You are on page 1of 152

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E CIENTÍFICA


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM
CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

MOTIVAÇÃO EM AULAS DE QUÍMICA:


CONFIGURAÇÕES SUBJETIVAS DE
ESTUDANTES E PROFESSOR

WILTON RABELO PESSOA

BELÉM-PARÁ
2015
WILTON RABELO PESSOA

MOTIVAÇÃO EM AULAS DE QUÍMICA:


CONF IGURAÇÕES SUBJETIVAS DE ESTUDANTES E
PROFESSOR

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


Educação em Ciências e Matemáticas do Instituto de
Educação Matemática e Científica da Universidade
Federal do Pará - UFPA, como exigência para a obtenção
do Título de Doutor em Educação em Ciências e
Matemáticas, área de concentração: Educação em
Ciências.

BELÉM-PARÁ
2015
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E CIENTÍFICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E
MATEMÁTICAS

TESE DE DOUTORADO

MOTIVAÇÃO EM AULAS DE QUÍMICA: CONFIGURAÇÕES


SUBJETIVAS DE ESTUDANTES E PROFESSOR

Autor: Wilton Rabelo Pessoa


Orientador: Prof. Dr. José Moysés Alves

Este exemplar corresponde à redação final da tese


defendida por Wilton Rabelo Pessoa sob aprovação
da Comissão Julgadora.

Data:

Banca Examinadora:

___________________________________
Prof. Dr. José Moysés Alves
IEMCI/UFPA – Presidente

___________________________________
Profª. Drª. Anna Regina Lanner de Moura
FE/UNICAMP – Membro Externo

___________________________________
Profª. Drª. Sônia Regina dos Santos Teixeira
ICED/UFPA – Membro Externo

___________________________________
Profª. Drª. Andrela Garibaldi Loureiro Parente
IEMCI/UFPA – Membro Interno

___________________________________
Prof. Dr. Tadeu Oliver Gonçalves
IEMCI/UFPA – Membro Interno

BELÉM
2015
Para Ana Luísa
A vida fora da autografia.
A vida fora da biografia.
A vida fora da caligrafia.
A vida fora da discografia.
A vida fora da etnografia.
A vida fora da fotografia.
A vida fora da geografia.
A vida fora da holografia.
A vida fora da iconografia.
A vida fora da logografia.
A vida fora da monografia.
A vida fora da nomografia.
A vida fora da ortografia.
A vida fora da pornografia.
A vida fora da quirografia.
A vida fora da radiografia.
A vida fora da serigrafia.
A vida fora da telegrafia.
A vida fora da urografia.
A vida fora da videografia.
A vida fora da xilografia.
A vida fora da zoografia.
- A vida inde.
(Arnaldo Antunes)
AGRADECIMENTOS

À DEUS pelo dom da vida.

Ao meu orientador Prof. Dr. José Moysés Alves pela compreensão, confiança e amizade
durante a produção da tese. O processo de orientação se configurou como um espaço de
relação fundamental para que eu pudesse construir meu percurso de formação e
desenvolvimento pessoal e profissional. Muito Obrigado!

Ao Prof. Dr. Tadeu Oliver Gonçalves pelo incentivo, sensibilidade que faz do IEMCI
um espaço de valorização das relações humanas e principalmente amizade.

À Profª. Drª. Sílvia Nogueira Chaves pela convivência no grupo de estudos, discussão
de idéias e amizade.

À Profª Drª. Terezinha Valim Oliver Gonçalves, presença constante em minha trajetória
profissional e com quem sempre aprendo e compartilho conhecimentos e ideias em
relação ao ensino de ciências.

À Profª. Drª. Rosália Maria Ribeiro de Aragão e ao Prof. Dr. Francisco Hermes dos
Santos da Silva pelas interlocuções durante o doutorado.

À Profª. Drª. Maria Carmen Villela Rosa Tacca e Profº. Drº. Eduardo Fleury Mortimer
pela análise do texto e contribuições por ocasião do exame de qualificação. À Profª. Drª.
Andrela Garibaldi Loureiro Parente, Profª. Drª. Sônia Regina dos Santos Teixeira e
Profª. Drª. Anna Regina Lanner pelas valiosas contribuições durante a defesa de tese.

Ao Prof. Dr. Eduardo Paiva de Pontes Vieira, pela amizade e trabalho partilhado na
Direção da Faculdade de Educação Matemática e Científica.

À Profª. Drª. Isabel Cristina Rodrigues de Lucena pela ajuda na organização do texto
final da presente tese.

Aos colegas do doutorado, em especial Ana Sgrott, grande amiga e companheira que
partilhou comigo alegrias e desafios que a vida nos apresenta em relação ao doutorado e
fora dele.
Ao professor Miro pela generosidade ao abrir suas aulas como cenário de pesquisa e
estudo, que enriqueceram a elaboração da presente tese.

Aos estudantes do segundo ano do ensino médio que participaram da presente


investigação e muito me ensinaram sobre a motivação para aprender química e a sala de
aula como espaço de vida.

À minha família, em especial, Ana Luísa, Mário Arthur, Sandra, Ubirajara e Williams.
Muito obrigado!
9

SUMÁRIO

Pág.

1 - Teoria da Subjetividade: Fundame ntos e principais categorias -------------------12


1.1 – Aportes para uma abordagem histórico-cultural da motivação e m contextos
de ensino e de aprendizagem científica -----------------------------------------------------20
1.2 – Estudos sobre a motivação e m contextos de ensino e de aprendizagem de
química------------------------------------------------------------------------------- -------------26
1.2.1 - Discussão sobre os trabalhos apresentados ---------------------------------------38
2 – Método da pesquisa ------------------------------------------------------------------------44
2.1 – Contexto e sujeitos da pesquisa -------------------------------------------------------47
2.2 – Processos de construção da informação na pesquisa -----------------------------52
2.2.1 – Instrumentos utilizados na pesquisa -----------------------------------------------52
2.3 – Construção das informações -----------------------------------------------------------54
3. Resultados e Discussão----------------------------------------------------------------------57

3.1 - Professor Miro: Não sei se eu me qualifico como um bom professor, mas que eu
busco, e que eu me esforço muito, isso é verdade ------------------------------------------57

3.2 - Edu: Qualquer tipo de conhecimento é válido pra nossa vida ---------------------74
3.3 - Lia: Ai! Quando vem aquele mol! Eu não vejo importância na química pra mim.
Pra mim ela tendo ou não, não faz diferença -----------------------------------------------87

3.4 - Ana: Eu sou acostumada a tirar dez em química ----------------------------------101

3.5 - Nara: Esse ano eu sei que eu tô mais estudiosa, pode ver que às vezes eu fico lá
na frente -----------------------------------------------------------------------------------------106

3.6 – Alice: A química: tem sido meu vício ultimamente --------------------------------114

3.7 – Luna: A química: Estou melhorando, aprendi a gostar --------------------------124

4. Discussão -------------------------------------------------------------------------------------130

5. Referências ----------------------------------------------------------------------------------139

6. Apêndices ------------------------------------------------------------------------ ------------146


10

RESUMO

De modo geral, nas pesquisas sobre o chamado domínio afetivo da educação científica,
a afetividade é considerada como combustível da ação, mas sem tomar parte da
qualidade dessa ação e do pensamento humano. Essa perspectiva tende a nortear
processos de ensino e aprendizagem de ciências nos quais a motivação é identificada
como atividade ou técnica a ser utilizada no início ou em momentos específicos das
atividades escolares. De modo distinto, a perspectiva que adotei neste trabalho,
inspirada na Teoria da Subjetividade proposta por González Rey, concebe afeto e
cognição em constituição mútua, de modo que a motivação é vista como expressão
integral da pessoa, isto é, como produção subjetiva. No presente trabalho apresento os
casos de um professor de química e seis estudantes do segundo ano do ensino médio de
uma Escola Pública Estadual de Belém – PA. Os resultados deste estudo sobre a
motivação de professor e estudantes permitem sustentar a tese de que a motivação em
aulas de química é constituída pela integração de sentidos subjetivos produzidos no
curso do ensino e da aprendizagem e na história dos estudantes e do professor, na escola
e em outros contextos. A ideia da motivação como produção de sentido subjetivo requer
que os processos de ensino e de aprendizagem estejam direcionados para subsidiar essa
produção, na direção de melhor aprendizagem escolar. A perspectiva teórica da
subjetividade possibilita considerar as produções e posicionamentos do sujeito no curso
de suas experiências, superando a ideia da motivação como simples resposta a um fator
externo à pessoa. Nesta perspectiva, a compreensão da motivação para aprender e
ensinar química ganha uma contribuição, pois deixa de ser pensada como algo próprio
do sujeito ou das tarefas escolares e pode beneficiar professores interessados em
inovações nessa área.

Palavras – chave: Motivação. Subjetividade. Ensino e aprendizagem de química.


11

ABSTRACT

In general, the research on the so-called affective domain of science education,


affectivity is considered as the action fuel, but without taking part in the quality of this
action and of human thought. This perspective tends to guide teaching and learning
processes in which the motivation is identified as an activity or technique to be used at
the beginning or at specific times in school activities. Differently, the perspective
adopted in this work, inspired by the theory of subjectivity, conceives affect and
cognition in mutual constitution, so that the motivation is seen as an integral expression
of the person, that is, as production of subjectivity. In this work we present the case of a
chemistry teacher and six students of the second year of high school in a State Public
School in Bethlehem - PA. The results of this study on teacher motivation and
chemistry students allow sustain the thesis that the motivation in chemistry lessons
consists of the integration of subjective meanings produced in the course of teaching
and learning and in the history of student and teacher in school and in other contexts.
The idea of motivation as subjective sense of production requires that the teaching and
learning processes are targeted to support this production, toward a better school
learning. The theoretical perspective of subjectivity enables cons ider the productions
and subject of the positions in the course of their experiments, overcoming the idea of
motivation as a simple response to an external factor to the person. The motivation
appears, therefore, as a result of subjective production entire school history and extra-
school subject, history implies an often contradictory relationship of social subjective
levels and individual subject. I believe that focusing so understanding the motivation to
learn and teach chemistry earn a contribution, it is no longer thought of as something
proper to the subject or homework and can benefit teachers interested in innovations in
this area.

Keywords: Motivation. Subjectivity. Teaching and learning chemistry.


12

1- Teoria da Subjetividade: Fundamentos e principais


categorias

A teoria aparece não como um esquema geral dentro do qual tem


de ser localizada toda a informação encontrada, mas como um telão
de fundo dentro do qual se produz o complexo diálogo com o real,
diálogo a partir do qual novas zonas do real entram no espaço de
inteligibilidade da teoria e outras zonas desafiam e são elementos
de ruptura e desenvolvimento da própria teoria (GONZÁLEZ REY,
2003, p. 274).

Nesta seção apresento os principais aspectos teóricos da ideia central deste


trabalho, a de que a motivação para aprender e ensinar química é constituída pela
integração de sentidos subjetivos produzidos no curso do ensino e da
aprendizage m e na história de estudantes e do professor, na escola e em outros
contextos. Para isso, num primeiro momento procuro apresentar a teoria da
subjetividade, a partir da qual a motivação é definida como configuração de sentidos
subjetivos. Num segundo momento, examino criticamente o enfoque predominante da
motivação nas pesquisas sobre o chamado domínio afetivo da educação científica.

A teoria da subjetividade desenvolvida por González Rey (1997, 1999,


2003) parte de uma perspectiva histórico-cultural que permite compreender a psique
humana em integração com a cultura, opondo-se a uma visão determinista ou universal
dela. A subjetividade como produção histórico-cultural representa uma qualidade
específica da psique sensível a múltiplas formas de registros socioculturais
(GONZÁLEZ REY, 2003, p. 33), que vai além de sua identificação com o
comportamento nos termos definidos pelo behaviorismo. Dentro dessa perspectiva, a
subjetividade seria: (...) um sistema não fundado sobre invariantes universais que teria
como unidade central as configurações de sentido que integram o atual e o histórico em
cada momento de ação do sujeito nas diversas áreas de sua vida (GONZÁLEZ REY,
2005. p. 35). Dessa definição considero fundamental destacar o caráter histórico-
cultural do processo de configuração de sentidos e a representação de um mundo
configurado subjetivamente, aspectos que expressam a produção de sentidos dentro de
um sistema, a subjetividade, e não como resultado de um elemento externo à psique
humana.
13

Assumo a subjetividade como sendo um conceito que engloba:

a) A estabilidade dinâmica que marca a dimensão constitutiva,


relacionada ao desenvolvimento da personalidade, entendida como
configuração personológica sistêmica que vai se constituindo ao longo da
dimensão temporal; b) a multiplicidade dos processos identitários que
vincula o sujeito singular aos diversos grupos sociais e aos processos
psicológicos atuais que marcam a dimensão construída do sujeito
(MADUREIRA E BRANCO, 2005, p. 142).

A subjetividade se desenvolve na relação dialética entre a sua dimensão


constitutiva, que consiste na história do sujeito, resultante das interações entre fatores
biológicos, culturais e ontogenéticos, e sua dimensão construída, que envolve a
dinâmica dos processos de construção e reconstrução permanente do sujeito no
momento atual. Assim a subjetividade é considerada como um macro conceito, que nos
possibilita abordar, de forma integrada, a história constitutiva do sujeito, bem como seu
caráter ativo e intencional que se faz presente em seu sistema de relações
(MADUREIRA E BRANCO, 2005, p. 143).

A teoria da subjetividade tem como unidade teórica essencial a categoria de


sentido subjetivo, fundamentada no conceito de sentido apresentado por Vygotsky. Para
González Rey (2007), Vygotsky que a princípio teria focalizado o sentido basicamente
em sua associação com a palavra e as estruturas de significado, passou gradualmente a
enfatizar a relação do sentido com a personalidade e a vida psíquica, o que indica um
deslocamento do sentido, da fala para a consciência. A apropriação da ideia de sentido
da obra de Paulham, associada à ênfase na relação entre o sentido da palavra e a
consciência, demonstra que Vygotsky buscava criar uma nova unidade da vida psíquica.
O sentido representaria tal unidade, comprometida com a compreensão da psique como
sistema, unidade esta inconclusa em função da morte prematura de Vygotsky.

O sentido é definido como sentido subjetivo por González Rey, em função


de sua relação com a subjetividade como sistema. Nessa perspectiva os sentidos
subjetivos

(...) são expressões de uma teia simbólico-emocional na qual as


emoções, sentidos e processos simbólicos de procedência muito
diferentes integram-se na definição das diversas configurações
subjetivas que acompanham os diferentes tipos de atividades
humanas (GONZÁLEZ REY, 2006, p. 35).
14

Na definição acima, González Rey (2005) buscou especificar a natureza do


sentido, o qual se separa da palavra e se delimita em espaços simbolicamente
produzidos pela cultura, que são as referências permanentes do processo de
subjetivação da experiência humana (p. 20 – 21). O sentido subjetivo se distingue da
categoria de sentido pela superação da relação entre o sentido e a palavra, iniciada por
Vygotsky, por representar uma unidade psicológica para o estudo da subjetividade e por
enfatizar a integração do simbólico e do emocional na subjetivação da experiência
humana.

A categoria de sentido subjetivo permite compreender a subjetividade para


além de qualquer invariante universal, pois os sentidos subjetivos nunca representam
conteúdos fixos associados a determinadas práticas humanas (GONZÁLEZ REY, 2007).
Isso porque o sentido subjetivo não é resultado linear de nossas práticas, ele é uma
produção em relação a elas, que integra a organização subjetiva dos sujeitos e dos
contextos em que acontecem suas práticas e relações sociais, o que é congruente com
uma perspectiva histórico-cultural da subjetividade. Segundo González Rey (2007):

Nada do que acontece em nossas práticas se internaliza, pois acima


delas nós produzimos, e essa produção, mesmo sendo resultado de
nossas práticas e relações, não é um resultado linear, mas uma
produção diferente. Dela participam tanto as conseqüências dessas
ações, que podem ter referentes não visíveis a partir das práticas
atuais, como as configurações subjetivas que fazem parte da ação
do sujeito, ou seja, aquelas que são fonte da produção subjetiva
associada a essa ação (p. 173).

A subjetividade se desenvolve em estreita relação com os contextos da ação


humana, desenvolvimento este que representa um nível de produção psíquica. Essa
produção expressa, por meio dos sentidos subjetivos, diferentes aspectos da vida social
e da história do sujeito nos espaços concretos em que desenvolve suas ações. Nessa
perspectiva, o sentido subjetivo representa um instrumento teórico para conhecer as
consequências de um sistema social na vida da pessoa. É um tipo de registro
inseparável de outros registros da pessoa, da vida e da sociedade (GONZÁLEZ REY,
2007, p. 205).

Tendo em vista a integração simbólico-emocional que expressa, o sentido


subjetivo possibilita avançar na compreensão das emoções como constitutivas da
subjetividade. Isso porque é comum no campo psicológico a explicação das emoções a
15

partir de enfoques de caráter biológico ou cultural (GONZÁLEZ REY, 2000, 2003;


NEUBERN, 2000), que as definem como resultado da influência de agentes externos à
psique, e que tem em comum a exclusão do caráter subjetivo do emocional.

A esse respeito, González Rey (2003) propõe que as emoções representam


estados de ativação psíquica e fisiológicas, resultantes de complexos registros do
organismo ante o social, o psíquico e o fisiológico (p. 242). Essa definição pressupõe o
trânsito de uma compreensão estritamente biológica da psique, na qual as emoções
estariam restritas a expressões da pessoa em relação a estados biológicos, para uma
compreensão subjetiva, na qual as emoções aparecem associadas a estados subjetivos
que integram o psíquico, o fisiológico e o social. Dessa forma, como unidades
comprometidas com toda a organização e processos em que o sujeito se desenvolve, as
emoções representam um dos mais importantes registros da subjetividade humana
(GONZÁLEZ REY, 2003).

Segundo González Rey (2003) a emoção caracteriza o estado do sujeito


ante toda a ação, ou seja, as emoções estão estreitamente associadas às ações, por
meio das quais caracterizam o sujeito no espaço de suas relações sociais (p.242). Nessa
citação é possível perceber que a emoção em sua especificidade subjetiva não implica
uma abordagem essencialmente intrapsíquica do emocional. Ao reconhecer a emoção
como processo subjetivo, o referido autor associa o estudo das emoções a um sujeito
concreto no contexto de suas atividades, de modo que a emoção aparece como
constitutiva da ação humana no espaço da cultura.

A esse respeito Neubern (2001) afirma que:

(...) as emoções devem ser estudadas como constituintes da vida de


alguém numa perspectiva em que o cenário do próprio sujeito seja
privilegiado. Em outras palavras, além de contextualizada no seio
da subjetividade, deve-se buscar compreendê-la em função dos
sentidos e papéis que possuem para tal sujeito (p.70).

Com o desenvolvimento do homem em sua condição cultural, a emoção


assume nova função, tornando-se uma importante forma de expressão humana em
situações de natureza cultural, que não substitui seu caráter biológico, ou seja, ela
mantém a capacidade de expressar registros somáticos e fisiológicos (GONZÁLEZ
REY, 2003). O que ocorre é que os aspectos físicos e fisiológicos da psique passam a
16

integrar sistemas subjetivos de origem cultural, no âmbito dos quais se configuram


(GONZÁLEZ REY, 2000).

A emocionalidade resulta da integração de elementos de sentido produzidos


na subjetividade individual, em que aparecem a história do sujeito e outros aspectos dos
espaços sociais em que se desenvolvem suas ações concretas (GONZÁLEZ REY,
2005). As emoções experimentadas pelos sujeitos nos processos de ensino e de
aprendizagem científica, por exemplo, não estão relacionadas somente com as
experiências envolvidas diretamente nas atividades escolares. Nesses processos
aparecem emoções procedentes de sentidos subjetivos muito diferentes, de modo que
toda experiência humana é definida por diversos elementos de sentido, que em sua
articulação constituem as configurações de sentido subjetivo das atividades em que o
sujeito se envolve.

No âmbito da teoria da subjetividade, a integração de elementos de sentido


procedentes de diferentes áreas da vida do sujeito é expressa pela categoria de
configuração subjetiva. Como sistema complexo de produção de sentidos, a
subjetividade tem como unidade central as configurações subjetivas que integram o
atual e o histórico em cada momento de ação do sujeito nas diversas áreas de vida
(GONZÁLEZ REY, 2005, p. 35). Nessa perspectiva a relação do sujeito com o meio
acontece através de configurações subjetivas nas quais aparece o mundo pelo qual ele
se orienta (TACCA E GONZÁLEZ REY, 2008, p. 146). Tais configurações subjetivas
organizam a subjetividade como sistema e são relativamente estáveis por estarem
associadas a uma produção de sentidos subjetivos que antecede o momento atual da
ação do sujeito e que pressiona a produção de sentidos de qualquer ação nova em
termos de organização do sistema (GONZÁLEZ REY, 2005, p. 35).

As configurações subjetivas não são estáticas, mas sim representam um


sistema dinâmico em relação com outras configurações. Uma configuração subjetiva
pode, por exemplo, converter-se em elemento de sentido da configuração de uma
experiência atual da vida do sujeito. Assim, as configurações subjetivas não representam
estruturas que de forma fixa, acompanham um determinado tipo de atividade
(GONZÁLEZ REY, 2004), o que está de acordo com o caráter processual e em
constante desenvolvimento da subjetividade humana. Dessa forma, a produção de novos
sentidos subjetivos não é determinada, a priori, pela configuração subjetiva, isto é, os
17

sentidos subjetivos anteriores não são tomados como a causa das ações atuais do sujeito.

Desse modo, os sentidos subjetivos provenientes da história de vida dos


sujeitos não são focalizados como forma de identificar e explicar em termos causais o
que o sujeito é no presente. Esses sentidos são apenas elementos constituintes do
complexo processo de produção de novos sentidos subjetivos no qual o sujeito está
continuamente envolvido. Tal produção de sentidos é resultado da tensão entre os
sentidos que aparecem no percurso da ação do sujeito e os sentidos que antecedem esse
momento, a partir das configurações subjetivas implicadas em cada situação concreta
(GONZÁLEZ REY, 2005, p.35). Assim, nos processos da subjetividade, o atual sempre
vai adquirir sentido na confrontação com a configuração subjetiva do sujeito da ação. É
nesse sentido que podemos explicar o caráter ativo e transformador do sujeito no
processo de sua constituição sociocultural (GONZÁLEZ REY, 2003). Em meio a
integração entre histórias anteriores e atuais na produção de sentidos, o sujeito emerge
como uma categoria central no estudo da subjetividade, pois:

[...] as configurações subjetivas envolvem uma forma única na


produção de sentido singular de cada sujeito concreto dentro de
seus diferentes tipos de atividade. Isso significa que não existem
formas universais de subjetivação de uma atividade concreta.
(GONZÁLEZ REY, 2005, p. 36).

Na teoria da subjetividade a categoria de sujeito é de fundamental


importância porque expressa o percurso diferenciado de produção de sentido subjetivo
da pessoa, o que destaca seu caráter singular. O sujeito representa a pessoa concreta, que
pensa, se faz presente e assume posicionamentos em suas atividades, processos esses
implicados na produção de sentido subjetivo durante a própria atividade, o que
contradiz a existência de elementos a priori que determinem a atuação do sujeito em
uma situação concreta (GONZÁLEZ REY, 2009). A produção de sentido subjetivo,
portanto, caracteriza o posicionamento diferenciado da pessoa como sujeito. De acordo
com o referido autor:

O sujeito é um momento inseparável da teoria da subjetividade em


uma perspectiva histórico-cultural, pois sem sujeito a subjetividade
permaneceria a - sujeitada, e substanciada em um plano
intrapsíquico, o que não permitiria superar o essencialismo a que
esteve associado a representação de subjetividade em algumas
tendências do pensamento moderno e que tanto dificultam, ainda
hoje, o uso do termo (GONZÁLEZ REY, 2009, p.22).
18

A produção de sentido passa sempre pelo posicionamento ativo do sujeito


inserido em determinada atividade, em função da qual pode se ativar um sistema de
sentidos ou outro (GONZÁLEZ REY (2004, p. 24). Nessa perspectiva, a categoria
sujeito coloca qualquer forma de comportamento em um cenário de sentido subjetivo
(GONZÁLEZ REY, 2004, p. 25). A representação de um mundo constituído em termos
subjetivos aponta para uma oposição a qualquer ideia de relação linear entre o interno e
o externo, entre individual e social no desenvolvimento do sujeito.

A categoria de sujeito na Teoria da Subjetividade é fundamentada em uma


perspectiva dialética do humano, que o considera, ao mesmo tempo, um ser singular e
social. Nessa direção, o social atua com elemento de produção de sentido no qual é
considerado o lugar do sujeito em seu contexto de relações e sua própria história, que
não funciona como definidora de suas ações atuais, mas sim como configuração
subjetiva em contato com a produção de sentidos no curso da experiência do sujeito
(GONZÁLEZ REY, 2003).

A subjetividade, por seu caráter histórico, não se expressa numa relação


imediata com os elementos presentes na vida social do sujeito. Reconhecer a
subjetividade em sua historicidade significa (...) considerar os processos geradores de
sentido dentro do próprio processo de desenvolvimento do sistema subjetivo, e não
como o produto imediato de uma influência externa (GONZÁLEZ REY, 1999, p. 49).
Nessa perspectiva a subjetividade individual é gerada socialmente, porém, não na forma
de uma relação biunívoca entre a subjetividade individual e a vida social. O social
aparece em termos de sua condição histórica singular para o processo de
desenvolvimento do sujeito e não como determinante objetivo diante da subjetividade
individual.

Nesse sentido, a categoria de subjetividade social enfatiza o caráter dialético


e complexo da subjetividade, ao se contrapor à definição dela como fenômeno restrito
ao indivíduo e à dicotomia entre o social e o individual. A subjetividade social permite
compreender a coexistência do subjetivo em nível social e individual, que são
momentos fundamentais da constituição da subjetividade.

Em ambos os momentos de sua produção é reconhecida sua origem


histórico-cultural, ou seja, a subjetividade não está vinculada apenas à experiência atual
19

do sujeito, mas como afirma González Rey (2003) à forma em que uma experiência
atual adquire sentido e significação dentro da constituição subjetiva da história do
agente de significação, que pode ser tanto social como individual (p.202). Os processos
sociais passam a ser vistos como processos envolvidos no sistema complexo que é a
subjetividade social, no âmbito da qual o indivíduo é constituinte e simultaneamente
constituído (GONZÁLEZ REY 2003, p. 202).

Em resumo, a teoria da subjetividade em seus fundamentos e principais


categorias abre caminho para estudar a motivação como produção de um sujeito
concreto, que possui dinâmica própria e caráter multideterminado, ou seja, ela não é
uma simples reação da pessoa numa relação direta a um estímulo do ambiente. A esse
respeito, no próximo tópico apresento uma discussão acerca da motivação em contextos
de ensino e de aprendizagem de ciências, buscando reunir subsídios para uma
representação teórica da motivação numa visão histórico-cultural. Para isso, apresento a
ideia da aprendizagem como produção de sentido subjetivo do sujeito que aprende
(GONZÁLEZ REY, 2008; TACCA, 2006).
20

1.1 APORTES PARA UMA ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL


DA MOTIVAÇÃO EM CONTEXTOS DE ENSINO E DE
APRENDIZAGEM CIENTÍFICA

[...] aula de química é muito mais do que um tempo durante o


qual o professor vai dedicar-se a ensinar Química e os alunos a
aprenderem alguns conceitos e desenvolverem algumas
habilidades. Com os olhos da perspectiva histórico-cultural, aula
de Química é espaço de construção do pensamento químico e de
(re) elaborações de visões de mundo e, nesse sentido, é espaço de
constituição de sujeitos [...]. Desse ponto de vista aula de Química
é espaço de participação em um diálogo: interrogar, escutar,
responder, concordar, etc. É participar todo e com toda a sua
vida: com os olhos, os lábios, as mãos, a alma, o espírito, com o
corpo todo, com suas ações (MACHADO, 2000).

Assim como Machado (2000) considero que a aula de química é muito mais
do que um tempo durante o qual o professor vai dedicar-se a ensinar Química e os
alunos a aprenderem alguns conceitos e desenvolverem algumas habilidades. Isso
implica em reconhecer as aulas de química como contextos de constituição de sujeitos,
nos quais se participa das relações sociais com toda a sua vida. O ensino e a
aprendizagem de química podem ir além da socialização e aquisição de conhecimento
científico por parte de professores e estudantes, constituindo seu desenvolvimento como
sujeitos.

Contudo, a pesquisa sobre ensino de química (SCHNETZLER, 2004)


demonstra que ainda é predominante na escola uma visão de aprendizagem como
reprodução, na qual o ensino estaria voltado somente para transmissão de grandes
quantidades de conteúdos, para que sejam memorizados e reproduzidos pelos estudantes
nos momentos de avaliação. A aprendizagem baseada na transmissão de um
conhecimento pronto e que por isso não é passível de discussão e reflexão, passa a ser
representada em uma dimensão estritamente cognitivo – reprodutiva e com isso se
distancia do desenvolvimento humano (GONZÁLEZ REY, 2008a), ao desconsiderar
processos subjetivos – sociais e individuais – que caracterizam a aprendizagem escolar.

No aprender ciências estão envolvidos motivos, valores, atitudes, aspectos


constitutivos da aprendizagem que chamam atenção para a importância de considerar o
21

sujeito para além de aspectos conceituais do conhecimento, que, em geral têm sido
enfatizados na pesquisa sobre a aprendizagem científica (MORAES, RAMOS E
GALIAZZI, 2004).

Em minha opinião, tal ênfase restringe o estudo da motivação, pois ignora o


caráter ativo do sujeito, expresso em suas reflexões e decisões, e o aspecto emocional do
ensino e da aprendizagem, momento em que a motivação passa a ser vista apenas como
elemento externo a esses processos. É nesse sentido que investigar a motivação para
aprender e ensinar química, de modo a gerar inteligibilidade sobre a complexidade
presente nos processos motivacionais, requer uma revisão da concepção usual da
aprendizagem escolar.

Algumas considerações epistemológicas podem acompanhar a revisão sobre


os processos de ensino e de aprendizagem na escola, das quais destaco: A superação da
noção de conhecimento científico como algo objetivo, baseado na separação entre
sujeito e objeto e que resulta na omissão da pessoa em relação ao que está aprendendo;
A reflexão e a produção de ideias por parte da pessoa como momentos constitutivos do
aprender, o que caracteriza a aprendizagem como processo no qual o sujeito está
implicado na tensão de sua produção singular ante a possibilidade de alimentar com
sua experiência o que aprende e de alimentar o seu mundo com aquilo que aprende
(GONZÁLEZ REY, 2008a, p. 32). As duas afirmações têm em comum o fato de chamar
atenção para a importância de considerar o posicionamento da pessoa em relação ao que
está aprendendo, ou seja, considerar o aluno sujeito de sua aprendizagem.

A categoria de sujeito que aprende, decorrente da teoria da subjetividade,


define a aprendizagem como função construtiva, ou seja, como processo de
desenvolvimento. Nessa perspectiva teórica tornam-se importantes aspectos subjetivos
do aprender que em geral têm sido pouco considerados nas práticas pedagógicas, como
o caráter singular da aprendizagem e sua compreensão como prática dialógica
(GONZÁLEZ REY, 2008a). O primeiro aspecto rompe com a ideia do ensino somente
como exposição do professor que estimula a reprodução do aprendido por parte do
aluno. O reconhecimento do caráter singular do aprender leva o professor a pensar na
abertura de espaços nos quais os estudantes participem com suas experiências e ideias
na aprendizagem. Para isso é necessário o desenvolvimento de relações que propiciem a
postura ativa e a reflexão deles em relação aos conteúdos, o que nos conduz ao segundo
22

aspecto subjetivo, a compreensão da aprendizagem como prática dialógica.

