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EDUCAÇÃO PARA O ALÍVIO DA POBREZA:

NOVO TÓPICO NA AGENDA GLOBAL

EDUCATION FOR ALLEVIATING POVERTY:


NEW TOPIC ON THE GLOBAL AGENDA

Olinda EVANGELISTA1
Eneida Oto SHIROMA2

RESUMO

No presente trabalho discutem-se os discursos sobre a educação no início dos anos 1990, quando
predominam os conceitos de produtividade, qualidade, competitividade, eficiência e eficácia,
comparando-os com os do final da década: justiça social, coesão social, inclusão, empowerment,
oportunidade e seguridade. Da política da “Educação para a competitividade” emigrou-se para a
“Educação para o combate à pobreza”. Realizamos uma catalogação e análise dos documentos
divulgados pelo Banco Mundial e pela Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência
e a cultura privilegiando a política para a América Latina e o Caribe. Elevar a qualificação média
dos trabalhadores e assegurar o controle sobre eles, para conter o risco de uma rebelião por parte
daqueles que sofrem os efeitos danosos da globalização. A educação foi concebida como redentora,
solução de problemas econômicos e aliada à solução dos conflitos.
Diferentes aspectos dos discursos anteriores como os de capital humano e gestão da qualidade são
restituídos na perspectiva de inversão individualizada para a empregabilidade, abandonando-se o
ideário da economia nacional. Destacam-se discursos relacionados aos indigentes e sugestões para
“escutar a voz dos pobres” e atender a “população de risco”. Apela-se para a noção de capital social e
de educação para a assistência e inclusão social dos empobrecidos. Nossa hipótese é a de que este
discurso busca concretizar-se pelas vias da empregabilidade, da educação da criança e da política.
Palavras-chave: Educação; Produtividade; Qualidade; Competitividade.

ABSTRACT

In this article we discuss the change of educational discourse from the beginning of 90´s, construct
around the concepts of productivity, quality, competitiveness, efficiency and effectiveness, compared

(1)
Docente, Departamento de Estudos Especializados em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail:
olindaevangelista35@hotmail.com
(2)
Docente, Departamento de Estudos Especializados em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail:
eneidashiroma@hotmail.com

Revista de Educação PUC-Campinas, Campinas, n. 20, p. 43-54, junho 2006


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to other ones more popular at the end of decade such as justice, equity, social cohesion, inclusion,
empowerment, opportunity and security. The central idea has been displaced from “Education for
competitivity” to “Education to end poverty”. We have collect, catalogue and analyze some documents
published by international agencies such as World Bank and United Nations Educational, Scientific
and Cultural Organization aiming to discuss the guidelines of educational policy in Latin America and
the Caribbean. The goal of increase workforce qualifications and simultaneously enlarge the control
over them aims to restrain the risk of social rebellion of those who suffer the perverse effects of the
globalization. Education has been pointed as panacea, the solution of social and economic problems
as well as useful tool to manage conflicts. The former discourses of Human Capital and Total Quality
Control are being rescue to stimulate individual investments for employability, neglecting the ideal
of national economic development. Some documents use a “poor appeal” justifying the educational
reforms in order to attend “voice of poorest” or “vulnerable” population. They appeal to the notion of
social capital and refer to education as a path to assist and include the poors. Our hypothesis is that
this discourse - which relates education and poverty attack – has been concretized through politics
of employability, girl’s education and of social inclusion.
Key words: Education; Productivity; Quality; Competitiveness.

Introdução se irmanam na luta contra a exclusão social,


entre outros apelos que só as elites dominan-
A linguagem usada em documentos de tes são capazes de produzir quando o que
organismos internacionais sobre educação, está em causa é sua hegemonia.
nas duas últimas décadas, permite constatar A intenção do Estado ao propor políticas
transformações no discurso veiculado. No humanitárias pode ser observada no slogan
início dos anos de 1990, girava em torno de “educação para alívio da pobreza”, que se
conceitos como produtividade, qualidade, sobrepõe ao da “educação para a competiti-
competitividade, eficiência e eficácia. No final vidade”, tão em voga nos anos de 1990. A lin-
da década, o viés economicista explícito deu guagem dos documentos oficiais foi, portanto,
lugar a uma face humanitária por meio da qual modulada ao longo da década, incorporando
a política educacional ocuparia o lugar de solu- os conceitos de autonomia, inclusão, empo-
ção dos problemas humanos mais candentes, werment, comunitarismo, terceiro setor, res-
em especial o problema da sobrevivência na ponsabilidade social, entre outros.
sociedade atual. Enfatizam-se conceitos como
O objetivo deste ensaio é o de discutir
justiça, eqüidade, coesão social, inclusão, em-
hipóteses explicativas para esta guinada que,
powerment, oportunidade e segurança, inclu-
a nosso ver, não é apenas lingüística, mas
são, todos articulados pela idéia de que o que
indica, também, um ponto de inflexão nas
faz sobreviver uma sociedade são os laços de
políticas públicas do início do século XXI, em
“solidariedade” que se vão construindo entre
especial para a América Latina e Caribe.
os indivíduos.
Tais conceitos supõem uma espécie de
“mutualismo” pelo qual “os que têm” colabo- Educação para a competitividade
ram com “os que nada têm” ou “têm pouco”.
Esse viés humanitário deveria, na visão dos A Comissão Econômica para América
organismos internacionais, estar na base da Latina e Caribe (CEPAL) propôs, no início da
construção de políticas educativas – e sociais década de 1990, a articulação entre transfor-
– que tornassem exeqüível a convivência har- mação produtiva, eqüidade e conhecimento,
moniosa em sociedade, composta de “parcei- eixos das reformas consideradas urgen-
ros” – Estado, mercado, sociedade civil – que tes para a região. Insistia-se na defesa da

