos, limitava-sc a uma socialização para
a própria ordem (ou congregação) e para a devoção á vida religiosa.
Em outros, a educação de meninas - e somente de meninas - era a
principal missão. Preparação para gozar a vida em sociedade, para as

60
Território plural

meninas bem nascidas; preparação para o trabalho, para as órfãs c


abandonadas. A partir do século X V I, quando o Concilio de Trenro
estabeleceu novas regras de conduta e de funcionamento para as ins­
tituições religiosas, então em profunda decadência, os conventos se
reorganizaram e passaram a preparar ramhcm aquelas que se dedica­
riam a ensinar. São os primórdios das escolas normais, de formação
dc professoras. É nesse m omento histórico que a educação se torna
missão e incorpora todos os atributos advindos do campo religioso
contrarrelormista: salvação, abnegação, sacrifício, humildade, íervor
etc. Homens e mulheres são catequistas, professores e professoras,
sobretudo de doutrina.
Seria preciso esperar até o século X IX —quando ocorreu uma fe-
minização do catolicismo —para ver esse ensino cada vez mais regula­
rizado. Foi a vez dos manuais, elaborados pelas congregações, trans­
mitirem as virtudes e as qualidades daquelas que vão ensinar. Esses
manuais educam e preparam novas professoras, fazendo-as à imagem
e semelhança das que as educam —as religiosas.
A enorme importância dessas congregações para a educação bra­
sileira ainda não foi suficientemente estudada. Quando a Igreja de­
cidiu irradiar a doutrina católica pelo mundo, as congregações dc
ensino e seus colégios religiosos chegaram ao Brasil. Vieram princi-
palmente da França, da Espanha e da Itália, de meados do século X IX
até a década de 30 do século X X . Traziam consigo os princípios da fé
cristã, a doutrina da Igreja e os referidos manuais. Dedicavam-se ao
ensino primário e à formação de professoras. Não havia m uita dife­
rença entre os princípios dessas congregações, embora variasse o tipo
de clientela. Por isso, pode-se dizer que há um etos religioso fundante
na formação das primeiras professoras no Brasil, mesmo entre as que
foram exercer o ofício em escolas públicas.
Esse etos religioso se associou a aspectos da formação da mulher
num país escravagista, recém-saído da situação colonial. U m a vez as­
sociados, esses dois polos de formação criaram, em diferentes regiões
e situações, tipos distintos de professoras e de práticas pedagógicas.
Todas diferentes, mas ainda assim semelhantes. O exercício da profis-
Ana Maria de Olivoira Galvão e Eliano M aria Tolxeira Lopes

são ganhou também suas particularidades: ser professora é diferente


de ser professor.
Mas nem só de professoras e professores ensinando em escolas
vivem a educação c a sociedade. Ao longo dos tempos, as diferentes
culturas vêm educando - e domando - as mulheres. Na maior parte
dos casos, a sexualidade foi o objeto preferido dessa domação: as ins­
tituições religiosas, médicas, jurídicas e educativas produziram dis­
cursos e exerceram práticas que tinham como principal finalidade do­
mesticar a sexualidade feminina. A mulher era considerada herdeira
de pecados da carne e da cobiça, monstro portador de suores úmidos,
um ser capaz de loucuras e atrocidades quando não regulado (no sen­
tido biológico e social). Por isso, ela deveria ser vigiada de perto; sua
sexualidade, seus anseios e seus desejos deveriam ser convertidos a
uma só meta: a maternidade. A maternidade, destino biológico do ser
mulher, passa a ser domínio das culturas que ditam as regras sob as
quais deve ser exercida, pelas próprias mulheres, mas também pelos
homens e pelas instituições.
ino entanro, o excesso dc pruibiçócs, a vigilância c os discursos
normativos acabaram por gerar, cm todas as épocas, comportamentos
considerados desviames, pengosos, indignos, heréticos. As mulheres,
ao longo da história, sempre que saiam dos moldes, dos modelos aos
quais deveriam se adequar, eram consideradas bruxas, feiticeiras que
deveriam ser domadas. Com sua proclamada fragilidade, a mulher
era capaz de ameaçar a sociedade.
Nos processos das visitas do Santo Ofício ao Brasil não faltam re­
gistros sobre mulheres que amavam outras mulheres e praticavam a
sodomia; que pretendiam curar com conhecimentos herdados de uma
linhagem de curandeiras; que guerreavam. Para muitas delas houve
castigos c penas cruéis. Outras escaparam pelo artifício da mentira e
da sim ulação da loucura. Esta última foi também atribuída a várias
mulheres que se mostravam indignas ou rebeldes em relação aos pro­
pósitos dos pais, dos irmãos ou dos maridos. São muitas as histórias
de jovens que fugiram para se casar com o amado proibido - quem
não se lembra de Romeu e Julieta? Ou que foram obrigadas a entrar

62
b.

para ordens religiosas, ou, ainda pior, encarceradas em prisões, asilo*


manicomiais ou conventos.
No Brasil, muitas padeceram esses e outros horrores, privados ou
V

públicos, mas muitas tam bém entraram para a história por seus feitos S
c lutas de resistência. Podemos dizer, ainda hoje, >cm medo de errar,
que delas somos herdeiras. Se quase ninguém mais se espanta ao ver
uma mulher ocupar um cargo no m undo político, intelectual, social,
financeiro, nossa dívida é certam ente com aquelas que nos antecede­
ram. Foram fazendeiras e gerentes de fortunas da família; enfermei­
ras; companheiras corajosas do marido em guerras e revoluções, pro­
fessando elas mesmas seus ideais; cientistas; professoras; militantes de
causas políticas; escritoras; esportistas. Essas mulheres nos mostraram
que poderia haver outro tipo de educação, outros modelos.
Hoje, muitas dessas histórias — coletivas e individuais — têm sido
objeto de pesquisa: a produção em história da educação incorpora,
pouco a pouco, a ideia de que a educação som ente pode ser com pre­
endida em outros tempos e espaços quando pensada também com o
lugar de constituição de homens e inulheies

63
Fontes para uma história
da educação

Falamos de ensino, de livro e de leitura, de crianças e jovens, de


mulheres... Tantas histórias contadas e tantas ainda a contar...
C om o já dissemos, a história da educação é uma das m aneiras
de abordar o presente tornand o-o estranho, para que possam os
com preendê-lo. M as, então, co m o saber o que aconteceu? C o m o
ter acesso ao que se passou? C o m o reconstituir e reconstruir ped a­
ços de histórias?
O passado nunca será plenamente conhecido e compreendido. N o
limite, podemos apenas entender seus fragmentos, suas incertezas. Por
mais que o pesquisador tente se aproximar de uma verdade sobre o
passado, apostando no rigor metodológico, permanecem fluidos e fu­
gidios os pedaços da história que se quer reconstruir. E, se aceitam os o
fato de que o passado é imponderável, com o ter acesso a ele?
Certam ente isso se dá por m eio dos traços que foram deixados,
dos vestígios não apagados. Esses elementos nos dizem algo sobre a
vida de homens e mulheres das sociedades passadas. D iscutim os essas
questões nos capítulos anteriores. Aqui, falaremos com mais detalhe
sobre a matéria-prima básica do historiador, do que ele encontra d is­
ponível e utiliza para fazer história: as fontes.
A fonte é a necessária e indispensável m atéria-prima do historia­
dor, para que ele possa reconstruir o passado. Mas o que é “fonte"?
Nas línguas com as quais lidamos mais com um ente (português,
inglês, francês, espanhol e italiano), a palavra fo n te aparece b a sica ­
mente de duas maneiras. Em inglês e francês, source (a m esm a grafia
nas duas línguas, mas com pronúncias distintas); em português e
Ana Maria de Oliveira Galvão e Eliane Marta Teixeira Lopes

italiano, fonte-, em espanhol, fuente. Vamos pensar na origem dessas


palavras, para saber se nelas existe alguma pista que nos permita des­
cobrir seu significado - esse é o valor da etimologia. 5oímrorigina-se
do radical reg, que originou também palavras como dtngere, engere e
surgerc. Surgere sigmhca lcvanur-sc, surgir, clcvar-sc, aparecer, sair.
Fonte e fuente vem de fvns-tis, que tem uma origem religiosa: era o
termo usado pela Igreja para falar da água do batismo ou do lugar
onde se batiza — fonte ou nascente, isto é, água que surge, a origem.
Com isso chegamos ao mesmo ponto: tanto ítfMnrcomo fonte e fum -
te contêm uma dimensão de origem e também de surgimento, o que
se relaciona a uma ideia de espontaneidade.
As palavras são, na maioria das vezes, reveladoras. Aqui, o que
elas nos mostram é um engano: as fontes da operação historiográfica
não têm um caráter espontâneo, pois o material com que o historia­
dor trabalha, e que em algum momento ele passou a chamar de fon­
te, está ao mesmo tempo disponível e indisponível. As fontes estão
aí, disponíveis, abundanres ou parcas, eloquentes ou silenciosas; ve­
mos, pelos trabalhos realizados, que elas existem. Mas elas estão
também indisponíveis: é preciso que alguém vá atrás delas, e um
historiador só faz isso se tiver um problema ou, no mínimo, um te­
ma de pesquisa. De saída, o que determina quais serão as fontes é
exatamente isso: o problema em questão. E, então, começa um ár­
duo trabalho...

A escolha das fontes

O problema e o tema que o pesquisador se coloca norteiam, em


grande medida, a escolha das fontes. Trata-se de identificar, no con­
junto dos materiais produzidos numa época, por um grupo social c/
ou por uma pessoa, aqueles que poderão dar sentido à pergunta pro­
posta inicialmente. Os materiais que forem trabalhados - isto é, re­
cortados e reagrupados - poderão servir de base à operação historio­
gráfica em si, ou seja, a interpretação e a escrita. Mas que materiais
são esses? Servirá qualquer coisa e tudo?