A partir da categoria de sentido de Vygotsky, González Rey (2003b) propõe


representar a aprendizagem como produção subjetiva. Isso porque a definição do
pensamento como função de sentido, apresentada por Vygotsky, conduz a considerar a
aprendizagem também em uma dimensão de sentido, o que implica o sujeito que
aprende na rota singular de sua aprendizagem. A aprendizagem sem produção de sentido
torna-se uma aprendizagem formal, descritiva, rotineira, memorística, que não implica
o sujeito que aprende (p.81). É importante destacar que o sentido subjetivo não se opõe
ao aspecto operacional da aprendizagem, mas sim acrescenta uma qualidade que não
havia sido considerada como constitutiva da aprendizagem, qual seja a subjetividade
(GONZÁLEZ REY, 2008).

A teoria da subjetividade, herdeira da psicologia histórico-cultural,


possibilita representar o ensino e a aprendizagem como processos que não estão
constituídos somente por uma dimensão cognitiva, pois aparecem integrados à
subjetividade de estudantes e professores. Configura-se como momento constitutivo
essencial desses processos, o sentido subjetivo que eles têm para o professor e alunos, a
partir da condição singular em que se encontram em suas trajetórias de vida
(GONZÁLEZ REY, 2003). O aprender nessa perspectiva

Acontece na historicidade, na emocionalidade e nos processos


simbólicos que integram a subjetividade individual e social.
Podemos, então, confirmar a idéia de que a aprendizagem não é
simplesmente uma atividade que todos realizam ao longo da vida,
pois que é realização de um sujeito, uma função sua, e acontece
no âmago da produção de sentido continuamente articulada como
uma configuração subjetiva singularizada (TACCA E
GONZÁLEZ REY, 2008, p.160).

A aprendizagem é concebida como uma realização do sujeito, na qual


constrói conhecimentos e nela se envolve integralmente, representando um modo
particular de constituir a si mesmo e de ver o mundo. Por isso é importante considerar a
dimensão subjetiva na investigação da aprendizagem escolar (LEME, 2000;
GONZÁLEZ REY, 2005; TACCA, 2006), compromisso que assumi ao investigar a
motivação para aprender e ensinar química.

A motivação na perspectiva da teoria da subjetividade é concebida como


23

fenômeno subjetivo e complexo, no qual o simbólico e o emocional participam


simultânea e recursivamente sem que um seja a causa do outro. Nesse contexto teórico,
a motivação é definida como complexa integração de sentidos subjetivos que se
organizam em torno de uma atividade ou experiência do sujeito (GONZÁLEZ REY,
2005, p. 36). A aprendizagem como realização do sujeito implica considerar os
processos motivacionais como intrínsecos a ela, pois conforme a definição de sentido
subjetivo, o motivo não poderia ser estudado como elemento isolado ou como um
momento parcial da psique comprometido com um espaço específico da atividade
(GONZÁLEZ REY, 2005, p.36). No entanto, motivação e emoção:

sempre foram consideradas como externas, extrínsecas ao processo


de aprender, o que gerou uma dicotomia cognição-afeto que
alimentou uma idéia de motivo como unidade afetiva direcionada
por um conteúdo psicológico concreto, proliferando assim,
taxonomias descritivas de motivos como unidades quantitativas
portadoras de um conteúdo concreto e suscetíveis de mensuração,
como por exemplo, motivação pelo esporte, necessidade de
reconhecimento, auto-estima etc. Esses motivos eram analisados
como unidades isoladas que atuavam influenciando as diferentes
atividades humanas (GONZÁLEZ REY, 2008a, p.34).

O envolvimento do sujeito em uma atividade, concebido como produção de


sentidos subjetivos, é inseparável de sentidos experimentados em outros espaços sociais.
Assim, o ensino e a aprendizagem estariam mediatizados pelos sentidos subjetivos
manifestados em outras esferas da vida do sujeito, como sua vida social e familiar em
um sentido geral (GONZÁLEZ REY, 2003, p. 197). Essa integração, que envolve
aspectos da história do sujeito com momentos de sua ação atual, organiza a
subjetividade em termos sistêmicos e é definida, conforme discuti anteriormente, como
configuração subjetiva.

Dessa forma, os motivos são configurações subjetivas organizadas durante a


ação, sem que essa organização se restrinja a uma simples necessidade conectada à ação
atual, pois as configurações organizadas na ação sempre envolvem as configurações
subjetivas da personalidade. Segundo González Rey (2013) essa diferença entre as
configurações subjetivas da ação e as configurações da personalidade, está apoiada no
caráter mais estável das configurações subjetivas de situações e relações que são parte
da vida do sujeito, a partir das quais se organiza sua identidade. Essa relativa
estabilidade não implica assumir a identidade como um atributo fixo da pessoa, pois as
24

configurações subjetivas que a constituem sempre representam um sistema dinâmico e


processual em relação a outras configurações.

As configurações subjetivas representam redes de sentidos subjetivos que se


manifestam em processos simbólicos e emoções essenciais para a expressão da
motivação (GONZÁLEZ REY, 2012). Assim, pesquisar a motivação requer conhecer os
sentidos subjetivos que os sujeitos atribuem à sua participação nas atividades em que
estão envolvidos (ALVES, et. al., 2012), mas sem se restringir a eles. A esse respeito,
González Rey (2009) nos diz que:

A motivação não é específica de uma atividade, é uma motivação


do sujeito, uma configuração única de sentido que participa da
produção de sentido de uma atividade concreta, mas que não é
alheia aos outros sentidos produzidos de forma simultânea em
outras esferas da vida do sujeito (p. 127).

Isso porque os sentidos subjetivos são sistemas motivacionais que permitem


investigar o envolvimento dos sujeitos nos contextos de ensino e aprendizagem não
apenas em função de seu vínculo direto neles, mas como uma produção de sentido da
qual também toma parte a constituição subjetiva da pessoa ao longo de sua história. No
entanto, é difícil abrir mão da suposta segurança de que geralmente os cursos de
ciências costumam, por si só, motivar os alunos (SIQUEIRA, 1996, p.2). A meu ver,
essa concepção reforça uma perspectiva empírica da motivação, na qual sua
investigação focalizaria somente a identificação e o relato de atividades consideradas
motivadoras por si próprias, sem a necessidade de estudar os processos motivacionais
nos sujeitos concretos. Diferentemente, na perspectiva da Teoria da Subjetividade,

(...) a motivação será o tipo de configuração subjetiva que está na


base da produção de sentidos subjetivos comprometidos com a
ação na atividade concreta de cada sujeito singular. Portanto a
motivação define-se no sujeito e pelo sujeito e não pelo tipo de
atividade. Pensar em tipos de motivação padronizada para
atividades específicas é uma reminiscência de uma psicologia sem
sujeito (GONZÁLEZ REY, 2005, p. 36)

Ao comentar que a motivação define-se no sujeito e pelo sujeito e não pelo


tipo de atividade, González Rey retira da motivação o caráter de identificação termo a
termo com o externo, para compreendê- la como expressão subjetiva. Isto não significa,
contudo, uma perspectiva mentalista que não estaria de acordo com a definição de
subjetividade que assumi neste trabalho. Pelo contrário, a motivação como expressão
25

subjetiva chama atenção para que um dos objetivos do ensino de ciências seja
justamente mobilizar o interesse dos estudantes (POZO E GÓMEZ CRESPO, 2009).
Desse modo, torna-se importante que a pesquisa em educação em ciências, direcione
esforços para entender como os professores podem implicar emocional e
intelectualmente os estudantes na aprendizagem científica (LEMKE, 2005).

O motivo, na perspectiva da subjetividade, não é um determinante


intrapsíquico, mas uma formação psíquica geradora de sentido presente em toda
atividade humana (GONZÁLEZ REY, 2003, p.247). A ideia da motivação como
formação de sentido, possibilita concebê- la na confluência de sentidos de procedências
diversas, que participam do sentido subjetivo do ensino e da aprendizagem na escola. A
motivação como configuração subjetiva, reforça a necessidade de estudar os processos
motivacionais numa perspectiva que integre diferentes espaços em que a subjetividade é
simultaneamente produzida. Isso porque o sujeito, subjetivamente constituído no curso
de sua história, desenvolve processos de subjetivação em cada uma de suas atividades
atuais e os sentidos produzidos em tais atividades constituem subjetivamente as outras,
em um processo permanente de integração, organização e mudança (GONZÁLEZ
REY, 2009, p. 127). Por isso as configurações subjetivas em que se expressam a
motivação são sempre consideradas em processo, o que supera a ideia do motivo como
conteúdo pontual que estimula, de forma direta, a realização de uma atividade concreta.

Em síntese, a Teoria da Subjetividade numa abordagem histórico-cultural


representa a motivação como produção de sentido subjetivo que se expressa em
diferentes configurações subjetivas para cada sujeito no curso de suas ações.

No tópico a seguir busco caracterizar o contexto de produção acadêmica


acerca da motivação na área de educação em ciências, que é identificado como pesquisa
sobre o domínio afetivo da educação científica. Posteriormente apresento uma revisão
de estudos brasileiros com foco na motivação em aulas de química e discuto as
pesquisas em questão.
26

1.2 - ESTUDOS SOBRE A MOTIVAÇÃO EM CONTEXTOS DE


ENSINO E APRENDIZAGEM DE QUÍMICA

Embora seja reconhecida a importância de aspectos afetivos no ensino de


ciências, é notória a pouca atenção dispensada nas pesquisas, quando comparada com a
análise de aspectos cognitivos da formação docente e do ensino na referida área (REISS,
2005; ALSOP, 2005; GOMEZ-CHACÓN, 1998). Entendo que essa assimetria está
relacionada a diferentes aspectos, dos quais destaco: 1- a natureza complexa e a
dificuldade de diagnóstico da dimensão afetiva para fins de investigação (ZEMBYLAS,
2005; KOBALLA E GLYNN, 2007); 2- a longa tradição cognitiva da pesquisa em
educação em ciências (ALSOP E WATTS, 2003); 3- o legado do pensamento cartesiano,
que opôs razão e emoção (ZEMBYLAS, 2005) e de certo modo dificultou a
investigação sobre o afeto e suas implicações nos processos de ensino e de
aprendizagem de ciências.

Esse desinteresse pode ser percebido também nos objetivos de ensino que de
modo geral são definidos para os componentes curriculares de nossas escolas (LEITE,
2006). Em tais objetivos de componentes como química, física e biologia, são
enfatizados aspectos intelectuais da aprendizagem, sem preocupação com a qualidade
das relações dos estudantes entre si e destes com o professor nas aulas. Também não são
planejadas condições para que os estudantes construam vínculos positivos com o objeto
de estudo. A formação em atitudes, por exemplo, de cooperação entre os colegas e de
interesse pela ciência, tem pouca relevância, se comparada com o ensino de conteúdos
conceituais de ciências (POZO E GÓMEZ CRESPO, 2009).

Em muitos casos, não há preocupação deliberada em contribuir para que os


estudantes se comprometam com o que estão estudando e tenham curiosidade e
interesse em aprender conteúdos científicos, bem como os de outros componentes
curriculares. Os estudantes são levados a estudar química simplesmente porque
precisam ‘passar nas avaliações’, ‘cumprir um currículo ou programa previamente
definido’, ou ainda porque ‘um dia saberão que tais conhecimentos serão úteis,
dependendo da escolha profissional que fizerem’. Para além desses aprendizados, outros
construtos importantes no desenvolvimento dos estudantes deixam de ser considerados
27

como o de levá- los a gostar de explorar seus contextos de vivências e o de desenvolver a


criatividade, a autonomia e a autoconfiança na solução de situações-problema com as
quais se deparam no dia a dia.

Nas pesquisas da área de educação em ciências, a motivação é


tradicionalmente considerada uma construção do chamado ‘domínio afetivo da
educação científica’. A esse respeito, no presente tópico meu interesse específico não é
apresentar um levantamento exaustivo, mas sim descrever as principais características
de pesquisas sobre o chamado domínio afetivo, para então discutir o enfoque dado em
relação ao estudo da motivação. Para isso, recorro principalmente aos trabalhos de
Simpson et al. (1994) que realizaram um levantamento de pesquisas sobre o domínio
afetivo, Pintrich et al. (1993) que propuseram a inclusão de aspectos afetivos em um
modelo de aprendizagem do aluno e Pintrich e Schunk (2006) que apresentaram
aspectos teóricos relacionados ao estudo da motivação. Analiso também trabalhos
empíricos que ilustram a abordagem da motivação na perspectiva da pesquisa sobre o
domínio afetivo da educação científica.

Pesquisas sobre o domínio afetivo partem do consenso de que as ações dos


estudantes são influenciadas pelos valores que possuem, sua motivação, as crenças que
eles trazem de casa para a sala de aula e a miríade de atitudes formuladas por eles
sobre a escola, a ciência e a vida em geral (SIMPSON et al., 1994, p. 211). As
pesquisas costumam incluir inúmeras construções, tais como atitudes, motivação,
valores, interesses e crenças. Dentre as categorias citadas, atitude e motivação tendem a
ser enfatizadas na pesquisa sobre o ensino de ciências, sendo considerados segundo
Koballa e Glynn (2007) os construtos mais importantes na linha de investigação sobre o
domínio afetivo.

A esse respeito, Simpson et al. (1994), revisaram a pesquisa sobre o domínio


afetivo da educação científica e, apesar de levarem em conta diferentes construções
teóricas, concentraram sua análise na atitude, definida como uma predisposição para
reagir positiva ou negativamente às coisas, pessoas, lugares ou idéias (SIMPSON, et
al., 1994. p. 212). As atitudes em relação à ciência referem-se especificamente ao fato
de uma pessoa gostar ou não de ciências, se reage positiva ou negativamente em relação
ao conhecimento científico. Ao comparar os termos atitude e motivação, a respeito de
seus principais componentes, os referidos autores afirmaram que a motivação tem como
28

principal componente o comportamento, enquanto as atitudes apresentam o afeto, a


cognição e o comportamento em sua composição. Entretanto, apesar de considerarem
diferentes dimensões do conceito de atitude, a análise empreendida por Simpson e seus
colaboradores destaca, em geral, o comportamento e a cognição (SANTOS E
MORTIMER, 2003).

Em comparação com as atitudes, a motivação não foi estudada com tanta


frequência na área de educação em ciências (KOBALLA, 2012). Segundo Pintrich et al.
(1993) tem havido pouca pesquisa ou desenvolvimento da teoria que tenta vincular
motivação e cognição. Pintrich et al. analisaram relações entre componentes
motivacionais e a cognição do estudante a partir do modelo de mudança conceitual
descrito por Posner et al. (1982). O trabalho de Pintrich et al. (1993) traz importante
contribuição para a área de ensino de ciências ao argumentar que fatores não cognitivos,
especificamente as crenças motivacionais, podem influenciar a aprendizagem das
ciências, sendo necessário considerá- los na investigação sobre o envolvimento cognitivo
dos estudantes durante as aulas.

O modelo de mudança conceitual baseado numa concepção de


aprendizagem como cognição fria e isolada (PINTRICH et al., 1993. p. 167) não
descreveria adequadamente a aprendizagem em contexto de sala de aula. Ao recorrer
somente a fatores cognitivos, o modelo de mudança conceitual não explicaria, por
exemplo, por que estudantes que possuem o conhecimento prévio requisitado, não
mobilizam esse conhecimento quando realizam diversas atividades na escola e fora dela
(PINTRICH et al., 1993).

A crítica de Pintrich et al. (1993) ao modelo de mudança conceitual levantou


uma série de questões, dentre as quais destaco: a) A metáfora da ecologia conceitual,
utilizada para se referir aos vários tipos de conhecimentos importantes para o estudante
na acomodação de novas idéias, não leva em conta que, ao contrário dos ecossistemas,
os estudantes tem objetivos e crenças, o que sugere um papel das crenças motivacionais
na aprendizagem; b) As condições básicas descritas para que a mudança conceitual
ocorra pressupõem um processo racional que ignora a influência dos construtos
motivacionais sobre o atendimento a tais condições. No modelo de mudança conceitual
os estudantes estariam voltados somente para a meta de atribuir sentido às informações
e relacioná- las com seus conhecimentos anteriores. Em oposição a essa perspectiva,
29

Pintrich et al. (1993) descreveram

(...) construtos motivacionais tais como orientação para a meta,


valores, crenças de eficácia e crenças de controle, que podem servir
como mediadores desse processo de mudança conceitual e são
prováveis candidatos para a pesquisa sobre como os processos de
assimilação e acomodação podem operar em conjunto com a
motivação dos alunos no ensino para a mudança conceitual (p.192).

Partindo da perspectiva Piagetiana na qual o afeto estaria relacionado a


energização da ação, Pintrich e seus colaboradores assumiram que diferentes processos
cognitivos podem ser influenciados pelas crenças motivacionais dos estudantes. Essas
construções motivacionais advêm de uma perspectiva social cognitiva da motivação que
destaca o papel que as crenças dos alunos e interpretações de eventos reais
desempenham na dinâmica motivacional (PINTRICH et al., 1993). Os referidos autores
organizaram os componentes motivacionais em torno de dois fatores: (1) um
componente de valor que diz respeito às crenças motivacionais dos estudantes acerca de
suas razões para escolha de uma atividade e inclui construtos de orientação para a meta,
interesse e importância da atividade; (2) um componente de expectativa que diz respeito
às crenças motivacionais dos estudantes sobre sua capacidade de realizar uma atividade
e inclui construtos de auto-eficácia, atribuições e crenças de controle.

Pintrich e Schunk (2006) definiram a motivação como processo que nos


dirige para o objetivo ou meta, que instiga e mantém nossa atividade. Tal processo pode
ser investigado a partir de determinados comportamentos como a escolha entre
atividades distintas, o esforço, a persistência e a expressão dos sujeitos.

De modo geral, a pesquisa sobre o domínio afetivo no que diz respeito à


motivação, se propõe a investigar por que os estudantes se esforçam para determinados
objetivos na aprendizagem, com que intensidade eles se esforçam e que emoções podem
caracterizá-los neste processo (KOBALLA E GLYNN, 2007, p. 85). A essa linha de
pesquisas, acrescento a importância de investigar a motivação do professor de ciências,
tendo em vista que ela integra suas decisões, reflexões e produções (GONZÁLEZ REY,
2012) e afeta a motivação do aluno (GUIMARÃES E BORUCHOVITCH, 2010).
Entretanto, apesar da relevância desta temática, ainda são poucas as pesquisas voltadas
para a motivação do professor no contexto de sua prática de ensino (MOREIRA, 1997).
30

O trabalho de Glynn e Koballa (2006) discute a teoria motivacional e aponta


como principais construções motivacionais analisadas por pesquisadores da área de
ensino de ciências, a motivação intrínseca e extrínseca, orientação para a meta,
autodeterminação, auto-eficácia, e ansiedade principalmente ante situações de
avaliação.

Zusho, Pintrich e Coppola (2003), por exemplo, investigaram o papel de


determinados componentes motivacionais e sua relação com a aprendizagem dos alunos
em cursos universitários de química. A análise considerou quatro componentes
motivacionais. Primeiro, as crenças de auto - eficácia, definidas como julgamentos dos
alunos acerca de sua capacidade para executar uma tarefa. Segundo, as crenças dos
alunos acerca do valor da tarefa, que se referem à crença sobre a importância e utilidade
do conteúdo de um curso, neste caso de química. Terceiro, as orientações para a meta,
componente motivacional dentro do qual as metas são definidas como representações
cognitivas dos distintos propósitos que os alunos podem adotar em diferentes situações
de realização acadêmica (PINTRICH, MARX E BOYLE, 1993, p. 176).

Os resultados do estudo indicaram que ao longo de um semestre, as crenças


de auto - eficácia dos estudantes diminuíram, notadamente entre aqueles com fraco
desempenho acadêmico. Outros estudantes com melhor desempenho relataram maiores
níveis de auto - eficácia no fim do semestre, em comparação com o início do curso.
Esses resultados sugerem que é importante manter os níveis de auto - eficácia ao longo
do tempo. Além disso, diminuiu também a crença entre os alunos, de que o
conhecimento químico era útil ou importante para eles. Em síntese, foi observada uma
tendência geral de diminuição da motivação, em consonância com o que tem sido
relatado na literatura da área de educação em ciências (p. ex. CANNON Jr. E
SIMPSON, 1985; ZUSHO, PINTRICH E COPPOLA, 2003; REISS, 2005), que aponta
que, de modo geral, a motivação diminui na medida em que os estudantes avançam ao
longo de sua escolarização.

Adicionalmente, Bonney et al. (2005) discutiram a relação das crenças


motivacionais com a realização acadêmica dos estudantes. Os autores partem da ideia
de que a motivação é um fenômeno que apresenta grande número de variáveis. Ela pode
influenciar o desempenho acadêmico dos estudantes a partir de duas perspectivas –
mediacional e moderadora. Na primeira perspectiva, as crenças motivacionais atuariam
31

como mediadoras da relação entre determinadas estratégias de ensino e a realização.


Nessa visão, as crenças dos estudantes são influenciadas por diferentes atividades de
ensino e essas crenças, por sua vez, teriam repercussão positiva na realização dos
estudantes. Um exemplo seria a participação em atividades investigativas, que poderia
aumentar o interesse dos estudantes pela ciência, o que, em última instância, resultaria
em maiores níveis de realização acadêmica.

Na segunda perspectiva, as crenças motivacionais são representadas como


moderadoras dos efeitos do ensino. Nessa vertente, considera-se que as crenças
motivacionais interagem com as atividades de ensino, influenciando a realização
acadêmica dos estudantes. Métodos de ensino de ciências que desafiem os estudantes
seriam mais benéficos para aqueles que gostam e valorizam a ciência, em comparação
com estudantes que dão pouco valor às atividades científicas.

Em relação ao contexto brasileiro, no que diz respeito à produção acadêmica


sobre a motivação em aulas de química, inicialmente realizei uma busca exploratória
nos artigos da revista Química Nova na escola (QNesc), tendo em vista sua importância
para a divulgação da pesquisa na área de ensino de química no país (SCHNETZLER,
2004). Para essa busca inicial utilizei os termos “motivação” e “motiva”, na ferramenta
de pesquisa do site da revista e não encontrei nenhum trabalho que tivesse a motivação
como objeto específico de estudo.

Em seguida, com o objetivo de ampliar a busca realizei uma consulta ao


Google acadêmico, pelo fato de ser um portal de acesso livre que reúne periódicos,
anais de eventos, bases de informações de universidades e outras bases de dados como
Scielo, por exemplo. Efetuei a consulta da produção do período de 2000 a 2013,
utilizando simultaneamente os termos “motivação” e “aulas de química”, com os quais
obtive 739 resultados. Efetuei a leitura do resumo dos trabalhos, identificando aqueles
que dentre seus objetivos focalizavam aspectos relativos à motivação em aulas de
química. Quando a leitura do resumo não fornecia informações suficientes para
identificar os objetivos do trabalho, realizei também a leitura do texto completo. De
acordo com o critério que estabeleci, selecionei 10 trabalhos para revisão: Cardoso e
Colinvaux, (2000); Dutra et al., (2012); Lovate e Vogel, (2012); Marangoni et al.,
(2013); Ribeiro, Fonseca e Silva, (2003); Wanderley et al., (2005); Freitas e Correa,
(2008); Santos et al., (2013); Correa (2009); Kasseboehmer et al. (2012).
32

Cardoso e Colinvaux (2000) apresentaram um estudo exploratório a fim de


investigar os fatores que motivam os alunos para o estudo da química. Aplicaram um
questionário a 157 sujeitos, divididos entre estudantes da 8ª série do ensino fundamental
e do 3° ano do ensino médio. Entre os resultados obtidos, 72% dos alunos afirmaram
gostar de estudar química enquanto 25% disseram não gostar da referida disciplina.

Nas justificativas do primeiro grupo de alunos apareceram elementos que


despertaram seu interesse para o estudo da química, tais como o conhecimento sobre
substâncias e fenômenos da natureza e do cotidiano. Outro fator apresentado foi a
consideração da química como conhecimento fundamental para a vida e como disciplina
escolar, em que predominam o raciocínio e a compreensão em detrimento da
memorização. O gostar de estudar química apareceu também relacionado ao assunto
estudado, à percepção de sua facilidade e à utilização de aulas práticas. A afinidade com
o professor e o aprofundamento dos conteúdos também foram citados, além da utilidade
do conhecimento químico para a vida profissional futura (CARDOSO E COLINVAUX,
2000).

No segundo grupo de alunos, constituído pelos 25% que disseram não


gostar de estudar química, as justificativas apresentadas envolveram a percepção da
química como disciplina ensinada de modo confuso e superficial, com excessiva
quantidade de assuntos sem utilidade para a futura profissão. Parte dos estudantes
justificou o desinteresse pela química, argumentando já possuir conhecimento suficiente
e que quando sentia necessidade, preferia recorrer a revistas especializadas. Outros
estudantes, apesar de reconhecerem a importância e utilidade do conhecimento químico,
associaram a falta de motivação para o estudo à dificuldade no entendimento dos
conteúdos e à utilização, durante as aulas, de conteúdos de disciplinas como matemática
e física (CARDOSO E COLIVAUX, 2000). A partir desses resultados os autores
argumentaram que a consideração dos fatores motivacionais e das ideias prévias dos
estudantes, pode contribuir para melhoria do ensino de química, ampliando a
capacidade dos alunos em relacionar o conhecimento químico escolar com aspectos de
sua vida pessoal e profissional.

Em estudo semelhante, Dutra et al. (2012), investigaram as causas da


desmotivação no estudo da química (p.1), a partir das percepções de estudantes do
ensino médio. O estudo foi desenvolvido por meio da aplicação de um questionário para
33

120 sujeitos e os resultados apontaram que 41% deles não se sentiam motivados para o
estudo da referida disciplina. Dentre as justificativas apresentadas pelos estudantes para
a desmotivação, apareceu a percepção de que a química apresenta grande quantidade de
conteúdos de difícil assimilação e sem relação com suas expectativas profissionais. A
pouca diversificação das atividades desenvolvidas em aula e a baixa utilização de
experimentos também foram associados à desmotivação para estudar química. A partir
de tais resultados, os autores destacaram a importância de analisar as práticas docentes,
tendo em vista a utilização de estratégias que favoreçam a motivação e a aprendizagem
significativa da química.

Na mesma direção Lovate e Vogel (2012) investigaram quais são os


processos que motivam o aluno (p.1) nas aulas de química, a partir da utilização de um
questionário junto a 84 estudantes do 3° ano do ensino médio de escolas públicas e
privadas. O foco do questionário incidiu sobre o que motivava os estudantes durante as
aulas e os resultados mostraram que dentre os estudantes de escolas públicas, predomina
a motivação através da explicação do professor (46%). Os estudantes de escolas
privadas apontaram as aulas práticas como principal situação motivadora (23%), e
citaram ainda os desafios (12%) e a descontração nas aulas (23%). Os autores
concluíram que a motivação para a construção de conceitos em química depende de
fatores diversos. Esses fatores apareceram em maior número entre os estudantes de
escolas da rede privada, o que levou os autores a concluir que nessas escolas os
estudantes têm mais elementos que os motivam para a aprendizagem da química,
principalmente em função dos espaços diferenciados para o ensino.

O perfil motivacional dos alunos do 1° ano do ensino médio para o estudo


da química foi investigado por Marangoni et al. (2013) com base na teoria da
autodeterminação. A motivação nessa perspectiva é apresentada em um continuum que
vai da motivação extrínseca à motivação intrínseca com diferentes graus de regulação
do comportamento humano: amotivação; motivação extrínseca, subdividida nos níveis
de regulação externa, regulação introjetada, regulação identificada e regulação
integrada; motivação intrínseca. Sobre esses diferentes graus de motivação, Marangoni
et al. (2013) explicam que:

(...) a amotivação tem por característica a ausência total de


interesse, de motivação. A regulação externa na qual os educandos
34

somente se manifestam mediante controles externos, sejam


positivos - como recompensas - ou negativos, como punições.
Outra forma de regulação determinada é a regulação introjetada em
que os alunos executam as tarefas por pressões internas como a
culpa. A Regulação Identificada baseia-se na consideração da
importância pessoal. Outro nível é a Regulação Integrada na qual já
possui um caráter autônomo. Tal regulação está muito próxima à
intrínseca que, embora tenha algo externo, o discente faz por ser
importante a ser cumprido (p. 2).

Participaram da pesquisa oito turmas de 1° ano do ensino médio de uma


escola pública, sendo 139 estudantes do período diurno e 53 do período noturno. Para a
coleta de dados foi utilizado um questionário e uma escala do tipo Likert, na qual os
níveis de motivação podiam variar de 3 a 12 pontos.

Os resultados demonstraram que, em geral, o grau de amotivação dos


estudantes em relação à química é baixo. Sobre a regulação externa, 13% dos estudantes
do noturno receberam a maior pontuação segundo a escala Likert, enquanto apenas 3%
dos alunos do diurno apresentam a pontuação máxima. Tais resultados mostram a baixa
incidência da motivação extrínseca nos alunos dos dois turnos. Quanto à regulação
introjetada, 67% dos alunos do período diurno obtiveram pontuações na escala Likert
entre 7 e 8, enquanto 43% dos alunos do período noturno obtiveram tal pontuação. Isso
significa que as pressões internas são mais importantes para a execução de atividades no
período diurno. Quanto à regulação identificada, 70% dos estudantes demonstram
acreditar na importância da química para alcançar um objetivo futuro como conseguir
um diploma, por exemplo. Os valores atribuídos à regulação integrada também são
significativos, com valores médios entre 7 e 9 para os estudantes dos dois períodos. Por
fim, os resultados apontaram que os estudantes do período diurno e noturno obtiveram
valores intermediários, entre 7 e 8 e entre 5 a 8, respectivamente, quanto ao nível de
motivação intrínseca.

Os autores concluíram que os estudantes dos dois períodos apresentam


perfis motivacionais distintos. Os estudantes do diurno apresentam-se mais motivados,
contudo, o grau de amotivação dos estudantes dos dois turnos é relativamente baixo. Os
valores significativos obtidos nos graus de regulação integrada e motivação intrínseca
demonstraram, segundo os autores, a possibilidade de motivar os estudantes em uma
atividade em função da aprendizagem ou da satisfação envolvida em sua realização.
35

Ribeiro, Fonseca e Silva (2003) buscaram comprovar se a aula prática pode


ser um fator motivador para estudar química (p.1), partindo da ideia de que a
experimentação contribui para despertar o interesse pelo conhecimento científico. A
pesquisa foi desenvolvida a partir da utilização de um questionário com 58 estudantes
do 3º ano do ensino médio e os dados foram analisados por meio de tratamento
estatístico com o auxílio do programa “SSPS 10.0 for Windows”. Os resultados
apontam que, de modo geral, os estudantes afirmam gostar de química, sendo 59,1% de
escolas públicas e 90,5% de escolas particulares. Os motivos mais citados pelos
estudantes foram o professor e a ocorrência de aulas que eles julgaram interessantes.
Além disso, todos os estudantes afirmaram que as aulas práticas ajudam na
compreensão do conteúdo químico.

