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Xamanismo: O poder das “Plantas Professoras”

Pesquisadores afirmam que há uma crescente busca pelas práticas xamânicas por jovens
de classe média, impulsionados pelo desejo de prestar atenção em si mesmo e pelas
técnicas arcaicas do êxtase.O xamanismo é uma filosofia que visa o reencontro do
homem com o seu mundo interior e estabelece ensinamentos baseados na observação da
natureza: sol, lua, terra, água, fogo, ar, animais, plantas.

O homem, desde as antigas civilizações, busca através das plantas a cura para os males
do corpo e da alma. O uso de ervas em tratamentos naturais contra doenças, fitoterapia,
é cada vez mais usado no Brasil. Assim como o de plantas enteógenas – palavra de
origem grega que significa “Deus dentro de si”- também conhecidas como “plantas
professoras” ou “plantas de poder”.

Como viviam próximos às florestas, e pela observação direta da natureza, passaram a


conhecer muito bem a sua fauna e flora. Esse contato possibilitou a liberdade de
experimentar as plantas que os cercavam, propiciando, assim, a descoberta das “plantas
professoras” e de muitos conhecimentos psicofarmacológicos e fitoterápicos que
usufruímos hoje. Em antigos cultos religiosos não ocidentais, essas “plantas
professoras” eram utilizadas com a finalidade de estabelecer um possível contato entre o
homem e o Divino, assim como fazê-los evoluírem espiritualmente. Outras culturas
acreditavam que as plantas eram o alimento dos deuses, e quando consumidas gerava
energia vital e ampliava os poderes mentais. A esses conhecedores dos segredos e
mistérios das plantas, e da natureza em si, deu-se o nome de Xamã.

É difícil precisar como e onde as práticas Xamânicas surgiram, indícios arqueológicos


estimam de 20 a 30 mil anos. Carminha Levy (foto ao lado), pedagoga e psicóloga, uma
das pioneiras nos estudos de Xamânismo no Brasil, conceitua Xamã como “aquele que
sabe”. Na cultura tradicional, o Xamã pode ser um raizeiro, curandeiro ou rezadeiro que
conhece bem a energia da natureza e as utiliza na cura da mente, corpo e espírito.

Já o termo enteógeno foi denominado por Górdon-Wasson, Albert Hofmann, e Carl


Ruck, que discutiam a utilização errônea do termo alucinógeno quando havia algum tipo
de “iluminação divina”. De acordo com o biólogo e antropólogo cultural Wagner Lira,
“a etimologia da palavra alucinógeno, segundo estes autores, nos remete a um estado de
demência momentânea, catarse, perda dos sentidos, delírio e divagação mental com fins
hedonistas”, que diverge do estado ocasionado pelas plantas enteógenas.

Existem algumas religiões que se estabelecem a partir do contato com as “plantas de


poder” xamânico, entre elas a Igreja Nativa Americana, a Igreja do Santo Daime, Centro
Espírita Beneficente União do Vegetal (CEBUDV), e a Barquinha – as três últimas são
brasileiras e fazem uso da ayahuasca, bebida Xamânica feita com o cipó marirí e folhas
de chacrona. O cipó possui os derivados beta-carbolínicos da harmina, tetrahidroarmina
e harmalina como alcalóides principais. A chacrona possui N-dimetiltriptamina,
conhecida por DMT ou “molécula espiritual”.
Quando questionado se o chá bebido nas sessões do CEBUDV tem poderes
alucinógenos, o estudante e adepto Igor Lacerda respondeu: “Não. O vegetal é
iluminógeno”. Por falta de conhecimento, muitos ainda consideram erroneamente os
enteógenos como plantas alucinógenas, tóxicas, diabólicas. Wagner Lira, em sua tese de
mestrado em “Etnografia Ayahuasqueira Nordestina” pela Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE), confirma que existe uma diferença entre as plantas enteógenas e
psicotrópicas. Segundo ele, é o contexto de uso, e o contexto social no qual o uso se
insere, que as caracterizam e diferenciam. “Um exemplo de uma substância psicotrópica
que não é considerada enteógenica é o LSD. Apesar de suas propriedades visionárias,
essa substância não é usada por nenhum culto religioso”, explica. Já a Cannabis Sativa,
segundo ele, usada dentro de um contexto ritual rastafary ou shivaísta é considerada um
enteógeno, não um psicotrópico – no Brasil, a planta não é considerada enteogênica
devido às leis proibicionistas.

As “plantas professoras” mais conhecidas e catalogadas pela literatura científica,


segundo Wagner, são: o cacto peyote (Lophophora williamsii), utilizado pelas tribos da
América do Norte e América Central; a planta trombeta (Datura metel e Datura
stramonium), comum aos nativos mexicanos; o cacto San Pedro ou wachuma
(Echinopsis sp.) dos povos andinos; o rapé de pariká (Anadenanthera sp. e Virola sp.),
também comum às tribos andinas; os cogumelos mágicos, que mesmo não sendo plantas
são considerados “vegetais de poder” (principalmente as espécies de Psylocibes); o
cânhamo (Cannabis sativa), usado ritualmente pelos hindus, islâmicos, antigos
zoroastros, africanos, janoneses e chineses; a planta jurema (Mimosa sp.), dos índios e
caboclos do Nordeste brasileiro; a iboga ou buite (Tabernanthe iboga), típica planta
africana e as espécies vegetais que compõem a bebida ayahuasca do xamanismo andino;
o cipó marirí (Banisteriopsis caapi) e as folhas da chacrona (Psychotria viridis).