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competitividade autêntica, rechaçando-se a em termos econômicos derivava do investi-


competitividade espúria, obtida às custas de mento que faziam em educação. A comparação
rebaixamento de salários. Reconhecia-se que entre os índices do Produto Interno Bruto (PIB)
a complexificação dos processos decorrentes de cada país e o percentual deste dedicado à
do avanço das forças produtivas e a incor- educação oferecia dados inelutáveis de que a
poração de sistemas de manufatura flexíveis esse campo cabia um grande protagonismo na
haviam transformado a divisão do trabalho e batalha pelo desenvolvimento.
a progressiva desqualificação do trabalhador Em documento da (COMISSÃO.../
em entraves à extração de mais valia. O ca- ORGANIZAÇÃO..., 1992) delineava-se o mo-
pital via-se no dilema de elevar a qualificação delo educacional “perfeito”: ensino da língua
média dos trabalhadores e, simultaneamente, pátria, ensino das ciências e ensino da mate-
assegurar o controle sobre eles. Havia, pois, mática, áreas fundamentais para a aquisição
uma situação limite a ser administrada a qual, de uma outra competência, a tecnológica.
entretanto, precisava ser mantida velada. O Definiram-se os conteúdos e suas modalida-
que estava em causa era o suposto risco de des de ensino. Ao lado dessas áreas, neces-
rebelião por parte daqueles que sofrem os sárias, em última instância, à produção do
efeitos deletérios da “modernização conserva- sucesso econômico, encontrava-se o perfil
dora”. A reestruturação produtiva realizada em de cidadão desejado: criativo, inovador, ca-
bases espúrias na maior parte do continente paz de lidar com as inovações tecnológicas,
conduziu à precarização do emprego, aumen- flexível, solidário.
to do número de desempregados e suas inde-
No projeto educativo das agências multi-
léveis conseqüências.
laterais que atuam na América Latina e Caribe
Tendo em vista ocultar os reais deter- (ALC) difundia-se o ideário, ilusionista de que,
minantes do empobrecimento da maioria da cumpridas essas exigências, os países “em
população e administrar eventuais levantes desenvolvimento” poderiam alcançar plenas
sociais a ele associados, um conjunto de polí- condições de competição nas negociações in-
ticas compensatórias atreladas a um discurso ternacionais de sua produção e, inclusive, su-
da educação redentora foi disseminado pelo perar as condições de pobreza. Num momen-
continente. Popularizaram-se argumentos em to de reconstrução de hegemonia do capital,
prol do ensino de excelência, com qualidade segundo o próprio documento, abalado pela
total, orientado por princípios da pedagogia do “década perdida” – os anos de 1980 – era ne-
capital. Nesse processo, alguns elementos da cessário repor algumas das condições de do-
teoria do capital humano foram resgatados, minação econômica. O fenômeno do “fim do
mas alterados, pois, num contexto de globa- socialismo” dava coloração especial à disputa
lização excludente, a educação tornara-se das potências econômicas pelos mercados
responsabilidade individual voltada para a que então se abriam, assim como pelos mer-
empregabilidade. cados já existentes. Por outro lado, uma outra
As justificativas arroladas procuravam disputa se colocava entre os mercados novos
construir a idéia de que somente as nações e os já existentes. Ou seja, se havia uma dis-
que se adequassem aos moldes propostos por puta intercapital pela ocupação dos mercados
grandes agências internacionais estariam em no planeta, havia também uma disputa entre
condições de competir no mercado globaliza- os mercados dos países subalternos para
do. Para criar o solo do consenso, muitas pes- se manterem como mercado aprazível para
quisas e experiências educacionais foram refe- investimento, o que significava que nesses
ridas, em especial aquelas consideradas exito- mercados determinadas condições de atração
sas por tais agências. Os números buscavam de investimento do grande capital internacio-
evidenciar que o sucesso dos países centrais nal deveriam ser produzidas.

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As novas possibilidades de oferta de “atrasados”. Este modelo de desenvolvimento