Segundo os autores, o maior percentual de estudantes de escolas particulares


que afirmam gostar de estudar química, pode estar relacionado à sua participação em
aulas práticas, que ocorreriam com menor frequência nas escolas da rede pública
(RIBEIRO, FONSECA E SILVA, 2003). Os autores concluíram que as aulas práticas
podem contribuir para a aprendizagem do conteúdo químico, pois entendem que elas
são um fator motivador para a aprendizagem de química. Para isso julgam necessário
que o professor tenha formação adequada para desenvolver aulas práticas e possua
condições mínimas para realizá- las.

Wanderley et al. (2005) revisaram a produção sobre materiais alternativos


para o ensino de química a fim de subsidiar a elaboração de recursos didáticos que
melhorassem a percepção e a motivação de estudantes sobre a química. Os referidos
autores argumentaram que as pesquisas da área de ensino de química que discutem a
inclusão de meios alternativos para o ensino, tendem a não explicitar preocupação com
a percepção dos estudantes sobre a química e a ciência de um modo geral, nem (...) com
as motivações e interesses dos estudantes para a aprendizagem de conceitos científicos
(WANDERLEY et al., 2005, p. 2). Os materiais produzidos acabam, em geral, sendo
pensados somente em termos de sua utilização pelo professor, desconsiderando a
motivação dos estudantes e contribuindo para desestimular os alunos para a
aprendizagem. Os autores concluíram que é necessário produzir materiais alternativos
que abordem os conteúdos químicos de diferentes maneiras para motivar o aluno a
gostar da disciplina (p.2).
36

Acerca da influência de novas estratégias na promoção da motivação para a


aprendizagem de química, o trabalho de Freitas e Correa (2008) focalizou
especificamente o uso de uma rede social, buscando verificar como as interações entre
professor e alunos e dos alunos entre si, a partir de uma comunidade virtual, podem
favorecer a motivação nos alunos. Participaram da pesquisa 45 estudantes do 2° ano do
ensino médio, de uma escola da rede pública de ensino.

Os autores concluíram que o uso de atividades diversificadas, tais como a


interação em comunidades virtuais, contribuiu para que os estudantes encontrem maior
motivação nas aulas, porque foi além da aprendizagem baseada na memorização de
conteúdos restritos aos livros didáticos. Outro aspecto destacado foi que o envolvimento
nas atividades virtuais gerou melhor rendimento acadêmico e o desenvolvimento de
habilidades colaborativas nas aulas presenciais.

Santos et al. (2013) buscaram identificar dificuldades e motivações para a


aprendizagem de química apresentadas por estudantes do ensino médio após sua
participação em oficinas temáticas. Para isso foram aplicados questionários com 95
estudantes do 1° ano do ensino médio de três escolas públicas e as respostas foram
analisadas utilizando-se a análise de conteúdo. Santos et al. (2003) definiram que as
oficinas temáticas envolvem um conjunto de ações que partem de temas químicos
sociais como instrumentos para a construção do conhecimento químico (...). E são
construídas em torno da solução de um problema dentro do contexto social vivenciado
pelos alunos (...) (p.2). Os autores argumentam que o uso de diferentes estratégias,
como experimentos, jogos e exibição de vídeos, favorecem a motivação e a participação
dos estudantes durante as oficinas temáticas.

Os resultados do estudo apontaram que 84,8% dos participantes das oficinas


diziam estar motivados para aprender química (SANTOS et al., 2013). Segundo os
autores, no âmbito das oficinas os estudantes sentiam-se mais motivados durante a
realização de aulas práticas em que houvesse a interação entre eles e o professor. Os
autores concluem que a participação em oficinas temáticas de caráter contextualizado,
associada a atividades experimentais e outras estratégias de ensino, contribuem para
despertar o interesse dos alunos em estudar e aprender química (SANTOS et al., 2013,
p.6).
37

O trabalho de Corrêa (2009) identificou orientações motivacionais de


estudantes do ensino médio e analisou como estudantes que apresentam diferentes
padrões motivacionais envolvem-se e engajam-se durante a abordagem de conteúdos
químicos, realizada com diferentes recursos didáticos.

Os resultados mostraram que as atividades e recursos utilizados no curso,


como leitura e discussão de textos, filmes e atividades práticas, de modo geral, foram
consideradas interessantes pelos estudantes. No momento em que giz e lousa foram
utilizados para a realização de uma abordagem tradicional de conteúdos (CORRÊA,
2009, p. 112) a tendência predominante nas respostas dos estudantes indicava menor
interesse pela atividade. Contudo, a diminuição do interesse nos momentos de cópia e
explicação dos conteúdos no quadro estava associada aos estudantes que apresentavam
orientação motivacional extrínseca (CORRÊA, 2009).

A autora concluiu que a análise da influência de determinados recursos


didáticos na motivação dos estudantes deve considerar que as características deles, tais
como expectativas, metas e autoestima, irão influenciar na execução de uma atividade.
Dessa forma, a motivação está diretamente relacionada a fatores contextuais e a
características dos estudantes.

A exemplo do texto de Corrêa, o trabalho de Kasseboehmer, Guzzi e


Ferreira (2012) focalizou a influência de atividades e recursos didáticos na motivação
dos estudantes. Eles investigaram a orientação motivacional de um grupo de estudantes
participantes de atividades investigativas, avaliando de que forma o ambiente escolar
influenciava essa orientação. Os autores afirmam que as atividades investigativas em
que um problema é apresentado aos estudantes, quando eles são convidados a elaborar
sugestões de estratégias para sua solução, apresentam elementos que viabilizam sua
utilização no contexto escolar como estratégia didática motivadora
(KASSEBOEHMER, GUZZI E FERREIRA, 2012). Em relação à motivação, os
referidos autores comentam que para que os alunos estudem motivados são necessárias
intervenções em duas direções:

(...) fazer o estudante acreditar na sua própria capacidade de êxito e


ensinar modos de pensar que os levem a enfrentar as tarefas
escolares para aprender, que busquem estratégias para superar as
dificuldades, aprendendo com os erros e construindo
38

representações que os façam perceber seu progresso para que se


mantenham motivados (KASSEBOEHMER, GUZZI E
FERREIRA, 2012, p.2).

Kasseboehmer, Guzzi e Ferreira (2012) investigaram a motivação com base


na teoria da autodeterminação, tendo em vista o estudo dos componentes da motivação
intrínseca e extrínseca e dos fatores que concorrem em sua promoção. A pesquisa foi
realizada ao longo de atividades investigativas das quais participaram duas turmas do 1°
ano do ensino médio. Os instrumentos de coleta de dados consistiram na aplicação de
questionários aos estudantes e na realização de entrevistas com estudantes e professor.

Os autores observaram progressiva diminuição da participação dos


estudantes, a partir do esclarecimento de que a entrega das atividades não estava ligada
à obtenção de pontos. Os resultados apontaram que na primeira investigação
participaram 66% dos estudantes das duas turmas, enquanto na última atividade houve a
participação efetiva de 32% dos estudantes de uma das turmas e 20% dos estudantes da
segunda turma (KASSEBOEHMER, GUZZI E FERREIRA, 2012, p.2). Os estudantes
apresentaram inicialmente um perfil motivacional extrínseco, com baixo interesse em
participar das atividades. Os referidos autores concluíram que em um ambiente escolar
em que predomina a motivação extrínseca, torna-se fundamental além de uma
metodologia considerada estimulante, incentivar o estudo pela satisfação de aprender.
Para isso, os autores julgam necessário superar o modelo tradicional de ensino centrado
no emprego de recompensas para aumentar a motivação dos estudantes.

1.2.1 Discussão sobre os trabalhos apresentados

Apesar de reconhecerem a importância de aspectos motivacionais nos


processos de ensino e aprendizagem, o quadro geral das pesquisas sobre o domínio
afetivo aponta que a tendência é a investigação sobre como tais aspectos influenciam o
comportamento e a cognição dos estudantes, o que implica no tratamento da relação
afeto-cognição de forma dicotômica. A esse respeito, Koballa (2012) aponta que uma
das principais limitações da pesquisa sobre o domínio afetivo é a definição de muitas
variáveis afetivas vistas como complementos para a investigação de aspectos cognitivos
39

da aprendizagem. Disso resulta que, em geral, o afetivo acaba subordinado ao cognitivo


na análise da motivação. Em minha opinião, essa subordinação do afetivo explica
também o fato de que, apesar de ser considerada relevante, a motivação para ensinar e
aprender química não tem sido objeto de estudo frequente e sistemático na área de
ensino de química.

A posição teórica que assumo neste trabalho é que a investigação da


motivação em aulas de química requer o reconhecimento de que afetividade e cognição
se constituem mutuamente. Considerando o sujeito em sua condição integral, entendo
que a dimensão afetiva não é um simples catalisador, mas uma condição necessária
para que a aprendizagem ocorra (PERRIER & NSENGIYUMVA, 2003, p. 1.124), de
modo que os aspectos motivacionais não podem ser vistos apenas como influências
externas ao ensino e à aprendizagem.

Nessa perspectiva, entendo que a categoria de sentido subjetivo ajuda a


superar a dicotomia entre o afetivo e o cognitivo, pois ele é composto de processos
simbólicos e emoções, representando a motivação humana como expressão da
subjetividade. Além disso, a motivação como configuração permite considerar que
aspectos de esferas distintas da vida do sujeito podem integrar a constituição subjetiva
de qualquer atividade sua, como o ensino e a aprendizagem na escola, o que se
apresenta como alternativa à representação do motivo somente em termos de variáveis.

Outro aspecto que considero importante é que a motivação nas pesquisas


sobre o domínio afetivo, nem sempre é pensada como processo histórico-cultural, como
produção subjetiva do sujeito historicamente situado. Além disso, a respeito da menção
a tipos de motivação intrínseca ou extrínseca, assumo, a partir da teoria da
subjetividade, que ambos os tipos de motivação, são uma construção do sujeito, tendo
em vista que as recompensas, as pressões, etc., não atuam como determinantes externos
dos motivos, mas sim como possíveis elementos de sentido de uma configuração
subjetiva do sujeito.

Nas pesquisas sobre o domínio afetivo, comportamentos como esforço,


persistência e escolha de uma tarefa, são considerados como indicadores tradicionais a
partir dos quais se pode inferir a motivação dos sujeitos (PINTRICH E SCHUNK,
2003). A meu ver, tais comportamentos trazem informações importantes sobre a
40

motivação, contudo, como configuração de sentido subjetivo, o motivo não pode ser
simplesmente identificado de forma pontual com um comportamento concreto. Todo
comportamento do sujeito passa a ser compreendido no contexto de produção de sentido
subjetivo, que considera a pessoa e o contexto da subjetividade social em que
desenvolve suas atividades.

Em relação aos estudos brasileiros, o número de trabalhos que selecionei


para revisão dentro do critério estabelecido, indica que em nosso país ainda é reduzida a
produção acadêmica sobre a motivação na área de ensino de química. Os trabalhos que
revisei podem ser reunidos, de acordo com o enfoque dado à motivação, em dois
grupos:

a) O primeiro grupo de trabalhos focaliza fatores que motivariam os


estudantes nas aulas de química, como por exemplo, o conhecimento sobre substâncias
e fenômenos, a explicação do professor e a afinidade com ele, a descontração nas aulas,
o recebimento de pontos e a obtenção de um diploma no futuro (CARDOSO E
COLINVAUX, 2000; DUTRA ET AL., 2012; LOVATE E VOGEL, 2012;
MARANGONI ET AL., 2013).

b) O segundo grupo de trabalhos focaliza a influência de determinadas


atividades e recursos didáticos na motivação dos estudantes para a aprendizagem de
química, tais como aulas práticas, comunidades virtuais, oficinas temáticas e uso de
quadrinhos (RIBEIRO, FONSECA E SILVA, 2003; WANDERLEY ET AL., 2005;
FREITAS E CORREA, 2008; SANTOS ET AL., 2013; CORREA (2009);
KASSEBOEHMER ET AL., 2012).

Nesses trabalhos aparece implícita ou explicitamente a ideia da motivação


como resposta a um conteúdo externo ou como elemento que incentiva a realização de
uma determinada atividade. Embora as pesquisas apresentem resultados importantes por
levantarem diferentes aspectos que intervém na motivação em aulas de química, a meu
ver, elas não possibilitam discutir a motivação em sua complexidade e caráter subjetivo.

Concordo que no âmbito da educação escolar existe uma diversidade de


proposições pedagógicas e atividades que podem contribuir para mobilizar e
potencializar processos motivacionais nas aulas: projetos de investigação, excursões
41

exploratórias, trabalhos em grupo, jogos didático-pedagógicos, pesquisas na internet e


em bibliotecas, dentre outras atividades, nas quais os estudantes podem sentir-se
estimulados a escolher temáticas, apresentar e debater opiniões divergentes e a propor
possíveis caminhos para a resolução de problemas em investigação.

Entendo que tais estratégias são fundamentais para promover o


envolvimento nas aulas, mas não garantem por si só que a motivação seja atingida. Isso
seria desconsiderar o sujeito que está em constante movimento de construção de sua
subjetividade e que produz sentido subjetivo sobre as atividades em que está envolvido.
A esse respeito González Rey (2003) nos diz que as atividades não têm por detrás
motivos universais que atuam como sua causa, os próprios motivos se organizam de
forma única no contexto de uma atividade, fazendo parte de um processo de produção
de sentido que tem caráter plurimotivado (p. 247). Trata-se, portanto de reconhecer nos
processos de ensino e de aprendizagem, incluindo-se aí as estratégias pedagógicas e
materiais utilizados, o sujeito que aprende.

Moraes et al., (2007) ao discutirem sobre a aprendizagem do conhecimento


químico, apresentam uma posição que a meu ver é bastante relevante e profícua para o
estudo da motivação para aprender e ensinar química:

A motivação não está na atividade propriamente dita. O interesse


está no aluno e saber aproveitar o que os aprendizes valorizam para
iniciar as atividades é forte possibilidade de seu envolvimento.
Esse interesse também é desafiado e reconstruído ao longo do
processo. Partir dos interesses dos alunos, entretanto, não implica
estacionar neles (p. 206 – 207).

Moraes e seus colaboradores se aproximam da ideia da motivação como


produção do sujeito, entendido como histórico-cultural e dotado de subjetividade
individual e social. Essa produção precisa ser potencializada e reconstruída durante as
aulas, inclusive para além dos interesses iniciais dos participantes, no que aparece o
caráter processual e dinâmico da motivação para aprender e ensinar química. O referido
autor chama atenção para o fato de que a motivação aparece desde o início das
atividades em aula, mas que não é simplesmente determinada por elas, tendo em vista
que a motivação não está na atividade propriamente dita. Eu acrescentaria que a
motivação não é o resultado da ação direta do uso de uma atividade, mas sim de uma
produção subjetiva em constante comprometimento com a história do sujeito e sua ação
42

atual.

Valverde e Chavarria (2000) também defendem o caráter processual da


motivação, que estaria imbricada com todas as relações dinâmicas que surgem desde o
momento em que se estabelecem vínculos entre o escolar e o social, posto que os
aspectos específicos da motivação se desenvolvem em formações histórico-sociais
concretas (VALVERDE e CHAVARRIA, 2000). Eles também avançam em relação à
representação teórica da motivação ao argumentarem que ela não se restringe à
atividade e ao que acontece nas aulas e criticam o entendimento da motivação como
técnica ou procedimento de ensino, a ser utilizado somente no início de cada atividade
escolar.

Apesar da relevância e interesse sobre o tema da motivação na área de


ensino de ciências, é possível dizer que ainda conhecemos pouco sobre os processos
motivacionais para aprender e ensinar química. A articulação de aspectos sociais e
individuais, afetivos e cognitivos, sem que um se reduza no outro, ou seja, como sentido
subjetivo, apresenta-se como um desafio teórico (MADEIRA-COELHO, 2012, p.113)
para a compreensão da motivação em contextos de ensino e de aprendizagem e mais
particularmente do ensino e aprendizagem de química.

O estudo da motivação nos processos de ensino e aprendizagem de química,


em nosso meio, poderá ser beneficiado por um novo enfoque que trata a motivação
como produção subjetiva e histórica, ao abordar de forma integrada o simbólico e o
emocional. Assim, defendo a tese de que a motivação em aulas de química é
constituída pela integração de sentidos subjetivos produzidos no curso do ensino e
da aprendizagem e na história dos estudantes e do professor, na escola e em outros
contextos.

O objetivo geral do presente estudo é investigar a produção de sentido


subjetivo em aulas de química, focalizando em que termos esses processos constituem a
motivação para aprender e ensinar química. Apresento como objetivos específicos:

• Conhecer elementos da subjetividade do professor que possam explicar sua


motivação para aprender e ensinar química.
• Compreender em que termos se configuram sentidos subjetivos do professor que
43

constituem sua motivação para aprender e ensinar química.


• Conhecer elementos da subjetividade dos estudantes que possam explicar sua
motivação para aprender química.
• Compreender em que termos se configuram sentidos subjetivos dos estudantes
que constituem sua motivação para aprender química.

A fim de construir uma abordagem teórico- metodológica específica,


congruente com meu objeto de estudo, apresento na próxima seção os princípios da
Epistemologia Qualitativa, propostos por González Rey (2002, 2005). Em seguida,
descrevo o contexto em que foi realizada a pesquisa, os instrumentos utilizados e o
processo de análise das informações.
44

2. MÉTODO DA PESQUISA

O que está proposto na teoria da subjetividade são canais


interpretativos, que não ambicionam enquadrar o sujeito em uma
categoria teórica explicativa, mas apreender a sua singularidade e
gerar um modelo de inteligibilidade que permita definir, através
dela, os elementos relevantes para o problema estudado. A
subjetividade é o alvo interpretativo, e o pesquisador se dispõe a
compreender a realidade subjetiva que tem diante de si, na intensa
tarefa de articular os sentidos que aparecem produzidos (TACCA E
GONZÁLEZ REY, 2008).

A subjetividade como produção simbólico - emocional da experiência, é um


objeto de estudo complexo e histórico, porque seus elementos estão implicados
simultaneamente em diferentes processos constitutivos do todo, os quais mudam em
face do contexto em que se expressa o sujeito concreto (GONZÁLEZ REY, 2002; p.
51). Como forma de satisfazer as exigências inerentes ao estudo deste objeto, González
Rey propôs uma análise da subjetividade denominada de epistemologia qualitativa. Ele
considera que o objeto de pesquisa das ciências sociais e humanas tem natureza
diferenciada, por tratar-se de um sujeito interativo, motivado e intencional, que adota
uma posição em face das tarefas que enfrenta (GONZÁLEZ REY, 2002; p. 53). Com
isso, o processo de conhecimento vai além do instrumental utilizado porque se baseia na
interação e posicionamento dos sujeitos envolvidos na pesquisa.

Segundo González Rey (2002), a distinção entre a pesquisa qualitativa e a


pesquisa tradicional é epistemológica e teórica e não meramente metodológica. Isso
porque o que distingue essas pesquisas não são os instrumentos utilizados, mas a
maneira como concebemos o objeto de estudo e os processos envolvidos na produção de
conhecimento. Desse modo, (…) falar de metodologia qualitativa implica um debate
teórico-metodológico, sem o qual é impossível superar o culto instrumental derivado da
hipertrofia que considera os instrumentos via de produção direta dos resultados na
pesquisa (GONZÁLEZ REY, 2005, p. 3). O referido autor chama a atenção para a
necessidade de revitalização do epistemológico diante da tentativa de monopolização do
cientifico por meio da associação dos dados com a validade e confiabilidade dos
instrumentos que os produzem.
45

A Epistemologia Qualitativa busca conferir consciência epistemológica à


pesquisa, destacando o caráter construtivo – interpretativo, a singularidade e a
dialogicidade do processo de construção de conhecimento. Tal reflexão expressa, ao
mesmo tempo, um posicionamento ontológico e epistemológico, porque comprometida
com a definição ontológica da subjetividade como sistema de produção e configuração
de sentidos subjetivos e com uma perspectiva diferenciada de produção de
conhecimento.

Como forma diferenciada de pesquisa qualitativa, a ênfase recai sobre o


caráter dialógico, processual e construtivo da produção do conhecimento e consiste
numa reflexão acerca das exigências e necessidades da pesquisa sobre a subjetividade
em uma perspectiva qualitativa. Para isso, a epistemologia qualitativa apoia-se em três
princípios relacionados entre si que apresento a seguir:

a) O Conhecimento como produção construtivo – interpretativa:

Esse princípio destaca a necessidade de compreender o conhecimento como


construção e não como apropriação progressiva e linear de uma realidade que se
apresenta. A realidade é concebida como um domínio infinito de campos inter-
relacionados, independente de nossas práticas (GONZÁLEZ REY, 2005, p. 5). Nessa
perspectiva o real existe independente de nossas práticas, mas não como realidade
última a ser desvelada. Por meio de nossas pesquisas, construímos uma nova zona de
sentido, recorte no qual não é possível separar as práticas de pesquisa dos aspectos
perceptíveis dessa realidade. São justamente esses aspectos, constituintes desse espaço
do real produzido a partir de nossas ações, que podem ser significados no curso da
pesquisa. Isso implica dizer que o acesso ao domínio do real será parcial e limitado, a
partir da própria prática científica do pesquisador.

Na epistemologia qualitativa o conhecimento científico é visto como


produção humana e não como algo pronto para conhecer uma realidade organizada em
função de categorias teóricas universais definidas a priori, o que independeria da
produção de ideias por parte do pesquisador. Desse modo, o conhecimento não se define
de forma direta pela utilização adequada de um ou mais instrumentos. Em seu caráter
construtivo - interpretativo, o conhecimento sobre a subjetividade representa uma
46

construção do investigador para além do instrumental utilizado.

b) A Legitimação do singular como instância de produção do conhecimento


científico:

O estudo da subjetividade nos informará dos sujeitos e da subjetividade


social. Estudar o sujeito individual é necessário para compreender as implicações
subjetivas do funcionamento social bem como as formas de organização da
subjetividade social (GONZÁLEZ REY, 2005). A definição da subjetividade como
objeto de estudo está na base da consideração do singular como fonte legítima de
conhecimento.

O estudo do sujeito como singularidade, o define como forma única e


diferenciada de constituição subjetiva (GONZÁLEZ REY, 1999, p.40). O valor do
singular na construção do conhecimento implica considerar a pesquisa como produção
teórica, pois a legitimação das informações procedentes do caso singular se dá pelo que
representam para o modelo em construção (GONZÁLEZ REY, 2005; p. 11). Dessa
forma se o critério de legitimidade da pesquisa for empírico ou acumulativo, o caso
singular não tem valor como fonte de informação para o processo de produção de
conhecimento científico.

O conhecimento científico, na perspectiva da epistemologia qualitativa, não


se legitima pela quantidade de sujeitos pesquisados, mas sim pela qualidade de sua
expressão, ou seja, pela significação que adquire no contexto da produção teórica em
andamento. O número de sujeitos participantes é definido a partir de critérios
qualitativos, de acordo com as necessidades que surgem no próprio curso da
investigação.

c) A compreensão da pesquisa, nas ciências sociais, como um processo dialógico:

A ênfase na comunicação como princípio epistemológico se justifica pelo fato de


que os problemas sociais e humanos, em geral, se expressam de modo direto ou indireto
no espaço da comunicação entre as pessoas (GONZÁLEZ REY, 2005). Nesses termos,
47

A comunicação é uma via privilegiada para conhecer as


configurações e os processos de sentidos subjetivos que
caracterizam os sujeitos individuais e que permitem conhecer o
modo como as diversas condições objetivas da vida social afetam o
homem (GONZÀLEZ REY, 2005, p. 13).

Esse princípio define que a interação entre o pesquisador e colaboradores da


pesquisa e dos colaboradores entre si, é a base para a construção de informações no
processo de estudo da subjetividade. Na pesquisa psicológica de cunho positivista, a
interação era vista como interferência que comprometia a suposta objetividade dos
dados. Entretanto, na pesquisa qualitativa é a partir da comunicação, segundo González
Rey (2005), que os participantes assumem a condição de sujeitos implicados no
problema pesquisado, com seus interesses, desejos e contradições.

Na pesquisa qualitativa os instrumentos são vistos como meios para


incentivar a expressão dos sujeitos, de modo que a comunicação estabelecida entre eles
influencia a escolha dos instrumentos da pesquisa. Portanto, a definição dos
instrumentos não segue uma lógica externa às diferentes atividades que o pesquisador
desenvolve na investigação, e sim se alimenta delas, no sentido de facilitar e manter
abertas as vias de comunicação, a partir das quais se pode definir indicadores que
tenham sentido para a pesquisa em curso (GONZÁLEZ REY, 2005).

Outro aspecto importante ao enfatizar o caráter interativo do conhecimento é


a aceitação pelo pesquisador, dos momentos informais e não previstos que ocorrem na
interação com os sujeitos como momentos legítimos de produção de informações
relevantes para a pesquisa sobre a subjetividade.

2.1 - Contexto e sujeitos da pesquisa

Realizei a pesquisa durante o ano letivo de 2011, em duas turmas do


segundo ano do ensino médio de uma escola da rede pública estadual, localizada em
Belém – PA. A escola iniciou suas atividades em 1965, atua somente no ensino médio e
está situada em uma das avenidas mais movimentadas de Belém, que serve de acesso
para o centro da cidade e para a região metropolitana da capital. Devido à grande
procura por vagas na instituição, até a década de 1990, o ingresso de estudantes era
48

realizado por meio de um processo seletivo conhecido como “vestibulinho”. Além


disso, no último ano do ensino médio, a escola oferta as chamadas turmas de convênio,
que se diferenciam das turmas comuns do terceiro ano do ensino médio por
apresentarem carga horária diária maior e aulas aos sábados. Em relação à química, por
exemplo, as turmas de convênio têm quatro aulas semanais ao invés de duas. Cada
turma de convênio passa a ter dois professores, com três aulas semanais cada, sendo um
responsável pelos conteúdos de físico-química e o outro pelos conteúdos de química
orgânica.

Tais fatos, aliados ao tempo de existência da escola contribuem para que ela
seja reconhecida pela comunidade local como uma das melhores escolas públicas da
cidade, também em termos de sua qualidade de ensino e infraestrutura física. A
qualidade de ensino da instituição é associada, principalmente pelos estudantes, aos
índices de aprovação nos processos seletivos para ingresso no ensino superior, à
assiduidade dos professores e à infraestrutura da escola. A estrutura física da escola
apresenta laboratório de informática, laboratório multidisciplinar de ciências, sala de
dança, quadra poliesportiva e 33 salas de aula, equipadas com centrais de ar. No período
em que desenvolvi a pesquisa, a escola contava com cerca de 4500 estudantes, divididos
nos três turnos, 150 professores e 30 funcionários.

Inicialmente, apresentei a proposta de estudo à direção da escola, com o


objetivo de obter a autorização para o desenvolvimento da pesquisa. Depois, fiz contato
com o professor participante deste estudo a fim de apresentar o projeto de pesquisa e
convidá-lo a participar dela. A opção pelo convite a esse professor foi feita em função
de eu ter tido uma experiência profissional anterior com ele, o que repercutiu
positivamente em sua abertura para se comprometer com o desenvolvimento da
pesquisa.

O professor de química tinha três aulas semanais nas turmas onde


desenvolvi a pesquisa, que aconteciam em dois dias da semana em cada turma. Durante
as aulas, o professor costumava adotar uma sequência de ações na qual inicialmente
informava o assunto que seria trabalhado naquele dia. Em seguida, entregava aos
estudantes um material (uma folha de papel impressa frente e verso) que continha um
resumo do conteúdo e uma lista de exercícios, escrevia no quadro, expunha brevemente
os conteúdos, momento no qual pedia que os estudantes parassem de copiar, e então
49

resolvia alguns exercícios. Em seguida, pedia para que os estudantes tentassem resolver
as questões restantes do material impresso.

Participaram como sujeitos desta pesquisa, identificados com nomes


fictícios:

- Miro, 32 anos de idade, professor de química. Os critérios para


colaboração do professor na pesquisa levaram em conta sua aceitação em participar de
um trabalho que envolveria registro de suas aulas, seu interesse sobre a temática da
pesquisa e o fato de ser professor efetivo, o que garantiria o desenvolvimento do
trabalho durante um ano letivo.

- Seis jovens, estudantes de duas turmas de 2º ano do ensino médio, que


denominei turmas A e B, do turno vespertino, sendo três jovens de cada turma. Dentre
os anos do ensino médio, escolhi o segundo, por considerar que os estudantes além de
outros possíveis contextos e situações de contato com o conhecimento químico, já
possuíam experiências anteriores com a química como componente curricular.

A turma A tinha 28 estudantes matriculados, sendo 12 do sexo feminino e 16 do


sexo masculino. No primeiro dia em que acompanhei as aulas de química na turma A,
encontrei no corredor da escola um professor conhecido que ao saber que eu tinha
escolhido a referida turma para desenvolver a pesquisa, respondeu: Mas a turma A? Ali
ninguém quer nada... Ficou claro depois que manifestações como essa não eram
incomuns entre os docentes da instituição, que comentavam sobre o desinteresse, a
indisciplina e a ‘falta de base’ dos alunos para a aprendizagem dos componentes
curriculares. A meu ver, essas expressões demonstravam a preocupação dos professores
com o rendimento escolar dos alunos, mas ao mesmo tempo, apontavam para a
presença, na subjetividade social da escola, da ideia de um aluno idealizado, o que por
vezes resultava no distanciamento entre professores e estudantes.

Após três semanas de contato com a turma A, apliquei um questionário aberto


(apêndice 2) de modo a obter informações que associadas à observação nas aulas,
pudessem subsidiar a escolha dos sujeitos colaboradores na pesquisa, além de identificar
temas para uma posterior dinâmica conversacional. O critério para a escolha dos
sujeitos se apoiou na hipótese de que em situações conflituosas e alunos com baixo
50

rendimento escolar, a produção de sentido subjetivo é mais evidente, tendo em vista que
há uma divergência em relação aquilo que a escola propõe como objetivo, ou daquilo
que se espera como processo e resultados de ensino (TACCA, 2006, p.73). Desse
modo, convidei cinco estudantes para participar da pesquisa, contudo, dois deles
declinaram da participação na entrevista, argumentando para isso, falta de tempo, o que
resultou em três casos estudados na turma A. São eles: Ana - 16 anos; Lia - 17 anos e
Edu - 16 anos.

Os três sujeitos da pesquisa, oriundos da turma A, tinham em comum o fato


de apresentarem resistência e certo distanciamento em relação ao professor de química.
A esse respeito, segundo Tacca (2006), o professor e a relação estabelecida com ele, é o
primeiro elo pelo qual o estudante se aproxima da aprendizagem escolar. Por isso, sem
desconsiderar outras produções de sentido, em relação ao contexto escolar e fora dele,
decidi pela necessidade de convidar outros estudantes para participar do estudo, que
tivessem uma representação positiva e um bom relacionamento com o professor de
química. Assim, o aumento do número de sujeitos foi feito em decorrência da
necessidade de informações sobre o objeto de estudo, que surgiu no curso da pesquisa,
considerando a importância da figura do professor para os processos motivacionais dos
estudantes.

A partir do segundo semestre letivo, incluí três novos sujeitos de outra turma
que eu já acompanhava desde o início do ano e que denominei de turma B. A turma B
tinha 32 estudantes matriculados, sendo 18 do sexo feminino e 14 do sexo masculino. A
escolha dos sujeitos também foi baseada na observação em aula e nos registros do
questionário aplicado para a turma toda. Os participantes da turma B foram: Alice - 18
anos; Luna - 17 anos e Nara - 17 anos. São estudantes que demonstraram maior
disponibilidade e com as quais eu estabeleci a aproximação e a confiança necessária
para o desenvolvimento da pesquisa.