Pesquisadores confirmam uma crescente busca de jovens de classe média por essas
“plantas de poder”, e procuram entender o que está impulsionando esse interesse. De
acordo com Beatriz Labate, em “A reinvenção do uso da ayahuasca nos centros
urbanos”, nos últimos anos a moda New Age fez com que pessoas do mundo inteiro
procurassem esses conhecimentos na América Latina. “Pequenos grupos experimentais
utilizam ayahuasca no mundo inteiro. Seja em atendimento psicoterapêutico, por meio
de vivências típicas do universo New Age, em contextos relacionados à criação artística
e até em atividades com moradores de rua”, afirma.

Wagner Lira comenta que algo intrínseco nesses jovens parece chamar por um destino
cultural e espiritual mais autêntico, com essência espiritual verdadeira e desligada do
material, assim como uma ligação entre o material e o espiritual. “Perto da natureza,
sobre o efeito de plantas que ensinam, os jovens criados nos centros urbanos percebem
coisas na natureza que antes lhes havia escapado. Fica evidente que o uso para
propósitos transcendentais vai perdurar como um traço indelével da existência humana.
Os resquícios da antiga tradição xamânica do uso de plantas sagradas, sobrevivem ao
lado de formas mais atuais de consumo”, diz. Outro fator é uma certa rejeição às
religiões tradicionais, os jovens não estariam mais aceitando os paradigmas religiosos
dominantes e continuariam buscando o equilíbrio espiritual para aliviar as angústias,
insegurança, insatisfação que todo ser humano experimenta. Pesquisadores comentam
também, que essa busca favoreceu o interesse pela saúde natural, a agricultura
sustentável, as fontes renováveis de energia e os conceitos de moradia orgânica.
Propiciando, assim, uma consciência ambiental mais abrangente.
É importante alertar que o uso das “plantas professoras” precisa ser feito com a
orientação de um mestre, mediador, sacerdote ou xamã, para que tais ensinamentos
possam realmente ser apreendidos. E essa aprendizagem costuma ser diferenciada e
particular.

Uma das religiões que faz uso das “plantas professoras” e atua na Região Metropolitana
do Recife, há 21 anos, é o Centro Espírita Beneficente União do Vegetal (CEBUDV).
Temos também o Santo Daime, em São Lourenço, e a Panahuasca em Camaragibe. A
instituição religiosa CEBUDV surgiu em 1961, fundada por José Gabriel Costa, um
baiano que se alistou no “Exército da Borracha” e trabalhou como seringueiro nas
florestas próximas à fronteira entre o Brasil e a Bolívia – no Estado de Pernambuco foi
fundada em 10 de fevereiro de 1988. “Dentro de tanta luta em uma floresta, lutando
com a família para sobreviver, Mestre Gabriel lembrou de nós, e trouxe a União com
um único pensamento: trazer uma paz para a humanidade”, comenta mestre Raul, do
Núcleo Cajueiro, o primeiro do Estado, e complementa: “O mestre sabia que a paz não
se consegue como quem escreve um tratado, mas com acesso à educação, moradia.
Ninguém pode estar em paz sem ter liberdade religiosa também. O trabalho da União é
promover a paz para humanidade, através do desenvolvimento pessoal, intelectual,
moral e espiritual”. Hoje, existem 131 unidades administrativas da CEBUDV no Brasil,
com cerca de 15 mil adeptos. Em Pernambuco existem quatro centros. No exterior
existe um núcleo em Santa Fé, no Novo México (EUA) e na Espanha.

O CEBUDV tem a liberação do Governo Federal para utilizar as duas “plantas


professoras” (mariri e a chacrona) durante as sessões, e possui, desde 1986,
profissionais da área de saúde pesquisando as propriedades da ayahuasca no
Departamento Médico Científico da União do Vegetal (DEMEC). “Esse chá que a gente
bebe é uma chave, e essa chave cabe em muitas portas. Não é o chá que modifica as
pessoas, mas o perfeito entendimento da doutrina, do que se ensina, e dependo do
querer de cada um em se melhorar. O chá facilita que a pessoa faça uma introspecção,
examine o seu sentimento, a sua memória, e veja onde está errando. Paramos um pouco
para pensar na vida, dentro do que é direito, correto, e, assim, podemos melhorar”,
afirma mestre Raul.

Pablo Amaringo nasceu em 1943 em Pueril Libertária, região da Amazônia peruana.


Teve o primeiro contato com a planta de poder ayahuasca aos 10 anos de idade, e desde
então passou a buscar os segredos da fauna e flora peruana. Sob a inspiração do vegetal
pinta suas viagens cósmicas, o homem interagindo com a natureza divina. Suas pinturas
são vívidas, coloridas, detalhadas, harmoniosas, cheia de animais, plantas, espíritos e
seres mitológicos. É coautor do livro Ayahuasca Visions: The Religious Iconography of
a Peruvian Shaman (Berkeley, North Atlantic Books), juntamente com Luis Eduardo
Luna. Fundou a escola de pintura Usko-Ayar, e supervisiona beberagens do vegetal
ayahuasca.

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