força-de-trabalho a baixo custo, abertas pelo desigual e combinado que marcou a América
“fim do socialismo”, colocaram os países Latina conseguiu ocultar por algum tempo –
latino-americanos numa encruzilhada: ou se com o denominado milagre econômico – e sob
adequavam e ofereciam melhores condições determinadas condições políticas – a ditadura
de auto-exploração ou seriam esquecidos. O militar – que o crescimento econômico gerava o
que se discute, pois, é que a ênfase na educa- empobrecimento da população trabalhadora.
ção não tinha a intenção de produzir tais con- Nos anos de 1980 percebeu-se que o
dições. O que estava em jogo era a produção padrão de desenvolvimento dirigido para o
de um consenso social segundo o qual países mercado doméstico precisava ser modificado.
que não conseguissem atingir um determina- A dívida externa era um problema grave e os
do patamar educacional não teriam chances países da região foram forçados a incrementar
de concorrer no mercado mundializado, caso suas exportações e realizar um grande esforço
da maioria dos países da região. Quem pode, para se inserirem de forma mais competitiva
então, competir? Aqueles que já dominam a no mercado internacional (HAFFNER, 1996,
competição, os países detentores de parcelas p.107). A primeira metade dessa década foi de
importantes de capital e de poder político de forte retração econômica na região, de movi-
manobra sobre o planeta por intermédio direto
mento de urbanização e de aumento do índice
ou indireto das grandes agências internacio-
de nascimento em lares pobres. Esses fatores
nais de financiamento. Estava em questão, de
coincidiram com a redução do crescimento da
fato, a problemática da pobreza e possíveis
produção industrial e perda de dinamismo no
alternativas para seu controle.
setor público. Produziu-se um colapso nas
fontes de emprego tradicionalmente associa-
das a maior produtividade, estabilidade, be-
Pobreza e desenvolvimento na América nefícios e seguridade social. Diante, portanto,
Latina do agravamento da questão social, a CEPAL
No âmbito dos sentidos que se atribuí- mudou seu discurso: o caminho a ser tomado
ram à pobreza, uma primeira perspectiva foi era o de promover a eqüidade em todas as
a redistributivista e desenvolvimentista, que áreas para poder realizar as transformações
marcou os anos de 1960 na América Latina, necessárias ao desenvolvimento global. Se-
posto que foi tomada como entrave do cresci- gundo Coraggio (1996), embora essa linha
mento. Enfatizava-se a acumulação de capital de pensamento se fundamentasse na preocu-
como condição para o desenvolvimento e a pação com os mais pobres, não se pretendia
cooperação financeira internacional ajudaria atacar as causas da pobreza.
a complementar a poupança interna e pode- Agências multilaterais, como o Fundo
ria viabilizar planos de desenvolvimento dos das Nações Unidas para a Infância (UNICEF),
países periféricos. O ideário da CEPAL era detectaram a necessidade de um “ajuste com
a construção de uma comunidade econômica rosto humano” mediante a ação em prol dos
Latino-americana (HAFFNER, 1996, p.101). grupos mais vulneráveis (CORAGGIO, 1996,
O tema do desenvolvimento, nas déca- p.34). Porém, era necessária uma funda-
das de 1970 e 1980, incorporou a preocupa- mentação não apenas moral, mas também
ção com as condições de vida da população. econômica. A pobreza adquiriu nova centra-
A CEPAL difunde a ideologia do crescimento lidade no discurso quando o Banco Mundial
econômico como redutor das desigualdades e (BM) difundiu seu informe de 1990, no qual
o investimento em capital humano foi uma im- alertava para a necessidade de promover o
portante estratégia utilizada pelos governos na- uso produtivo do recurso mais abundante dos
cionais para desvencilharem-se da alcunha de pobres: o trabalho. Para tanto, era necessário

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prover-lhes serviços sociais básicos. O cami- tidimensionalidad de la pobreza, en contraste


nho aventado para aumentar tal recurso foi o con el economicismo del Banco Mundial y sus
investimento em educação. Num contexto de umbrales de pobreza absoluta.
mundialização do capital, o resultado foi au- A pobreza permanece como questão
mento acelerado da pobreza vista como efeito central no PNUD. Na Cúpula do Milênio, reali-
deletério da globalização. zada em 2000, com a presença de 189 países,
foram elencados oito pontos prioritários a se-
rem enfrentados pelos governos e sociedades
Conceitos e indicadores da pobreza no mundo. O primeiro consiste em “erradicar
a extrema pobreza e a fome” (o segundo em
Em interessante texto, Tomás (1997)
“universalizar o ensino fundamental”) (TO-
retoma a construção do conceito de pobreza
MÁS, 1997).
demonstrando que, em 1948, o BM a definia
em termos de países nos quais havia uma O fato de que os critérios de classificação
renda per capita inferior a US$ 100. Nas duas da pobreza tenham sido expandidos para além
décadas seguintes, o Banco tomou o cresci- dos indicadores econômicos pode estar na ori-
mento econômico como principal instrumento gem da transformação da noção, destacando
para a redução da pobreza. A partir dos anos seu aspecto cultural, mediante o qual estaria
de 1970 lançou o conceito de “pobreza abso- ocorrendo a construção de uma “noção oci-
luta”. Para o autor, “desde entonces la lucha dental moderna de pobreza” e a conseqüente
contra la pobreza ha presidido la política de legitimação, por seu meio, da própria ocidenta-
‘cooperación al desarrollo’” empreendida pelo lização do mundo (TOMÁS, 1997).
Banco. A esse viés fortemente economicista Shiva (1995) argumenta que existem
contrapõe-se a abordagem humanitarista do duas espécies de pobreza: uma que se refere
Informe sobre Desarrollo Humano, publicado aos modos alternativos de existência denomi-
em 1997, pelo Programa das Nações Unidas nados “pobreza” por uma dada perspectiva
para o Desenvolvimento (PNUD). A não so- cultural que destrói outras possibilidades de
lução do problema da existência e reprodu- sobrevivência que escapam à lógica capita-
ção da pobreza obrigou a procura de novos lista; outra que, por construir o diferente como
modos de defini-la e medi-la. O PNUD criou pobre – particularmente as populações indí-
em 1996, ano internacional para a Erradica- genas – gera a pobreza material e a miséria
ção da Pobreza, à semelhança do Índice de posto que não se procura atender às necessi-
Desenvolvimento Humano (IDH), o Índice de dades mínimas de existência do ser humano.
Pobreza de Capacidade (IPC). O “Índice de Segundo Shiva (1995, p.40-44),
Pobreza de Capacidad refleja el porcentaje
La creación de desigualdad (...) ocurre
de gente que carece de capacidad humana
de dos maneras: primero, las desigual-
básica o mínimamente esencial”. Contudo,
dades por lo que respecta a la distribuci-
esse sistema parece também não ter trazido
ón de privilegios contribuyen a crear un
bons resultados, pois, no ano de 1997, novo
acceso desigual a los recursos naturales
conceito foi introduzido: O Índice de Pobreza
(los privilegios son tanto de naturaleza
Humana (IPH). Vale a pena acompanharmos
política como económica). Segundo, los
o raciocínio de Tomás (1997):
procesos de producción de elevado con-
El discurso de la pobreza humana, en sumo de recursos tienen acceso a mate-
el mismo plano que el del desarrollo humano, rias primas subvencionadas de las que
pretende universalizar las categorías propias depende la subsistencia de un número
de la cultura occidental. Como sabemos, el considerable de personas, pertenecien-
atractivo del discurso oficial del PNUD, se tes en especial a los grupos económica-
acentúa lo no económico, en este caso la mul- mente menos favorecidos.