O primeiro contato que tive com as turmas do professor Miro aconteceu em


abril de 2011. Os estudantes pouco falavam entre si, pois apenas uma pequena parte
deles se conhecia. Fui apresentado para turma pelo professor e em seguida expus para
os estudantes o motivo de estar ali. De modo geral, nas duas turmas que acompanhei as
aulas, no momento em que disse que era uma pesquisa sobre motivação em aulas de
química, apareceram as primeiras manifestações: “Ih! Química...” ou então “Ai, tá
51

difícil...” Após essas e outras falas dos estudantes perguntei para eles o que achavam da
química, pergunta a qual foi sucedida por uma série de expressões entusiasmadas como:
“Horrível!” e, “Ai eu odeio mesmo!”, ou ainda, “Eu acho legal!”. Refletindo depois
sobre esses acontecimentos pensei que talvez os estudantes não tivessem tido a
oportunidade, em outros momentos de sua escolarização, de expressarem seus próprios
pontos de vista acerca da química e seu estudo. Além disso, eles demonstraram que, de
algum modo, não estavam alheios à temática da pesquisa.

Apresentei para os estudantes minha posição quanto à motivação, na qual


destaquei que o envolvimento pessoal nas aulas era muito importante para o
aprendizado da química e tive a aceitação deles ao perguntar sobre o interesse em
participar da pesquisa e sobre minha presença nas aulas durante o ano letivo.

Após o primeiro contato notei que minha presença na sala passou


praticamente despercebida no decorrer desse encontro e na aula seguinte, resumindo-se
a cumprimentos no início e no final das aulas. A interação inicial foi importante, mas
não havia sido suficiente para criar o cenário de pesquisa, conceito entendido como o
espaço social que caracterizará o desenvolvimento da pesquisa e que está orientado a
promover o envolvimento dos participantes na pesquisa (GONZÁLEZ REY, 2005, p.
83). Como visto, o cenário da pesquisa não é o local em que a investigação ocorre, mas
sim o espaço intersubjetivo criado e mantido pelos sujeitos envolvidos. A criação do
cenário é o primeiro momento da pesquisa, no entanto, não é simplesmente
estabelecido, e nem se constitui em um instante isolado da pesquisa. É um processo que,
apesar de ser instaurado nos momentos iniciais da pesquisa, necessita ser alimentado no
decorrer desta, o que requer a constante produção de ideias por parte do pesquisador.

Ao me preocupar somente com a observação e registro das aulas no diário


de campo, acabei me distanciando dos estudantes, o que comprometia o envolvimento
deles na pesquisa e contradizia a posição teórica assumida, qual seja a pesquisa
qualitativa como um processo dialógico. A partir da terceira aula que acompanhei, com
a anuência do professor, passei a tirar dúvidas dos alunos, auxiliar na resolução de
exercícios e conversar com eles antes das aulas. Isto contribuiu para a criação de um
clima de confiança entre eu e os estudantes, constituindo o cenário da pesquisa
fundamental para a expressão aberta deles em situações posteriores, tais como na
utilização dos instrumentos, como o complemento de frases e as conversas informais
52

que apresento no próximo tópico.

2.2 - Processos de construção da informação na pesquisa

Assumo o instrumento como toda situação ou recurso que permite ao outro


expressar-se no contexto de relação que caracteriza a pesquisa (GONZÁLEZ REY,
2005, p.42). Sendo situação ou recurso, o instrumento é o meio que visa a facilitação da
expressão dos sujeitos no curso da pesquisa. Durante o processo de construção da
informação nesta pesquisa, utilizei como instrumentos diário de campo, questionário,
complemento de frases, redação escrita, entrevista, além de conversas informais com os
sujeitos.

A investigação de diferentes configurações subjetivas se baseou na


expressão oral e escrita dos sujeitos, através da qual foi possível construir indicadores
que puderam dar sentido às informações dentro um problema concreto (GONZÁLEZ
REY, 1997), especificamente, a motivação para aprender e ensinar química. Defini os
instrumentos a partir dos objetivos da presente investigação e da comunicação
estabelecida com os sujeitos da pesquisa, além das necessidades de informações geradas
durante a investigação. Descrevo os instrumentos a seguir, na sequência em que os
utilizei.

2.2.1 - Instrumentos utilizados na pesquisa:

a) Questionário: Utilizei um questionário (APÊNDICE 2) aplicado junto a


todos os estudantes das duas turmas, durante o horário de aula, a fim de realizar uma
abordagem inicial da expressão deles sobre temas relativos ao aprender na escola, tais
como a própria escola, a química, a aprendizagem de química, o professor e os colegas.

b) Diário de campo: Utilizei o diário de campo com o intuito de registrar


minhas observações acerca do modo como o professor trabalhava os conteúdos e se
dirigia para a turma, os momentos em que o professor vinha falar comigo durante as
aulas, a interação dos estudantes entre si e os possíveis modos de participação deles nas
aulas. Busquei registrar também comentários dos estudantes a respeito das atividades,
53

muitas vezes compartilhados comigo. Utilizei também a observação na definição dos


casos a serem estudados. Para auxiliar o registro recorri também à gravação em áudio,
com o uso de um gravador digital.

c) Conversas informais: São designadas como informais por não terem um


roteiro prévio e serem momentos em que eu dialogava com o professor e os estudantes,
por iniciativa minha ou deles, sem a necessidade de agendamento. As conversas
ocorreram ao longo de todo o desenvolvimento da pesquisa e contribuíram para avançar
em aspectos da expressão dos sujeitos, pouco esclarecidos em outros instrumentos. Em
geral, as conversas com os estudantes aconteciam nos corredores da escola quando nos
dirigíamos para a aula e esperávamos seu início e também durante as atividades na sala;
Com o professor as conversas informais ocorreram em circunstâncias similares e
também especificamente na sala dos professores, para onde íamos durante o intervalo
entre as aulas ou ao término delas.

d) Entrevistas: Realizei uma entrevista com cada um dos seis estudantes,


na escola, fora do horário de aulas. A entrevista foi realizada a partir de temas que
considerei interessantes para o estudo da motivação ou que necessitavam de
aprofundamento, a partir de análises preliminares das informações oriundas do
questionário, do registro das observações no diário de campo e de conversas informais.
A entrevista com cada estudante teve como objetivo identificar indicadores sobre a
configuração subjetiva do aprender na escola, especialmente da aprendizagem de
química. Com o professor foram realizadas duas entrevistas. A primeira entrevista
envolveu um roteiro previamente organizado (APÊNDICE 3). A aproximação gerada
pela interação entre o professor e o pesquisador no cenário da pesquisa, possibilitou que
a segunda entrevista fosse menos estruturada e orientada a partir de temas e registros do
professor, procedentes de outros instrumentos, utilizados como indutores de expressões
dele. As duas entrevistas tiveram como objetivo a identificação de indicadores sobre
sentidos subjetivos relativos à motivação para ensinar química. As entrevistas foram
gravadas com o auxílio de um gravador e integralmente transcritas e analisadas em
conjunto com as demais fontes de informação.

e) Complemento de frases: É um instrumento que apresenta indutores


curtos que devem ser completados pelo colaborador da pesquisa. Para González Rey
(2005, p. 57) o complemento de frases possibilita a expressão de sentidos diferenciados
54

em áreas e aspectos muito distintos da vida das pessoas. Nesse sentido, utilizei o
complemento de frases com a intenção de explorar além da vivência escolar, outros
espaços de vida dos sujeitos, tendo em vista a natureza multifacetada da motivação. O
referido instrumento contou com 46 indutores para os estudantes (apêndice 4) e 45
indutores para o professor (apêndice 5), em parte elaborados por mim, considerando a
especificidade da pesquisa e adaptados do complemento proposto por González Rey
(2005). O complemento de frases foi entregue aos estudantes em momento posterior a
entrevista, com a solicitação que devolvessem após o seu preenchimento, contudo sem
determinar um prazo para a devolução. Para o professor, o instrumento foi utilizado
após a primeira entrevista. Quando recebia o complemento, eu lia e identificava
aspectos que necessitavam ser desdobrados em conversas posteriores.

f) Redação: A redação é um instrumento que apresenta um tema aberto e


segundo González Rey (2005) é semelhante aos indutores das dinâmicas
conversacionais, pois facilita a emergência de indicadores de sentidos subjetivos, ainda
que a escrita esteja orientada pela intencionalidade dos sujeitos. Solicitei aos estudantes
que escrevessem uma redação sobre a escola e a aprendizagem, tema também utilizado
por Tacca (2006), com o objetivo de identificar possíveis indicadores de sentido
subjetivo sobre a aprendizagem na escola.

2.3 Construção das informações:

De acordo com a epistemologia qualitativa, os dados na pesquisa qualitativa


são entendidos como elementos que, no processo de pesquisa, adquirem significação
teórica para o objeto de estudo. Os dados podem proceder dos instrumentos utilizados e
também das diferentes situações não previstas que ocorrem ao longo da pesquisa em
função de desdobramentos e demandas oriundas da interação e trajetórias dos sujeitos
participantes. Em função da natureza diferenciada da investigação qualitativa Gonzále z
Rey (1999) introduziu o conceito de indicador, para identificar elementos que não são
acessíveis de modo imediato no processo de produção de conhecimento na pesquisa,
mas que adquirem significação a partir da interpretação do investigador. Segundo
González Rey (1999):
55

O dado, contudo, é utilizado em seu conteúdo explícito, embora


este caráter explícito seja sempre definido dentro do quadro
teórico em que o dado faz sentido. Entre um dado e um
indicador não há correspondência biunívoca: o indicador está
sempre associado a um momento interpretativo (...) (p.115).

Os indicadores são produzidos a partir da informação imp lícita e indireta


dos sujeitos estudados. Os indicadores aparecem nos instrumentos, nas relações
existentes entre eles, assim como em quaisquer situações e processos surgidos nas
diferentes relações que se constituem no campo da investigação. Não são conclusivos
em relação ao problema investigado, visto que constituem um momento de elaboração
de hipóteses que irá conduzir à produção de novos indicadores a partir das ideias do
pesquisador associadas com a construção dos indicadores precedentes (GONZÁLEZ
REY, 1999).

A meu ver a introdução do conceito de indicador na pesquisa qualitativa,


contribui para superar a dicotomia entre o empírico e o teórico, na qual o momento
empírico é identificado como coleta de dados e o teórico como organização e
classificação dos dados a partir de um referencial teórico prévio. O indicador pode ser
definido por um ou vários elementos que adquirem sentido pela inter-relação produzida
a partir da interpretação do pesquisador. A definição de um indicador representa o
começo de um caminho que pode conduzir tanto à mudança do problema assumido,
como ao desenho de novos instrumentos (GONZÁLEZ REY, 1999).

Um indicador não tem valor como elemento isolado, mas como parte de um
processo de produção de hipótese dentro do qual aparece em inter-relação com outros
indicadores.No decorrer do processo de construção, os diferentes indicadores permitirão
que se gerem processos de inteligibilidade que se reafirmarão por sistemas de
indicadores convergentes em relação a algum núcleo de significação, revelador de
sentido subjetivo sobre as manifestações da pessoa, grupo, processo ou instituição
estudados (GONZÁLEZ REY, 2013).

A partir da posição teórica assumida, me propus a focalizar as aulas de


química e a expressão dos sujeitos sobre a experiência vivenciada, no que diz respeito
ao contexto imediato das aulas e suas histórias em outros espaços sociais. Esses dois
focos de construção de informações estão integrados no desenvolvimento da pesquisa.
No momento das conversações, informais ou solicitadas pelo pesquisador, apareceram
56

elementos de sentido constitutivos da subjetividade do professor e dos estudantes tais


como sua situação social, rotina fora da escola, relação com familiares, experiências
escolares anteriores, que não são diretamente observáveis no contexto da sala de aula,
mas que, considerando a natureza multifacetada e complexa da motivação,
constantemente se relacionam a esta. Tais informações são complementares,
considerando que puderam ser integradas a informações advindas de outros
instrumentos empregados na pesquisa, como proposto na epistemologia qualitativa.
57

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

CASO 1:

3.1 Professor Miro: Não sei se eu me qualifico como um bom professor,


mas que eu busco, e que eu me esforço muito, isso é verdade.

O professor Miro licenciou-se em Química pela Universidade Federal do


Pará e concluiu o curso há dez anos. Após o término da graduação, fez um curso de
especialização em Educação em Ciências e Matemática em uma universidade particular.
Ele trabalhava como professor de química há nove anos e meio, sendo que em seis
meses desse tempo atuou como professor com vínculo profissional temporário e após
esse período passou a fazer parte do quadro permanente de professores da rede pública
estadual de ensino. No inicio de sua carreira, chegou a trabalhar em quatro escolas ao
mesmo tempo, hoje, porém, atua somente na escola em que desenvolvi o estudo. A
respeito de como se sentia trabalhando nessa escola, ele afirmou:

Eu tinha um sonho de trabalhar aqui porque minha mãe estudou


aqui, eu fiz o vestibulinho quando eu tava fazendo a 8ª, pra estudar
aqui e passei. Então minha mãe estudou aqui, eu estudei aqui, eu
fiz estágio aqui, eu fiz o concurso do Estado aqui, eu tinha o
objetivo de, quem sabe, ser professor daqui. Mas isso não seria,
vamos dizer assim, isso não me impediria de trabalhar em outras
escolas. Mas eu gostei de trabalhar aqui, foi uma escola que
participou da minha vida. Participou da minha vida, porque se eu
tô onde eu tô isso se deve à educação, se deve ao sistema público,
se deve aos professores daqui, que hoje são meus colegas (Miro –
entrevista 1).

Ele demonstrou uma emocionalidade positiva associada à docência na


escola, o que é compreensível tendo em vista que apareceu como um sonho que ele
realizou. A docência é vista como possibilidade de retribuir o que a escola e seus
professores fizeram por ele, momento em que é possível perceber a representação da
aprendizagem escolar como meio de obtenção de melhores condições de vida.

De acordo com o referencial que adotei nesta pesquisa, que requer uma
análise construtivo - interpretativa de um objeto complexo, a configuração subjetiva em
58

que se expressa a motivação para aprender e ensinar química do professor Miro, é


constituída pela própria história de vida dele, dimensão constitutiva de sua subjetividade
e pela dimensão construída, em sua ação atual. Ele comentou que foi a partir dos
estudos, especificamente de sua aprovação para o ensino superior, que pôde,
posteriormente, conseguir melhorias em sua situação financeira e comprar o
apartamento em que reside atualmente:
Hoje a minha vida é boa, tenho uma esposa excelente, moro em um
local seguro, tenho carro, faço o que eu gosto (Miro – entrevista
2).

Eu me sinto: feliz quando um aluno alcança seus objetivos com a


ajuda da escola (Miro – complemento de frases).

O passado, em seu sentido subjetivo, aparece associado ao estudo, às


dificuldades e posterior superação delas. Além disso, os comentários acima são
informações significativas que ajudam a consolidar o indicador de sentido subjetivo da
aprendizagem escolar como meio de obtenção de melhores condições de vida,
permitindo a hipótese de que esse sentido subjetivo participa da configuração que
constitui sua motivação para aprender e ensinar química.
Ele recorreu a sua história escolar ao relatar sobre por que escolheu ser
professor de química:

Eu gostava da química que eu estudei no ensino médio, entendeu?


Primeiro ano, segundo ano... No segundo ano eu comecei a... Era
complicado, eram esses assuntos que eu tô vendo agora e eu me
esforçava, aí eu fui aprendendo, terceiro ano também, aí eu fiz
uma olimpíada de química, a primeira que teve aqui em Belém,
certo? Eu comecei a dar aula de reforço... Aí quando eu fui pensar,
espera aí, eu tô gostando de dar aula, eu gosto de química, eu
admiro a profissão de professor e aí eu pensei sabe de uma coisa,
eu vou ser professor, e de química! Eu tinha vontade de aprender a
fazer coisas no laboratório, eu gostava do campo da química, de
transformação, de reação, achava isso bem interessante. Química,
física e biologia, eu gostava é... Não que ah! Nas outras tu não
estavas nem aí? Eu me esforçava nas disciplinas de A a Z! Tá
entendendo? Desde a quinta série, mas química, física e biologia
era o que mais me atraía (Miro – entrevista 1).

O passado não aparece como a soma de fatos objetivos, mas sim como
configuração subjetiva da experiência (GONZÁLEZ REY, 2011), de modo que, de sua
história escolar Miro destacou o esforço empreendido na aprendizagem das disciplinas
escolares. É possível notar seu interesse pelo conhecimento em áreas diversas e uma
59

orientação particular para as ciências, área sobre a qual manifesta preferência, em


relação aos outros componentes curriculares. Miro apresenta uma relação diferenciada
com o conhecimento químico, que ele expressou ao comentar o gosto pela química e
pela experiência em aulas de reforço escolar, o interesse pelo tema da transformação e a
vontade de desenvolver atividades em laboratório. São aspectos que definem sua
escolha profissional, associadas a emoções de satisfação e admiração pela docência,
constituindo indicadores de sua motivação para aprender e ensinar química.

Observei também um paralelo entre sua experiência como estudante de


química no ensino médio e como professor, que pode expressar uma expectativa em
relação a seus alunos no momento atual: [aprender química] Era complicado, eram
esses assuntos que eu tô vendo agora e eu me esforçava, aí eu fui aprendendo. Essa
informação demonstra a importância do passado em sua configuração subjetiva que atua
como possível fonte de sentido subjetivo em sua atividade docente em relação às
expectativas que sustenta sobre seus alunos. Isso se confirma no complemento de frases.

Os estudos: sempre levei muito a sério; tanto como aluno como


quanto professor (Miro – complemento de frases).

Os estudantes: necessitam de mais compromisso,


responsabilidade e força de vontade (Miro – complemento de
frases).

No registro escrito do professor Miro, apareceram sentidos subjetivos


associados à profissão, família e amigos, em relação aos quais ele se sente feliz e
satisfeito no momento atual de sua vida. Ele afirmou:

Eu: simples professor que se esforça continuamente para alcançar


um ensino cada vez melhor;
Eu sou: feliz e satisfeito com a minha vida, profissão e família;
Eu gosto: de viajar, estar junto com a família e amigos, de praticar
esporte e de exercer a minha profissão (Miro – complemento de
frases).

Ele definiu a si mesmo como simples professor, o que já demonstra a


importância que atribui à docência. É interessante perceber nas duas últimas frases que a
docência apareceu junto a espaços e relações que ele valoriza. O caráter emocional com
que se referiu à docência não apareceu de modo direto, mas sim na forma como ele
construiu as frases, comparando a satisfação que experimenta na docência com a de
estar próximo a familiares e amigos. A menção à profissão a partir de indutores indiretos
60

(Eu, Eu sou, Eu gosto) torna essa informação ainda mais significativa como indicador
da profissão docente não apenas como obrigação profissional, mas como atividade
geradora de emocionalidade, portanto, produtora de sentido subjetivo. Tal interpretação,
associada ao que Miro comentou sobre sua escolha profissional e o trabalho na escola,
demonstra sua motivação pela docência e permite afirmar que a profissão docente é uma
tendência orientadora de sua personalidade (MITJÁNS MARTINEZ, 2008).

No registro anterior, ele escreveu também sobre o esforço contínuo para


melhorar sua prática de ensino, Eu: simples professor que se esforça continuamente
para alcançar um ensino cada vez melhor, informação a partir da qual posso inferir
sobre como ele vivencia a docência, a partir do sentido subjetivo que o mobiliza em um
projeto profissional que está em constante desenvolvimento. Essa hipótese é
corroborada por outras informações tais como a emocionalidade positiva e o interesse
que ele demonstrou pela área de Educação em Ciências, a vontade de continuar sua
formação na referida área em nível de pós- graduação e a centralidade da docência em
suas projeções para o futuro. A esse respeito ele afirmou:

Quando eu terminei a licenciatura eu queria fazer pós-graduação


e eu sempre tive bem claro que eu ia fazer mestrado e doutorado
depois, né? Na área de Educação em Ciências que é o que eu
sempre gostei (Miro – entrevista 2).

Um dia eu vou: olhar pra trás e refletir que eu fiz a minha parte
na educação (Miro – complemento de frases).

A importância da docência em suas projeções futuras, em termos de uma


realização pessoal e profissional almejada por ele, é um indicador de sua motivação para
aprender e ensinar química. Concordo com González Rey (1997, p.194) quando diz que:

A constituição dos motivos em projetos conscientes, organizados


em uma dimensão temporal futura, sem dúvida compromete o
sujeito na expressão intencional de tais motivos, fator que aumenta
o potencial dinâmico deles e, simultaneamente, a capacidade
volitiva do sujeito.

A meu ver a recorrência com que se refere ao esforço evidencia a


capacidade volitiva de Miro e informa sua importância e significação na configuração
subjetiva da docência. No complemento de frases, ele escreveu: Minha vida: um
caminho de esforço, sonhos e conquistas;
61

Essa informação associada ao que ele comentou anteriormente sobre o


esforço, por exemplo, para alcançar um ensino cada vez melhor e para a aprendizagem
das disciplinas de A a Z durante o ensino médio, vão consolidando a hipótese do valor
que Miro atribui ao esforço empreendido nas diferentes atividades em que se envolve. É
possível interpretar, a partir do que ele comentou sobre seu passado, que o
enfrentamento e a superação de dificuldades pelo próprio esforço e o reconhecimento do
estudo como possibilidade de melhoria de vida, são aspectos que possuem um valor
pessoal para ele e se estendem como elementos de sentido de sua configuração subjetiva
da docência.

Miro demonstrou insatisfação com questões relativas à estrutura escolar e


criticou um aspecto que identifica como prioritário na subjetividade social da escola, a
entrega das notas em um prazo estabelecido, aspecto administrativo, que em sua
avaliação, acaba se sobrepondo à preocupação com a própria qualidade do trabalho
pedagógico desenvolvido. Ele escreveu:

Tenho vontade: de ver a escola e o sistema funcionando de forma


mais eficiente.
Sinto falta: do uso de carteirinhas e de funcionários responsáveis
pela entrada e organização dos alunos.
Se eu pudesse: incluiria nas escolas uma boa biblioteca, xadrez e
música.
Esperam que eu: apenas entregue notas no período estabelecido
(mas isto não é prioridade nem qualidade).
Eu prefiro: que a escola seja mais rígida com a qualidade do
trabalho do que com a data de entrega de notas.
Não gosto: de ouvir que a culpa dos problemas da educação está
nos governantes (Miro – complemento de frases).

Apesar da insatisfação com aspectos relacionados à escola, ele se


posicionou de modo contrário à atribuição direta dos problemas educacionais à esfera
governamental. A análise em relação à escola e o posicionamento crítico que ele
assumiu, demonstram seu interesse e envolvimento pela profissão, informações que
podem ser definidas como indicadores de sua motivação pela docência. Ele se sente
responsável pela melhoria de sua prática de ensino, o que, a meu ver, vai ao encontro de
um indicador anterior, o esforço como elemento de sentido de sua configuração
subjetiva da docência, além de evidenciar, mais uma vez, sua capacidade volitiva.
62

Em sua tendência motivacional para a profissão docente, Miro demonstrou


ter como meta a aprendizagem do aluno, que aparece como uma de suas principais
preocupações. Sobre isso, ele escreveu:

Quero saber: das coisas e fenômenos que estão ao nosso redor


que possam ser úteis para mim e até serem aplicadas em minhas
aulas;
Na escola: esqueço um pouco do restante e me concentro muito na
ação pedagógica;
Minha maior preocupação: aprendizagem do aluno;
Muitas vezes penso: como melhorar a aprendizagem dos alunos;
Minha profissão: precisa ser exercida com paciência, seriedade e
conhecimento (Miro – complemento de frases).

Os registros acima reafirmam sua orientação para o conhecimento, de


fenômenos que possam ser abordados em suas aulas, o que demonstra mais uma vez seu
interesse pela profissão. Desse modo, ficou claro que sua orientação para o
conhecimento aparece predominantemente associada à docência. Sobre isso, ele relatou:

Eu acho que eu busco ser um bom professor, é a minha busca. A


cada... eu me dedico, elaboro, eu... analiso, analiso o
comportamento dos alunos, analiso a minha prática e tento montar
um material adequado a... vamos dizer, à aprendizagem do aluno,
né? Então por isso que eu tô sempre renovando meu material é...
Não sei se eu me qualifico como um bom professor, mas que eu
busco, e que eu me esforço muito, isso é verdade (Miro – entrevista
1).

Do trabalho como professor, ele destacou sua dedicação, afirmando para


isso, que analisa o comportamento dos alunos e a própria prática, além de elaborar um
material próprio que julga adequado à aprendizagem do aluno. Tais informações
reforçam sua tendência motivacional para a profissão docente, na qual ele tem como
importante meta a aprendizagem do aluno. O sentido subjetivo associado à dedicação,
ao compromisso e ao esforço é fundamental para a realização de seu projeto profissional
e constitui mais um indicador do alto nível da motivação de Miro para aprender e
ensinar química.

Ele não se definiu como bom professor (Não sei se eu me qualifico como um
bom professor), entretanto, destacou sua busca pessoal para atingir esse objetivo (mas
que eu busco, e que eu me esforço muito, isso é verdade). Isto é congruente com o modo
como definiu a si mesmo antes, como simples professor que se esforça continuamente
63

para alcançar um ensino cada vez melhor (Miro – complemento de frases). Essas
expressões estão relacionadas, ao mesmo tempo, a uma capacidade de reflexão sobre a
própria prática e a uma autovaloração positiva. A autovaloração “(...) se expressa na
visão que o sujeito tem de si mesmo, integrada por um conjunto de qualidades e
características que estão emocionalmente comprometidas com as principais
necessidades e motivos da personalidade (MITJÁNS MARTINEZ, 1997, p.68)”. No
caso do professor Miro, entendo que sua autovaloração positiva contribui para que ele
tenha confiança para introduzir mudanças que julga necessárias em suas aulas. Sobre
isso, ele relatou:

Eu analiso o quanto ele [aluno] é produtivo, de acordo com a


estratégia que eu uso. Então, por exemplo, se seu copiar muito, se
eu explicar muito, é... se eu pedir pra ele resolver atividade em
casa, se seu pedir pra ele resolver na sala, então todas essas coisas
eu vou analisando, qual é o mais eficiente, qual eu tenho melhor
feedback, qual eu vejo que há uma produção. Então as minhas
aulas hoje são resultado do que eu vou vendo ao longo dos anos na
minha prática, sempre no sentido de evoluir. Eu já fui mais ou
menos equivalente ao que todo professor de química faz, mas hoje
em dia eu vou cada vez mais moldando minha aula de acordo com
o que eu encontro na prática, porque não adianta pensar numa
aula maravilhosa, que não condiz com a prática de sala de aula
(Miro – entrevista 1).

O pensamento reflexivo é caracterizado por uma atitude intencional que


gera ideias, hipóteses, avaliações e conclusões por parte do sujeito (GONÇALVES,
2005). O sujeito pode expressar suas reflexões de diferentes formas, das quais destaco
aquela relacionada à ideia de investigação-ação que possibilita a ele analisar sua prática,
com o intuito de identificar estratégias para melhorar. A reflexão sobre a própria prática
implica o posicionamento do sujeito e é um indicador de motivação pela profissão
docente. A própria introdução de mudanças no trabalho pedagógico, por vezes em
condições adversas, requer alto nível de motivação em relação à docência (MITJÁNS
MARTINEZ, 2008). No caso do professor Miro, ele analisa o rendimento dos alunos a
partir do uso de determinadas estratégias de ensino e utiliza as informações que obtém
para nortear sua ação, momento em que podemos perceber uma postura reflexiva diante
da própria prática, no sentido de melhorá-la.

Contudo, ao mesmo tempo em que ele demonstrou um pensamento


reflexivo aberto à introdução de mudanças em sua ação docente, foi possível observar
64

também um movimento deliberado de adequação ao que, segundo sua avaliação, condiz


com a prática de sala de aula. Entendo que esse movimento esteve relacionado ao
sentido subjetivo dos alunos, vistos principalmente como receptores de conteúdos.
Sobre isso, ele afirmou:

Eu sabia que pra eu dar aula, eu precisaria de um material


condizente a explicar a química de uma maneira mais prática,
porque... Vamos supor que tu vais trabalhar nomenclatura de
compostos inorgânicos... tem trinta regras, quando tu chegas na
última regra, o aluno já não lembra o que é ácido, ele... nem sabe,
ele se perdeu já. Eu tenho aluno do segundo ano que não sabe dar
nome de nada, ele já passou pelo primeiro ano. Então o que é que
eu faço, eu crio uma regra geral, que na verdade é assim que a
gente utiliza na prática, que é dar o nome da parte direita e depois
o nome da parte esquerda, sendo que tem aí depois entram
algumas observações que é aquela questão de dar o nox variável,
aquela questão de dióxido, trióxido, então isso aí entra como
observação (Miro – conversação 2).

Miro destacou o fato de que, em comparação com outros professores de


química, concluiu o conteúdo de nomenclatura de compostos orgânicos em um número
menor de aulas. Ele destacou o tempo de trabalho para cada assunto, de modo que foi
possível notar sua preocupação em concluir todos os itens de conteúdos de química
previstos para o segundo ano do ensino médio:

Então o que é um monte regra, eu coloco num esquema, então tipo


assim, em uma aula o meu aluno já tá “maceteado” em como dar
nome, aí eu já coloco uns 50 exemplos pra ele dar nome, aí depois
vai chegando nessas observações, nessas questões diferentes, mas
ele já sabe como é o fio da meada, entendeu? Então, por exemplo,
tem professor que numa aula, vamos falar de orgânica agora,
numa aula ele dá hidrocarboneto... Não! Em três aulas dá
hidrocarbonetos, e numa aula ele dá álcool, numa aula ele dá
aldeído, eu não faço isso. Eu, numa aula, eu falo nas funções, e
mando eles reconhecerem, questão do grupo funcional e tudo...
Então a minha aula, por exemplo, os alunos não encontram no
livro. Eu já ouvi várias vezes os alunos falando assim: Ei
professor, que livro que o senhor tirou esse material? É que lá no
livro que eu consulto não tá assim, lá no livro eu não entendo! É...
onde é, qual foi o livro? Eu falei não, isso aí foram...
interpretações que eu fui tirando dos meus estudos, e fui vendo o
quê que tinha melhor pra cada livro porque às vezes num livro
determinado assunto, ele leva num caminho melhor do que outro,
então por isso, eu vou investigando vários livros, e vou
melhorando... Vou observando aqui as dificuldades e as
facilidades deles, então às vezes eu tiro uma questão, acrescento
outra, uma questão desmembro em três e... com isso vai cada vez
65

produzindo mais, cada vez eu vejo que a aprendizagem vai sendo


melhor (Miro – conversação 2).

A representação da química como ciência objetiva e disciplina escolar de


difícil compreensão, estava relacionada com o problema do tempo de preparação para
os processos seletivos, que ele mencionou antes:
A química: é uma ciência que exige muito esforço para ser
compreendida.
As atividades de química: são difíceis, abstratas, exigem muito
raciocínio, mas são essenciais para o entendimento (Miro –
complemento de frases).