66
Território plural

Certamente, é necessário fazer uma seieçáo. Mas não sejamos in­


gênuos pensando que apenas o historiador é responsável por esse pro­
cedimento. A seleção já fo. feita por diversos agentes: aqueles que
produziram o material; os que o conservaram ou deixaram rastros de
destruição (intencional ou não); aqueles que o organizaram em acer­
vos; e o próprio tempo. Nesse sentido, a história sera sempre um co­
nhecimento mutilado”: só conta aquilo que foi possível saber a res­
peito do que se quer saber. O passado, nunca é demais repetir, é uma
realidade inapreensível.
Até os primeiros 30 anos do século XX, exatamente pelo tipo de
história que se fazia, consideravam-se fontes (materiais para escrever
a história) apenas os documentos escritos - tidos, por sua origem,
como confiáveis. Se o objetivo era fazer história política, adminis­
trativa, diplomática, eram escolhidos os documentos que podemos
chamar de oficiais”, em geral escritos. Mas houve reações, e tudo
aquilo que o homem produz - seus gostos, seus costumes, suas ma­
neiras de ser - e tudo o que significa a sua presença passou a ser con-
sidciado matéria, fonte, para se pesquisar c escrever a história (feb-
vre, 1977).
Já Le GoflF H 994) afirma que, no limite, todo documento é men­
tira, na medida em que só tomamos conhecimento daquilo que o
passado quis que fosse memorável. Para dar um exemplo disso, pode­
mos imaginar um historiador que, daqui a cem anos, quisesse recons­
truir um aspecto da história política do Brasil no inicio do século XXI.
Ele se basearia, para isso, em três jornais: o Diário Oficial da União,
um jornal de grande apelo popular e um outro considerado sério.
Encontraria ele nessas três fontes a mesma versão para uma história?
Poderia confiar integralmente nos dados veiculados em publicações
tão diferentes?

Algumas fontes

Na história da educação, predominavam até pouco anos atrás dois


tipos de pesquisa: de um lado, investigações sobre as transformações

67
Ana M ana de O liveira Galvão e Eiiane M arta Teixeira Lopes

ocorridas ao longo do tempo na organização escolar; de outro, estu­


dos sobre o pensamento pedagógico. Em função da natureza dessas
pesquisas, recorreu-se durante um longo período apenas às fontes ofi­
ciais escritas: legislação e atos do poder executivo, discussões parla­
mentares, atas, relatórios escritos por autoridades (presidentes de pro­
víncia, inspetores escolares etc.), regulamentos, programas de ensino
e estatísticas. Também tinham muita importância as obras dos educa­
dores ou pensadores mais eminentes de cada época. Elas constituíam,
nesses trabalhos, a matéria-prima do historiador.
Com a ampliação dos temas abordados pela história da educa­
ção, os pesquisadores foram, aos poucos, intensificando o uso das
fontes. Tal como ocorreu em outros domínios da história, os histo­
riadores da educação incorporaram a ideia de que a história se faz
com base em qualquer traço ou vestígio deixado pelas sociedades
passadas. Afinal, em muitos casos as fontes oficiajs são insuficientes
para compreender aspectos fundamentais. É difícil, se não impossí­
vel, conhecer o cocidiano da escola de outras épocas somente pela
legislação ou peios reiatorios das autoridades do ensino. Podemos,
novamente, evocar nosso historiador imaginário. Se ele quisesse
pesquisar a educação no Brasil no final do século XXI, podería to­
mar com o expressão da prática pedagógica apenas o que dizem os
programas oficiais de ensino? E como o historiador analisaria o ato
que você, leiror/leitora, está realizando neste momento? Para dar
conta de questões como essas, os historiadores vêm usando muitas
outras fontes.
A “revolução documental” (Le GofiF, 1994) atingiu c marcou
profundamente o campo da história da educação. No entanto, um
balanço realizado com base nos artigos publicados na Revista Brasi­
leira de História da Educação em seus primeiros anos de existência
(GaJvão e outros, 2 0 0 8 ) mostrou que a documentação oficial ainda
era a fonte predominante. Ela foi utilizada em cerca de 31 % dos ca­
sos com o a matéria-prima da pesquisa, c em outros 26% como fon­
te complementar. O segundo conjunto de fontes mais utilizado nos
artigos analisados era formado por obras de intelectuais e educado-

68
Território plural

res. Em aproximadamente um quinto dos trabalhos, esse é o tipo de


fonte predominante, e em cerca de 2 9 % ele foi usado com o documen­
tação complementar.
Uma análise superficial poderia nos levar a supor que a produção
recente da área de história da educação é, ainda, bastante conservado­
ra no uso das fontes. Estaríamos repetindo os mesmos procedimentos
das primeiras gerações de historiadores da educação? Duas constata­
ções nos levam a acreditar que o cenário é diferente.
Primeiro, há uma ampliação de fontes no interior desses dois gran­
des conjuntos. Tanto a documentação oficial quanto as obras de in­
telectuais usadas com o fontes são mais diversificadas do que antes.
Quanto aos documentos oficiais, antes predominava com o fonte a
legislação educacional: constituições do Império e da República, emen­
das constitucionais, leis, aros do governo, decretos, pareceres e porta­
rias que normatizam as reformas, regulamentos, regimentos, estarutos
e programas de ensino. Nas pesquisas recentes, além dos documentos
supracitados, é usado outro vasto espectro de fontes: relatórios pro­
duzidos por diferentes instâncias relacionadas à instrução (dos minis­
tros do Império, de presidentes de província, do governo, de diretores
e inspetores gerais da instrução pública, de inspetores c delegados de
ensino); falas de presidentes de província e mensagens de presidentes
de estado às assembléias legislativas; atas das sessões das assembléias
legislativas c de conselhos de instrução pública; requerimentos, ofí­
cios e outras correspondências oficiais, produzidas por diferentes auto­
ridades, como inspetores, delegados literários, diretores e professores;
documentos de seleção dos candidatos à docência na instrução pú­
blica (provas, atestados de batismo, casamento e bons antecedentes,
cartas de autoridades); estatísticas (mapas de população e listas de
matrículas de alunos que frequentavam as aulas públicas ou, para os
períodos mais recentes, censos populacionais e anuários estatísticos).
Já no conjunto das obras de intelectuais e pensadores, estão incluí­
dos não só os livros, mas também discursos, manifestos, memórias
de viagem, correspondências trocadas entre os sujeitos e bibliotecas a
eles pertencentes.

69
a .i a a j a » à 5 É t a
i
»
Ana Mana de Oliveira Galvão e Eliane Marta Teixeira Lopes
i

Segundo, mesmo quando se utilizam fontes tradicionais, há um


movimento de “ida aos arquivos 1 c, com ele, a exploração de uma
documentação menos conhecida e convencional. Isso pode sinalizar
uma renovação da pesquisa histórica.
Além disso, cs pesquisadores têm insistido na necessidade dc pro-
blematizar as fontes. Evita-se fetichizá-las, ou seja, acreditar que elas
possam falar toda a verdade. É preciso discutir, por exemplo, o que
presidiu a publicação de um ato oficial; deve-se ter consciência de
que, ao lado da intenção da lei, existem as praticas cotidianas da es­
cola. As pessoas que produzem os documentos sabem, dc uma ou
outra maneira, que eles serão lidos, quer para serem obedecidos, quer
para serem divulgados, discutidos, aprovados ou contestados. O tra­
balho a ser realizado pelo historiador, com base na escolha feira, exige
que ele “persiga o sujeito da produção, as injunções da produção, as
intervenções (isto é, as modificações sofridas), o destino c os destina­
tários desse material.
As antigas e novas fontes que vêm sendo incorporadas por algu­
mas pesquisas têm sido transformadas em objeto de pesquisa (volta­
remos a discutir essa questão no próximo capítulo). A imprensa pe-
dagogica, o livro escolar, o caderno do aluno, o mobiliário e o
uniforme, por exemplo, não servem apenas para que nos aproxime­
mos de um aspecto da realidade que estamos investigando. Eles pró­
prios — suas condições de produção (e de circulação), seus usos, as
transformações que sofreram ao longo do tempo - adquirem interes­
se, pois também dizem algo de um passado educacional.
Ganham importância trabalhos cuja finalidade central é organizar
repertórios analíticos, fazer inventários de fontes e de bibliografias e
informatizá-los em banco de dados, disponibilizados para a comuni-

1. Essa “ida aos arquivos” tem sido facilitada, nos últimos anos, pela disponibilizaçáo
de documentos na internet. Vários arquivos públicos estaduais têm digitalizado par­
te do seu acervo, assim como o Arquivo Nacional (wwvv.arquivonacional.gov br/) e a
Biblioteca Nacional (www.bn.br/) Há, ainda, unia grande quantidade de documen­
tos oficiais (nacionais e provinciais) disponibilizada no suc da Universidade dc Chi­
cago (www.crl.edu/brazil/).