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Desse modo, conclui que foi a do leste asiático que apresentou redu-
la paradoja y la crisis del desarrollo pro- ção de pobreza comparativamente à África,
vienen de la errónea identificación de la América Latina e Ásia Meridional. A resposta
pobreza percibida culturalmente con la para essa diferença, dada pela agência, foi a
verdadera pobreza material, y la erró- de que o Leste da Ásia seguiu as diretrizes
nea identificación del crecimiento de la do Banco. Não é explicado, entretanto, o que
producción de mercancías con la mejor levou o BM a mudar a definição de pobreza.
satisfacción de las necesidades básicas. Antes lastreada em aspectos econômicos, no
(Shiva, 1995, p.40). relatório em tela é definida de um ponto de vis-
ta econômico, social e cultural, na perspectiva
A posição de Shiva (1995) pode ser en- da carência. Ressalte-se que nesse relatório
tendida quando se lê a seguinte passagem do o binômio rico/pobre foi substituído pelo duplo
Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial, pobre/não-pobre, não ficando claro quem é o
publicado em 2000/2001, pelo BM: não-pobre.
Os pobres vivem sem a liberdade fun- Desse modo, pode-se afirmar que, para
damental de ação e escolha que os que o BM, pobre é aquele que não tem, ou tem
estão em melhor situação dão por certo. poucas, “oportunidades” econômicas; que não
Muitas vezes não dispõem de condições tem, ou tem pouca, “autonomia” no que tange
adequadas de alimentação, abrigo, ao seu poder de pressão sobre o Estado e no
educação e saúde; essas privações os que tange às barreiras sociais derivadas de
impedem de levar o tipo de vida que sua condição de “sexo, etnia, raça e status
todos valorizam. (BANCO MUNDIAL, social” (BANCO MUNDIAL, 2000/2001, p.33)
2000/2001, p.1). e aquele que não tem, ou tem pouca, segu-
No Relatório acima citado o BM revê sua rança no que respeita à sua vulnerabilidade
posição em relação à pobreza. No início dos a doenças, choques econômicos, catástrofes
anos de 1990 ela incidia sobre a idéia de que naturais e violência. Tais conclusões deriva-
para a redução da pobreza seria necessário ram de estudos da agência em torno do que
o uso intensivo da mão-de-obra aliada a uma pensam os pobres, genericamente denomina-
ampliação dos serviços sociais. Interessante dos de “a voz dos pobres” (BANCO MUNDIAL,
notar que, nesse momento, a agência ainda 2000a), dos quais concluem que sua definição
considerava a possibilidade de haver uma de pobreza corresponde aos que os pobres
inclusão dos pobres como mão-de-obra. Pas- pensam que é a pobreza. Por essa via, o BM
sada uma década, as diretrizes do BM são propõe estratégias de combate à pobreza que
outras. Mantendo as duas primeiras, agre- tomam esses lineamentos em conta, atacan-
gam, agora, as idéias de “oportunidade”, “au- do as várias fontes de recursos: humanos,
tonomia” e “segurança”. (BANCO MUNDIAL, naturais, físicos, financeiros e sociais. A mobi-
2000/2001). No Relatório sobre o Desenvolvi- lização desses recursos em favor dos pobres
mento Mundial de 2000/2001 assinala-se que depende do acesso ao mercado, mas também
de forças estatais e sociais.
as orientações do BM no início da década re-
sultaram de sua definição de pobreza, da aná- As análises do BM indicaram que as
lise de suas causas, da análise de conjuntura duas estratégias de 1990 não traziam to-
das décadas de 1970 e 1980. Assim, “pobreza dos os resultados esperados em termos de
era definida como baixo consumo e baixo diminuição da pobreza. Entendeu-se que o
aproveitamento em educação e saúde. O de- uso intensivo de mão-de-obra não gerava
senvolvimento econômico (...) era tido como necessariamente desenvolvimento e que os
fundamental para reduzir a pobreza.” (BANCO serviços sociais precisavam ser repensados
MUNDIAL, 2000/2001, p.31). A experiência para além da esfera estatal, envolvendo ou-
que serviu de apoio para a análise do banco tros setores sociais. Os dados incorporados