Além de outras facetas de sua representação da química, no recorte a seguir


aparece também a dificuldade que ele sente para fazer a contextualização dos conteúdos
de química:

A gente sabe que tem assuntos, tem disciplina que tem um


conteúdo mais fácil, outras têm um conteúdo mais difícil, né?
Vamos só fazer uma comparação: eu tava com o professor de
filosofia, ele falou que o conteúdo dele de segundo ano é ética. Pra
mim é um conteúdo importante, vale a pena ser trabalhado, mas é
um assunto que dá pra falar sobre coisas que tão ocorrendo, dá pra
tu fazeres uma discussão, o aluno puxa o que ele aprendeu, tudo
bem certo? Agora tu imaginas química, onde tu tens uma série de
conteúdos onde cada menor itenzinho dá um trabalhão, por
exemplo, dentro de soluções, tu tens N conceitos antes de tu falares
em concentração tu tem que falar em misturas, em fases, é... em
tipos de misturas, pra ele entender o que é uma solução, o que não
é, o que é uma suspensão, um colóide, tu tens que falar em
solubilidade , tu tens que falar o que é soluto o que é solvente,
porque às vezes tu estás trabalhando concentração e eles não sabem
diferenciar o que é soluto e o que é solvente, entendeu? (Miro –
entrevista).

Miro recorreu a sua experiência anterior como estudante na educação


básica, buscando estabelecer diferenças entre as aulas de seus professores de química e
sua ação atual. Para isso, ele destacou o fato de passar menos tempo copiando e
expondo os assuntos no quadro e sua preocupação em relacionar o conteúdo com o
cotidiano e promover a participação dos alunos:

As aulas dos meus professores de química [na Educação Básica]


eram mais... vamos dizer assim, mencionando os conceitos,
colocando assim praticamente como está no livro, aí resolvia os
exercícios, né? Então aí a gente tinha que fazer em casa. Então
66

acaba que se alongava muito a aula, falando, copiando e falando


dos assuntos, né? Quando eu comecei a dar aula, tinha bastante
dessa influência, mas já tinha um pouquinho já do que eu aprendi
na faculdade, que eu deveria fazer uma aula mais, vamos dizer
assim, com o aluno participando, é... uma aula que tivesse mais
significado, se possível que tivesse conexões com o cotidiano,
então vamos dizer assim, desde que eu entrei [na profissão
docente] eu venho caminhando cada vez mais pra ficar no
intermediário, entre ser muito tradicional e ser, vamos dizer assim,
cada vez mais contextualizado. A diferença é que eu passo menos
tempo colocando conceitos lá no quadro, eu já coloco lá na
atividade de química pro aluno, né? Então eu vou mais em
exemplos, e vou mais nas reflexões lá do exemplo, é... parando pra
pensar o porquê de cada coisa ali, e não querendo que eles
decorassem: Ah! Qual é o conceito? Ah! Colocando tudo certinho
como tá no livro, porque às vezes o livro serve muito bem pra
mostrar o conteúdo, mas pra aprender ali o assunto, ele não é tão
interessante. Então, eu gosto de fazer logo o aluno enxergar o que
ele... o foco lá daquele assunto. Então eu passo pouco tempo
copiando e falando em conceito e mais tempo colocando em
prática esses conceitos (Miro – Entrevista 1).

Ele criticou o modelo de transmissão-recepção, ao se referir às aulas de sua


escolarização anterior, que eram mais... vamos dizer assim, mencionando os conceitos,
(...) falando, copiando e falando dos assuntos, né? (...). Porém, é possível inferir,
considerando a posição intermediária que decidiu assumir em relação ao ensino, que ele
mantém “a mesma ideia de conteúdos de química que devem ser transmitidos bem e
assimilados pelos alunos” (MALDANER, 2000, p. 55).

A esse respeito, Zeichner (1993) destaca que o fato dos professores serem
mais deliberativos e intencionais quanto a suas ações não implica em um ensino
necessariamente melhor. Isso porque em alguns casos, a maior intencionalidade pode
justificar práticas de ensino que pouco contribuem com o desenvolvimento dos
estudantes, de modo que o mais importante não é pensamento reflexivo em si, mas o
tipo de reflexão empreendida pelo professor.

A meu ver, o uso de apostilas, ou nas palavras de Miro, atividades de


química, faz parte de um esforço genuíno dele, no sentido de melhorar a própria prática.
Entretanto, foi possível notar que as mudanças introduzidas não se diferenciam tanto do
modelo tradicional de ensino de química. O sentido subjetivo do ensino de química está
relacionado à transmissão-recepção de um conhecimento objetivo. Outras informações
corroboram essa constatação, como por exemplo, o sentido subjetivo dos alunos (do
67

qual falei anteriormente) e o fato de que em sua prática de ensino, Miro enfatizava as
aulas de resolver exercícios, a partir das quais aborda os assuntos. O conhecimento
químico é reduzido a um esquema, apresentado por meio da exposição do professor e o
foco da aula incide sobre como elaborar as respostas das atividades, momento em que é
possível observar que aspectos como a construção dos conceitos e a participação dos
alunos, destacados por ele, referem-se principalmente à resolução de exercícios durante
as aulas. Sobre isso, ele registrou:

As aulas: precisam ser mais objetivas, com o professor falando e


escrevendo menos e o aluno exercitando e participando mais (Miro
– complemento de frases).

Atualmente eu me detenho mais em interagir com o aluno, mostrar


exemplos e construir conceitos, não apenas falar pra eles os
conceitos, colocar exemplos pra eles, eles vão tá com uma folha
contendo um esquema e com atividades. Então ao invés de ficar só
mencionando conceitos, (...) pra eles copiarem e memorizarem, eu
coloco isso já escrito na folha e na minha aula, eu só me preocupo
em exemplos, em ficar interagindo com eles em relação a
significados, (...) como elaborar as respostas. Então, eu tento fazer
uma aula interativa, assim incentivando a participação deles, e no
alvo, no foco do que precisa, pra não ficar só falando muito,
copiando, falando, copiando, eu tento evitar isso, então eles
copiam pouco, prestam atenção e vão fazendo as atividades (Miro
– Entrevista 2).

Ao analisar a evolução de livros didáticos de química, Mortimer (1988)


identificou as aulas expositivas e as de exercícios como principais estratégias utilizadas
pelos professores. A pesquisa apontou que os livros didáticos atuais estavam de acordo
com as alternativas de ensino citadas, tendo em vista que enfatizavam variados tipos de
exercícios, em detrimento do espaço ocupado pelo próprio texto das obras. Nas apostilas
de cursos preparatórios para o ingresso no ensino superior, a aprendizagem é
identificada como “capacidade de resolver repetidamente os inúmeros exercícios
propostos para os mesmos itens de conteúdo, concebidos de forma linear e
fragmentada” (MALDANER, ZANON E AUTH, 2006, p.53). Os conteúdos dessas
apostilas guardam a mesma sequência dos livros didáticos de química.

Nessa direção, o ensino de química se aproxima de um treinamento para


resolver tipos definidos de exercícios, tendo como principal objetivo a preparação para
o ingresso no ensino superior. O que vai consolidando a hipótese de que a aprendizagem
escolar como meio de obtenção de melhores condições de vida, via conquista de
68

diploma do ensino superior, participa como elemento de sentido da configuração que


constitui a motivação do professor Miro para aprender e ensinar química. Ao mesmo
tempo em que o uso de apostilas tem como objetivo alcançar um ensino mais eficiente,
esse ensino não se torna, conforme considera Maldaner (2000, p.62) “a mediação da
aprendizagem”. No caso do professor Miro, em alguns momentos a meta da
aprendizagem do aluno acabava subordinada à meta de cumprir todos os itens de
conteúdo previstos para o segundo ano do ensino médio.

A categoria de configuração subjetiva define a motivação como formação


complexa, compreendida pela organização subjetiva de diferentes processos, que fazem
parte da ação atual da pessoa, e integra suas decisões, reflexões e produções
(GONZÁLEZ REY, 2012). Apesar de valorizar a participação dos alunos e a relação do
conteúdo com o cotidiano deles, no caso de Miro, as informações anteriores vão
consolidando a hipótese de que o sentido subjetivo da aprendizagem escolar como meio
de obtenção de melhores condições de vida, é um importante elemento da configuração
subjetiva em que se expressa sua motivação para aprender e ensinar química.

A tendência motivacional de Miro para a profissão docente integra uma


necessidade de obtenção de retorno dos alunos em relação ao que ele desenvolvia em
sua prática de ensino. O aluno devolve ao professor mensagens importantes que o
constituem e que lhe permitem imprimir mudanças em seu processo de
desenvolvimento profissional e pessoal (TACCA, 2004). Apoiando-se em sua
observação, ele analisava a participação, o envolvimento e a produção dos alunos
durante as aulas, comportamentos que para ele eram indicadores da motivação dos
estudantes para aprender química e que ele utilizava como critérios de avaliação para
melhorar suas aulas. É interessante perceber que os indicadores mencionados
contribuíam para a motivação do próprio professor, que relatou gostar mais das aulas
em que ele pode identificá-los nos alunos. Entendo que isso motivava o professor a
seguir no modelo tradicional de ensino e dificultava a busca por alternativas a ele,
porque não eram vistas como necessárias ou adequadas ao contexto de trabalho em sala
de aula. A esse respeito ele comentou:

Teve um dia, por exemplo, antes quando eu apenas dava aula, nos
dois últimos horários da noite, que é até dez e meia, aí o que
acontece, às vezes dez horas eles já estavam quase me
expulsando... quando eu trabalho a atividade, eles estão lá tão
69

envolvidos lá, querendo fazer a atividade, que tá dando dez, dez e


meia e o pessoal: professor! professor! Então as atividades pra
mim demarcam uma aula menos produtiva de uma aula muito
produtiva em sala de aula, entendeu? (Miro – Entrevista 2).

Não foi difícil perceber que além do empenho que ele percebia nos alunos,
abordar a classificação de cadeias carbônicas e a nomenclatura de compostos orgânicos,
por meio de exercícios objetivos, era outro aspecto que repercutia positivamente em sua
motivação para ensinar esses conteúdos. Sobre isso ele comentou:

Olha, eu gosto muito de ensinar funções orgânicas. Na verdade, eu


gosto daquela parte inicial, que na verdade é a parte mais fácil de
ensinar. É aquela parte inicial do carbono, de cadeias e funções
orgânicas. Eu acho que as aulas de química orgânica usando essas
atividades, ficaram muito bacanas, por exemplo, classificação de
carbono, primário, secundário, terciário, quaternário, eu ponho lá
pra eles a... um esquema no quadro, dou uma explicada aí ponho a
atividade lá pra eles, eles fazem na hora! Quando eu coloco pra
eles lá é... propriedades do carbono, quando eu coloco
classificação em aberta, fechada, saturada, insaturada, eles
também fazem rápido, ou seja, ao não se prender em ficar é...
falando dos conceitos e sim interagindo e... vamos dizer assim,
indo em exemplos, você ganha tempo e produz mais. Então, por
exemplo, é mais vísivel isso numa aula de orgânica, porque as de
cálculo [estequiométrico] envolve tanto pré-requisito que... é
difícil eles produzirem tanto. É mais difícil visualizar benefícios
com a... dessas atividades que eu trabalho, porque tu explicas,
explica, explica, mas aí ele ainda não entendeu direito o que é
massa molar, ele não se lembra o que é coeficiente, é... eles não se
lembra m o que é substância química, então eles não sabem o
significado ali da reação, entendeu? Então tudo isso aí, aos poucos
tu vais trabalhando. Nas aulas de orgânica, a gente produz muito,
grupo funcional, funções, a gente... eles participam, produzem
muito. É mais vísivel o benefício na aula de química orgânica, é
mais visível (Miro – Entrevista 1).

Em uma das aulas que acompanhei, quando Miro terminou de resolver


exercícios no quadro, ele foi até a minha carteira e disse: Eu sei que eu tô errado, eu
não devia ficar falando aqui só de conteúdo (Miro – conversa informal). Em seguida,
antes que eu pudesse perguntar por que ele considerava errado o modo como conduzia
suas aulas, o professor retomou a resolução de exercícios no quadro. Para mim, essa
manifestação de Miro foi importante, pois apontou existência de uma possível
insatisfação dele sobre aspectos relativos à própria prática, o que me levou a questioná-
70

lo em outro momento, sobre por que ele considerava errado ficar falando aqui só de
conteúdo. A esse respeito, ele afirmou que:

Eu sei que é errado o que eu faço, de ficar aqui só no conteúdo.


Muita coisa que eu aprendi na especialização eu não consigo usar
nas minhas aulas (Miro – conversa informal).

A gente fica discutindo em cima do conteúdo, enquanto que educar


não é bem isso. Os PCN falam que o conteúdo não deve ser a
finalidade do ensino, deve ser um meio pra cidadania né? Então tu
tens que usar o conteúdo pra tu entenderes a... O que tá ao seu
redor, pra tu entenderes mais sobre a tua saúde, o PCN até fala, eu
fiz um resumo sobre os PCN, sobre a nossa parte de química que
fala: o quê que adianta uma menina terminar o ensino médio viu
tanto conteúdo de biologia, mas não sabe como funciona a sua
menstruação. Isso resume bem a questão. O cara sai viu tanta
química, mas ele não entende as coisas que estão ao redor de
química. Aí é o que cai no analfabetismo científico né? O cara
estudou um monte de conteúdo, mas ele não entende o que está ao
redor (Miro – conversa informal).

Percebi que na expressão do professor Miro há um conflito entre o que ele


considerava ‘certo’ e ‘errado’, entre um ensino de química contextualizado e visando à
cidadania, preconizado pelos documentos oficiais e outro correspondente a sua prática,
centrado basicamente nos conteúdos de química. A partir da leitura que fez dos
Parâmetros Curriculares Nacionais, Miro comentou que o ensino deve ser um meio pra
cidadania. Entretanto, o que ele considerava certo não acontecia quando o ensino de
química ficava restrito à abordagem do conteúdo científico em si, pois os estudantes
acabavam não entendendo o que está ao redor de química ou como usar a química para
pensar questões da realidade. A menção a um documento oficial nesse momento da
expressão de Miro demonstrou um conhecimento dele, bem como seu interesse pela
discussão acerca das finalidades do ensino de química. A esse respeito, Miro afirmou:

Olha, uma das coisas que o sistema acaba impondo é que o aluno
lá no vestibular, ele vai ser cobrado dessa química, então... isso
não deveria ser o principal, mas acaba que o sistema te coloca isso
como o principal. (...) na verdade o principal seria uma das formas
de você entender a realidade, entender o mundo, é... é um meio pra
você entender fenômenos. Essa na verdade seria a base de estudar
química, é uma das ciências que vai te ajudar a entender melhor o
que está ao nosso redor, fenômenos do meio ambiente,
alimentação saúde, tecnologia. (...). Mas o sistema acaba
colocando uma química decorativa, uma química sem ser
contextualizada, pro vestibular, o sistema acaba propondo isso.
Mas aos... de pouquinho em pouquinho a gente vai também
71

trazendo para a sala de aula é... visões pra ele entender o que está
ao seu redor, que na verdade pra mim é o principal (Miro –
entrevista 2).

Os processos seletivos para o ingresso no ensino superior influenciam o


currículo escolar no ensino médio (COSTA-BEBER ET AL., 2014). Em geral, o ensino
médio não atende as necessidades dos jovens em termos de sua formação intelectual e
de inserção na vida em sociedade, pois é visto principalmente como etapa preparatória
para o ingresso no ensino superior. Em meio a essa visão restrita, os programas de
ensino têm sido constituídos a partir de uma organização altamente disciplinar, em que
os componentes curriculares apresentam elevado número de conteúdos sem relação
entre si e com o contexto de vida dos estudantes (MALDANER, ZANON E AUTH,
2006).

Nesse contexto, os professores dificilmente abrem mão de itens de


conteúdo, porque eles também são cobrados pelos alunos e seus responsá veis. A ênfase
em abordar cada vez mais conteúdos, muitas vezes fragmentados, prejudica a educação
com vistas à “recriação cultural e a preparação para a participação no contexto social,
com vista a uma qualidade de vida melhor para as comunidades locais e a sociedade em
geral” (MALDANER, ZANON E AUTH, 2006, p.53). Ele comentou:

Pois é, porque... Mas só que a UFPA, ela ainda pede conteúdo, o


ENEM, ele tá contextualizado, mas ele ainda pede conteúdo e eu
sei que se eu ficar, porque os teóricos... Se eu ficar aqui
contextualizando eles não vão criar essa aptidão de resolver as
coisas de química porque é muito trabalhoso, então tu ficares, por
exemplo, eu me dedico só... eu faço um material altamente
adequado pro que eu tenho tempo pra trabalhar, eles não dão
conta, eles não se esforçam com isso, então se eu contextualizar
vai reduzir o que eles vão treinar de química, aí lá no vestibular
cai uma questão lá sobre uma situação de... sei lá de cinética, aí
ele vai pedir, normalmente ele pede lá aquela questão decorativa
de química entendeu? Então nós estamos numa fase que... meio de
transição. Se tu ficares contextualizando, daqui a pouco o aluno
vai te dizer sim cadê o assunto professor? As questões que vão cair
no vestibular, eu tô vendo lá no cursinho. Então nós estamos numa
fase que... que o certo ainda não é meio certo entendeu? Então eu
sei o que é certo, mas o sistema não permite entendeu? Mas aí eu
trago algumas coisas aqui pra sala de aula, poucas, mas trago
(Miro – entrevista).

Ele associou a contextualização do conhecimento químico a uma dimensão


72

teórica, o que é congruente com o que ele comentou anteriormente sobre a finalidade do
ensino, definida a partir de documentos oficiais, mas que para ele, não estavam de
acordo com a realidade de sala de aula. Para Miro, contextualizar o ensino era
importante para o entendimento da realidade, ao mesmo tempo em que significava
abordar menos conteúdos necessários para a aprovação dos estudantes no vestibular.
Dessa forma, contextualização e ensino de conteúdos se apresentavam para o professor
como duas dimensões isoladas, em que a consideração de uma ocorreria
necessariamente em detrimento da outra.

Em diferentes momentos da expressão de Miro, percebi que ele reconhecia a


importância da contextualização do conhecimento químico, ao mesmo tempo em que
admitia a necessidade de manter uma abordagem tradicional de ensino, centrada no
conteúdo químico em si. Ele também considerava que o sistema educacional está em
transição: coloca a cidadania como meta, mas avalia habilidades descontextualizadas.
Sobre a contextualização do conhecimento químico, ele afirmou:

A psicologia aponta que a aprendizagem é facilitada com a


presença do subsunçor, que é o que tu trazes de casa pra engatar
com o conhecimento científico que está sendo trabalhado, então eu
tento fazer isso. Às vezes quando eu tô trabalhando com meus
conteúdos eu tento fazer isso, por exemplo, eu trabalhei uma
atividade de orgânica e inorgânica no terceiro ano, aí eu botava um
monte de coisa do cotidiano, aí pra gente falar de presença de
orgânica e inorgânica porque eu tô trabalhando química orgânica...
Eu trabalho orgânica e físico-química à noite. Então tem turma que
eu trabalho orgânica, aí eles... eles tão fazendo... aí eu falava sobre
coisas... sim e o cabelo, e o leite e a areia, então a gente ia vendo.
Então eu tava aplicando nossos conceitos com coisas do dia-a-dia
deles. É claro que saber isso daí não vai interferir na vida deles.
Ah! Eu sei que o leite é orgânico, eu vou ter uma nova vida. Não.
Aí tu estás apenas entendendo algumas coisas porque nem sempre
tu... com o conhecimento, tu podes mudar a tua vida. Com a
alimentação pode, com meio ambiente pode porque se tu deixar de
jogar lixo na rua já, já valeu a pena entendeu? (Miro – entrevista).

Santos e Mortimer (1999) estabelecem uma distinção entre contextualização


do ensino e ensino de ciências relacionado ao cotidiano. Na contextualização a ciência é
abordada em seu contexto social, considerando suas relações éticas, ambientais,
culturais, etc. Na segunda abordagem, o ensino é centrado nos conceitos científicos,
ainda que relacionados a fenômenos do cotidiano. Não há necessariamente preocupação
em discutir relações entre ciência e tecnologia, além de atitudes e valores em relação à
73

ciência e suas implicações na sociedade. Assim, no ensino de ciências do cotidiano, a


ideia de contextualização pode acabar reduzida à exemplificação de conhecimentos
químicos a partir de fatos do cotidiano.
A ideia da contextualização como aplicação imediata de conhecimentos
químicos à realidade pode estar associada às extensas listas de conteúdos ainda
presentes nos processos seletivos para o ensino superior (COSTA- BEBER ET. AL.,
2014). Isso significa que uma ideia restrita de contextualização ajuda a manter a
sequência tradicional de conteúdos de química, sem contribuir para uma reestruturação
curricular que supere o isolamento e a linearidade dos conteúdos.
74

CASO 2:

Turma A: Edu, Lia e Ana.

3.2 Edu: Qualquer tipo de conhecimento é válido pra nossa vida (...).

Quando convidei Edu para integrar a pesquisa ele aceitou de imediato e


demonstrou entusiasmo em participar dela. Uma situação que ilustra esse entusiasmo e
que demonstra também seu interesse pela escrita, foi o momento em que solicitei que
ele produzisse uma redação sobre o tema “A Escola e a Aprendizagem”. Ao explicar que
poderia entregá- la depois, ele me disse que iria escrever o texto naquele momento: até
pra eu pra praticar, porque é sempre bom escrever mais mesmo (Edu – conversa
informal).

Edu morava com os avós maternos, sua mãe era empregada doméstica e seu
pai trabalhava como cozinheiro. Foi morar com os avós, segundo ele, em função de
dificuldades financeiras enfrentadas por seus pais. Era o primeiro ano que Edu estudava
na escola em que desenvolvi a pesquisa. Quando não estava na escola, relatou que
costumava acessar a internet, (ir ao) cinema, ouvir e tocar música, ler, estudar, jogar
vôlei (Edu – questionário). O estudo foi apontado por Edu como uma de suas atividades,
de modo que posso inferir certa importância pessoal atribuída a ele, ao aparecer como
atividade que não está restrita ao momento vivenciado no contexto institucional da
escola.

De sua escolaridade, Edu relatou que sempre estudou em escolas públicas,


numa história escolar bem sucedida, com boas notas e sem repetência. Das escolas que
frequentou, o estudante destacou uma na qual relatou sua participação em um projeto de
ciências e em especial num projeto de formação de leitores, no qual continuava
participando até o momento de nossa conversa. Seu envolvimento em diversas
atividades na escola e fora dela, tais como projetos, oficinas e produção de textos para
um jornal escolar, cuja participação não estava associada à obtenção de pontos e
dependia basicamente de sua decisão pessoal, expressa seu posicionamento como
sujeito e é um indicador de sua motivação para aprender. Ele afirmou:

Lá na [escola do ano anterior] eu participava do clube de ciências,


75

que é coordenado pelo professor de Biologia. Eu tinha um projeto


sobre as formigas. Só que hoje, tipo eu tô um pouco afastado por
causa do tempo, tô fazendo cursinho. É... eu participo também de
um projeto de leitura e escrita numa escola lá no Benguí. Então
tipo... é uma escola que... tinha um amigo meu que participava, aí
eu gostei do projeto e comecei a participar... participar assim
porque eu gostava mesmo, me interessei. Depois eu comecei a
trabalhar como mediador nas oficinas de leitura, participo de
saraus em outras escolas... a gente até conseguiu montar uma
biblioteca na escola que era carente e não tinha (Edu – conversa
informal).

É um jovem que se mostra altamente motivado para a aprendizagem


apresentando forte orientação para leitura e escrita, o que pode ser percebido pelo
entusiasmo com que se referiu à sua participação no projeto de formação de leitores e
pelo interesse demonstrado pelas atividades e produções relacionadas a esse projeto.

A mudança de escola fez com que Edu vivenciasse duas realidades em


relação ao estudo. Se, em uma das escolas destacou sua participação em projetos e
atividades fora da sala de aula, na outra focalizou o objetivo de conseguir a aprovação
no processo seletivo para o ensino superior. Isto o motivou a mudar para uma escola que
segundo a subjetividade social, que o estudante compartilhava, oferecia melhor
preparação para o vestibular, além de frequentar um curso preparatório para esse fim. A
esse respeito Edu afirmou:

(…) eu sempre estudei em escola pública. A minha primeira escola


foi uma municipal, no qual eu entrei no meu jardim I. E lá fiquei
até a minha oitava série... eu fui um bom aluno, nunca repeti de
ano, nunca tirei nota baixa, é... sempre participei de vários projetos
na escola e inclusive um que até hoje eu trabalho, no caso agora
na direção, que é o jovens leitores, de apoio à leitura, de jovens
que... pra incentivo da leitura e... desde o primeiro ano do ensino
médio, também sempre tive notas boas e agora passei para o
(escola atual), por conta do convênio, que é mais um artifício pra
conseguir entrar na UFPA que é o que eu quero (Edu – entrevista).

Ao se referir a suas experiências escolares anteriores, Edu destacou que foi


um bom aluno, o que de acordo com sua opinião é aquele que durante a escolaridade
participa de atividades extracurriculares, não apresenta notas baixas e nem repetência.
Do momento atual enfatizou o esforço que empreende em tudo que faz, apesar de na sua
percepção não atingir resultados excelentes:

Eu: Tento me esforçar em tudo, apesar de não ser o melhor em


76

nada (Edu – complemento de frases).

A expressão do jovem evidencia a produção de sentidos subjetivos


relacionados às atividades escolares, nos quais aparecem o sofrimento e a preocupação
com seu futuro, relacionados à insatisfação com seu desempenho atual na escola, onde
ele associa o aprender à memorização:

Meu maior problema: Não conseguir aprender certas coisas;


Não consigo: decorar nada;
Sofro: comigo mesmo;
Minha maior preocupação: Eu (Edu – complemento de frases).

Essas informações são indicadores de conflito no momento atual (Não


conseguir aprender certas coisas; decorar nada) e apontam para uma reflexão de Edu
sobre sua aprendizagem, pela qual ele se sente responsável e se preocupa consigo
mesmo ao não atingir os resultados que deseja. Tal reflexão constitui um indicador de
sua motivação, tendo em vista o valor que a aprendizagem possui para ele.

Outras informações demonstraram que a família era uma fonte de


emotividade que alimentava o conflito vivenciado pelo jovem. Num dos instrumentos
ele escreveu: Esperam que eu: seja o que eu não sou (Edu – complemento de frases).
Em minha interpretação, essa expressão indicou a existência de expectativas de outros
em relação a ele, que o afetavam pelas emoções geradas, que não estavam de acordo
com aspectos de sua própria identidade. Por isso considerei essa informação interessante
para o caso, o que me levou a conversar com Edu a respeito dela. Em uma conversa
informal ele comentou:

Porque eu quero fazer um curso, quero entrar numa universidade


de qualquer jeito... só que os cursos que eu escolho, quando eu
digo pras pessoas, elas dizem Ah, mas isso? Por exemplo, eu
escolhi jornalismo e aí o diploma não era mais obrigatório e aí as
pessoas ficam dizendo que não vale a pena e ganha pouco. Aí eu
procurei e eu me interessei, eu gostei muito de publicidade e
propaganda e o pessoal da minha família ‘Ah, tá...’. Mas mesmo
assim eu vou fazer, eu vou concluir um curso superior (Edu –
entrevista).

A desconsideração de seu interesse profissional futuro parece representar


para Edu a negação de sua própria identidade, o que demonstra a importância que o
estudo e o conhecimento têm para ele e permite definir a aprendizagem como uma
77

tendência orientadora de sua personalidade. Essa construção é corroborada por outras


informações, que apresentei anteriormente, tais como o estudo em seu tempo
autodeterminado, a participação voluntária em projetos e oficinas e a forte orientação
para a leitura e a escrita, atividades diretamente relacionadas ao seu interesse
profissional futuro.

Na subjetividade social da família apareceu a expectativa pela escolha de


um curso valorizado socialmente, numa área que fosse rentável no futuro, porém, sem
considerar os interesses do próprio jovem em relação à sua escolha profissional. Ao
investigar a percepção de adolescentes quanto à influência da família e de terceiros na
escolha profissional, Santos (2005) constatou que a família desempenha um papel
importante, porém não determinante, na escolha profissional dos jovens. A pesquisa
apontou que a influência dos pais, aparece, por exemplo, na liberdade de escolha que
dão aos filhos, ou então, no apoio ou exposição de opiniões, em que discordam ou
incentivam a opção por uma carreira específica. Esses resultados evidenciam a
influência da família e, ao mesmo tempo, o caráter complexo e contraditório das
emoções envolvidas nas interações com familiares e amigos durante a adolescência.

Na interpretação do caso de Edu, entendo que o estudante se sentia tenso em


relação à expectativa familiar, especialmente de seu pai, a quem se referiu como cabeça
dura (Edu - complemento de frases), o que lhe gerava dúvidas quanto à sua escolha
profissional. Entretanto, em nenhum momento de sua expressão o estudante atribuiu o
desejo de ingressar em uma universidade e concluir um curso superior, a uma
necessidade de sua família ou de outras pessoas. Era um desejo dele, ainda que
reconhecesse os anseios e a opinião dos familiares e sofresse. Além disso, em relação à
escolha da futura profissão, é possível perceber que Edu não associou a opção por um
curso à sua representação social como financeiramente promissor.

As informações acima constituem mais um indicador do caráter ativo de


Edu, expresso em seu posicionamento como sujeito diante da aprendizagem e de seu
processo de escolha profissional. Na perspectiva da Teoria da Subjetividade
(GONZÁLEZ REY, 2003), o desenvolvimento do sujeito aparece na relação
contraditória entre o individual e o social, na qual o nível individual é visto como um
sujeito que permanentemente se debate entre as formas de determinação social e suas
opções.
78

Apesar de demonstrar insatisfação com o tempo atual, o jovem fazia planos


para o futuro, o que informa que ele não se mantinha preso às dificuldades vividas no
presente:

Tenho vontade: de viajar para os E.U.A (intercâmbio cultural);


Se eu pudesse: eu já teria ido em N.Y;
Meu maior desejo: conseguir meus sonhos (Edu –
complemento de frases).

No registro escrito de Edu apareceram sentidos subjetivos associados ao


estudo, tais como a busca por uma vida melhor, o desejo e a confiança para realizar um
curso superior. É possível perceber que a vontade de concluir um curso superior estava
relacionada ao ingresso no mercado de trabalho, a melhores condições de vida e a busca
por novos saberes, desenvolvimento e realização pessoal. Isto associado a outros
momentos em que se referiu ao estudo, por exemplo, a reflexão sobre sua
aprendizagem, consolida a ideia do valor que ele tem para o jovem. Por outro lado,
considerando que os sentidos subjetivos coexistem muitas vezes de forma contraditória
(GONZÁLEZ REY, 2005), o desejo e a esperança do estudante de concluir um curso
superior são acompanhados pelo medo e incerteza de não conseguir atingir seus
objetivos.

Ele se expressou também sobre os estudos, na forma de suas projeções e


metas para o futuro, o que pode ser definido como um indicador de sua motivação para
aprender. Sobre isso, ele afirmou:

Eu quero: Fazer uma faculdade;


Um dia: Irei me formar em ensino superior;
Os estudos: Porta para um bom mercado de trabalho e saber;
O que eu mais quero: viver bem;
Um dia eu vou: melhorar;
Meu maior medo: ser que nem muita gente “parado na vida”;
Muitas vezes penso: que não vou conseguir;
Meu futuro: Desconhecido (Edu – complemento de frases).

Durante a observação das aulas, percebi que por diversas vezes parte da
turma se mostrava alheia, especialmente no momento em que o professor copiava no
quadro ou pedia para os estudantes resolverem exercícios. Nesses dois momentos, Edu
acompanhava a exposição do professor, mantinha a atenção no material impresso e
79

persistia na resolução dos exercícios, mesmo quando parte da turma se mantinha


dispersa.