70
Território plural
\
\
dade dc pesquisadores. Embora esses trabalhos não abarquem o uni­
verso das fontes passíveis de serem utilizadas (na medida em que mui­
tas delas estão fora dos locais tradicionalmente criados para guardá-las,
como os arquivos públicos), são importantes porque chamam a aten­
ção para a expressiva quantidade c potencialidade de documentos dis­
poníveis, além dc facilitar o trabalho dos futuros pesquisadores.
Falemos, agora com mais detalhes, dc algumas das novas fontes
que vêm sendo utilizadas em trabalhos recentes de história da educa­
ção. Por razões diversas, deixaremos muitas outras de fora. Não fala-
remos, por exemplo, da importância de usar arquivos de polícia (e
suas ações cíveis e criminais), inventários e testamentos, estatísticas,
fontes arqueológicas, letras de canções populares ou do repertório
erudito, ou mesmo discursos de pedagogos e de médicos sobre a edu-
cação. Alem do mais, a totalidade das fontes é inapreensívcl: o pesqui­
sador nunca saberá se achou todas as fontes, ou se todas se perderam

Espaços e objetos esco lares

Os objetos utilizados na escola têm se tomado uma fonte funda­


mental nos estudos de história da educação. Carreiras, utensílios, ca­
dernetas dc professores, exercícios, provas, boletins escolares, livros
de ocorrência, cadernos e trabalhos de alunos, uniformes, quadros-ne-
gros, bibliorccas escolares, livros dirigidos ao estudante ou ao profes­
sor... Esses objeros podem fornecer ao pesquisador indícios dc como
eram os métodos de ensino, a disciplina, o currículo, os saberes esco­
lares, a formação de professores erc.
A sensibilidade do pesquisador é convocada, tanto quanto seu ri­
gor metodológico, para analisar o que ele tem em mãos. Ele tentará
não deixar nenhuma pergunta de fora, mesmo quando se trata de um
objeto banal - um tinteiro, por exemplo. De que época é? Como foi
conservado? Pertence ou pertenceu a alguma instituição (escola, ór­
gão administrativo etc.)? Terá pertencido a alguma pessoa em par­
ticular5 Se sim, por que é fonte? De que material é feito (cristal da
Boêmia, vidro fosco etc.)?

71
Ana Mana de Oliveira Galvão e Eliane Maria Teixeira Lopes

Todas as perguntas, quando respondidas, oferecerão dados cin di­


r e t o daquilo que se põe como questão principal da pesquisa - por­
que um tinteiro, certamente, não é a questão principal de uma histó­
ria da educação Nesse momento, o trabalho do historiador é muito
ditercntc do de um anuquario: este toma cada objeto em si c pode
deslumbrar-se com ele à vontade, pois seu valor virá desse deslumbra­
mento. Ao historiador, mesmo que seja um colecionador de antigui­
dades, o valor do objeto virá sempre da relação que se pode estabele­
cer entre e'e e a problemaoca central da pesquisa.
Muitos estudos utilizam metodologias já consagradas no campo
da história cultural para analisar, por exemplo, os livros escolares. A
bibliografia analítica e a soaologia dos textos têm sido poderosos ins­
trumentos nessas pesquisas. Ao analisar o impresso (capa, contraca­
pa, página de rosto erc.), o historiador encontra elementos para com­
preender melhor o ieiror e a leitura. Os catálogos dc editoras, como
ocorre nos trabalhos de hisróna do livro c cia leitura, informam o que
circulava em cada época. Muitos aspecros da escola dc outras épocas
estão registrados menos em documentos produzidos especificumenic
para o mundo educacional e mais em outros traços e vestígios, deixa­
dos num universo mais amplo de fontes.
Os espaços planqados (ou não) para a ação escolar também dizem
muito sobre a escola c a educação cm outras épocas. Que dizer da
arquitetura dos grupos escolares no momento de seu surgimento em
várias cidades brasileiras? O que incorporavam do ideal republicano?
O que se pode inferir, com base na disposição do pátio dos colégios
(religiosos ou não), sobre a vigilância e o disciplinamcnto moral? O
ordenamento dos espaços faz parte da história da própria instituição
escolar. Por isso é que a arquitetura vem sendo, cada ve/ mais, consi­
derada fonte para enrender os processos educativos. Ela é, ao lado dc
outros dispositivos, uma maneira de forjar homens c mulheres.
Pinturas, desenhos, esculruras, forografias e cartões-postais tam­
bém podem falar sobre o passado e, particularmcnte, sobre a edu­
cação em outras épocas. Tradicionalmcnte utilizada como ilustração
daquilo que os documentos escritos diziam, a iconografia vem sendo

72
Território oiural

considerada um demento importante, digno de ser incorporado aos


trabalhos de história da educação. É comum também a discussão
sobre as exigências impostas à sua utilização nas pesquisas, com des­
taque para a especificidade das condições de sua produção cm cada
época e sociedade.

Obras literárias, autobiografias, correspondências,


diários íntimos, relatos de viagem, jornais e revistas

A escola, as relações escolares, as brincadeiras e o mundo mfanul


são objetos de pesquisa nas ciências humanas e sociais. Durante mui­
tos anos essa realidade foi trazida por outros tipos de texto, os literá­
rios: romances, novelas, pequenos contos para crianças, literatura re­
ligiosa e moral, poesia... Em história da educação, esse npo de fonte
começa a ser mais bem aproveitado e tem feito emergir do desconhe­
cido o cotidiano das escolas, as formas de socialização, os vestuários,
as relações - tudo que faz parte da vida das pessoas.
A exploração das fontes literárias permite a descoberta de mundos
complctamente diferentes daqueles exibidos por outro upo de texto
escrito. No entanto, esse tipo de material deve ser submetido a deter­
minadas regras que são tanto da história quanto da própria literatura.
Ainda que condicionado socialmente, ele está vinculado a um domí­
nio que é sobretudo estético.
As fronteiras entre ficção e verdade são consideradas cada vez mais
tênues no âmbito das ciências humanas. Evidentemente, a obra lite­
rária não reflete a realidade: a fração do real que ela revela é resultado
de uma reinterpretação e de uma reelaboração. No entanto, em al­
guns casos a verdade trazida pela ficção importa mais do que uma
suposta realidade factual, embora esse tipo de verdade às vezes escape
à pesquisa histórica c a outros tipos dc pesquisa. Os autores não são
somente testemunhas da escola dc sua infância ou da idade adulta:
eles são intérpretes sensíveis c apaixonados dos processos familiares,
escolares e sociais As relações entre literatura c história são caracteri­
zadas pela tensão, c não pelo reflexo ou pela correspondência direta.
Ana Mana de Oliveira Gatvào e Eliane Marta Teixeira Lopes

O mesmo podemos dizer das autobiografias e das memórias. Em


alguns casos elas constituem documentos singulares, importantíssi­
mos para reconstruir aspectos dos processos educativos. São testemu­
nhos raros sobre a aquisição da leitura e da escrita ou sobre a forma­
ção de leitores. nnncipalmenrc em proccvsov autodidatas. O rel.uo
autobiográfico mistura a literatura e a história, c tem sido considera­
do como qualquer outro tipo de ficção por constituir, csscnaalmcn-
te, um fruto da narrativa, dc um trabalho com a linguagem. Também
a escrita dc si é reconstrução
O uso da literatura e de autobiografias nas pesquisas cm história
da educação nos lo a a uma questão importante: recorrer a certo tipo
de fonte exige que o pesquisador raça calar os próprios pontos de re-
^CT^ncia’ Para evitar anacronismos. Ora. nem sempre aquilo que ofe­
rece explicações pode ser encontrado em fontes para as quais nosso
saber de ho)e podena facilmente apontar. Por exemplo, nos séculos
X\ I c XVII, nao serão os higiemstas a ditar critérios de higiene e dc
limpeza: é preciso buscar tais critérios em manuais de decoro c con­
veniência, nas regras de bons costumes e boas maneiras. Tudo isso
porque há, ao longo da história. um deslocamento dos discursos so­
bre os saberes. de um locai dc produção a outro. O historiador deverá
saber disso para não procurar num lugar algo que só existe em outro,
a fim de evitar esforços inúteis e conclusões equivocadas.
Outros tipos bastante produtivos de fonte escrita são as corres­
pondências particulares e os diários ínfimos. Trata-sc de materiais que
pertenceram à vida privada das pessoas - c estas, se fossem consulta­
das, provavelmente não dariam autorização para sua utilização co­
mo fonte. Em geral, es.se tipo dc objeto - difícil e raro, sobretudo no
Brasil - chega às mãos do pesquisador de maneira acidental, c é pre­
ciso tomar bastante cuidado para classificá-lo, organizá-lo, catcgori-
zã-lo, analisá-lo e inrerpretá-lo Alguns desses diários íntimos não
passam de exercícios escolares e vão sc prestar muito bem a quem es­
teja interessado numa história das estratégias de ensino, por exemplo.
Além disso, nem tudo que se registra, mesmo que apenas para si, é
verdade. Os diários são o lugar dos sonhos, das fantasias, das grandes

74
Território plural
I

óes c cm geral, são/foram escritos por meninas ou m u l h e r


" e s o s , e preciso também levar em conta as relações de g*nero

são materiais i » < . » - — ' » * d“ * "


J Z n<. B - » l . p n ^ m ^ d o ^ o X V . « X * . " * « £
d„ os costumes dos habttun.es de um novo mundo Esse ttpo dc ,
K ainda i pouco explorado nas pesqutsas bras,letras de hts.orta da
educação. Tais relatos oferecem desençóes pelos olhos de alguém que
se surpreende, se em ociona ou se escandaliza com os costum es, os
trajes, os modos de dizer e de faz^r, os espaços dom ésticos e pubbcos.
É evidente que não são espelhos, nem da realidade vista/vivida, nem
da verdade; são apenas a representação de uma surpresa, de uma em o­
ção ou de preconceitos, mjunções e conveniências políticas.
Os jornais e as revistas são utilizados há mais tempo e gozam de
maior prestígio na pesquisa histonográfica. Os historiadores da edu­
cação têm se voltado, sobretudo, para os impressos que circulavam
entre o público escolar. Pesquisas que abordam a imprensa pedagógi­
ca (como tome c/ou como objetol e os |ornais prouu/idos por alunos,
por exemplo, têm se tornado cada vez mais frequentes. Os editoriais,
a.s carias ao leitor, as cartas do leitor e as seções de um periódico são
elementos fundamentais de análise para uma história da educação, do
livro e da leitura, dos professores e professoras...