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– vulnerabilidade dos pobres, desigualdade ingresso”). Essa estratégia elide a origem das
sob novas formas e marginalização ou puni- diferenças entre ricos e pobres e coloca-os
ção de países que não conseguem se integrar numa linha de sucessão, “una simple ordena-
na globalização mundial – permitiu à agência ción a lo largo de una línea en la que todos,
concluir que o “ataque à pobreza” depende- individuos y países, vamos ascendiendo posi-
ria do desenvolvimento de “oportunidade”, ciones en un pacífico proceso de progreso sin
“autonomia” e “segurança” para os pobres, fin ni límites.” (TORTOSA, 1994).
como referido. “E, dadas as suas importantes A abordagem “monetarizada” da pobre-
complementaridades mútuas, uma estratégia za faz que seja pensada em termos do que
efetiva de redução da pobreza exigirá que o pode ou não comprar e de ter o dinheiro ou
governo, a sociedade civil, o setor privado e os não para isso, posição defendida pelo BM em
próprios pobres empreendam ações nessas seu “Informe sobre el desarrollo mundial” de
três frentes” (BANCO MUNDIAL, 2000/2001, 1981. (TORTOSA, 1994). Tortosa entende que
p.33), convergindo todos para o que o BM de- a pobreza corresponde a uma
nomina “habilitação dos pobres”.
insatisfacción grave de las necesidades
Parte dessa tarefa é atribuída, com humanas básicas, en la misma dirección
ênfase, à cooperação internacional. Pondo a que el Banco Mundial, pero incluyendo
globalização como inexorável, por inúmeras entre las necesidades básicas no sólo
razões, entende a agência que deva haver las estrictamente físicas (alimentación,
uma “mudança de foco na cooperação para o alojamiento, vestido) como tienden a ha-
desenvolvimento”, atentando-se para a impor- cer las instituciones de Bretton Woods.
tância da “produção de bens públicos interna- En general, dice Susan George, “violen-
cionais como a pesquisa agrícola e médica”. cia es también todo aquello que impide
(BANCO MUNDIAL, 2000/2001, p.41). Talvez que la gente satisfaga sus necesidades
pudéssemos lembrar a célebre frase de Gan- fundamentales: alimentación, vivienda,
dhi: “deixem os pobres em paz”. vestido, sí, pero también dignidad”.
(TORTOSA, 1994).
Um outro autor, Tortosa (1994), também
colabora para a discussão dessa problemá- À pergunta sobre a razão da existência e
tica. Para ele, em 1990 o BM definia pobres manutenção da pobreza, Tortosa (1994) ofere-
como aqueles que “luchan por sobrevivir con ce duas respostas.
ingresos de menos de 370 dólares al año” e a Hay razones de funcionalidad – sirve
pobreza como “la imposibilidad de alcanzar un para mantener los sistemas sociales en
nivel de vida mínimo”, ajuntando que “pobreza que se da – y estructurales – forma parte
no es lo mismo que desigualdad”. Os cálculos de la estructura de poder que se autor-
do BM – de que existiam em torno de dois reproduce –, pero también ideológicas
milhões de pessoas pobres –, contudo, não o culturales. De hecho, todas las so-
incluíam os pobres dos países ricos, mas ape- ciedades producen explicaciones de la
nas os pobres dos países pobres. Esse modo existencia de la pobreza que guardan re-
de calcular a pobreza, bem como a ajuda, lación directa con (o incluso forman parte
para o autor, devia-se a um universalismo pre- de) las diferentes formas que adopta la
sente não só no BM, mas também no Fundo violencia cultural.
Monetário Internacional (FMI). Conquanto no último relatório do BM
Para Tortosa (1994), o que mudou entre haja um acento especial sobre a importância
1948 e hoje é que o BM mudou a renda per ca- da ajuda internacional no “alívio da pobreza”,
pita exigida para definir os pobres (era de 100 segundo Mesa (2004),
dólares) e a terminologia (os países pobres se está produciendo el fenómeno deno-
são denominados hoje de países de “baixo minado “la fatiga de la ayuda”, o sea, la