Ele ficava desapontado quando seus colegas de turma demonstravam


desinteresse pelas aulas, emocionalidade, que associada à sua significação do “bom
aluno”, produz o sentido subjetivo de sua relação com os colegas, orientado pela
necessidade de distanciamento de alguns deles. Ele escreveu:

Eu prefiro: comer calado;


Eu me sinto: diferente do resto;
Algumas vezes: Não estou onde realmente estou (Edu –
complemento de frases).

O relacionamento com seus colegas de turma era pautado principalmente


pela conversa sobre os assuntos abordados nas aulas: Eu tento evitar amizades dentro da
escola, mas na minha sala tem gente que já conhecia, então é inevitável uma troca de
ideia. Mas tento compartilhar conhecimentos. (Edu – questionário). Ele mantinha uma
relação amistosa com os colegas que sentavam próximo a ele na sala e, conforme seu
relato conversava também sobre assuntos que não tinham relação direta com as aulas,
principalmente filmes e música. Porém esse contato ocorria basicamente antes de o
professor entrar em sala e no tempo livre entre as atividades. Essa postura em relação
aos colegas de turma, no contexto de sua configuração subjetiva, reafirma a motivação
de Edu pela aprendizagem.

Na redação sobre a escola e a aprendizagem Edu comparou o curso pré-


vestibular e a escola pública e avaliou que os estudantes da última se mostravam menos
interessados, o que segundo ele, prejudicava a atuação do professor e a qualidade das
aulas. Ele escreveu:

Escola é lugar de aprendizagem, pelo menos deveria ser. Falando


em escola pública a realidade é um pouco diferente, o interesse dos
alunos é diferente. Talvez pelo fato social que se passa nas
periferias. Condições até mesmo de espaço físico vivido. Sempre
estudei em escola pública, do meu fundamental até hoje. Em
especial uma que se encontra em uma região bem periférica, onde
podemos ver duas realidades. A escola oferece muitas ações
sociais, principalmente culturais, que infelizmente poucos são
atingidos, apesar de todos da localidade terem noção dos projetos.
Procuro aproveitar o máximo de qualquer iniciativa que o local
pode oferecer. A aprendizagem não está somente na sala de aula,
vai além de matérias para uma formação intelectual, mas de
80

moral. Falta de interesse de alunos é uma das coisas que mais


aparece dentro de uma sala de aula, prejudicando até mesmo o
professor em seu desempenho. Quando vemos outra realidade
como estou vendo agora, (fazendo cursinho) podemos ver que isso
realmente acontece. (Edu – redação sobre a escola e a
aprendizagem).

Ele representou a escola como lugar de aprendizagem e destacou que o


aprender não se restringe a uma formação intelectual baseada nas matérias apresentadas
em aula, mas que se estende a outras ações sociais e culturais que acontecem na escola.
Nesse momento de sua expressão é possível interpretar que Edu frequentava a escola
porque em sua orientação motivacional tinha como meta o aprendizado e o que ele
representava de possibilidade no futuro, além de valorizar as diferentes oportunidades
de crescimento pessoal que o ambiente escolar podia oferecer. Sobre o aprender na
escola ele afirmou:

Eu gosto muito tipo... de conhecer, que é um pouco diferente de


aprender, porque o conhecer tu corre atrás, tu vais correr atrás de
uma informação a qual supre alguma... alguma busca, alguma
necessidade tua, e pra ti aprender, pelo menos na escola, é uma
coisa meio que dada, é tipo tu tens que aprender isso, tu tens que
aprender aquilo, entendeu? (Edu – entrevista).

Nesse trecho da informação é possível perceber a produção de sentidos


subjetivos associados à aprendizagem, em que Edu distingue o conhecer e o aprender,
relacionando este último à escola. O conhecer é associado à participação ativa do aluno,
ou seja, ao envolvimento do sujeito no processo de conhecimento, que (…) supre
alguma... alguma busca, alguma necessidade tua, (…). Edu identifica o aprender na
escola como atividade despersonalizada, na qual o conteúdo da aprendizagem estaria
determinado, (…) uma coisa meio que dada, (...) e que, portanto, independeria dos
interesses dos estudantes. A distinção entre aprender e conhecer é, a meu ver, mais um
indicador de sua tendência motivacional para a aprendizagem. O sentido subjetivo do
aprender na escola, onde é privilegiada a transmissão de informações, articulado ao que
ele comentou anteriormente sobre sua dificuldade de memorização, acaba repercutindo
negativamente em sua motivação.

Na expressão de Edu sobre o aprender aparece o anseio por um aprendizado


voltado para o exercício da cidadania, mas ele admitiu que esse objetivo ficava em
segundo plano na escola sob a justificativa do ingresso no ensino superior e
81

possibilidade de melhores oportunidades de trabalho no futuro:

E... tipo assim, eu acho que o aprender na escola tem muito de ego,
principalmente na escola pública, que no caso, o ensino não seria
tanto pra esse ego, mas sim pra dar uma noção de vida pras
pessoas, mas o que acontece é: hoje sem o estudo, tipo, a vida
financeira de uma pessoa é bem tensa, é bem triste mesmo.
Então... se puder se esforçar um pouco mais aqui, é menos esforço
que tu vais ter lá pela frente, entendeu? É... tipo vendo isso que tu
percebes as coisas, que se eu pegar agora, me esforçar, estudar
aqui, conseguir passar em uma faculdade, me formar, eu não vou
trabalhar que nem um condenado é... em outros serviços, em
braçal ou até mesmo repetitivos, não é mesmo? (Edu – entrevista).

Ao mesmo tempo em que tem como objetivo a aprovação para o ensino


superior, o jovem valoriza a aprendizagem escolar como fonte de conhecimento para a
vida em sociedade, o que vai ao encontro do indicador anterior, sobre a distinção entre
aprender e conhecer na escola. Isto consolida a ideia de que o estudo é uma área de
sentido subjetivo para Edu, visto como possibilidade de enriquecimento pessoal e
desenvolvimento de sua subjetividade individual.

As afirmações anteriores sobre a vida financeira e o trabalho, articuladas ao


que Edu comentou sobre o motivo de ir morar com os avós, permite definir a situação
socioeconômica do jovem e sua família como elemento de sentido da configuração
subjetiva em que se expressa sua motivação para aprender na escola. O contexto
familiar, em uma dimensão de sentido subjetivo, orienta o jovem pela necessidade de
superação de dificuldades vividas no tempo presente e pela busca por melhores
condições de trabalho no futuro, o que movimenta a produção de sua subjetividade nos
processos de aprendizagem na escola.

Especificamente em relação à aprendizagem da química, Edu relatou não se


considerar um bom estudante: A química: Uma das poucas matérias que eu não sou
bom (Edu – complemento de frases). A percepção atual de seu rendimento acadêmico é
negativa em relação ao estudo da química, contudo, em função de seu caráter
multidimensional, essa percepção não é única em relação a todos os conteúdos de
química, como é possível perceber a partir do relato de suas preferências de estudo. No
âmbito da química, Edu registrou que gostava de estudar Elementos e fórmulas, porque
nos ajudam a descobrir e conhecer mais as coisas que temos contato (Edu –
questionário), mas não gostava de conteúdos de química (...) que levem matemática,
82

pois não é a minha melhor matéria (Edu – questionário).

Ficou evidente o desconforto que sentia em relação à matemática,


emocionalidade que posteriormente apareceu de modo expresso em outro instrumento:
Gosto de aprender: qualquer coisa sobre o ser humano sem números (Edu –
complemento de frases). A emocionalidade em relação à matemática influi na percepção
que tem de si como estudante de química e produz o sentido subjetivo da referida
disciplina, que o desmotiva para sua aprendizagem. Essa constatação é congruente com
o estudo de Pessoa e Alves (2011), no qual ficou evidenciado que o fato de não se
considerar bem sucedida em matemática foi decisivo para que uma estudante atribuísse
para si uma percepção negativa em relação ao estudo da química.

Sobre a importância de aprender química, Edu escreveu que: O estudo da


química entra muito diretamente em nossas vidas, ajudando-nos a compreender um
pouco mais nosso dia a dia (Edu – questionário). O jovem via a química como
conhecimento relacionado à vida diária, porém não expressou em que termos percebia
essa relação. Ele se referiu às aulas de química da seguinte forma:

As atividades de química: algumas até que são interessantes;


Nas aulas de química: tento não sentir sono (Edu –
complemento de frases).

O que faz diferença para Edu de modo que ele considere algumas aulas de
química até que interessantes e em outras tente não sentir sono? A postura ativa e
reflexiva diante do conhecimento alimenta o sentido subjetivo da aprendizagem para o
jovem, a partir do qual sua motivação para aprender química é potencializada,
principalmente quando aparece associada ao alcance de sua autonomia intelectual. A
esse respeito ele afirmou:

Assim, né? Porque tem aquele negócio do senso comum e do bom


senso. Se tu não tens noção das coisas que te cercam, tipo tu vais
ficar meio alienado, tipo qualquer coisa que te disserem tu vais
achar certo, porque tu não tens noção. É a mesma coisa que te
disserem é... uma situação é... por que aconteceu tal coisa, tipo um
terremoto, ah pelo envolvimento das placas tectônicas, causadas
pelo fluxo e tal e tal. Mas se tu não tens noção disso, se chegarem e
falarem, ah! Por que teve isso? Porque Deus quis, tu vais acreditar,
entendeu? Somente por isso, entendeu? Então, qualquer tipo de
conhecimento é válido pra nossa vida, pra gente não ser alienado,
pra gente não ser passado pra trás, então é muito importante
conhecer, é muito importante saber (Edu – entrevista).
83

Quando chove a gente começa logo a imaginar porque tá


chovendo? Porque aconteceu a evaporação e foi pra atmosfera,
ocorreram todos os processos e acabou caindo aqui, então a gente
acaba vendo por outro lado também, entendeu? Tipo é uma noção
a mais que a gente tem a gente saber diretamente o que a gente
está fazendo, o que tá acontecendo, o que a gente tá observando,
eu vejo muito dessa parte. No caso da alimentação, por exemplo,
ah! isso a gente leva pra nossa vida, dados né? A gente às vezes
nem vê rótulo, a maioria das vezes a gente nem vê o rótulo e nem
sabe o que tá ingerindo, entendeu? Porque às vezes pra gente isso
é tão superficial, isso é tão sem importância, mas quando a gente
acaba estudando, a gente acaba conhecendo, a gente começa a
olhar aquilo de outra forma entendeu? (Edu - entrevista).

Associada à distinção que Edu fez entre conhecer e aprender, é possível


observar uma produção de sentido subjetivo relacionada ao estudo, que permite
perceber aspectos de sua motivação para aprender. A necessidade de conhecer, que se
desenvolve em sua subjetividade individual, não coaduna, de acordo com o que ele
afirmou antes, com o sentido subjetivo do aprender na escola, o que confirma a ideia de
que isto repercute negativamente em sua motivação. O conhecimento, em seu sentido
subjetivo, é valorizado como instrumento de compreensão e atuação frente a situações
com as quais se depara em sua vida, como é possível perceber em sua postura de
questionamento e problematização do que está estudando.

Sobre as aulas de química ele comentou:

Ano passado meu professor era muito bom de química e... pô eu me


interessava bastante na aula dele, só que ele começou a faltar,
faltar e... começou a ficar ruim esse lado. Aí logo pro final do ano,
a minha média foi caindo, tirava nove, nove e meio, começou a sair
sete... fui me desestimulando mesmo, só que eu nunca fui ruim de
química, tipo mesmo que eu não goste da matéria eu tento me
esforçar, então a minha média quando vem entre cinco e sete é
porque eu não me interesso mesmo, quando aumenta quer dizer
que eu me interesso, então a química... agora tá nessa faixa, cinco
a sete (Edu– entrevista).

No recorte acima ele se referiu ao professor do ano anterior como muito


bom de química, representação que influi positivamente em seu interesse pela
aprendizagem da referida disciplina. Edu reconheceu que se desinteressou pelas aulas de
química, o que pode ser percebido segundo o próprio jovem, pelo decréscimo de suas
notas nas avaliações e que ele atribuiu ao momento em que o professor de química do
84

ano anterior começou a faltar às aulas. Por esse motivo, o fato de se sentir
desestimulado, não afetou a percepção que o jovem tinha de si como estudante de
química: (...) só que eu nunca fui ruim de química (...) (Edu – conversação), no que o
esforço empreendido mesmo na aprendizagem de componentes curriculares que afirmou
não gostar contribuiu para isso, o que é uma importante informação acerca de sua
motivação para aprender química: (…) tipo mesmo que eu não goste da matéria eu tento
me esforçar (…) (Edu – Entrevista).

No complemento de frases Edu escreveu: A química: Uma das poucas


matérias que eu não sou bom (Edu – complemento de frases). Tomada de forma isolada,
a confrontação entre essa expressão e a anterior (...) só que eu nunca fui ruim de
química (...) (Edu – conversação), aponta uma contradição no pensamento dele, porém,
é necessário considerar que elas se referem a momentos distintos da vida do jovem. No
trecho da conversação, Edu se referiu à sua história escolar, e no complemento de
frases, ele comentou a percepção que tinha de si como estudante de química no
momento em que desenvolvi a pesquisa. Tais expressões não estão separadas, por
exemplo, da representação que ele tinha do professor de química do ano anterior: Ano
passado meu professor era muito bom de química (...) (Edu – conversação) e do
professor atual de química que em sua avaliação: tem o poder de me fazer entender
muito limitado (Edu – complemento de frases). Essas informações permitem inferir a
importância do professor como elemento de sentido em sua motivação para aprender
química. A esse respeito, ele afirmou:

Algumas aulas são bem interessantes, consigo prestar atenção, mas


no geral, logo no começo, quando começou, as aulas tavam bem
chatinhas. O método dele, tipo as apostilas dele [professor atual]
são boas, só que tipo o jeito dele dar aula que complica um pouco.
Se tu estudar só pela apostila tu consegue aprender, é um fato, mas
tipo o método do outro professor, ele tinha apostila boa, mas a aula
dele completava, entendeu? Era uma aula divertida, então ele
conseguia te envolver tipo que nem o professor de biologia daqui,
o qual tipo esse professor agora, atual tá começando a tentar fazer
isso, entendeu? Começar a envolver a sala com a matéria e não só
passando a matéria (Edu – entrevista).

É possível observar, associado ao que ele comentou antes sobre seus


professores, a representação que eles ganham para Edu, inicialmente em termos do
domínio do conteúdo químico e da qualidade de suas explicações. Ele comparou o
professor de química do ano anterior e o professor atual e comentou que este último
85

tinha apostilas boas, entretanto avaliou que o jeito que ele desenvolvia as aulas
complicava sua aprendizagem da química. Sobre o professor anterior, Edu afirmou que
também tinha apostila boa, mas destacou que a aula dele completava, argumentando
para isso que era uma aula divertida e que conseguia te envolver. As apostilas dos dois
professores estavam direcionadas para a abordagem do conteúdo químico em si e não
necessariamente para a promoção do envolvimento do sujeito com o objeto de
conhecimento. A meu ver, o que distinguia a prática dos dois professores não era o
material de apoio utilizado, mas sim a qualidade do envolvimento dos estudantes
durante as aulas. Na expressão do jovem, o professor de química do ano anterior
mostrava disposição em promover o interesse dos estudantes pelos assuntos abordados
em aula. Sobre o que significava o envolvimento nas aulas, ele comentou:

Pra mim é exatamente esse envolvimento que o professor faz, com


o aluno e a matéria. Tipo eu gosto muito da aula de biologia e tipo
ele consegue dar um envolvimento entre a matéria e a tua vida e a
sociedade, e tu vê aquilo ali, tá na tua frente e que dá pra ti pegar,
dá pra ti usar aquilo ali, entendeu? Tipo eu considero muito
interessante a aula dele, ele consegue te envolver (Edu –
entrevista).

As informações acima demonstram que o interesse do jovem é alcançado no


momento em que o aprender passa a integrar sua produção de sentidos subjetivos, no
âmbito da qual ele valorizava a aprendizagem escolar como instrumento de
compreensão e atuação em sua vida, conforme defini anteriormente. O professor foi
fundamental nesse processo, o que corrobora a hipótese sobre sua importância como
elemento de sentido da motivação do jovem para aprender química. Essa construção vai
consolidando a ideia de que a motivação para aprender química não é definida pela
abordagem do conhecimento químico em si ou pela simples utilização de um
determinado material de apoio pelo professor. A esse respeito, o jovem afirmou:

Eu acho que a química é um negócio meio que... difícil de


trabalhar, porque... só ela, tipo só a matéria, acaba sendo
cansativa, enjoada e desinteressante, mas é como toda matéria,
tem que haver um entretenimento, tem que haver tipo... uma forma
interessante de ensinar, não só aquele negócio, tipo olha é isso,
isso, isso, isso, a conta é isso, a fórmula é isso, pronto, passa,
entregue na próxima aula. Tipo assim, se torna super chato! Não
dá vontade de estudar. Aí tipo se tu pegas um professor que faça
uma dinâmica, que faça uma atividade, é... faça ver que aquilo ali
que tu estás estudando tá dentro da tua vida, tipo tá na tua mão e
tu nem percebes que tu podes usar aquilo ali para viver, na tua
86

vida mesmo. É... em casa, tipo aquilo mais interessante, entendeu?


Quando o professor consegue te envolver, envolver a matéria com
a tua vida e não só passar a matéria, vamos supor, que tá
ensinando (Edu – entrevista).

Edu representou a química como disciplina escolar difícil, cansativa,


enjoada e desinteressante, principalmente quando o ensino é voltado somente para a
transmissão de um conhecimento objetivo, que exclui o jovem como sujeito que
aprende e o direciona a uma postura de recepção e reprodução do conhecimento para a
resolução formal de atividades escolares: (...) olha é isso, isso, isso, isso, a conta é isso,
a fórmula é isso, pronto, passa, entregue na próxima aula. A esse respeito, concordo
com Pozo e Gómez Crespo (2009), quando destacam como possível consequência
decorrente do ensino de ciências pouco significativo, a falta de motivação ou interesse,
além da baixa valorização do conhecimento científico pelos alunos.

A dinâmica e o clima da sala de aula estabelecido pelo professor


demonstram que ele atua como facilitador do envolvimento do jovem em seu próprio
processo de aprendizagem (MITIJÁNS MARTINEZ, 1997), o que reafirma a
importância do professor como elemento de sentido da motivação para aprender
química. Conforme indicadores que apontei antes, o sentido subjetivo que a química
ganha para ele, como conhecimento que pode tomar parte de sua vida, é um aspecto
valorizado por Edu, que alcança suas emoções e reflexões, movimentando seus
processos motivacionais na direção de melhor aprendizagem da química. Ficou claro
que o professor do ano anterior teve um papel fundamental nesse sentido, pois, ao
abordar o conhecimento químico articulado ao contexto social, contribuiu para
mobilizar o interesse e a motivação do jovem para aprender química.
87

CASO 3:

3.3 - Lia: Ai! Quando vem aquele mol! Eu não vejo importância na
química pra mim. Pra mim ela tendo ou não, não faz diferença.

O primeiro contato que tive com Lia aconteceu após a estudante ter faltado
três aulas seguidas. Conforme relatou posteriormente, ela faltou às aulas porque havia
chegado atrasada na escola e não gostava de entrar na sala após o início da aula. Isso
porque, segundo Lia, o professor fala muito com quem chega atrasado e ela não gosta
de ouvir calada. Diante disso, perguntei a ela se não era melhor entrar na sala para não
perder a aula de química, e ela respondeu: De que adiantava? Eu ia entrar e ele não
dava mais frequência e ele, a maioria da avaliação dele, a pontuação, ele tá olhando
ali na frequência (Lia – conversação). A meu ver, esse registro permite a hipótese de
que em sua motivação para aprender química, a jovem estava orientada por fatores
externos, como o recebimento de pontos nas aulas.

Após esse contato inicial, observei que Lia se mostrava bastante inquieta
durante as aulas de química, como se algo a incomodasse. Quando o professor estava no
quadro expondo o assunto, Lia se movimentava constantemente na carteira, abria e
fechava o caderno, escrevia algo na atividade impressa entregue pelo professor. Do
outro lado da sala, eu tinha a impressão de que ela fazia anotações referentes à aula e
tentava resolver os exercícios solicitados pelo professor. Ao me aproximar dela, pude
perceber que na realidade ela pintava o material impresso, escrevia seu nome diversas
vezes nele e o manipulava, dobrando e virando de um lado para o outro. Após a
exposição do professor, em alguns momentos Lia se concentrava, inicialmente tentando
resolver os exercícios do material, porém, logo o deixava de lado, se mostrando
novamente inquieta. Essa postura me levou a inferir que ela não se sentia motivada a
resolver os exercícios, pois desistia diante da primeira dificuldade que encontrava em tal
atividade.

Quando perguntei se gostaria de participar da pesquisa, ela prontamente


disse que sim, se for para mudar alguma coisa eu quero (Lia – conversa informal), o
88

que confirmava o incômodo da estudante e demonstrava sua insatisfação com aspectos


relacionados às aulas de química. Após aceitar participar da pesquisa, a estudante
apontou para uma colega de turma e afirmou: Tu podes falar com ela, ela é ruim em
química também. Não sou só eu que não sei nada de química (Lia – conversa informal).
Ela julgava ser esse o critério para escolha das pessoas que iriam participar da pesquisa,
expressando claramente uma percepção negativa de seu rendimento acadêmico como
estudante de química.

Na ocasião da pesquisa Lia morava com a mãe e duas irmãs mais velhas em
uma ilha distante cerca de 25 km do centro de Belém-PA. Ela ia de ônibus para a escola,
num trajeto que levava em torno de 40 minutos. Era o segundo ano que Lia estudava na
escola em que realizei a pesquisa. Quando não estava na escola ela frequentava um
curso livre de webdesign, que ela escolheu, segundo seu relato, (...) porque eu gosto e
porque não tem cálculo (Lia - conversa informal). Em outros momentos, costumava ir
na praça ou na praia (Lia – questionário).

De sua história escolar Lia relatou que durante o ensino fundamental


estudou em uma escola pública próxima de sua casa e que após repetir um ano, foi
morar com parentes próximos em um município do interior do estado do Pará. Lá
cursou a sétima e oitava séries na modalidade de educação de jovens e adultos. Sobre a
escola que estava frequentando ela afirmou:

Bom eu gostava até o ano passado, pois agora tá muito chato.


Principalmente as matérias que não consigo entender Física,
Matemática e Química (Lia – questionário).

Lia expressou dificuldade em entender o que era visto nas disciplinas física,
matemática e química, situação que compunha sua representação negativa da escola no
momento em que conversamos. Ela comparou sua turma do ano anterior com a turma
que estava participando e contou que na turma do 1º ano estudantes e professores eram
unidos, mencionando sobre isso, as conversas e os momentos de reunião em que
realizavam os trabalhos escolares. Entretanto, na turma do 2º ano, ela avaliou que as
relações eram pouco amistosas e restritas a cumprimentos formais. Ela relatou:

(…). Lá no primeiro ano era todo mundo unido, tanto professor...


Não tinha uma pessoa que a gente se desse mal com eles, todos, no
intervalo a gente falava com eles, na hora da saída, a sala... todo
89

mundo unido na sala, era coisa de trabalho se reunia junto, aqui é


coisa que não se vê, professor entra boa tarde, tchau, ás vezes nem
boa tarde dá. Aluno é um olhando com cara feia pro outro, vai se
sentir bem numa sala dessas? Não, né? (Lia – Entrevista).

Lia citou situações e pessoas que indicavam importantes sentidos subjetivos


para ela: o relacionamento com os professores, que ela valorizava pela aproximação e a
interação com os colegas durante os trabalhos escolares no horário das aulas e fora dele.
Esses aspectos contribuíam para manter um clima de emotividade positiva na sala e
faziam a estudante se sentir bem durante as aulas. Sobre a mudança de turma ela
afirmou:

(…) no primeiro dia que eu entrei nessa sala eu chorei, eu falei que
eu não queria ficar nessa sala. Não queria. Quando eu entrei, o
pessoal todo olhando, estranho, e eu ‘égua’ eu não quero, eu chorei
pra minha mãe, chorei no SOESE1, dizendo pra me mudar de sala,
mas eles não mudaram. A minha sala do ano passado é tudo da
primeira ali, tá todo mundo junto, só eu que caí diferente, eu e
mais outra menina e mais duas dali que era do ano passado. Sendo
que as duas que caíram, ano passado, eu nem falava, a gente nem
falava com elas lá embaixo. E a outra, engravidou e parou de
estudar. Aí pronto, depois eu conheci a Ana, os meninos, aí eu me
entrosei mais, sendo que o pessoal dali ninguém fala, é só aqui
mesmo. (Lia – Entrevista).

O recorte de conversa acima, complementando o anterior, é um indicador da


importância do clima nas aulas, expresso pelo relacionamento pessoal com colegas e
professores, que a partir das emoções envolvidas produz um sentido subjetivo que
contribuía para motivação de Lia em aprender, e que foi comprometida pela mudança de
turma. Posso inferir que esse acontecimento, somado à representação da escola, que a
jovem associou a dificuldade em entender física, matemática e química e a avaliação
que fez da turma anterior e atual, eram elementos de sentido de uma configuração
subjetiva que orientava sua vida escolar naquele momento. Essa configuração era
constituída por sentidos subjetivos que faziam, por exemplo, com que Lia 1) se sentisse
excluída da turma anterior: A minha sala do ano passado (...), tá todo mundo junto, só
eu que caí diferente; 2) não se sentisse querida por professores e colegas: professor
entra boa tarde, tchau... Aluno é um olhando com cara feia pro outro e 3) não se
sentisse parte da turma atual: Quando eu entrei, o pessoal todo olhando, estranho. São
sentidos subjetivos que expressam a emocionalidade com que a estudante vivenciava a

1
Serviço de Orientação e Supervisão Escolar
90

aprendizagem escolar no momento que realizei a pesquisa e que dificilmente poderiam


apoiar processos motivacionais na direção de melhor aprendizagem da química.

No mesmo recorte, Lia mencionou seu entrosamento atual com alguns


colegas que sentavam próximo a ela na sala, o que fazia com se sentisse parte de um
grupo na turma. De fato, pude perceber que a frequência com que ela vinha à escola
aumentou, a partir do momento em que se aproximou desses colegas. Outra mudança
que observei foi que Lia passou a sentar no mesmo lugar, sempre na última fileira, o que
me chamou atenção, pois nas duas semanas anteriores, em cada aula ela sentava em um
lugar distinto. Contudo, essa relação diferentemente do que relatou ter vivenciado na
turma do ano anterior, contribuiu apenas para que ela frequentasse a escola, mas não se
converteu em elemento de produção de sentido que pudesse apoiar sua motivação para
aprender química. Em minhas observações pude perceber que ela não persistia diante de
dificuldades que encontrava nas atividades durante as aulas de química. Isto reforça a
ideia de que as relações pessoais não são relevantes por si mesmas, mas pela
emocionalidade gerada no sujeito que aprende (ROSSATO, 2009). Sempre que a
encontrava no corredor da escola, eu a cumprimentava e perguntava se ela estava indo
para a aula de química. Algumas vezes percebi que ela assistia aula uma turma
diferente, em outras ocasiões dizia que não iria entrar em sala, alegando não estar se
sentindo bem, geralmente com dor de cabeça. Contudo, ao sair da sala, eu a encontrava
conversando animadamente com os colegas da sua turma do ano anterior. A jovem
demonstrou que estava ligada emocionalmente à sua turma anterior, o que dificultava
seu envolvimento com a turma atual.

No complemento de frases ela escreveu:

Minha vida: é maravilhosa pois tenho pessoas que eu amo;


Meus amigos: são simplesmente pessoas incomparáveis;
Meu maior medo: perder meus amores da minha vida (Lia -
complemento de frases).

Nessas frases ganharam destaque suas relações pessoais, o que está de


acordo com o indicador anterior sobre o relacionamento pessoal com professores e
colegas como fonte de emocionalidade e produção de sentido subjetivo, o que informa
sobre a importância que essas relações tinham para a jovem. Ela afirmou:

O tempo mais feliz: o dia em que meu sobrinho nasceu.


91

Sinto falta: da minha infância (Lia – complemento de frases).

Lia situou o tempo mais feliz no passado. O fato de citar o nascimento do


sobrinho dá uma ideia da importância da família para ela. Percebo ainda que seu
passado está integrado à felicidade familiar vivenciada na infância. Sobre sua família
ela afirmou:

Minha família: é o bem mais precioso que eu tenho;


Minha mãe: É a razão do meu viver que eu mais amo;
Eu gosto: de sempre estar ao lado da minha mãe;
Fico feliz: quando chego em casa e vejo a minha mãe (Lia -
complemento de frases).

Essas informações articuladas às anteriores demonstram que a família é uma


configuração subjetiva relevante para a subjetividade individual de Lia, da qual se
destaca a emocionalidade com que se refere a sua mãe. A mãe é central na configuração
subjetiva da família e também constitui, como elemento de sentido, a configuração
subjetiva do aprender na escola. Essa interpretação é corroborada pelas informações a
seguir:

Esperam que eu: consiga alcançar meus objetivos;


Meu maior desejo: poder ajudar minha mãe (Lia - complemento
de frases).

O amor que sente pela mãe assumiu um importante sentido subjetivo para
Lia, confirmado pelas expectativas e o compromisso que demonstrou ter com ela. A
jovem demonstrou interesse em terminar logo os estudos ou simplesmente desistir
deles, mas ao mesmo tempo tinha consciência de que não podia, principalmente pelo
compromisso que havia assumido com sua mãe. A esse respeito, ela afirmou:

A escola é chata, às vezes eu quero continuar, mas eu não tenho


vontade. Na verdade eu acho que eu já desisti, só estou esperando
acabar esse ano letivo e o próximo. (Lia – redação sobre a escola e
a aprendizagem).

Eu quero: acabar logo com meus estudos;


Muitas vezes penso: em desistir dos meus estudos;
Não posso: desistir dos estudos (Lia - complemento de frases).

Sobre o que achava da química, ela escreveu: Ai! quando vem aquele mol!
Eu não vejo importância na química pra mim. Pra mim ela tendo ou não, não faz
92

diferença (Lia – entrevista). Nesse trecho é possível perceber a representação da


química, que apareceu associada à matemática e a relação que tinha com esses
conhecimentos: Química e matemática por mim tava fora já... negócio com cálculo não
é comigo (Lia – questionário). O envolvimento de Lia nas aulas de química estava
relacionado com o próprio conhecimento químico, principalmente quando havia
necessidade de utilização de conhecimentos matemáticos.

Em outros momentos ela confirmou sua atitude negativa em relação à


química: Vou ser bem sincera, na minha opinião a química é muito chata, acho que
nem deveria ter essa matéria, é um tédio (Lia – questionário). Para ela, estudar química:
com certeza é importante... mas pra mim não vejo importância, seria tão bom não ter
essa bendita aula de química (Lia - questionário). Ao mesmo tempo em que disse estar
certa da importância de aprender química, ela se contrapôs a tal ideia, o que me levou a
considerar que tal posicionamento expressava o distanciamento pessoal da jovem em
relação ao conhecimento químico.

Ela demonstrou que no momento da pesquisa não dava valor ao estudo da


química, porém, tinha o entendimento de que precisava dele. Baseado no que ela
comentou anteriormente sobre sua mãe, posso inferir que contribuiu para esse
entendimento o compromisso que assumiu com ela para concluir os estudos e ajudá-la
financeiramente no futuro. Essa construção reafirma a ideia de que a relação com mãe,
em uma dimensão de sentido subjetivo, participava como elemento de sentido de sua
configuração subjetiva do aprender na escola. Contudo, ficou claro que apesar de
contribuir para que ela continuasse frequentando a escola, esse fator isoladamente não
determinava a motivação da jovem para aprender química.