A história oral

O que um historiador, cuja matéria é o tempo passado, pode pre­


tender ouvir? O que, afinal, é mais importante - ver ou ouvir? E mais
confiável o que entra pelos olhos ou o que entra pelos ouvidos?
Mesmo que ver tenha tido uma primazia como gesto constituidor
de fonte, ouvir passou a ocupar um lugar bastante importante na his­
toriografia contemporânea, na chamada história oral. Esse recurso é
usado principalmente quando o pesquisador, diante do problema pes­
quisado, dispõe de poucos testemunhos escritos. Essa forma de fazer
historia chama-se oral porque a fonte fala Sc ela fala, é porque o pes-

75
Ana Mana de Oliveira Galvão e Eliane Maria Teixeira Lopes

quisador pediu que falasse sobre um assunto. Há uma direcionalidade


em relação à fonte, uma pretensão de que ela fale o que se quer ouvir.
Mas é preciso reparar na sutileza da sucessão dos gestos. Na histó­
ria oral alguém fala. Quem escuta? Ouvir e escutar são a mesma coi­
sa. Ouvir é sentir no ouvido a mipiessão ousada pelo som, escutar é
prestar ouvido atento. O dicionário de sinônimos acrescenta: “‘Quem
escuta, de si ouve , diz o ditado , o que aponta claramente cm direção
à subjetividade do pesquisador" (Nascentes, 1981, p. 248).
A operação parece simples: o pesquisador identifica o problema,
escolhe a história oral como metodologia, elabora um roteiro, desco­
bre um depoente, coloca debaixo do braço um manual de como fa­
zer entrevistas, leva na mao um gravador em bom estado de funcio­
namento, e está dada a partida. Acontece que ninguém fala para um
gravador, porque a fala pressupõe uma escuta. Uma pessoa poderá
fidar das dificuldades que tem com o próprio corpo, de se reconhecer
ncie, do próprio envelhecimento, das perdas sucessivas de potência
auditiva, visual, tátiJ, sexual, olfativa etc., sc não for a alguém que te­
nha uma escuta sensível? Uma escuta sensível e aquela em que o dita­
do é levado a sério: o pesquisador de si ouve.
A empatia entre aquele que dá um depoimento e aquele que escu­
ta deve ser levada em conta no trabalho. Desde que escolheu o tema,
delimitou o problema, identificou traços do passado no hoje, esco­
lheu o depoente, elaborou o roteiro e partiu para campo, é sempre o
pesquisador que se coloca. Supõe-se que ele tenha um interesse ge­
nuíno na fala do outro, pois é ela que permitirá elucidar o problema
proposto. Mas é preciso que o outro saiba disso, saiba que o interesse
não está apenas em realizar o trabalho, mas em desvelar um problema
do qual faz parte. Dessa maneira, é preciso que o próprio objeto seja
partilhado com o depoente - na medida do possível. Ao escutar esse
outro, escuta-se a si: os questionamentos sobre o problema, os pró­
prios preconceitos, as angústias e as duvidas que as declarações vão
provocando, as inseguranças de uma teoria mal assimilada... Todas
essas coisas fazem parte desse temido e desejado processo de produ­
ção do conhecimento.

76
Território plural

A história oral, muitas vezes considerada simples pelos pesquisa­


dores, propõe na verdade vários problemas. Primeiro, há a imprevtsi-
bilidadc c o náo controle da situação, o que requer do pesquisador
disposição e habilidade para a escuta. Em muitos casos, é necessário
relulivizar as respostas dadas peios entrevistados. Sabe-se que a me­
mória é seletiva, que os depoimentos mudam com o tempo e que os
entrevistados falam o que imaginam que devem falar para aquele in­
terlocutor específico, sobre o qual criam certas expectativas e ao qual
atribuem determinadas características.
Outra questão que merece ser pensada é o retalhamento da voz do
sujeito,necessárioàoperaçãohistoriográfica. D ecomporosdepoimen-
tos, categorizá-los e separá-los são atividades inerentes ao próprio tra­
balho de pesquisa: se esses procedimentos não forem realizados, cor­
re-se o risco de transcrever os depoimentos inregralmente. Isso não
atende às exigências da pesquisa histórica, na medida em que não
há análise, não se estabelecem relações, náo se indicam resultados pa­
ra melhor compreender o objeto. Entretanto, quando opta por fa­
zer a análise do depoimento tom base em categorias prefixadas, o
pesquisador corre o risco de dissolver os sujeitos e seus modos de
enunciação numa análise generalizante. Ao lado do retalhamento ne­
cessário, é preciso manter, na medida do possível, a inteireza de ca­
da depoimento.
Também merece destaque o cruzamento de fontes. Ao utilizar ou­
tros documentos, o historiador corre menos o risco de considerar as
entrevistas com o "a voz’ daqueles que não podem falar. Além disso, a
consulta a outras fontes ajuda a formular as questões das entrevistas e
compreender suas respostas. Em contrapartida, os depoimentos não
podem ser tomados como mera ilustração para reafirmar aquilo que
já se cem com o uma verdade, construída com base cm fontes consi­
deradas mais confiáveis. No caso das pesquisas em que os testem u­
nhos escritos são raros e esparsos, as entrevistas permitem visualizar
rostos e escurar a voz de parcelas da população consideradas hom ogê­
neas e que, embora expressem uma época e pertencimcntos de gêne­
ro, etnia e origem, são compostas de indivíduos singulares. No entan-

77
Ana Mana de Oliveira Gatvào e EJiane Marta Teixeira Lopes

to, vale a pena insistir a história oral não deve ser considerada o
próprio produto da pesquisa histórica. Os depoimentos que o pes­
quisador recolhe devem ser submetidos ao mesmo tratamento que
«e dá a ourias fontes documemais. E«>a exigência é inerente ao traba­
lho histonograrico.

O tratamento das fontes

A chamada revolução documental” não trouxe implicações so­


mente piara a seleção das tontcN. Mudou também, e talvez principal­
mente, o tratamento dado a das. Procura-se. cada vez mais (embora
nem sempre se consigai, donustibcar o documento. Ou seja, é neces­
sário superar o deslumbre diante ddc. Ao contrario do que coloca a
tradição positivista, as perguntas çue o pesquisador formula ao do­
cumento (imposras pcio p^evrore cm oue esta mergulhado) são tão
importantes quanto o documento em se O ponto de partida não é a
pesquisa de um docummr<. mas ; hvmelação Cc um oiiesrionamento.
Mesmo quando a ideia ao tema vem Oc uma ticscobcua arquivistica,
a produção da hisróru só começa quando o historiador faz perguntas.
U documento cm « não c tuiiu.w. uuo i<u história. São as per­
guntas que o pesquisador tem a fazer ao material que lhe conferem
senudo. Enquanto houver perguntas, o material não estará suficien­
temente expiorado. Nesse «rrt*do é que se diz que uma fonte nunca
está esgotada e que a história ê sempre rccvnta.
No trabalho com o material escr.m, mas não só, é preciso levar em
conta tanco os silêncios dos documentos quamo a ^ua ausência. Um
“buraco” numa serie de arquivo, por exemplo, pode dizer algo sobre o
documento que falta ou sobre a própria organi/ação desse arquivo, da
época que o produziu e o guardou. Isso suscirará novas perguntas c a
proposição de novos caminhos de investigação A falta de fontes para
um problema bem formulado esconde um mistério que é preciso des­
vendar - tanto quanto o que o pesquisador encontra, o que é explícito.
Esse alargamento de fontes e esse novo olhar sobre das impõem
ao pesquisador novas exigências. É difícil trabalhar com uma plurali-

78
Ana Maria de Oliveira Galvào e Elianc Marta Teixeira lupas

mos examinar o problema à luz da literatura que lhe tf pertinente;


propor questões; buscar as fontes; rever a literatura diante dos dados
encontrados; checar as questões e reformulá-las, se for o caso; voltar
às fontes até que se esgotem o problema e elas próprias. Sao procedi­
mentos desse tipo que permitem ao pesquisador Iciior 11 m.tis fun­
do no texto e relaciona-lo, senão a uma auroria personalizada, a uma
autona de época. As questões que se tãz a cada fonte e ao conjunto do
material, a relação que se cstabciece entre e.ssas fontes c as respostas
obtidas são os elemenros que criam a possibilidade dc fazer históna.
Lidar com as fontes exige cuidado, atenção. intuirão, criatividade,
sensibilidade e rigor Tudo isso rrquer estudos sobre o ob|cto, além do
trabalho com a teoria e com a metodologia da história.
Mas o cruzamento com outras fontes nem sempre é imediatamen­
te proveitoso. Muitas vezes, a unliUadc dessa operação é plantar a dú­
vida sobre o Signihcaao dacuno cue vimos. Isso nos obriga a lançar
mão dc outra ronte. e outra, e outra. Essa ciranda dc remissões dc
uma fonte a outra, e Cas fontes as delimitações propostas, à periodi­
zação. a ter>na e a nisto nocrar^s *ar o trabalho do historiador ser in-
fimro. Sua rinirudc rem uma configuração apenas metodológica - isto
é, se refere aos objetrves a ce-^iuLa^úo do objeto c ás próprias possi­
bilidades que o pesquisador rem em mãos.
Mas como cruzar as fontes de modo a evitar que o tratamento, a
análise e a escrita do rexto se tornem apenas uma descrição das diver­
sas fontes encontradasf
Antes de tudo, é necessário que o pesquisador “invente” um mé­
todo para explorar cada drxzumcnto e, ao mesmo tempo, o conjunto
dos documcnros. Ele precisa saber lidar com a grande dose de iinprc-
visibilidade que sempre acompanha o fazer histórico. Nao cxisirm
métodos infalíveis, e cada historiador tern o seu: há pessoas que pre­
ferem a cópia manual dos documentos, há os que organizam fichas,
os que separam o material por pastas, os que usam o computador, os
que pintam trechos diferentes dc cores diversas, os que elaboram qua­
dros... e os que fazem tudo isso ao mesmo tempo. O imprescindível
é dar inteligibilidade ao material disponível.