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tendencia a reducir los fondos destina- para fazer frente às suas necessidades de
dos a la ayuda al desarrollo y a cuestio- vida); a pobreza voluntária (própria dos que
nar, desde algunos sectores, su propia escolhem um modo de viver radical fundado
existencia, debido a la magnitud de los sobre a convicção que é mais importante ser
problemas que tienen que afrontar los do que ter) e a pobreza modernizada (resul-
gobiernos en sus respectivos países. tado direto da nova ordem de produção). A
“novidade radical” no que tange à pobreza,
Ela cita o caso da OCDE, da União Eu-
segundo Rahnema (2003, p.6), é que “o sis-
ropéia e do BM. Mesa (2004) assinala que as
tema técnico-econômico imposto à sociedade,
análises vêm demonstrando que os recursos e
e que deveria conduzi-la à abundância, está
os instrumentos de ajuda não se dirigem aos
estruturalmente implicado na produção da po-
países pobres, mas aos países nos quais haja
breza e da miséria modernizada”, o que gera
interesses políticos ou comerciais.
uma exposição dos pobres a um tipo novo de
A Organização das Nações Unidas para “frustração existencial, humilhante e corrosi-
a educação, a ciência e a cultura (UNESCO) va.” Nessa esteira são criados programas de
afirma que, ao se tratar da pobreza, o aspecto ajuda que, contudo, se constituem mais como
mais grave a ser combatido, além da fome, é “instrumento de poder de quem ajuda sobre os
a falta de oportunidade. (AGUIAR & ARAÚJO, que são ajudados”. De fato, segundo o autor,
2002). Desse modo, há uma insistência sobre tais programas não discutem as razões de
o argumento de que a pobreza não poderia existência da pobreza, mas pretendem ate-
ser reduzida ao fator econômico; ao contrário, nuar determinados “efeitos de revolta” para
precisaria ser pensada em termos sociais, cul- preservar as estruturas da sociedade “econo-
turais, políticos e individuais. micizada”, uma espécie de “medida de caráter
Como se pode verificar a problemática sedativo” e de “soluções ilusórias”. (RAHNE-
da pobreza é complexa já no que tange à defi- MA, 2003, p.7).
ni-la. Rahnema (2003), estudioso da temática, O esforço do autor por definir a pobreza
afirma que “o conceito é uma construção so- e encontrar suas origens gera algumas tenta-
cial impossível de definir de um ponto de vista tivas de soluções: compreendê-la no âmbito
universal” (RAHNEMA, 2003, p.2), precisando da mundialização da economia de mercado;
ser colocado no seu devido lugar, ou seja, “na elaborar um novo paradigma de discussão da
luta das sociedades humanas contra as ne- pobreza que a tome como realidade humana,
cessidades e por uma vida melhor.” (RAHNE- cultural e histórica própria, seu passado e
MA, 2003, p.3). Na direção de compreender seus movimentos de resistência; reinventar a
o sentido de pobreza, Rahnema traça dois simplicidade voluntária contra a sociedade de
grandes âmbitos de reflexão: um sobre a po- consumo.
breza e um sobre a miséria, distinguindo-as. A Se esse é um modo de abordar a pobre-
“pobreza” referir-se-ia a um modo de vida ba- za, outros autores não consideram a questão
seado sobre a simplicidade, a frugalidade e a de fácil solução. Para os pesquisadores do
consideração em relação ao outro. A “miséria” Centro de Investigación para la Paz,
significaria um sujeito desprovido de forças
hacia el fin de siglo habrá 2.000 millones
vitais e sociais para que pudesse ser dono de
de pobres en el mundo tratando de so-
seu destino.
brevivir entre un mundo rural cada vez
No que se refere à pobreza, o autor más deteriorado por la crisis ambiental
classifica-a em três tipos: a pobreza convivial y unas megaciudades que ofrecen cada
(próprio das sociedades vernaculares, de vez menos puestos de trabajo. (CEN-
vida simples e que conseguem se organizar TRO..., 2004).

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EDUCAÇÃO PARA O ALÍVIO DA POBREZA: NOVO TÓPICO NA AGENDA GLOBAL 51

Educação para “alívio da pobreza” Os custos da inclusão são justificados


como um bom investimento, além de não
Na virada do século, a apreensão re- serem financiados apenas pelo Estado posto
lativa aos depauperados da sociedade se que se apela para a solidariedade, caridade e
intensificou. Intelectuais ligados ao BM têm-se voluntarismo.
manifestado sugerindo que se ouça a “voz
dos pobres” e se atenda à chamada “popula- O discurso em prol do “terceiro setor”,
ção vulnerável”. Sugere-se a criação de ações público – porém não estatal – afirma que a
e programas para determinados segmentos inclusão social não pode ser exercida dentro
da sociedade, a chamada população-alvo, da família; nessa linha, trabalho não-pago na
os grupos de risco. Poder-se-ia, entretanto, esfera doméstica não conta. Mas outras for-
questionar: quem está em risco? Quem teme mas de trabalho não-pago na comunidade são
o risco? vistas como uma etapa para a inclusão. Con-
siderando que trabalho pago está escasso, o
A forma naturalizada com que os docu-
trabalho voluntário torna-se a segunda opção,
mentos lamentam a “transmissão intergeracio-
de onde se conclui que: “aqueles cidadãos
nal da pobreza” somou-se aos fogos de artifí-
que não têm oportunidade profissional para
cio da sociedade multi-risco, do não-trabalho
exercitar sua inclusão devem ser redirecio-
e da economia do conhecimento, na tentativa
nados para as comunidades a fim de praticar
de eclipsar uma situação de super produção
a ‘cidadania ativa’”. (LEVITAS, 1998, p.158).
de capital e de crescimento exponencial de
Em suma, trabalho não-pago também é visto
famintos e miseráveis.
como um veículo para integração, porém de-
Documentos mais recentes apelam para sarticulada de qualquer vínculo com igualda-
a noção de capital social e de educação para de, direito e justiça social.
a inclusão social dos empobrecidos.
Na mesma linha podem ser enquadradas
Nossa hipótese é a de que este discur- as políticas em prol da educação da menina
so – que relaciona educação e combate à que, como assumem os documentos do BM,
pobreza – quer se concretizar pelas vias da
visam, por meio da elevação da escolaridade
empregabilidade, da educação da menina e
feminina, melhorar condições de higiene e re-
da política de inclusão, mobilizando a denomi-
duzir a natalidade em lares pobres. Gera-se,
nada cidadania ativa.
nesse âmbito, um discurso acerca da neces-
Nessa perspectiva, o trabalho de ho- sidade de uma ação filantrópica internacional
mens e mulheres ganharia importância não que, para além dos ideais humanitaristas, têm
pelos valores que produz, mas pela idéia de em vista a coesão social planetária, a integra-
que mesmo o trabalho não-pago é capaz de ção, a responsabilidade social, a responsabi-
gerar a inclusão social. Considerando que o lidade do cidadão e das empresas. Assiste-se
trabalho remunerado está escasso, o trabalho a um intenso marketing social de empresas
voluntário torna-se uma opção. O voluntaria- publicizando as ações que desenvolvem pre-
do, entendido como expressão de cidadania tensamente para incluir os excluídos.
ativa, configura-se como atalho para o aumen-
to da autovalorização, da auto-estima, espe-
cialmente para pessoas desempregadas ou
À guisa de conclusão
que dependem, a longo tempo, de benefícios
e pensões. Também é apresentado como um A relação entre pobreza e educação é
reforço a empregabilidade: “faz as pessoas uma constante nos documentos das agências
mais empregáveis ao cultivar suas habilida- internacionais na virada do século. De um
des, capacidade de trabalhar com outros e modo ou de outro, entre as soluções reco-
resolver problemas” (Shiroma, 2002). mendadas para o “alívio da pobreza” figura a