Na sequencia da análise recorri à conversação com a estudante em busca de


mais informações a partir das quais eu pudesse entender a contradição em seu
pensamento acerca da importância da aprendizagem da química. Em sua motivação
para aprender química, Lia demonstrou ter como meta a preparação para o ensino
superior. Ela comentou:

(...) até pro vestibular, com certeza a química pode me ajudar


muito na prova que eu queira fazer lá, eu tenho que saber a
química pra eu poder fazer a minha prova, é isso que eu entendo
que a química serve pra... com certeza no vestibular eu vou
93

precisar saber a química não é verdade? (Lia – entrevista).

A motivação, como sentido subjetivo, destaca a necessidade de situar as


metas do sujeito no contexto de sua configuração subjetiva e não tomá- las como
elementos isolados que determinam o envolvimento dele em uma atividade concreta.
No caso de Lia, foi possível notar que a meta de ingresso no ensino superior, apareceu
direcionada primordialmente às expectativas de sua mãe e não necessariamente ao
atendimento de uma vontade sua. Isto é possível perceber no momento em que ela
relatou seu interesse em concorrer a uma vaga no curso de Medicina: Eu quero
Medicina, mas eu tô na dúvida, talvez até lá eu nem faça. A minha mãe que fica toda
empolgada com isso (Lia – conversação). No contexto familiar de Lia, a aprovação para
o ingresso no ensino superior, em um curso valorizado socialmente, era um desejo de
sua mãe, conforme comentou a estudante:

Ela [mãe] quer que eu seja alguém na vida né? Ela quer que eu
acabe meus estudos, ela quer que eu faça o vestibular, tanto que
ela tá pagando cursinho desde o primeiro ano (Lia – entrevista).

A mamãe disse que se eu ficar em dependência, eu vou voltar pro


primeiro ano, ela não aceita eu ficar em dependência (Lia –
conversa informal).

Essas informações confirmam a hipótese de que sua motivação para


aprender química estava configurada principalmente em exigências externas, como por
exemplo, obter a pontuação nas aulas e atender as expectativas de sua mãe. A esse
respeito González Rey (2008, p. 39) nos diz que:

Não existirá sentido subjetivo em uma atividade despersonalizada;


portanto, o maior inimigo da aparição dos sentidos subjetivos na
aprendizagem será a aprendizagem padronizada, centrada em
exigências externas que impedem o aluno de tornar-se sujeito de
seu percurso na aprendizagem.

A aprendizagem padronizada é característica do ensino voltado para os


processos seletivos das instituições de nível superior, no qual a química é apenas uma
disciplina escolar, sem relação com o mundo da vida dos alunos (QUADROS, 2006).
Tal padronização identifica aprendizagem como reprodução e exclui o estudante em
termos de sua condição de sujeito que se posiciona diante do que aprende.

A relação da jovem com a química se mostrou restrita a obrigações


94

escolares e aparentemente sem contribuições para sua formação pessoal e


desenvolvimento de sua subjetividade individual. Dessa forma, por mais importante que
fosse o ingresso no ensino superior, centrar o ensino da química na preparação para esse
fim não contribuiu para que a jovem produzisse sentidos subjetivos que repercutissem
positivamente em sua motivação, no sentido da construção de vínculo e compromisso
pessoal com a aprendizagem da química.

Outra informação que vai ao encontro da construção acima é que apesar da


jovem ter como meta o ingresso no ensino superior, ela avaliou negativamente as
apostilas utilizadas pelo professor Miro, com conteúdos e exercícios selecionados por
ele com essa finalidade. A esse respeito, Pintrich et al. (1993) chamam a atenção para o
fato de que os estudantes percebem as atividades e materiais didáticos a partir de uma
perspectiva pessoal que difere da forma como foram definidas pelos professores. No
caso de Lia, ela escreveu:

(...) O problema é que eu não gosto das atividades que o professor


de química passa. O professor de química traz só uma atividade e
um exemplo. Não dá pra aprender a fazer aquilo só com um
exemplo. Na escola o professor já sabe, ele é o professor, nós
somos os alunos, a gente tem que aprender, mas nem sempre isso
acontece. Eu acho que seria mais fácil ele explicar, pra poder dar
a atividade, e não dar só um exemplo (Lia – redação sobre a escola
e a aprendizagem).

Quanto ao seu envolvimento nas aulas de química, Lia disse que não as
suportava e que não conseguia (...) entender nada, ano passado até que eu entendia
quando a minha professora era a Rosa (professora de química do primeiro ano do
ensino médio), as aulas eram bem melhores, mas esse ano tá uma titica... (Lia -
questionário). Nos registros acima, é possível observar uma produção de sentido
subjetivo que constituía a motivação da jovem para aprender química. Lia se referiu à
professora de química do ano anterior e ao professor que estava na sala de aula naquele
momento, informação que demonstra o sentido subjetivo que os professores têm para
ela, como aqueles que podem possibilitar seu acesso ao conhecimento. Ao mesmo
tempo, na expressão da jovem, professor e aluno apresentam papéis bem definidos, em
que o primeiro detém o saber que deve ser aprendido pelo segundo, momento em que é
possível perceber que ela concebia o aluno em uma posição de passividade em relação
ao conhecimento. Sobre o professor Miro, ela escreveu:
95

Ele complica minha cabeça, às vezes ele mesmo se complica na


explicação. Eu não gosto dele, mas também não tenho nada contra
ele (Lia - questionário).

O envolvimento de Lia nas aulas de química estava associado ao


entendimento dos conteúdos, ou seja, com o próprio conhecimento químico, de acordo
com o que apontei anteriormente, e sua relação com o professor, aspectos podem ser
confirmados na continuidade de sua expressão:

Eu não entendo nada que ele fala. Quando era... Como eu te falei,
quando era com a professora Rosa lá embaixo, égua, a professora
Rosa explicava muito bem, tanto que a gente gostava da aula dela,
eu adorava a aula da professora de química, todo mundo da sala,
a gente trabalhava muito com a tabela periódica, eu entendia tudo,
tanto que as minhas notas ano passado eram boas. Tenho oito,
nove em química. Esse ano quatro e meio... (Lia – entrevista).

A motivação é constitutiva da aprendizagem e repercute na execução de


atividades em aula assim como o que o estudante realiza e aprende afeta e sustenta sua
motivação (PINTRICH E SCHUNK, 2006). É possível observar, no caso de Lia, a
recursividade entre motivação e aprendizagem. Ao resgatar uma experiência escolar
prévia, a estudante enfatizou que adorava a aula da professora de química, trabalhava
muito com a tabela periódica e entendia tudo. A motivação sustenta o aprender,
implicando a jovem nesse processo, que, por sua vez, pelas emoções envolvidas,
contribui para a produção de sentidos subjetivos que constituem seus processos
motivacionais na direção de melhor aprendizagem da química.

Do primeiro ano do ensino médio a jovem citou o trabalho frequente com a


tabela periódica, conhecimento que desejava aprender e que era uma fonte de satisfação
para ela:

Ah! Eu era doida pra aprender a tabela periódica, porque eu não


sabia ler a tabela, e a Rosa trabalhava muito com a tabela, por
isso que eu gostei que eu comecei a saber o que era aquilo. Tanto
que na prova, a gente fazia a prova com a tabela periódica na mão.
Eu consegui entender um pouquinho (Lia – entrevista).

Chamou a atenção o entusiasmo com que ela se referiu à tabela periódica,


tendo em vista que até o momento dessa conversa, sua motivação para aprender química
esteve orientada por fatores externos à aprendizagem do conhecimento químico. Por
isso conversei com a jovem sobre a importância da aprendizagem da tabela periódica.
96

Ela relatou:

Ai! É que eu achava bonita a tabela! [risos]. Com todos os


elementos... Não, eu queria aprender a ler a tabela, aqueles
símbolos e a professora Rosa ensinou a gente. Ela disse que a
gente precisava saber usar a tabela, que era importante pra...
vamos dizer assim... as informações, as propriedades, é isso? Dos
elementos químicos. Então a gente usava a tabela pra encontrar os
elementos, pra ver as propriedades... então é isso, precisa aprender
a ler a tabela, pra poder usar quando tiver estudando química, é
importante pra isso, foi o que eu aprendi (Lia – conversa informal).

A reflexão de Lia sobre a aprendizagem da tabela periódica pode ser


definida como expressão da motivação da jovem porque demonstra seu
comprometimento com a aprendizagem desse conteúdo. Em seu pensamento, a jovem
concluiu que a tabela periódica era um instrumento de consulta sobre os elementos
químicos, especialmente a localização e o estudo de suas propriedades. A partir dessas
informações, posso afirmar que a motivação da jovem é alcançada nas situações em que
ela consegue produzir sentido subjetivo sobre o conhecimento químico, na direção do
entendimento do conteúdo trabalhado em aula.

O conhecimento da tabela periódica era importante para ela, mas na lógica


do ensino determinado pelo conteúdo programático para o ingresso no ensino superior,
não foi considerado como conhecimento químico necessário para a aprendizagem no
segundo ano do ensino médio. A tabela periódica, que Lia considerava importante para
usar quando tiver estudando química passa a ser apenas um tópico da lista de conteúdos
de química do primeiro ano do ensino médio. Tal lógica de organização do ensino
desfavorece a atuação do sujeito que aprende (GONZÁLEZ REY, 2008), na medida em
que não promove a relação entre os conceitos de química e sua utilização em diferentes
situações. Eles permanecem isolados, o que dificulta a produção de sentidos subjetivos
que integrem os conhecimentos e promovam a formação do pensamento químico pelo
aluno.

A atitude negativa de Lia em relação à química apareceu associada ao


momento em que ela não conseguiu entender os assuntos abordados em aula, situação
que ela relacionou à mudança de professor. Ela explicou:

Não é o fato que eu odeie química é que eu não entendia química,


eu não entendia. No primeiro ano eu comecei a entender, só que
97

esse ano odiei a química, porque esse ano eu não tô entendendo


nada, pra mim parece que ano passado eu não estudei química. Eu
acabei detestando química, que tanto parece que ano passado eu
não estudei química, eu acabei esquecendo tudo que a Rosa falou
quando eu me deparei com o Miro (Lia – entrevista).

Foi possível inferir que, para a jovem, que já vivenciou situações de


fracasso escolar, não conseguir entender as explicações dadas pelo professor de
química, produzia um sentido subjetivo no qual emoções como satisfação e bem-estar
davam lugar a frustração e aversão, emoções que Lia sentia e que repercutiram
negativamente em sua motivação para aprender química.

Comprometida em sua motivação, Lia passou a desenvolver táticas de


resistência (SANTOS E MORTIMER, 1999) em relação ao professor de química, o que
dificultava o seu envolvimento nas atividades propostas por ele e a produção de sentido
subjetivo na direção de maior compromisso pessoal com a aprendizagem da química.
Observei em diversos momentos, que ela passou a se preocupar somente em demonstrar
ao professor que estava envolvida na resolução dos exercícios, quando na verdade não
estava realizando tal atividade. Essa informação é congruente com ideia de que, no
momento de realização do presente estudo, sua orientação motivacional estava voltada
para fatores externos à aprendizagem do conhecimento químico. Sobre isso ela afirmou:

(...) O pessoal finge ali, eu enrolo, quando foi a aula dele?


Segunda eu não fiz nada, mas ele tava olhando, e eu tava fingindo
que tava fazendo, aí ele fica avaliando, ele vê que eu tô mexendo a
caneta, ele põe lá que eu tô fazendo (risos). Aí eu falo: professor o
senhor não vai corrigir? Não eu fico avaliando só olhando. E eu:
tá bom, obrigada (Lia – entrevista).

A motivação de Lia para aprender química é constituída por elementos de


sentido procedentes de outros momentos de sua vida, como a professora de química e
seu bom rendimento acadêmico no ano anterior, principalmente no que diz respeito à
representação que tinha da professora como alguém que explicava muito bem. Ela
comentou:

[A professora Rosa] Ela escrevia bastante, coisa que o Miro não


faz, ele só passa exemplos, exemplos, exemplos, ele pensa que ele
tá... Que a gente tá aprendendo só no exemplo ali. Pra ele isso já
basta. Ela não, ela passava muita apostila, ela passava atividade,
ela explicava muito, tinha vezes que tinha três aulas dela, era só
explicação, largava a gente sete horas, só explicando. E o
98

professor Miro nunca faz isso, só traz aqueles trabalhinhos


valendo ponto, passa o exemplo e pronto. Acabou a aula dele.
Analisa ali na atividade, na... frequência (Lia – entrevista).

A partir dessa informação perguntei a Lia porque ela dizia que adorava as
aulas da professora Rosa. Ela explicou que:

Ela se relacionava mais... Melhor com a gente do que ele, como é


que eu posso te falar... É aquela professora que é bem atenciosa
com os alunos, se preocupava muito com os alunos, coisa que o
Miro não faz. Ele explicou pronto. Ele pergunta, chego a ter medo
de falar, professor, eu não entendi, porque a sala começa a hum...
não sei o quê, aquela ‘frescura’, aí eu não falo nada fico na minha.
A Rosa não, ela explicava uma, duas vezes e a minha sala do ano
passado, era todo mundo unido, todo mundo falava com outro,
aqui não, é muito difícil a gente falar com todo mundo (Lia –
entrevista).

Nesse recorte apareceu um novo elemento acerca do sentido subjetivo que


ganhavam os professores para Lia. Inicialmente expresso pela jovem somente em
termos do entendimento das explicações dos professores, Lia demonstrou valorizar o
vínculo estabelecido com a professora, que [...] é bem atenciosa com os alunos, se
preocupava muito com os alunos, coisa que o Miro não faz. Ele explicou pronto. A
estudante tinha a expectativa de que o professor não apenas desenvolvesse os conteúdos
de química, mas que considerasse integralmente os estudantes, que participam das aulas
não somente com seu intelecto, mas também com seus interesses, emoções, vivências e
sentidos produzidos em relação a experiência em curso.

O sentido subjetivo relacionado aos professores de química envolve além do


valor atribuído à suas explicações, a qualidade de seu relacionamento com eles, o que
demonstra a unidade simbólico-emocional na qual vai se configurando a motivação
para aprender química na subjetividade individual da jovem. Ela afirmou:

Foi no primeiro ano que eu tive química. Foi bom, eu gostei, do


primeiro ano eu gostei. Aí assim, com a Rosa... ai eu odeio química
mesmo, mas assim, com a Rosa era divertido, ela deixava a
química divertida. Não sei por ela ser professora, ela deixava a
gente super mais à vontade. Até com os alunos ela se relacionava
melhor, assim, no corredor a gente se falava, fora da escola a
gente se falava, não é que nem o Miro. O Miro já é mais trancado
pra ele. Então, eu não gosto de química, mas eu falei que ano
passado era divertido. Ah! Não sei se a professora que era boa pra
explicar, mas ano passado era divertido, mas eu não gostava, mas
eu acabei gostando (Lia – entrevista).
99

A relação com o conhecimento químico, importante para seu envolvimento


nas aulas, é realçada não apenas pelo entendimento dos conteúdos, mas também pela
relação estabelecida com os professores. Para Lia, a professora Rosa criou um clima de
confiança mútua nas aulas, no qual os estudantes se sentiam confortáveis para participar
das atividades, procurando esclarecer, por exemplo, suas dúvidas em relação aos
assuntos em foco. Ela percebia as aulas como mais abertas e divertidas. É possível
observar que essa percepção se estendia ao próprio conhecimento químico, para o qual
ela passou a demonstrar interesse em aprender. A jovem afirmou não ter encontrado a
mesma abertura nas aulas do professor Miro, que segundo Lia é mais trancado pra ele,
de modo que o sentido subjetivo produzido sobre o professor atual e sua relação com
ele repercutiram negativamente em sua motivação para aprender química.

Segundo González Rey (2003, p. 246) os motivos são “sistemas de


necessidades que foram configurados de forma relativamente estável na personalidade
(...)”. Posso inferir no caso de Lia que a jovem desenvolveu a vontade de aprender o
conhecimento químico a partir de um clima e espaço de relação que ela reconhecia nas
aulas da professora Rosa. Contudo, quando ela se viu fora desse contexto, seu interesse
pela química foi deixado de lado. Por isso, é possível afirmar que a necessidade de
aprender química que apareceu no contexto da aula da professora Rosa, não se
converteu para Lia, em um motivo de sua personalidade. O relacionamento com a
professora Rosa era um aspecto positivo para sua motivação, mas não produziu sentidos
subjetivos que alterassem significativamente a atitude de Lia sobre o conhecimento
químico, pautado, de acordo com o que ela comentou antes, basicamente por recusa e
distanciamento pessoal.

No momento em que desenvolvi a pesquisa Lia estava claramente


desmotivada para aprender química, pelo que indicava seu comportamento em sala de
aula e pela forma negativa como avaliava a disciplina, principalmente quando havia
necessidade da utilização de conhecimentos matemáticos.

Contribuiu para isso, sua orientação motivacional predominantemente


voltada a fatores externos à aprendizagem da química e a ausência de um contexto que
fosse favorável à produção de sentido subjetivo na direção de seu envolvimento pessoal
com o que estava estudando. Essa construção demonstra, em primeiro lugar, o caráter
sistêmico e multideterminado da motivação, e, segundo, a ideia da motivação como
100

produção subjetiva e complexa da pessoa, que não pode ser resumida a um fator em
particular.
101

CASO 4

3.4 – Ana: Eu sou acostumada a tirar dez em química

Ana morava próximo à escola e levava cerca de 10 minutos, de ônibus para


chegar até ela. Sobre o que costumava fazer quando não estava na escola, a jovem
escreveu que o estudo era sua atividade mais frequente. Em seu registro escrito foi
possível perceber a emotividade positiva com que se referiu à aprendizagem das
disciplinas escolares: Na maioria das vezes eu estudo. Particularmente eu adoro estar
por dentro de todas as disciplinas. Saio de vez em quando (Ana – questionário).

No questionário, primeiro instrumento que utilizei, Ana disse que morava


somente com a mãe, mas durante uma conversação posterior, ela relatou que morava
além da mãe, com o padastro e dois irmãos: filhos da minha mãe, com outro homem
(Ana - conversação). Sobre essa informação ela afirmou: Pensei que não era preciso
colocar (Ana – conversação). Por outro lado, ela fez questão de registrar no
questionário, que tinha um irmão mais velho: Eu tenho um irmão, mas ele não mora
comigo (Ana – questionário). Essa informação me levou a cogitar a importância do
irmão mais velho para o desenvolvimento da subjetividade individual de Ana.

Era o primeiro ano que ela estudava na escola em que desenvolvi a pesquisa
e a jovem afirmou que a escolheu pelo conceito da escola e pelos professores que são
ótimos (Ana – questionário). Em uma conversa informal, ela comentou sobre o que se
baseava o conceito da escola para ela:

É porque essa escola é boa, é melhor do que outras escolas. Não é


tanto quanto a minha outra escola, mas é puxado também. E aqui
tem convênio, que tem mais aulas, então isso é bem importante pro
vestibular (Ana – conversa informal).

Em relação à escola anterior ela contou:

Eu gostava [da escola anterior] porque na minha sala todo mundo


era unido, estudava todo mundo, era só “nerd” na minha sala. Todo
mundo só tirava nove, dez, nove, dez na minha sala, todo mundo
estudava junto. A escola era muito calma, a diversão que tinha era
só estudar, na hora do intervalo comentar sobre o assunto, todo
mundo era assim bem “nerd” no colégio (Ana – entrevista).

A representação da escola atual e da escola anterior levou em consideração a


102

qualidade do ensino, a assiduidade dos professores e a relação com os colegas, o que


demonstra a importância desses aspectos. Foi possível perceber também seu interesse
pelo ingresso no ensino superior, especificamente no curso de Medicina. Ela comentou:

(...) Primeiro eu queria fazer direito, aí depois eu achei Medicina


mais interessante, porque minha mãe é enfermeira aí ela me levou
no IML, pra eu ver lá o cadáver e eu gostei (Ana – entrevista).
Eu quero trabalhar com cirurgia, porque... e eu não tenho medo de
sangue, não tenho medo de nada. Como eu disse, eu fui no IML e
gostei, além do que dá pra ajudar as pessoas (Ana – conversa
informal)
Na análise do questionário percebi que Ana não mencionou
espontaneamente a figura do professor, o que me levou a conversar com a estudante
sobre tal ausência. A representação que tinha do professor estava relacionada a um
episódio ocorrido no ano anterior, em que a estudante foi repreendida pela professora de
química. Dessa forma, é compreensível que a figura do professor não tenha aparecido
até o momento, pois estava associada a sentidos negativos, como ela relatou:

Ah, porque eu sempre quis ser independente, não depender do


professor, desde o ano passado. Uma professora de química...
Porque eu ficava na bagunça lá atrás, sempre fiquei, mas sempre
fui uma ótima aluna, aí ela pegou, me tirou da sala, disse que eu
não ia assistir mais aula dela, não sei o quê, eu disse tá bom não
assisti, aí eu comecei a me “matar”, as meninas me davam o
conteúdo pra eu estudar, aí na primeira avaliação peguei, eu
aprendi sozinha, aí desde aí, eu não preciso de professor, eu
aprendo sozinha. Se eu pegar um livro eu aprendo tudinho sozinha,
eu sou acostumada a tirar dez em química (Ana – entrevista).

Foi possível notar que o enfrentamento do episódio citado contribuiu para


que a jovem se posicionasse como sujeito de sua aprendizagem, o que foi fundamental
em sua motivação para aprender química.

Sobre o professor Miro ela afirmou: Ele explica bem e a aula dele é
agradável (Ana – questionário). Ela considerava que o professor explicava bem, mas
atribuía a aprendizagem da química ao seu próprio esforço. Ela comentou:

Eu só entendo mesmo, porque eu sempre gostei de química, não


interessa o professor pra mim, eu mesmo me “mato” pra aprender
comigo mesma, eu presto atenção na aula dele, mas, eu aprendo
por mim mesma não por ele, porque eu sei, é por isso (Ana –
entrevista).
103

Tradicionalmente a química tem sido incluída na lista de disciplinas


escolares ditas “difíceis” no ensino médio (BAZZAN, 2009). A baixa aprendizagem de
química é, em geral, atribuída pelos professores, a uma suposta “dificuldade natural
para aprender a química escolar por ser considerada uma disciplina difícil”
(MALDANER, BAZZAN E LAUXEN, 2006, p.2). A crença de que aprender química é
difícil é relacionada principalmente ao uso de cálculos matemáticos. O conhecimento
matemático é frequentemente apontado pelos estudantes, como justificativa para
aproximação ou distanciamento da química, como foi possível perceber no caso de Ana.
Para a jovem, a química é “muito interessante, fácil e divertida. Domino bem a
disciplina porque me dou muito bem com cálculos e fórmulas” (Ana - questionário).

No dia da entrega da primeira avaliação bimestral de química, Ana recebeu


os parabéns dos colegas por ter “tirado dez” e comentou: Eu já tô acostumada a tirar
dez (Ana - conversação informal). Ela comentou sobre o seu interesse pela
aprendizagem da química:

Por causa dos cálculos. P or causa dos cálculos. Eu gosto, acho


divertido, fórmula, através da química dá pra fazer várias coisas.
Ela é básica, ela é básica no cotidiano, no dia-a-dia, se tu souber
das coisas... (Ana – entrevista).

Para Ana, estudar química é importante porque através dela aprendemos


substâncias, que estão no nosso dia a dia (Ana – questionário). Além disso,

Porque no dia-a-dia, às vezes a gente precisa dela. Eu sempre tento


tirar daqui da sala e levar pro dia-a-dia, Física é a mesma coisa, tiro
daqui, levo pro dia-a-dia e tento fazer, se dá certo. Foi meu
professor, que ano passado, de Física, ele falou (Ana – Entrevista).

Ana relatou que em cada conteúdo de química que aprendia, procurava


encontrar uma utilidade. A esse respeito ela contou, por exemplo, que:

Desse agora [cálculo estequiométrico] foi... saber, eu tirei o


rendimento eu tirei o rendimento de um... de um produto que tinha
lá em casa, era um vidro assim de 20, a mamãe queria saber
quanto dava, quantos por cento dava pra fazer, aí eu peguei e
coloquei o rendimento, dividi lá, coloquei rendimento
experimental, rendimento da amostra, aí eu coloquei e dividi, aí
multiplica por 100 e divide, aí deu onze porções, o que tava escrito
atrás do vidro, ou seja, serve pro dia-a-dia, se a pessoa souber
usar (Ana – Entrevista).
104

Entre o retorno das férias escolares e a realização da segunda avaliação


bimestral passaram-se quatro semanas. Nesse período os estudantes tiveram três aulas.
Em duas delas Ana não compareceu. Isso chamou a atenção do professor, e motivou seu
comentário direcionado à estudante no dia da segunda avaliação de química: A Ana está
muito bem, mas agora, no finalzinho [do primeiro semestre] começou a faltar. A
estudante respondeu afirmativamente com a cabeça, dizendo: É, eu sei que eu não vou
tirar dez, mas é que eu não estava muito bem, meu irmão morreu... (Ana – conversa
informal).

No trecho a seguir, a estudante antes preocupada em tirar boas notas,


mostrou-se indiferente a esse respeito, atribuindo o resultado negativo à falta de esforço:

Eu acho que eu errei algumas coisas na prova, também... eu nem


estudei pra essa prova. A última questão eu não sabia... ah! então
eu nem fiz (Ana – conversa informal).
Em outra conversa informal ocorrida na aula seguinte a estudante
expressou seus sentimentos em relação à morte do irmão mais velho e a importância
dele em seus estudos.

É... sobre os elementos químicos, assim, o meu irmão tem um livro


sobre elementos, que fala de onde vem os elementos, como eles são
usados...por exemplo, o alumínio, que é um metal, como ele é
feito, as coisas que são feitas com ele, tudo isso eu lembrei quando
eu estudei os elementos químicos, ano passado na escola. Eu faço
isso (Ana – conversa informal).

Ela compartilhava com o irmão seus interesses em relação aos estudos, o


que, a partir das emoções geradas, constituía o sentido subjetivo da aprendizagem na
escola. O irmão contribuía fortemente para sua motivação em aprender química e, com
a sua ausência, esse sentido subjetivo desapareceu o que, num primeiro momento,
significou para a jovem a vontade de desistir dos estudos, atividade que teria que
continuar sozinha. Sobre a morte do irmão ela comentou:

Eu fiquei revoltada, não queria mais saber de nada, não queria


estudar, não queria mais nada. Ele ia lá em casa todo dia, me
ensinava as coisas, ele já tinha concluído. Agora eu tô aqui... É a
vida né? A vida continua... (Ana – conversa informal).

Ela comentou que sua relação com os colegas de turma na escola que
estudava anteriormente girava em torno do interesse comum pela aprendizagem, para o
105

qual eram unidos, estudavam em grupo e comentavam sobre os assuntos das aulas.
Sobre a escola atual ela destacou as influências negativas de colegas que não tinham
interesse em estudar, o que, segundo seu relato, contribuiu para uma diminuição em seu
rendimento acadêmico:

Agora na terceira (avaliação) foi só 1, zero... É a camaradagem, as


amizades. Mas o problema agora é que eu penso diferente. Antes,
chegava o final de semana, eu queria estudar. Agora, chega o fim
de semana e eu só penso em festa, em sair (Ana – conversa
informal).

Em uma conversa posterior, apesar de considerar que as amizades


contribuíam para que ela se interessasse menos pela escola, Ana reconheceu que
precisava retomar os estudos. Ela comentou:

É que aqui a gente tem mais influência, muita gente doida, mais do
que na escola que eu estudava, e eu tô participando de uma equipe
de mellody, então tem muita festa, direto, todo final de semana.
Mas eu já tô apagando tudo isso, já me afastei agora eu vou estudar
porque eu vou fazer vestibular esse ano, então agora eu vou estudar
(Ana – conversa informal).

No recorte de conversa acima foi possível perceber que o interesse pelo


ingresso no ensino superior e o projeto profissional futuro que ela mencionou antes,
contribuíram para que ela assumisse novamente uma postura ativa diante dos estudos.
106

Turma B: Nara, Alice e Luna.

CASO 5:

3.5 - Nara: Esse ano eu sei que eu tô mais estudiosa, pode ver que às
vezes eu fico lá na frente...

Conheci Nara no primeiro dia em que comecei a acompanhar as aulas do


professor Miro. Ela se mostrava tímida, sentava em uma carteira na parte de trás da sala
e só levantava no momento em que o professor Miro entregava algum material impresso
em sua mesa. Apesar da aparente timidez, Nara conversava animadamente com um
pequeno grupo de colegas que sentavam próximo a ela e, sempre que eu entrava na sala,
perguntava se eu precisava de alguma coisa. Quando a convidei para participar da
pesquisa ela disse que ficaria muito feliz em ajudar e afirmou: eu não sou tão boa de
química... Quer dizer, boa eu sou, mas eu sei que eu tenho que estudar mais (Nara –
conversa informal). A expressão da jovem demonstrou uma postura crítica em relação a
seu rendimento acadêmico em química e também a disposição em melhorá- lo.

Nara morava com os pais e o irmão mais novo em um município da região


metropolitana de Belém, distante cerca de 30 minutos, de ônibus, da escola. Segundo
Nara, sua família (…) é toda da igreja (Nara – entrevista). O pai atuava como pastor em
uma igreja evangélica e a mãe era dona de casa e estudava teologia em uma faculdade
particular. Quando não estava na escola: Geralmente eu vou pra igreja ou fico em casa.
Não sou de sair muito (Nara – questionário). Sobre como se percebia no momento da
pesquisa, ela escreveu:

Eu sou: tímida, feliz, bailarina e cantora.


Eu me sinto: Muito feliz!
Atualmente eu: estou apaixonada e namoro.
O tempo mais feliz: é quando a gente estuda (Nara –
questionário).

A vivência escolar é um momento muito importante que serve para avaliar


não apenas a história escolar em si, mas o contexto em que a pessoa se encontra nessa
época de sua vida (GONZÁLEZ REY, 2005). No caso de Nara, as frases acima
informam sobre a felicidade que a jovem experimentava no momento em que
107

desenvolvi a pesquisa. As duas primeiras frases trazem expressões diretas sobre sua
felicidade e interesses, enquanto a terceira e a quarta informam sobre a emocionalidade
positiva associada, respectivamente, a um relacionamento afetivo e à atividade de
estudo. A frase em que ela se refere ao estudo, em função de seu caráter emocional é
uma informação indireta da importância que tem a aprendizagem escolar para ela.

Sobre sua história escolar, Nara relatou que durante o ensino fundamental
sempre foi dedicada aos estudos, e que não repetiu nenhum ano até ingressar na escola
onde estudava há quatro anos. A jovem comentou sobre o próprio descuido em relação
aos estudos, mas não se posicionou ativamente em relação aos prejuízos que relatou ter
tido, atribuindo as duas reprovações no 2º ano do ensino médio à entrada na escola atual
e as amizades que fez. Ela afirmou:

No ensino fundamental eu sempre fui bem dedicada, nunca repeti,


então só foi chegar aqui no [escola atual]... eu também... eu fiz
amizades, mas essas amizades que me fizeram prejudicar mais
ainda, tipo... onde... tipo assim... não tinha aula, então eu fui
desleixando um pouco dos estudos. No primeiro ano eu passei,
graças a Deus... Graça a Deus mesmo! Eu passei arrastada! É a
terceira vez no segundo, esse ano. Eu reprovei, reprovei de novo
aqui no [escola atual], só é chegar aqui! (risos) (Nara – entrevista).