80
TerrilArio plural

Um dos instrumentos mais importantes para essa tarefa é estabe­


lecer categorias. A categorizarão evita que os documentos sejam mc-
ramente descritos. Algumas dessas categorias são definidas a pnon
pelo pesquisador; outras emergem do trabalho minucioso e cotidiano
dc idas c vindas - com as fontes. Ccrtamcnrc, amphar a noção dc
documento e, portanto, do que é fonte permitc-nos encarar o “fazer
Imtória’ dc outra maneira. Obriga-nos a incluir o gênero, a raçi/etnia.
a geração e a classe social como categorias a p n o n, porque já estão (ou
deveríam estar) cm outros trabalhos das ciências sociais que, forçosa-
mente, darão suporte ao trabalho do historiador. Mudaram tanto as
perguntas quanto as categorias e o tipo de rigor exigido. A lógica da
narrativa (que faz parte da escrita da história) passa a ser construída
pela maneira como se articulam essas categorias.
Além de relacionar as categorias, o historiador, como qualquer pes­
quisador, também precisa operar com conceitos. No entanto, quando
os conceitos (ou, mais amplamente, as teorias) são usados como fim
(e não como instrumento), corrc-se o risco de que as conclusões da
pesquisa sirvam apenas para referendar a hipótese inicial Nesse caso.
o trabalho consiste somente em encontrar, nas fontes, informações
que justifiquem a afirmação da qual o pesquisador partiu. Isso não é,
propriamente, o que se espera do historiador.
Depois de explorar e categorizar os documentos (às vezes tudo
ocorre ao mesmo tempo), cabe ao historiador interpretar e explicar o
passado, fazendo o maior número possível de associações e relações.
A escrita da história materializa o trabalho realizado, é parte da pró­
pria operação historiográfica e consiste num dos momentos mais sig­
nificativos da interpretação. Não se trata simplesmente de relatar os
resultados da pesquisa: as opções de como organizar o texto definem
e expressam a configuração do próprio objeto. Um dos desafios dos
novos historiadores é evitar que o leitor tenha a impressão de que a
história narrada é coerente e isenta de contradições. Na verdade, o
relato ordenado que o historiador apresenta como resultado de sua
pesquisa é muito mais fruto da linguagem e da narrativa do que da
própria pesquisa histórica.

01
O projeto de pesquisa era
história da educação

Sc vocc está iniciando um a pesquisa em h istória da ed u cação , ce r­


tam ente um de seus prim eiros gestos será escrever um p ro je to c o m
esse fim . Isso vale tanto para uma m on ografia qu an to para u m a d is­
sertação de mestrado ou uma tese d e doutorado.
N ão se trata de mera form alidade: é o p rim eiro m o m en to em q u e
o pesquisador sistem atiza o que já sabe e anu ncia o que ain d a q u er
saber. Ambas as operações fazem parte do trabalho dc co n stru çã o d o
conhecim ento. N o próprio ato de escrever o p rojeto, ele am ad u rece
suas reflexões, tornando m ais claras as próprias idéias c as idcias sic
outros autores. Ao m esm o tem po — co m o o próprio no m e in d ica —,
esse docum ento projeta as ações que serão realizadas ao longo da pes­
quisa. Por isso, serve de guia, um n o rtead o r daquilo que o p esquisa­
dor pretende fazer.
Em bora sua estrutura varie, o p ro jeto de pesquisa — de qu alqu er
área do conhecim ento - deve sem pre trazer alguns elem entos. O pes­
quisador deve dizer claram cnte:
• o que pretende pesquisar;
• p or que pretende fazer essa pesquisa;
• com base em que trabalhos e autores a pesquisa será desenvolvida;
• como pretende desenvolver a pesquisa.
O pesquisador pode tam bém escrever que respostas às perguntas
propostas ele imagina encontrar quan d o a pesquisa estiver co n clu íd a.
É o que se coscum a fazer nos p ro jeto s dc d o u torad o, nos q u ais se
exige da pessoa a form ulação dc um a hipótese e uma con tribu ição o ri­
ginal para a área do con hecim ento.
Ana M ana de O liveira G alvão e Eliane M arta Teixeira Lopes

Cada um desses elementos deve se tornar uma parte do projeto. O


nome dessas partes varia conforme o enquadramento teórico-m etodo-
lógico do trabalho, a instituição dc vínculo e as exigências formais do
curso em que a pesquisa é realizada. A seguir, vamos sugerir nomes pa­
ra essas partes mas isso não é o mais importante. O fundamental à que,
com o projeto, você cumpra as duas finalidades expostas acima: siste­
matizar o que já sabe e planejar o que quer descobrir. É possível que,
depois dc terminar o projeto, você encontre um caminho mais interes­
sante, rico ou pertinente para o seu objeto de pesquisa. Mas é justamen­
te porque você fez o projeto que conseguiu chegar a essa alternativa!

O problema de pesquisa e a justificativa

Definir o que pesquisar é um trabalho árduo e angustiante. Trans­


formar inquietações e desejos esparsos em problema de pesquisa exige
tempo, leitura, amadurecimento, escrita e reescrita. Mas não se assus­
te: muitos passaram por isso e conseguiram.
O problema de pesquisa não cexatam ente um problema da realida­
de. Muitas vezes se faz essa confusão, principaJmcnte na área de ciên­
cias humanas. ímaginemo-, por exemplo, que um pesquisador se in­
comode com a seguinte questão- os livros didáticos de matemática nos
quais ele estudou quando era aiuno de escola pública, nos anos 8 0 ,
não o auxiliaram a aprender a disciplina. Esse problema da realidade
pode ser um ponto de partida para elaborar diversos problemas de
pesquisa: qual era o lugar ocupado pelo livro didático de matemática
nas práticas pedagógicas dos anos 8 0 ' Qual era o perfil dos autores
de livros didáticos da disciplina no período' Com o as principais co­
leções da época expunham os assuntos c propunham exercícios? C o ­
mo os livros mais adotados relacionavam os usos cotidianos da m a­
tem ática à m atem ática escolar propriamente dita? Que tendências
teóricas norteavam a produção desses livros? Há muitos outros pro­
blemas de pesquisa possíveis...
Outra distinção necessária é a que existe entre o tema e o problema
de pesquisa. Quando alguém afirma que está fazendo uma pesquisa so­

84
Território plural

bre “a história do ensino de m atem ática no século XIX no Brasil , está


anunciando um tema de pesquisa. Porém, quando diz que a pesquisa
é sobre “os processos de produção c circulação dos livros didáticos de
matemática no século X IX no Brasil , já conseguiu formular um pro­
blema. Nas ciências físicas e biológicas, a formulação clássica do proble­
ma é sempre uma relação entre duas variáveis —nas ciências humanas,
uma relação entre dois elementos. N o exemplo que demos anres, se­
ria insuficiente dizer que a pesquisa é sobre o processo de produção
e circulação dos livros didáticos de matemática no século X I X . Afi­
nal, não se estabeleceu ai uma relação entre dois fenômenos.
Se o pesquisador afirma, no entanto, que a investigação é sobre o
papel do livro didático de m atem ática no processo de institucionali­
zação da escola primária brasileira no século X I X ”, ele relaciona dois
elementos: os livros didáticos c o processo de institucionalização da
escola. Supõe, implicitamente, que há uma relação entre esses dois fa­
tores, que deverá ser venHcada ao longo do trabalho. C om isso, assu­
me o compromisso de que sua pesquisa contribuirá para com p reen ­
der melhor tanto o livro didático de matem ática quanto a historia da
escola no Brasil. Esse tipo de formulação não é obrigatório nas ciên­
cias humanas e particularmente na história, áreas que buscam predo­
minantemente descrever e com preender a realidade. C on tu d o, pode
ser um exercício interessante para não se perder o foco da pesquisa.
É preciso ainda estabelecer outra distinção, particularm ente ne­
cessária para aqueles que fazem pesquisa histórica: não se deve co n ­
fundir problema de pesquisa com fonte. Desde o m ovim ento dos
Annales, tem-se insistido na necessidade de uma história-problrma. É
o problema que nos faz optar por certas fontes, e não o con trário (as
fontes definirem o nosso problem a). Afirmar que a pesquisa é sobre
“inventários e testamentos de professores no século X I X ” c falar da
fonte, e não do problema de pesquisa. Em vez disso, seria necessário
dizer que a pesquisa é, por exemplo, sobre “leituras de professores no
século X IX ” e que, para realizá-la, as fontes utilizadas serão inventá­
rios e testamentos. Aí, sim, estaremos colocando as coisas nos devidos
lugares. É verdade que, em alguns casos, podemos fazer um a pesquisa
Ana Maria de Oliveira Galváo e Eliane Marta Teixeira Lopes

em que o objeto seja também nossa principal fonte. Se tivéssemos co­


mo problema de pesquisa “a escrita civil no século X IX ”, os inventá­
rios e testamentos deixariam de ser apenas fontes para se tornar tam­
bém objeto - parte do nosso problema de investigação. Na pesquisa
imaginada antcnormcnte - ”e processo dc produção c circulação dos
livros didáticos de matemática no século X IX ” os livros são o aspec­
to central do problema de pesquisa. Ao mesmo tempo, podem fazer
parte do conjunto de fontes (ao lado de outras, como documentos dc
tipografias, relatórios dc insrrução pública, legislação do ensino etc.).
Mas com o chegamos a formular um problema? O primeiro passo,
indispensável, é tomar conhecimento daquilo que já se descobriu so­
bre a questão que queremos investigar (nesse momento, essa ques­
tão provavelmente ainda é um tema). Vamos tomar novameme um
exemplo das ciências naturais: um pesquisador da área da saúde que
busca compreender as formas de transmissão do vírus da aids de mãe
para filho durante a gravidez. É inimaginável pensar que ele não co­
nheça p ro fim d a m e n re as descobertas iá realizadas sobre o vírus e as
diversas fo rm a s dc transmissão O gesto in ic ia l de sua pesquisa é, en­
tão, ler os artigos científicos já publicados sobre o tema, no Brasil e
no e x te rio r, a^é para v e rific a r sc essa pesquisa é necessária ou se já foi
realizada por outro grupo dc pesquisadores.
Curioso — e lamentável - é esse tipo de desconhecimento ser fre­
quente entre nós, pesquisadores das ciências humanas. Muitas vezes,
nós nos propomos a fazer uma poquisa sem nos informar das outras
que já foram realizadas sobre nosso tema/problema. É verdade que,
sobretudo nas pesquisas em história da educação, raramente se en­
contra um trabalho igual ao nosso. Dificilmente alguém terá a ideia
de investigar o mesmo grupo escolar ou os colégios confessionais no
mesmo m unicípio que nós escolhemos. Porém, sem dúvida, encon­
traremos pesquisas sobre outros grupos escolares e sobre outros mu­
nicípios. Elas podem servir de base para nos apontar qual é o “estado
do conhecim ento” sobre nosso tema/problema.
Além de estar vinculado ao que já se produziu dc similar, o pro­
blema de pesquisa também deve ter relação com questões teóricas mais