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52 O. EVANGELISTA & E.O. SHIROMA

educação, na forma escolarizada ou não, com própria precarização, numa lógica onde
destaque particular na última década. Contu- se tende a “naturalizar” a idéia de que a
do, é óbvio, não é nesse campo que se encon- exclusão dos mercados de trabalho es-
trarão respostas seja para a pergunta sobre as táveis é uma conseqüência “natural” da
origens da pobreza seja para a pergunta sobre incompetência daqueles que são vítimas
sua supressão. da instabilidade e não o efeito do fun-
As políticas desenvolvidas contempora- cionamento de um mercado de trabalho
neamente relacionam-se com a busca insana socialmente injusto.
do lucro. As mudanças resultam, segundo Semelhante projeto tem a pretensão de
Dale (2001, p.147), “da transformação das ser global, globalizador ou de ser a expressão
condições da procura do lucro, que permane- acabada da “globalização”. Contudo, segundo
ce o motor de todo o sistema”. Tais políticas Robertson (2003, p.7),
derivam de organizações internacionais que a globalização é tanto um produto da
atuam como órgãos reguladores, produzindo descontextualização dos dispositivos
acordos que funcionam como verdadeiros ins- existentes dos seus contextos nacionais
trumentos de intervenção política nos países. como um “re-escalonamento” destes
A globalização da pobreza resulta em grande para cima, no sentido de serem cobertos
parte desses acordos e é acompanhada pela por um novo enquadramento regulatório
reforma das economias nacionais, particu- que favorece o capital global e os seus
larmente dos países “em desenvolvimento” estados cortesãos.
e pela redefinição de seus papéis na nova Podemos, então, perceber que discur-
ordem econômica mundial. sos acerca da escolaridade precária ou da
No Brasil, as diretrizes internacionais escolaridade inexistente ou, ainda, da edu-
foram funestas. Estamos falando de um país cação de má qualidade são propostos para
em que mais da metade da população, 85 mi- dar sustentação ideológica à ausência de
lhões de habitantes, vivem abaixo da denomi- trabalho, ao desemprego estrutural. Como
nada linha da pobreza. As explicações ofere- se propaga, seria este “défice” educacional
cidas à população reconhecem o aumento da o responsável pela falta de “empregabilidade”
pobreza, mas colocam-na no âmbito da ano- dos cidadãos. Note-se que as possibilidades
mia, como performance decepcionante, falha de manutenção de um país na mesa das ne-
no ajuste para alcançar o desenvolvimento gociações internacionais depende do quanto
sustentável. Ao responsabilizar os indivíduos, de empregabilidade consegue atribuir à sua
a família, a comunidade, pela situação dos mão-de-obra por intermédio da escolariza-
pobres e excluídos os Estados acabam por se ção. Entretanto, questões candentes como “a
restringirem a programas paliativos (como o quem é ensinado o quê, como, por quem e em
Bolsa Escola e o Fome Zero, no Brasil). que circunstâncias; como, por quem e através
de que estruturas, instituições e processos
Para Correia (2000, p.7), o projeto
são definidas estas coisas, como é que são
econômico dos anos de 1990
governadas e geridas?; quais são as conseqü-
(sustenta)-se na noção (...) de empre- ências sociais e individuais destas estruturas
gabilidade, que nos remete para uma e processos?” (DALE, 2001, p.149) não têm
transformação deste modelo onde se sido feitas nem pelos organismos internacio-
valoriza sobretudo a precarização do nais nem pelos estados nacionais, e é pela
vínculo laboral e se tende a envolver via da regulação e imposição sobre a ação
os “precários” num processo infernal do Estado que as diretrizes globalizantes têm
de procura de qualificações que, em efeitos sobre o campo educativo. Segundo
última análise, os responsabiliza da sua Dale (2001, p.161),

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EDUCAÇÃO PARA O ALÍVIO DA POBREZA: NOVO TÓPICO NA AGENDA GLOBAL 53

as organizações internacionais não con- BANCO MUNDIAL. Relatório sobre o


finam as suas intervenções apenas às Desenvolvimento Mundial. Pobreza.
áreas dos mandatos políticos; elas tam- Washington, DC: Banco Mundial, 1990.
bém, e de uma forma crescente, tratam BANCO MUNDIAL. La voz de los pobres. 2000a.
de questões quer de capacidade, quer Disponível em: <http://www.worldbank.org/
de governação. A governação tornou-se poverty/spanish/voices/>. Acesso em: 10 Jul.
o objectivo chave de organizações como 2004.
a OCDE e o Banco Mundial nos anos
BANCO MUNDIAL. Relatório sobre o
mais recentes. Desenvolvimento Mundial. 2000/2001.
E continua: Washington, DC: Banco Mundial. Disponível
em: <http://www.worldbank.org/poverty/
Ainda mais claramente afectando a wdrpoverty/report/Poroverv.pdf>. Acesso em:
educação surgem os programas de ajus- 10 jun. 2004.
tamento impostos pelo Banco Mundial e
FMI que frequentemente exigem que os CENTRO DE INVESTIGACIÓN PARA LA PAZ.
Las claves de los conflictos. La pobreza.
países alterem a ênfase que colocam
2004. Disponible en: <http://www.fuhem.es/
na educação e especialmente na forma
CIP/pobreza.htm>. Acceso en: 20 Jul. 2004.
como se procede ao respectivo financia-
mento. (DALE, 2001, p.164). COMISSÃO ECONÔMICA PARA AMÉRICA
LATINA E CARIBE/ORGANIZAÇÃO DAS
O conceito de Dale (2001) de “agenda NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO,
globalmente estruturada para a educação” A CIÊNCIA E A CULTURA. Educación y
possibilita-nos refletir sobre a intencionalida- conocimiento: eje de la transformación
de de se homogeneizar, de resto inviável, as productiva con equidad, Santiago do Chile.
diversas regiões do globo com base em uma 1992.
agenda política. Não é possível, por exemplo,
CORAGGIO, J. L. Desenvolvimento humano
conceber a América Latina e o Caribe com os e educação. São Paulo: Cortez, 1996.
mesmos vetores em relação à Europa, Ásia ou
América. Suas posições na divisão internacio- CORREIA, J. A. Da educação tecnológica ao
nal do trabalho são diferentes. Desse modo, ensino profissional – os mitos dos discursos
vocacionalistas. A Página da Educação, a.9,
se o projeto das agências internacionais
n.94, 2000, Set., p.7.
pode trazer elementos em comum, funções
assemelhadas, não se trata de – por meio DALE, R. Globalização e educação:
dele – conduzir a ALC à mesma posição das demonstrando a existência de uma cultura
regiões dominantes na economia mundial. O educacional mundial comum ou localizando
uma agenda globalmente estruturada para a
lugar a nós reservado é o da subalternidade.
educação. Educação, Sociedade e Culturas.
Não será a política educativa contingenciada n.16, p.133-169, 2001.
por tais agências que dele nos tirará. Da mes-
ma forma, não será o mero proselitismo sobre HAFFNER, J. A. H. CEPAL: uma perspectiva
o alívio da pobreza que, por muito tempo, o sobre o desenvolvimento latino-ameriano.
Porto Alegre: Edipucrs, 1996.
revide dos “pobres” conterá.
LEVITAS, R. The inclusive society? Social
exclusion and New Labour. London: Macmillan
Referências Press Ltd, 1998.

AGUIAR, M.; ARAÚJO, C. H. Bolsa-escola: MESA, M. Otras formas de cooperar: presión


educação para enfrentar a pobreza. Brasília: política y educación. Site CIP – Centro de
UNESCO, 2002. Investigación por la Paz. 2004. Disponible en:

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54 O. EVANGELISTA & E.O. SHIROMA

<http://www.cip.fuhem.es/ECUCA/artref.html>. SHIVA, V. Abrazar la vida. Mujer, ecología y


Acceso en: 2 Ago. 2004. desarrollo. Madrid: Horas y Horas, 1995.
RAHNEMA, M. La pauvreté. L’ Encyclopédie TOMÁS, R. Concepto y medición de
de L’ Agosto. 2003. Disponible en: <http://
la pobreza. Site Experimentyal Urbà,
agora.qc.ca/reftext.nsf/Documents/Pauvrete>.
Acceso en: 25 Jul. 2004. Barcelona/ES. 1997. Disponible en: <http:
//www.cccbxaman.org/pobreza/concepto/>.
ROBERTSON, S. Iludindo e configurando Acceso en: 28 Jul. 2004.
a economia do conhecimento. A página da
Educação, n.119, a.12, janeiro, p.7. TORTOSA, José Maria. Violencia y pobreza:
SHIROMA, E. O. A outra face da inclusão. Teias, uma relación estrecha. Papeles, n.50 p.31-38,
Rio de Janeiro, n.3, p.29-37, 2002. 1994.

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