86
Território plural

amplas postas pelo cam po. Retomemos a pesquisa hipotética sobre V \


papel do livro didático dc matemática no processo de institucionali­
zação da escola primária brasileira no século X I X ”. Podemos imagi­
nar que o pesquisador leu muitas obras de autores que teorizam sobre
o processo de cscolorizaçao dos saberes c, com fris írimras, sentiu-se
“fisgado” pelas inquietações do rema. Ele passa a acreditar que sua
pesquisa, além de contribuir com dados empíricos para a história da
educação (quais eram os livros didáticos mais adotados, quem eram
seus autores, que saberes m atem áticos eram selecionados e tc.), tam ­
bém contribuirá para o debate teórico em torno do tema. Acredita,
assim, que sua pesquisa vai se somar a outras que, embora se debru­
cem sobre casos diversos, têm as mesmas preocupações de fundo:
• como a escola transformou-se no principal espaço de transmissão
dos saberes para as novas gerações:
• como se dá o processo de escolarização dos saberes nas diferenres
sociedades:
• como o livro didático torna-se um instrumento de seleção e de
normalização dos saberes que a escola transmite;
• como transforma esses saberes, a fim de torná-los adequados ao
ensino.
Essas questões não são específicas da pesquisa que ele pretende
realizar, mas são comuns a várias outras pesquisas. Por isso, são postas
pelo próprio campo de conhecimento em que seu trabalho se insere.
A esse processo damos o nome de problematização do objeto. Somente
por meio dele podemos definir se nossa pesquisa é ou não relevante.
Por isso, já no primeiro tópico do projeto, o pesquisador precisa citar
as obras consultadas e explicitar que não encontrou em nenhuma de­
las o tema/problema investigado da mesma maneira por ele proposta.
Nas ciências humanas, esse tipo de relevância - a científica - não
precisa ser o único. Um trabalho também pode ser relevante por seu
impacto social, por exemplo. Embora não haja relação direta e mecâ­
nica entre a pesquisa histórica e os problemas atuais da educação, o
pesquisador pode trabalhar com a expectativa de que sua pesquisa te­
nha alguma importância para a sociedade. E tem! De forma indireta

87
Ana M ana de O liveira Galvão e Ellane M aria Teixeira Lopes

e nem sempre explícita, as pesquisas históricas podem contribuir para


desnaturalizar o presente. Ao trazer para a discussão educacional atual
outros m odos de fazer e agir, essas pesquisas nos tornam capazes de
estranhar e, ao mesmo tempo, de compreender - com menos precon­
ceitos c julgamentos - o ouuo.
Todos os elementos discutidos até aqui são necessários para for­
mular o problema e compreender sua relevância. No tópico Introdu­
ção ou Justificativa, o primeiro do projeto, o pesquisador deve escla­
recer seu problema de pesquisa (o que) e a relevância - científica e, se
possível, social —do trabalho que propõe (o porquê).
Nesse tópico, ele também pode escrever de onde veio seu interesse
pelo problema: experiências pessoais, vivências profissionais, pesqui­
sas de que participou, incômodo diante de questões da realidade atual
etc. Essa explicitação é necessária porque possibilita ao leitor conhe­
cer as condições de produção do autor c dá mais transparência ao
processo de pesquisa. Sc, por exemplo, ele quer fazer uma pesquisa
sobre os centros espíritas como espaço de formação de leitores no
início do século X X ”, poce iníormar, desde o início, que é kardecista.
Ao contrário do que se poderia supor isso demonstra rigor: como
afirma Michel de Ccrteau (1 9 8 2 ), as condições de produção são par­
te inerente e importante da operação historiográfica.
Ainda neste tópico cabe explicar o que chamamos de hipótese.
Trata-se de uma resposta provisória que damos à questão principal da
pesquisa. Se pretendemos estudar “o papel do livro didático de mate­
mática no processo de institucionalização da escola primária brasi­
leira no século X J X ”, uma das hipóteses prováveis será a de que esses
livros, por trazerem uma gradação do conhecimento e proporem exer­
cícios, contribuíram para a institucionalização da escola no Brasil
Essa hipótese pode ou não ser confirmada ao longo da pesquisa.
Por m uito tem po, principalmente nos anos 80, cultivou-se nas
ciências humanas um preconceito contra a formulação de htpóteses.
Esse procedimento estava muito associado à tradição das ciências na­
turais e do positivismo. Para as ciências humanas, que lidam principal­
m ente com a compreensão, e não com a explicação, dos fenômenos,

08
Território plural

parecia difícil e pouco produtivo ter de antemão respostas provisórias


para um problema. De uns tempos para cá, no entanto, é quase con­
sensual que a hipótese pode ser bastante profícua, desde que consi­
derada com flexibilidade, pouca rigidez, e sirva de referência para o
pesquisador. Q u a n d o sc consegue fo rm u la r u m a boa hipótese, é mais
fácil manter o foco da pesquisa e não se perder diante do encanto que
ela desperte.

A revisão de literatura

Como já referido, alguns aurores sugerem que o pesquisador in­


clua, já no tópico Introdução/Justificativa, uma discussão de ourros
trabalhos realizados sobre o tema/problema. Muitas vezes, no entan­
to, o pesquisador necessita mais espaço para discutir esses trabalhos.
Por isso, é aconselhável que dedique uma parte específica do projeto
à revisão de literatura. Essa parte pode ter outras denominações -
“C.ontextualização do problema", “Problematização do objeto de
estudo" etc. Pode também ser dividida cm subtópicos que expressem
os diversos aspectos do problema proposto. O importante é que o
pesquisador traga os principais resultados de trabalhos realizados an­
tes do dele, para apresentar ao leitor a situação do conhecimento so­
bre o tema.
Como selecionar esses trabalhos? O passo inicial é fazer um amplo
levantamento bibliográfico em bibliotecas c sites, como a SciELO, o
Google Acadêmico e o banco de teses e dissertações da Capes. Artigos
publicados em periódicos reconhecidos, livros e capítulos de livros
são os veículos mais utilizados para divulgar resultados de pesquisas
nas ciências humanas. Os anais de congressos também podem ser con­
sultados. Quando o tema/problema escolhido ainda foi pouco pes­
quisado, a tarefa do pesquisador torna-se mais fácil. Nesses casos, ele
rapidamente identifica as obras mais importantes - principalmcnte
observando a bibliografia, que se repete em vários trabalhos. Por ou­
tro lado, quando o tema/problema proposto já foi bastante pesqui­
sado, é preciso ter alguns critérios para fazer a seleção. O pesquisador

89
i
Ana Mana de Oliveira Gaivâo e Eliane Marta Teixeira Lopes

deve priorizar os trabalhos mais recentes (dos últim os cin co anos);


arugos publicados em periódicos mais bem avaliados1; materiais da
própria área e de áreas afins; pesquisas que investiguem o mesmo pe­
ríodo, a mesma província ou estado e tc
Depois dc realizar esse levantam ento, é im portante que o pesqui­
sador leia os trabalhos escolKidos e selecione as inform ações mais re­
levantes. Essas inform ações com p orão a base do texto dc revisão de
literatura. C o m u m cn te os pesquisadores fazem resenhas dos traba­
lhos que leram e as transcrevem nesse tópico do projeto No entanto,
com o advertem Aives-M azzotti c Gcsvandsznajder (1 9 9 9 ), o pesqui­
sador não precisa com p artilh ar com o leitor tudo que leu: deve se­
lecionar os aspectos que mais o auxiliem na pesquisa. Por isso, 6 in­
teressante que 2 revisão cU literatura seja estruturada com base nas
temáticas (e não nos autores e nas obras) que mais interessam à pro-
blematização do objeto.

A fundamentação teórica

Para realizar uma pesquisa consistente, não basta conhecer os estu­


dos ja leitos sobre o te m a . e sem pre necessário re c o rre r a conceitos e
tendências teóricas. Por um lado, isso possibilita ao pesquisador situar
sua proposta no intenor dc um debate teónco mais amplo; por outro,
vai ajudá-lo a analisar os ciados empíricos ao longo da pesquisa. Por esse
motivo, o projeto de pesquisa deve trazer um tópico cm que o pesquisa­
dor explicita os principais conceitos c as bases teóricas que sustentarão
sua pesquisa. Esse tópico pode ter várias denominações, das mais tra­
dicionais —“Quadro teórico", "‘Fundamentação teórica" —às mais ori­
ginais - “Explicitando alguns conceitos", “O liv to didático como obje­
to da história cultural , “A história da infância c a história social” etc.
H á alguns anos era com um o pesquisador fazer nesse tópico uma
verdadeira profissão de fé sobre a tendência teórica adotada. Atual-

1. Para isso, deve consultar o Q ualís, sisrema de avaliação de periódicos e eventos O s


resultados do Qualis escão disponíveis no portal da Capes (\vww.capes.gov.br).

90
Território plural

m en te, co m a ab ertu ra d o p e n s a m e n to h b to r io g r á fic o a diversas ten ­


dências, os p esqu isadores in ician tes co stu m a m sen tir-se in seg u ros de
ab raçar um a ten dên cia antes m e s m o d c in iciar a pesqu isa. P or e x e m ­
p lo: m uitos não sabem se sua p esquisa se ap ro x im a m ais d a h istória
cultural ou da história sociai. f u r ioSO, os p o q u ^ a d o .o p r o c u r a m d is ­

cutir m enos a tendência h isto rio g rá fica p ro fessad a e m ais o s c o n c e it o s


que nortearão a investigação.
Suponham os que q u erem o s fa z er um a pesquisa s o b r e “p r o c e s s o s
au tod id atas de in serção e p a r tic ip a ç ã o na cu ltu ra escrita n o s é c u lo
X V III”. Mais im p o rtan te d o que escrever o que é h istó ria cu ltu ral,
quando surgiu e quem são seus prin cipais au tores é explicitar, n o d e ­
bate teórico dessa tendência h istoriog ráfica, q u e c o n c e it o d e “a u to -
didatism o” e de “cultura escrita” a d o tam o s. N a área d e h istó ria , re ­
corre-se a outras áreas do co n h e cim e n to — c o m o a s o c io lo g ia o u a
filosofia — para realizar essa discussão. A revisão da b ib lio g ra fia m ais
uma vez ajuda a dar início a um a in terlocu ção com o d e b a t e teó rico .
Afinal, você pode refutar ou acatar os co n ceiros e a reoria u tiliz a d o s
pelos autores revistos.

Os objetivos

O projeto de pesquisa deve trazer um item específico em que o


pesquisador anuncia, exp licitam en te, seus objetivos, ou seja, a o n d e
quer chegar quando concluir a pesquisa. O s objetivos são, em linhas
gerais, o problema de pesquisa form ulado de outra m aneira — iniciado
por um verbo e em forma de tópicos. É o m om ento em que o pro­
blema vem sozinho, sem m olhos ou guarnições, mas bem tem perado.
O objetivo geral deve traduzir exatajn en te o que o pesquisador
pretende com a pesquisa: é a expressão da sua preocupação central.
Retom ando alguns dos exem plos dados acim a, poderiam os form ular
um objerivo geral dessa m aneira: “com preender o papel do livro di­
dático de m atem ática no processo d c institucionalização da escola
primária brasileira no século X I X ” ou “descrever e analisar os centros
espíritas com o locais de formação dc leitores no início do século X X " .

91


Ana M aria de O liveira Gatvào e Eliane M arta Teixeira Lopes

] i os objetivos específicos — em geral, cinco ou seis - devem ser


pensados com o metas que permitam alcançar o objetivo geral. Se o
pesquisador pretende compreender o papel do livro didático de ma­
tem ática no processo de institucionalização da escola primária brasi­
leira no sécuio X iX , que passos d c cera de percorrei paia alcançá-los?
Podemos imaginar alguns: “identificar os livros de matemática mais
utilizados no ensino dc primeiras letras no período"; “descrever a
organização das escolas primárias no período"; "analisar o modo co­
mo os conteúdos eram organizados e estruturados nos principais li­
vros” etc.
Os objetivos específicos podem ser vistos, ainda, como uma etapa
intermediária entre o objetivo geralc a metodologia. Não devem, por­
tanto, ser confundidos com estes. Vamos tomar como exemplo o pri­
meiro obictjvo especifico acima imaginado —“identificar os livros de
m atem ática mais utilizados no ensino dc primeiras letras no perío­
do . Para que o pesquisador o atinja, ele precisa prever a utilização de
determinadas fonces como relatórios dc instrução pública c corres­
pondências enviadas pelos professores dc primeiras letras aos dlrcto-
res-gerais de Instrução Publica Essas fontes serão indicadas, a seguir,
no topico A metodologia.
Alguns verbos não vão muito indicados para a formulação de ob­
jetivos— “estudar", por exemplo. AfinaJ, estudar é um ato que deve ser
realizado ao longo de toda a pesquisa (quando não ao longo da vida),
mas não expressa o que o pesquisador pretende ao concluí-la. “Con­
tribuir" c “propor” são gestos louváveis, mas muito mais consequên­
cias da pesquisa - é o que o pesquisador espera - do que parte de seus
objetivos. Podemos lembrar que, em inglês, objetivo é expresso pela
palavra goaL, também utilizada no futebol, tal tom o a conhecemos
(gol). N ão é preciso fazer gol para ganhar o jogo?

A metodologia

Falar em metodologia (ou seja, o como) num proiero de pesquisa


em história é recorrer a alguns autores para explicitar a concepção de

92
Território plural

documento defendida pelo pesquisador e que fontes ele prerende uti­


lizar na pesquisa. Ao expliciti-ias, deve também dizer quais razões o
levaram a optar pelo uso de alguns tipos de documento e náo outros.
Essa escolha se dá, evidentemente, em virtude do problema de pes­
quisa. Além disso, o poquisadui deve anunciar em que acervos f re
tende pesquisar, o que é muito importante, pois uma pesquisa his­
tórica só é viável se tiver fontes que respondam às perguntas posras.
Não se fãz pesquisa em história sem fontes, e não se faz também com
fontes existentes mas inalcançiveis.
No entanto, o pesquisador não deve simplesmente listar as fontes
que serão usadas; precisa discutir a especificidade de cada uma delas.
Por exemplo: se pretende usar a literatura como fonte, ele deve base­
ar-se em alguns autores e fazer uma discussão teórica sobre o estatuto
da obra literária, as relações entre história e ficção, os cuidados neces­
sários para utilizá-la como fonte etc. Se pretende trabalhar com de­
poimentos orais, não basta apontar quem serão os entrevistados e que
critérios guiaram essa escolha.
É preciso também examinar a seletividade da memória, o papel do
presente no processo de reconstrução das narrativas, a relação entre
memória e história e alguns outros aspectos que os estudiosos da his­
tória oral vêm debatendo nos últimos anos. É recomendável que o
pesquisador, se já tiver condições, anuncie de quais procedimentos
tenciona lançar mão para analisar as fontes: será a análise de conteúdo
ou a análise do discurso? Com o fará o cruzamento de fontes, proce­
dimento indispensável que toma a pesquisa, se não verdadeira, pelo
menos segura?

Referências e bibliografia

Por fim, o projeto deve revelar as referências utilizadas em sua ela­


boração. Chamamos de referências todas as obras (artigos, livros, si­
tes etc.) que foram efetivamente citadas ao longo do texto. Elas de­
vem ser indicadas de acordo com as normas da ABNT. O pesquisador
pode também acrescentar um tópico denominado Bibliografia.

%
93
A n a M a ria de O live ira G alvõ o e E lia n e M a rta T eixeira Lo pe s

listará os trabalhos que, embora já tenha localizado e saiba que serão


úteis para a pesquisa, ainda não pôde consultar e incorporar ao tex­
to. Uma forma de chegar a isso c dividir o grande tema em assuntos,
como fizemos ao final deste livro.

94
Um a palavra final

A literatura é uma das maneiras de expressar a vida por meio da


linguagem, em prosa ou verso; de forma popular ou erudita; agradan­
do a muitos ou a poucos. M in h a escola', o poem a abaixo, cal vez se
refira à escola frequentada por seu autor, Ascenso Ferreira (1 8 9 5 -
-1965), nascido em Palmares, na Zona da M ata de Pernam buco, re­
gião de engenhos de açúcar, onde passou a infância. O utros escritores
já trataram desse tema: no Brasil e em outros países do m undo, na
atualidade ou em séculos anteriores, a escola vem sendo tematizada
pela literatura. Fizemos um exercício de decifrar o poema — não para
que ele ficasse mais acessível, pois já o é, além de delicado e bonito.
Apenas esboçamos este trabalho para que você se sinta convidado a
conferir sentido a ele, por meio de associações e remissões àquilo que
nao esta no texto — situações, palavras, intormaçoes... Assim, você
poderá fazer uma das muitas leituras possíveis do ponto de vista da
história e da história da educação. O que fizemos para chegar a esse
resultado interpretativo não é nenhum tipo de pesquisa. Trata-se ape­
nas de uma leitura. Se tivéssemos feito uma pesquisa propriamente
dita, certamente muitas e muitas outras associações teriam sido feitas
para que, depois, pudéssemos escrever um novo texto e contar urna
história... Pesquisa, como já dissemos, se faz com fontes — e quantas
mais houver... melhor!
A seguir, reproduzimos o poema na íntegra, e depois os com entá­
rios, trecho por trecho.•

• ^' ^B^^ecem os a Maria Luiza Gonçalves Ferreira, filha do poeta, a gentil autoriza­
ção para publicação do texto. (N . do e.)

95
Minha escola

A escola que eu h r q u c m w era ;h c u dc grado


com o is prtsoes.
E .... .. . .d.- como um dkHon»n »•
Complicado como xs Matemáticas:
Inaccss-.vd como Ch Lmo^m u } cc Camocsl

\ sua porta eu estava seniprr hcMrai.tr


De um Lado i suia. \ mmKa adorawl v ida dc enanqa.
Prnhóev Paraga.vs^ Carrcsras ao sol
Voo» de rrapceio a socnHra «ia mangueira!
Saltos c c inçixcira pra dentro do n«s
}ogȒs iic ^astartu?
- O meu e n s e r io de Karro dc tare* mc!l

D»- outTTí *aco acue * tortura;


"Ai ai mas c o» ü_' va ass.n»»a aoc
- Quarta» orvpora*
- é r. rr a.- ■■r « ca Cl"-".»
- A l - 2.V3 - oaa.-*tcr
- Que c eur*ii»Eoi c
- M erui». venha via.* :*çáo de retórica!
- “Eu cnmeeu a r r . e . w i ir. socando
a procecán dr* docar» do Olimpo
par» r>« dnriivM Ca ferr.
- Muno bem! lsr.-> é do grande Demo vime»!
- Agora a cie francês
- “Quand Ic christwr.u.me ara:* apparu Mir la i«-rrr.
- Basta.
- Hoje temo» valracír.a. .
- O argumento e a ho!o'
- Qual é a distância da ferra ao So!'
- ?!!

96
- N uo Passr a m ão à p a lm a tó ria !
- Hem. amanha quero isso de cor.

Felizmente, à boca d-t noite,


Fn tmb i uma velha que m r rn n n v i hisróm s
Lindas histórias do reino da Mác-d Agua...
E tnc ensinava a tomar a benção à lua nova

A escola que eu frequentava era cheia dc grades como as prisões.

A arquitetura das escolas é frequentemente associada á cias pri­


sões. Inspirados na arquitetura dc conventos, manicômios e seminá­
rios. os colégios religiosos, antes do advento das escolas públicas,
eram quase uma continuação dos presídios Por muito tempo o mrcr-
nato. mesmo quando leigo, foi concebido como o espaço educativo
por excelência: nele as crianças ficariam longe dos perigos da vida
mundana, num locnl sistematicamente planejado para sua formação
As escolas públicas mudam um pouco essa concepção arquitetônica,
mas permanece a ideia de separação do mundo c de um lugar de tor­
tura, porque separado das coisas que as crianças amam. Permanece
também a ideia de que a escola, assim como os presídios, serve para
corrigir e modelar as crianças.
Quase todos os autores de romances, memórias c autobiografias,
quando se referem à escola, com param-na às prisões. Muitos dizem
que, no internato, tal como ocorre entre os presidiários, os alunos
ficavam riscando nos calendános os dias que ainda restavam para o
fim da “sentença".

E o meu Mestre, carrancudo como um dicionário;

No Dicionário Aurélio, encontramos várias acepções de “mestre":


"Homem que ensina; professor. Aquele que é perito ou versado nuina
ciência ou arte. Homem superior c de muito saber. Artífice em rela­
ção aos seus oficiais. I ltulo dado a artista, cientista ou escritor cmi-

97
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? § ? « £ ? c g 1 1 § -?
mrtcm à liberdade. à ausência dc controle. ao corpo cm movimcmo.
tssc cotidiano ccmmcntc contrastava com o da escola.
Do outro lado, aquda tortura:
“As armas e os barões assinalados.'"

E-»se é o primeiro verso de Os lurúuíix No livro didático citado


amenormente, consta que 'barões" não significa título dc nobreza, c
sim uma das grafias posrvns de varões . Outras muitas observações
váo sendo feitas para tomar a literatura mais didática.
Q u a n ta s o rações?

D ep icc Or lacriaaas. com o demonstram diversas fontes, era fre­


qu entem ente u t: .trac o para ensinar os alunos a fazer análise sintática.
É í essa prança que provavelmente o autor se refere no verso.

- Q 'ia l é o m aror r»>~> da C b iria?


- A 2 - 2.AB = q u an to ?
- Q u e é curv> n w . cotycxcv

P e m n ta s de eeoçrzfja. alrrbra e geometria. Q u e mais deveríam


perguntar' >) c u r fard» pane do programa? Coisas tão importantes
quanro esvair

- M en in o , venha dar sua hçáo dc retoricaJ

Esta paias ra verr. do grego rl/cu/rikt c passou para o latim como


rheioncJL H oje. quer dizer eloquência, oraiõria, mas sua trajetória é
lonea: era uma cias vete arre* h b e n n do currículo na Cirécia anuga e
passou depois para o currículo romano Dernóstenes (3 8 4 -3 2 2 a.C.)
foi o mais ilustre dos oradores gregos ÍJuraritc 15 anos ele se bateu
contra Felipe da M atedom a e o uru projeto de dom mar a (u ésia. Sua
eloquência foi posta a serviço da política, na luia pela independência
da pátria.
N ão se era retórico, tampouco se ensinava retórica, com fins or­
namentais. No Brasil, até o século X IX , a retórica ocupava um lug.u
im portante nos currículos das escolas secundárias.

100
•“Eu com eço, atenienses, invocando
a proteção dos deuses do Olim po
para os desrmos da Cirécia!
Muito bem! Isto é do grande Demóstenes!
Agora .1 dc francês:
“Quund le christianisme avait apparu sur a rerre .

Basta.
Hoje temos sabatina...
“Sabatina" vem de sabato (sábado) e era, na escola, uma r e p e u ^
aos sábados, das lições estudadas durante a do
utilizavam a sabatina cm suas práticas pe ag gi c hamada)
século XX, a sabanna (ou o argumento, como tam ^ scma_
não ocorria mais somente aos sábados, mas em outrOS ^ o
na. Era uma prática central na vida escolar: por me.o
professor “tomava a lição”. Mesmo no «ntcio do sécu o ^
individual prevalecia em muitas escolas: o professor nao
com o ocorre no m étodo simultâneo. Em vez disso, ele tom a
lições" dc cada aluno individualmente, mesmo que touov cs i
juntos, e avaliava a aprendizagem. ^
Mesmo quando a oralidade ia cedendo lugar às práticas e c<^ n
(que se tornaram, se não centrais, legítimas no espaço csco e pa
recia anacrônico realizar provas orais, a ideia da sabatina permaneceu
nos questionários que por tanto tempo caracterizaram o em .no de
algumas disciplinas, com o história e geografia. Sabatina acabou to­
mando outro senudo: o de discussão, debate. Na década de 6 0 havia
um programa de T V que se chamava Sabatinas M auxna. Hoje cm
dia, esses programas são chamados quizz shows, sempre com o senti
do de competição para ver quem sabe mais.

O argumento é a bolo!

Algumas vezes a sabatina (ou o argumento) era acom panhada de


punições fisicas, das quais a mais com um era a palmatória. Cada uma
das aplicações do instrumento nas mãos das crianças era chamada de
“bolo”. Às vezes, o próprio professor se en carregava dc aplicar os bo-

101

J
los nos alunos que não acertavam as questões. As vezes, delegava ao
estudante que se saía bem na atmdade a tarefa de dar bolos nos cole­
gas Assim, quem acertasse as lições recebia o “prêmio de poder ba­
ter no colega.

Qual e a distância da lerra ao ^ol?


>n
N áo sabe? Passe a máo à palmatória!

A palmatória, além de nome do próprio castigo, era uma pequena


peça circular de madeira, com cinco orifícios cm forma de cruy. c um
cabo. Servia para bater nas palmas das mãos. O sinônimo erudito,
mais próximo do latim e de outras línguas latinas, é lérula. Ela era
bastante utilizada pelos proprietários de terras para castigar fisica­
mente os escravos. Algumas leis provinciais do século X IX no Brasil
atestam que ela foi presenta como instrumento pedagógico. Ela ser­
via para punir tanto as enanças que não aprendessem a lição quanto
as indisciplinadas. Em meados do século XIX, sua utilização nas es­
colas passou a ser criticada (sobiciudu pelos higienistas, que abomi­
navam os castigos físicos) c ate proibida cm alguns locais Contudo,
ainda se pratica o castigo cm escolas, internatos e abrigos que conser­
vam a tortura com o modo de educar.

— Bem, am anhã quero isso de cor...

Acreditava-se que o coração (do latim cor) era o motor da apren­


dizagem c da memória. Aprender de cor significa guardar na memó­
ria — ou seja, no coração. Em sociedades ou comunidades que se
utilizam mais da tradição oral do que das práticas de escrita, acredita-
-se que a verdadeira aprendizagem só ocorre quando se sabe de cor.
No período em que Asccnso estudou, como mostram outras fontes,
o recurso à memória constituía a base do ensino - apesar das renova­
ções nos métodos de ensino apregoadas pelas vanguardas pedagógi­
cas da época. Para isso, alunos c professores lançavam mão de recursos
mnemònicos, com o a cantoria ou a cantilena, muitas vezes acompa­
nhadas de movimentos do corpo (como o balançar das pernas).

102
„ _ ,r r itnrc<: (com o M anuel Bandeira.

que..........
deseja a......" ' " Td .ZRosa
presença Z »cm J o p~ “ “ "dui
M 0 °|hcK
pt da
ma relerindo-sc a « » pcrsona6cns m a,o 4 P e

M " os contadoras da h i e n a s . * * ^ £ ^ Z » * °~ l
velhas, no Brasil anrm frequcn.amen.c associado
das tradições indígena, a afr,canas. b » homens '
vam. scdu/iam, lavavam para mundos desconhecidos m cnm o mc
ninas „ua. K da um lado v.vian. » rapar.çáo, o nM.o a a
do corpo, cnrcicrísircos da escola, da ourro pod.arn - à boca da
tc - experimentar a imaginação, a criatividade, a po

103
Bibliografia e sugestões de leitura

Paru elaborar csrc livro usamos textos r.scntos por ourros uutorcs c
por nós. Apresentamos aqui as informações sobre essas obras, que. ao
mesmo tempo, consideramos stigcsrõcs dc leitura para quem quiser
sc aprofundar nos assuntos abordados N ão tivemos a pretensão de
fazer uma compilação exaustiva dc textos sobre cada um dos temas.
Selecionamos apenas alguns títulos, priorizando os que se encon tram
%*• no Brasil - ainda que nem todos estejam disponíveis cm livrarias - e
sc mostram mais interessantes do nosso ponto de vista — por serem
i -
clássicos ou por trazerem abordagens inovadoras.

<•
; ,i Historiografia, história da educação
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Periódicos da área

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dadc Federal de Uberlândia): www.secr.ufu.br/indcx.php/che/
H 1STEDBR O N -LIN E (publicação do grupo História, Sociedade c Edu­
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histcdbr.fae.unicamp.br
HISTÓ RIA DA EDU CAÇÃO (publicação da Associação Sul-Pio-G rar.-
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REVISTA BRASILEIRA D E H ISTÓ R JA DA ED U C A Ç Ã O (publicação
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