Em uma conversa posterior, Nara percebia que estava mais dedicada aos
estudos, argumentando para isso que às vezes sentava na parte da frente da turma e
conversava com as amigas sobre as atividades escolares. Ela explicou:

É que eu só fui me interessar mesmo, mesmo, esse ano nos estudos.


Eu comecei a brincar demais, eu não assistia aula, aí já esse ano
eu já tô me dedicando mais... assim eu sei que eu tô mais estudiosa,
pode ver que às vezes eu fico lá na frente, resolvo, converso com as
meninas... Eu acordei né? Tipo eu falei: não! eu tenho que passar
esse ano porque eu perdi muito tempo, já era pra eu tá numa
faculdade, já era pra eu ter terminado os estudos, aí então eu falei:
eu perdi tempo demais, agora é hora de trabalhar (Nara – conversa
informal).

Nesse trecho ela assumiu um posicionamento pessoal diante dos problemas


que enfrentou nos estudos: eu só fui me interessar mesmo, mesmo, esse ano nos estudos.
Eu comecei a brincar demais, eu não assistia aula. Foi possível notar uma mudança de
atitude em relação à aprendizagem escolar, tendo em vista que ela passou a perceber sua
responsabilidade nela. Antes associadas a prejuízos em sua vida escolar, a relação com
os colegas apareceu novamente na expressão de Nara, agora ligada à resolução de
108

atividades escolares, o que indica sua importância e, ao mesmo tempo, a mudança no


sentido dessa relação em sua configuração subjetiva do aprender. Entendo que seu
posicionamento como sujeito foi fundamental para essa transformação. No
complemento de frases ela escreveu:

Eu gosto: da minha família, dos meus amigos e de música;


Meus amigos: são a minha felicidade (Nara – complemento de
frases).

As amizades são muito valorizadas por Nara, sendo igualadas por ela à
própria felicidade. Além disso, as amizades que fez, associadas à percepção da
qualidade do ensino, são elementos de sentido que constituem sua representação da
escola atual: Eu gosto dessa escola porque fiz muitas amizades, e o ensino é muito bom
(Nara – questionário).

Articulam-se de modo complexo, contraditório e recursivo, insegurança e


medo de não conseguir novamente ser aprovada na escola, a expectativa de outros para
que ela consiga essa aprovação, bem como a necessidade de continuar lutando para
realizar seus sonhos. A escola é ao mesmo tempo obstáculo e fonte da possibilidade de
concretização de seus projetos para o futuro.

O que eu mais quero : é passar de ano e concluir o ensino médio;


Esperam que eu: passe de ano;
Um dia: irei passar no vestibular;
Minha maior preocupação: é não passar de ano outra vez;
Muitas vezes penso: em desistir de tudo;
Não posso: desistir de lutar e sonhar e estudar (Nara –
complemento de frases).

Os estudos são uma fonte de conflito para ela, que pensa em desistir deles,
mas, ao mesmo tempo, considera que não pode deixar de lutar e sonhar e estudar. Essas
informações indicam que a aprendizagem escolar tem para ela um sentido de luta, de
esforço e de prestar conta para os outros. Ela escreveu:

Quero saber: mais sobre a vida;


Gosto de aprender: tudo sobre a vida;
Se eu pudesse: viajaria pra bem longe e iria conhecer o mundo;
Tenho vontade: conhecer o mundo todo;
Um dia eu vou: ser comissária de bordo (Nara – complemento de
frases).

Na subjetividade individual de Nara o desejo de aprender sobre o mundo e a


vida, movimenta seus planos, interesses e sua escolha profissional futura. Sobre o
109

aprender na escola ela escreveu:

Eu considero a escola meu 2º lar. Na escola eu aprendo muitas


coisas que não são ensinadas em casa, como a história do mundo,
os grandes filósofos, como foi criada a sociedade de hoje,
curiosidades sobre a vida. Então cada matéria é essencial e
necessária para o nosso saber e viver, porque ensina cada parte do
nosso dia a dia, seja no trabalho ou em casa (Nara – redação sobre
a escola e a aprendizagem).

O modo como se referiu à escola, meu 2º lar é um indicador de sentido


subjetivo da aprendizagem escolar e vai ao encontro do indicador anterior, em que
comentou sobre a felicidade que sentia ao estudar. Segundo González Rey (2008, p. 39)
as emoções que permitem a emergência dos sentidos subjetivos só aparecerão com o
compromisso pessoal, com o interesse em se posicionar ante o aprendido. No caso de
Nara, o aprender na escola, sentido como luta, em que por vezes ela desanimava e
pensava em desistir, ganha uma emocionalidade positiva, associada ao sentido subjetivo
que a aprendizagem de alguns componentes curriculares tem para ela, como
conhecimentos necessários para saber e viver. Essas informações demonstram a
importância da produção de sentido subjetivo favorável à aprendizagem escolar porque
potencializa a motivação, a partir do envolvimento pessoal do sujeito em relação ao que
está estudando. Sobre a importância da aprendizagem dos componentes curriculares, ela
comentou:

O que seríamos sem a matemática, o português, a história, a


geografia, a química, a filosofia, a biologia, a física... Nós não
saberíamos ler, escrever, contar, fazer cálculos, não saberíamos
quem foram nossos antepassados, não saberíamos nem como é
formado o nosso mundo. Por isso esses aprendizados são muito
importantes (Nara – redação sobre a escola e a aprendizagem).

Para a jovem, a aprendizagem não estava restrita à aquisição de


conhecimento voltado somente para as atividades desenvolvidas na própria escola. Os
conhecimentos que ela aprendia na instituição escolar eram importantes também para
sua atuação e desenvolvimento em outros contextos: seja no trabalho ou em casa. Ela
escreveu:

Eu acho assim, tipo umas coisas assim eu acho bem interessantes,


tipo... estudar Biologia e ensinar todo o conhecimento do nosso
corpo, da vida, tudinho, é muito legal... e... português, ensinar
como falar e tal, já eu não gosto de matemática, que eu já tive essa
110

idéia: pra quê matemática? Pra alguns serve, né? Tipo aqueles que
precisam, físico e tal. Mas assim, é... pra mim nunca serviu de
nada, só fez me atrapalhar, eu nunca gostei de cálculo, eu fui
aprender assim esse ano mesmo, ano passado eu passei em
química aqui no colégio, eu me esforcei bastante. Assim, eu
aprendi também várias coisas, coisas da vida, é... às vezes os
próprios professores ensinam a gente, como se deve sei lá,
comportar, ensinam várias curiosidades do mundo todo, coisas da
antiguidade, como foi... então eu acho bem interessante essa parte
assim. Esse ano com certeza eu vou fazer vestibular de Letras, ou
então língua estrangeira, porque eu sou apaixonada por inglês, eu
sempre gostei dessa língua, eu acho um idioma muito legal, essa ou
italiano... eu adoro! (Nara – entrevista).

No trecho acima apareceram componentes curriculares que segundo sua


avaliação lhe proporcionavam conhecimentos sobre o próprio corpo, a vida e ajudavam
em sua expressão oral. Nara demonstrou que valorizava o conhecimento por sua relação
com assuntos e situações da vida humana. São aspectos que alimentavam a curiosidade
dela, o que demonstrou que eram fundamentais para impulsionar sua motivação para
aprender. Essa necessidade de conhecer, a partir do sentido subjetivo que a
aprendizagem escolar tinha para ela, como conhecimento necessário para saber e viver,
movimentava seus processos motivacionais que ficavam negativamente comprometidos
quando ela não encontrava correspondência com o que era ensinado na escola: pra quê
matemática? Pra alguns serve, né? Tipo aqueles que precisam, Físico e tal. Mas assim,
é... pra mim nunca serviu de nada, só fez me atrapalhar. Foi reafirmada sua
emocionalidade positiva em relação à aprendizagem de alguns componentes
curriculares, o que não significa dizer que a jovem tinha uma postura única diante de
todos eles, como é possível perceber no modo como se referiu à matemática. Em relação
à química ela afirmou: eu nunca gostei de cálculo, eu fui aprender assim esse ano
mesmo, ano passado eu passei em química aqui no colégio, eu me esforcei bastante.
Nesse momento de sua expressão a química apareceu associada somente à matemática e
ao esforço empreendido para que ela conseguisse sua aprovação. O esforço mencionado
para aprender química, confirma a construção anterior, a partir da qual foi possível notar
uma mudança de atitude da jovem em relação à aprendizagem da referida disciplina.

Os professores são importantes em relação ao ensino dos conteúdos


previstos para cada componente curricular, mas também no ensino de comportamentos e
curiosidades sobre o mundo. A esse respeito, Nara afirmou:
111

Eu gosto dele (professor de química), porque ele é uma pessoa que


ensina além da matéria dele, que ele ensina várias coisas,
entendeu? Aí tipo assim... alimentação.... nossa! O cuidado que ele
tem com a gente, ele se preocupa com a gente né? Ele é um ótimo
professor (Nara – entrevista).

Eu acho que o que falta no professor de física é... é tipo assim uma
motivação pros alunos, uma coisa que o professor de química tem.
Ele sempre tá ali com a gente, dá pra ver a preocupação dele, já o
professor de física é tipo assim ele vem só pra dar aula, ele só
ensina a matéria dele, ele tipo assim... ‘faça o trabalho, faça’ mas
ele não tá ali em cima da gente, assim do lado... (Nara –
entrevista).

Nara comparou os professores de química e física e, em sua análise, o que


distinguia os dois era 1. o conteúdo que o professor trabalhava em aula, que para ela
deveria ir além da matéria dele. Ela citou como exemplo a abordagem da temática
alimentação, trabalhada pelo professor Miro. Essa informação está de acordo com o
sentido subjetivo dos componentes curriculares como conhecimentos necessários para
saber viver e vai consolidando a ideia de que este é um aspecto que repercute
positivamente em sua motivação para aprender química; 2. A relação com o professor,
expresso pelo incentivo e preocupação com os estudantes, características que ela
associou ao professor de química. Essas informações possibilitam a construção de que o
ensino do conteúdo químico é condição básica, mas não suficiente para que o professor
seja um elemento de produção de sentido subjetivo e repercuta positivamente na
motivação para aprender química. Torna-se relevante que os processos de ensino e de
aprendizagem estejam orientados não somente pela abordagem do conteúdo científico
em si, mas também pelo interesse do professor em perceber e atuar sobre as
necessidades dos estudantes, com vistas a atingir sua motivação. Sobre o professor de
química, ela afirmou:

O professor de química: é nota 10! Esse baixinho é muito legal!


(Nara – complemento de frases).

Olha, eu gosto muito, demais, da matéria de química, amo as aulas


dele, professor número um, é! Pelo jeito dele, que ele é motivado,
tudo, se preocupa. Agora o que eu não gosto mesmo é de física,
matemática mais ou menos, o professor de matemática, sei lá, ele é
meio estranho, ele só chega passa exercício e vai embora, então
acho que é isso, matemática e física, acho que neles falta mais
motivação, mais prática com os alunos, não só... tipo cálculo,
cálculo, cálculo, lógico também tem né, mas sei lá... fazer alguma
coisa assim com os alunos. O professor de química não, ele faz
112

aqui mesmo na sala é isso que é interessante, ele traz pra sala de
aula, a gente nem precisa sair... tipo sei lá naquele dia que ele
pediu pra trazer alguma coisa, naquele pra trazer algum rótulo de
alimento, e aqui mesmo a gente vê ‘olha tá vendo, é assim mesmo,
as tabelas que tinham atrás pra gente ver os componentes
nutricionais... (Nara – entrevista).

Articulado ao que ela comentou antes sobre o professor Miro, o caráter


emocional com que se referiu às aulas de química permite definir o professor como
elemento de sentido de sua motivação para aprender química. Concordo com Tacca
(2006) quando afirma que a valorização da aprendizagem pelo aluno está estreitamente
relacionada ao sentido subjetivo do professor. No caso de Nara, ficou evidente que o
sentido subjetivo do professor Miro, visto em termos do incentivo e preocupação com
os estudantes, contribuiu para a aproximação e o interesse da jovem pelas aulas de
química. Ela afirmou:

Amo as aulas de química, nela aprendi até a fazer cálculo, aprendi


sobre o cuidado da nossa alimentação e muitas outras coisas...
(Nara – questionário).

Nara destacou que aprendeu sobre o cuidado com a alimentação, o que é


congruente com o que ela comentou antes sobre os componentes curriculares, que
adquirem sentido subjetivo para ela, a partir de sua relação com assuntos e situações
relacionadas com a vida humana. Chamou a atenção também o modo como ela se
expressou sobre as aulas de química tendo como referência o conteúdo matemático que
ela já havia mencionado em outro instrumento. Com base em seu registro no
questionário, perguntei o que ela mais gostou de aprender nas aulas de química. Ela
afirmou: Estequiometria, porque foi no ensino da estequiometria que eu aprendi regra
de três (Nara – conversa informal). Para mim é significativo o fato da estudante associar
o estudo de um conteúdo químico somente com a aprendizagem da regra de três, pois
expressa um conhecimento bastante enfatizado no ensino da estequiometria e que por
vezes se sobrepõe aos próprios princípios químicos envolvidos no conteúdo citado.

Em sua representação da química apareceu novamente a referência ao


cuidado com a alimentação, que é um tema importante nos registros de Nara. Para ela, a
química é:

Uma matéria muito interessante, aprendi muitas coisas, sobre


alimentação principalmente, hoje eu sou mais cuidadosa em
113

relação a isso (Nara – questionário).

Nara destacou o cuidado com a própria alimentação, atitude que afirmou ter
aprendido nas aulas de química. Ela comentou sobre suas aprendizagens em relação ao
referido tema:

balanceamento de nossos alimentos, carboidratos... tipo... como a


gente deve comer, tipo agora quando eu vou comer alguma coisa
eu penso o que é saudável e o que não é... na hora do
supermercado tipo eu olho os rótulos, coisa que a gente
dificilmente faz, então eu achei muito interessante, ele sempre traz
uma curiosidade né? Como eu falei, é uma curiosidade pra gente
(Nara – entrevista).

A reiteração sobre os cuidados com a alimentação é um indicador de sentido


subjetivo sobre a importância da temática para ela. Nara demonstrou que mobilizava seu
conhecimento sobre alimentação em outras situações de sua vida, tais como na leitura
dos rótulos de produtos alimentícios ou no momento de decidir se um alimento é
saudável ou não, o que indicou a produção de sentido subjetivo sobre a referida
temática. Tal posicionamento em relação ao aprendido confirma a ideia de que a relação
do conteúdo com situações da vida humana é um aspecto fundamental para
potencializar a motivação da jovem para aprender química.
114

CASO 6
3.6: Alice - A química: tem sido meu vício ultimamente

Alice demonstrava ser uma jovem extrovertida e se movimentava


constantemente pela sala de aula. Algo que ela repetia antes das aulas de química, era
cumprimentar individualmente a maior parte dos colegas de turma, mesmo aqueles que
pareciam não fazer parte de seu grupo de convivência na escola. Ela fazia isto de forma
alegre e aparentemente espontânea, mas ao mesmo tempo, passava a impressão de que
era uma necessidade sua obter a atenção dos outros estudantes, para o que ela se
mobilizava de outras maneiras durante as aulas. Ela sentava sempre nas carteiras do
fundo da sala e quando estavam ocupadas, colocava uma carteira entre duas fileiras,
para que pudesse estar ao lado de suas colegas mais próximas. No momento de
resolução de exercícios, Alice se concentrava neles e conversava com suas amigas sobre
os resultados obtidos. Após resolver os exercícios, ela levantava com o caderno na mão
e verificava junto a outros colegas se eles já haviam concluído a atividade, caso
contrário, perguntava se queriam ver como ela tinha feito e mostrava a eles suas
anotações. A meu ver, quando Alice se comportava desse modo, não buscava
simplesmente obter prestígio social, mas principalmente cultivar suas amizades.

Quando convidei Alice para fazer parte da pesquisa, ela se mostrou animada
e disse que gostava muito das aulas de química e do professor. Em seguida, ao comentar
com suas colegas que tinha sido convidada para colaborar com a investigação, ela
demonstrou uma percepção positiva de seu rendimento acadêmico como estudante de
química: (...) que eu sou boa aluna, tá vendo só? [risos] (Alice – conversa informal).

Alice morava próximo à escola, segundo ela, com a mãe de criação, mais
cinco sobrinhos meus, alguns primos e irmãos (Alice – questionário). Ela ia para a
escola de bicicleta, num trajeto que levava cerca de dez minutos. Sobre sua família, ela
escreveu:

Meu pai: não me faz falta;


Minha mãe: devo a ela minha vida (Alice – complemento de
frases).

Ela se referiu à mãe apenas de maneira formal, citando o fato de ter lhe dado
a vida. Quanto ao pai, afirmou que não sentia falta, expressões que apontam um
115

distanciamento afetivo e a ocorrência de conflitos no contexto familiar. Sobre isso a


jovem escreveu:

Não consigo: perdoar o fato de ser abandonada por meus pais;


Muitas vezes penso: no quanto eu já sofri;
Meu maior desejo: esquecer o passado atormentado (Alice –
complemento de frases).

O passado apareceu, pelas vivências emocionais, como importante sentido


subjetivo para Alice, em que é possível notar o ressentimento e o sofrimento
experimentado por ter sido abandonada por seus pais para morar com uma tia, emoções
e pensamentos que a levaram a desejar esquecer aspectos de sua história de vida.

Os interesses e relações que ela mantinha no momento em que desenvolvi a


pesquisa, tais como a poesia, a busca por um novo emprego, os estudos e a conquista de
novas amizades na escola, demonstram que o passado não a imobilizava de enfrentar
seus desafios atuais. No entanto, a partir de sua significação, o passado constituía uma
configuração subjetiva da ação atual da jovem, que participava de diferentes situações
de sua vida, tais como a interação com os amigos e a relação com os estudos. Ela se
expressou:

Meu maior medo: perder a chance de ser feliz


Um dia eu vou: mostrar minha capacidade de ser feliz! (Alice –
complemento de frases).

Apesar de sua história familiar, ela tinha esperança de ser feliz e acreditava
que os estudos contribuiriam para isso:

Quero saber: tudo aquilo que seja necessário para o meu bem
estar.
Os estudos: É a base para a minha felicidade (Alice –
complemento de frases).

Sobre o que costumava fazer quando não estava na escola, ela escreveu:

Ultimamente tenho corrido atrás de emprego e cursos


profissionalizantes. Mas quando tô em casa gosto de estudar física,
química e matemática. São as 3 matérias de cálculo que eu tenho
me viciado ultimamente... Detalhe, eu não suportava cálculos.
RsRsRs (Alice – questionário).

A química: tem sido meu vício ultimamente (Alice – complemento


de frases).
116

Ela se referiu à física, à matemática e à química como matérias de cálculo, o


que informa sobre sua representação desses componentes curriculares. O modo como
ela se expressou em relação ao estudo, (eu tenho me viciado ultimamente...), apontado
como atividade que gostava de realizar em casa e a significação dele como base para
sua felicidade permite um indicador de sentido subjetivo da aprendizagem escolar para
ela, como espaço de desenvolvimento de sua subjetividade individual. Outra atividade
desenvolvida por Alice era o trabalho como feirante, no período de meia noite às sete
horas da manhã, que repercutia negativamente em sua qualidade de vida: Atualme nte
eu: trabalho, estudo e durmo pouco (Alice – complemento de frases). Ela comentou:

De uns tempos pra cá assim que eu já... do meu primeiro ano pra
cá que foi mais difícil porque eu comecei a trabalhar de
madrugada assim, na CEASA, então aí ficou um pouco mais
difícil... saía do trabalho... antes eu estudava de manhã, aí eu saía
do trabalho sete horas, só tomava banho e vinha direto pra cá, ou
seja, não dormia nada, aí já esse ano não, que eu vim estudar à
tarde, a gente chega tem um tempo pra dormir e vem pra aula,
então já tenho muito mais tempo pra dedicar à aula, aí tanto que
eu tenho assim hoje em dia, ultimamente eu ando muito assim é...
viciada em cálculo, essas coisas assim que eu não fazia, eu não
gostava, não suportava cálculo, assim matemática, física,
química... aí agora qualquer tempo que eu tenho assim... eu não
sei o que foi que mudou (Alice – entrevista).

De sua história escolar, Alice relatou a dedicação aos estudos, da primeira até a
oitava série do ensino fundamental, que cursou na mesma instituição. Ela disse:

Eu sempre fui uma aluna bem dedicada, né? Da primeira até a


oitava série, aí quando eu cheguei no primeiro ano eu sofri muito
porque da minha primeira até a oitava série foi só numa escola,
então eram muitas as amizades, assim, quando eu cheguei no
[escola atual] eu quase não consegui fazer amizade, meu primeiro
ano foi horrível. Aí foi que eu passei, reprovei no ano, passei na
dependência só, mesmo assim era muito difícil me enturmar, eu
sempre fiquei na bagunça, mas não conseguia fazer aquela
amizade mesmo que possa dizer assim: 'égua' ela é minha amiga!
Colega a gente tem bastante, mas amiga... Muito difícil. Aí já do
ano passado pra cá que eu já fui mais assim... ter bastante
convívio assim com as pessoas de um modo geral, assim já me
enturmei mais, assim... só que eu não gostava de matéria de
cálculo, não suportava, as minhas médias eram muito baixas,
sempre foram muito baixas. Aí já esse ano, não sei o que
aconteceu, que eu me interessei bastante principalmente por
química, matemática e física, eram as matérias... que eu mais me
dava mal (Alice – entrevista).
117

O te mpo mais feliz: estar ao lado das pessoas que amo (Alice
– complemento de frases).

Ela relatou a dedicação aos estudos, da primeira até a oitava série do ensino
fundamental que cursou na mesma instituição, e que na escola em que desenvolvi o
estudo, ficou em dependência em química e física no primeiro ano e repetiu o segundo
ano do ensino médio. Chamaram atenção, em função das mudanças envolvidas, dois
aspectos destacados pela jovem em sua história escolar: as amizades, aspecto comum
que ela utilizou para se referir às escolas que frequentou e o interesse atual por química,
física e matemática. Sobre o primeiro aspecto, da escola anterior, ela destacou que eram
muitas as amizades e ao ingressar na escola atual, se sentiu sozinha e apareceu o
sofrimento ao não conseguir, num primeiro momento, fazer novas amizades e
consequentemente se sentir aceita pela turma. Entendo que as emoções que a jovem
experimentou ao mudar para a escola atual estão associadas não só aos eventos e
relações que ela vivencia no presente, mas também ao sentido subjetivo de seu passado,
de acordo com o que ela mencionou sobre ele. Podemos ver cada caso como um projeto
de felicidade em que pesam muito as relações com as pessoas e a realização dos sonhos
pessoais, além do comprometimento do sujeito com o próprio projeto.

A dificuldade de, num primeiro momento, conquistar novas amizades na


escola atual, fez com que ela não tivesse vontade de frequentar a escola, conforme ela
relatou:

(...) o fato de eu não ter... tá bem enturmada, eu não tinha vontade


de vir pra escola, eu não me sentia bem (Alice – conversa
informal).

Sou a mais palhaça da sala... vivo na brincadeira, mas não passo


despercebida nas matérias. Quando meus colegas tem dúvidas em
algo eles vem me perguntar pra saber se eu sei, daí se eu puder e
souber eu ajudo! Gosto muito da minha sala! Uhuu!! (Alice –
questionário).

No registro acima a relação com os colegas apareceu ligada à aprendizagem


em sala de aula. O referido recorte informa também sobre a emocionalidade com que se
referiu à sua turma, informações que ajudam a consolidar a ideia de que a relação com
os colegas ganha sentido subjetivo relevante para a qualidade da aprendizagem, em
termos da proximidade e apoio nas atividades escolares, contribuindo para a motivação
118

da jovem para aprender na escola.

O segundo aspecto que foi mencionado pela jovem ao relatar sua história
escolar, que considero importante destacar, foi seu interesse atual por química,
matemática e física, conhecimentos que ela se dedicava em seu tempo autodeterminado
e que são recorrentes em sua expressão. A jovem contou que não gostava de matéria de
cálculo, mencionando para isso seu rendimento acadêmico nos anos anteriores: (...) as
minhas médias eram muito baixas (...) eram as matérias... que eu mais me dava mal.
Essas informações reafirmam sua representação dos componentes curriculares citados.

Na subjetividade social da escola é comum a maior valorização do


rendimento acadêmico em matemática em comparação com outras disciplinas (CURY,
1994). No caso de Alice, foi possível notar a reiteração de seu interesse pela matemática
e pelos componentes curriculares (química e física) que em sua representação
apareceram associados a ela, e seu esforço para não faltar e tirar uma nota boa. A
articulação dessas informações permite inferir um indicador de que a aprendizagem dos
componentes citados, em seu sentido subjetivo, é fundamental para a representação que
ela tem de seu rendimento acadêmico. Ela registrou:

Agora eu sou uma boa estudante. No início desse ano eu faltava


muito, mas aí eu me recuperei dessas faltas e fui me interessando
por essas matérias. Tanto que eu tenho me esforçado para tirar
uma nota boa! (Alice – questionário).

Quando mudou para o turno da tarde na escola, Alice passou a vivenciar um


tempo que não tinha antes, que utilizava agora para descansar e também passou a
experimentar novos interesses, coisas assim que eu não fazia, como estudar química,
física e matemática. Além disso, os professores, vistos pela oportunidade de obtenção de
novos conhecimentos a partir da qualidade de suas explicações, repercutiram
positivamente em sua motivação para aprender química. Os professores, em seu sentido
subjetivo, foram importantes para a mudança na relação da jovem com a química e a
melhoria de seu rendimento acadêmico na referida disciplina. Sobre isso ela comentou:

Os professores que eu tive nesses meus 2° ano foram professores


bons, e que sabiam explicar bem o assunto. E essa boa explicação
foi o que me deu motivação para gostar de química (Alice –
questionário).
119

Do ano passado pra cá eu me interessei mais, tanto que ano


passado minhas notas foram boas, eu acordei mesmo pra química,
a professora era Rosa [professora de química do ano anterior]
aprendi muito com ela assim, aí aprendi bastante com nosso
professor [Miro], ele explica muito bem e... assim algumas coisas
que eu aprendi sobre alimentação, que a minha alimentação não é
‘nossa, uma boa alimentação’ (Alice – entrevista).

A atribuição de pontos à frequência nas aulas de química não resultou em


implicações concretas sobre seu interesse e envolvimento nelas. A pontuação atuou
principalmente como um estímulo externo para que Alice comparecesse às aulas de
química. Ela comentou:

Ah! O que eu não tenho muita vontade de assistir mesmo é aula de


inglês, é meio chato, não pela matéria, é pelo professor mesmo,
que é um chato assim... agora química assim eu gosto bastante
assim, antes eu faltava muito porque toda quarta-feira é mais
difícil assim pra eu vir, que eu chego bem cansada e muito tarde
em casa, aí fica difícil às vezes eu vir. Tanto que na primeira
avaliação eu tirei nota vermelha devido às faltas, que o professor,
a presença conta na prova, então minha nota foi vermelha e desde
aí eu comecei a frequentar mesmo cansada, mas eu venho... (Alice
– entrevista).

Por outro lado, foi possível consolidar a ideia de que os professores são
importantes para sua motivação, a partir dos desdobramentos que os sentidos subjetivos
deles ganham em sua expressão:

Os professores: São mestres para mim. “Nem todos” (Alice –


complemento de frases).

O professor de física, a gente não vê o interesse dele assim pelos


alunos, a gente vê o interesse dele pela matéria que ele tem que
ensinar. Acho que ele só dá aula por dar e... pronto. Mas eu gosto
dele acho que é o jeito dele, muito na dele. Mas eu gosto muito, eu
entendo bastante assim quando ele explica os cálculos totalmente,
assim eu gosto. Biologia também é uma matéria muito boa e eu
gosto do professor. Inglês porque o professor chega aqui na sala e
não traz algo assim de... novo pra gente fazer, é sempre só uma
apostila, tradução de texto, compreensão de texto e pronto, é só
isso. O professor de química traz a apostila, mas ele explica, ele
traz... é... conhecimento, o professor de inglês não traz
conhecimento, ele não incentiva a gostar de inglês, é só naquilo.
Como... no meu primeiro ano eu tive uma professora que ela...
fazia a gente falar inglês na sala, era uma motivação pra gente,
por mais que a gente não gostasse e a gente não tem aqui. Já o
120

professor de química, não, ele traz... apesar de que eu gostaria de


ter aula no laboratório, porque seria mais interessante de
aprender, de ver as coisas, só que aqui a gente não tem assim
muitos recursos pra aprender certas coisas (Alice – entrevista).

Nos registros acima, é possível perceber a produção de sentidos em relação


a diferentes disciplinas escolares e professores: Biologia, que ela representou de
maneira positiva: gosto do professor. O professor de física, que para ela aparentava
não ter interesse pelos alunos, apenas pelos assuntos que ensinava. Apesar disso, ela se
mostrava interessada pelas aulas no momento em que ele explicava os cálculos
totalmente. O professor de inglês, que em sua avaliação não diversificava as atividades
com a turma e não a incentivava a gostar de inglês, o que repercutia negativamente em
sua motivação pelas aulas; O professor de química, que em contraste com o professor
de inglês, apresentava explicações e conhecimentos para além da apostila que utilizava
nas aulas, o que contribuía para que ela se sentisse motivada para aprender química.
Apesar disso, ela reconheceu que a aprendizagem de química poderia ser mais
interessante se pudesse ter aula no laboratório.

De modo geral, os professores apareceram na expressão de Alice não


somente pela oportunidade de obtenção de novos conhecimentos a partir da qualidade
de suas explicações, mas também pelo incentivo à aprendizagem e pelo interesse que
eles demonstravam em relação aos estudantes. No caso do professor de química, ela
sentia que esse interesse ia além da matéria, percebendo nele a preocupação com o
futuro dos alunos. Sobre o professor de química ela comentou:

Ele (professor de química) incentiva, incentiva bastante. Assim, ele


chega, ele não obriga ninguém a ficar na sala. Tu queres, tu ficas,
porque agora se tu queres tu não atrapalha, entendeu? E... quando
ele termina de explicar, ele pergunta se todo mundo entendeu, se
não entendeu, ele repete, não se importa de repetir quantas vezes
forem, mas ele repete. Assim ele traz... tem aulas que ele tira assim
pra falar sobre... agora, que ele tirou algumas aulas pra falar
sobre... se a gente ia fazer vestibular, ou seja, tava incentivando a
gente, não só na matéria dele, mas também em outras matérias
assim, pra aprender, pra não desistir tudinho... às vezes ele coloca
o exemplo dele, assim, de estudante, tudinho, que ele não gostava
disso, disso, assim é um incentivo, eu tenho pra mim como um
incentivo (Alice - entrevista).

O professor de química: Puxa minha orelha. Mas eu preciso...


rsrs. Eu até emagreci! (Alice – complemento de frases).
121

Para Alice, um bom professor precisa se interessar pelos alunos e pelos


assuntos que ensina, explicar bem, diversificar as atividades, incentivar o aluno a gostar
da matéria, abordar conhecimentos para além das apostilas e desenvolver atividades no
laboratório. São aspectos associados ao sentido subjetivo do professor e que constituem,
como elementos de sentido, sua motivação para aprender química.

Essas informações demonstram a ideia de que a motivação é uma produção


de sentidos subjetivos, e que os processos de ensino e de aprendizagem são
primordialmente uma relação entre pessoas, que necessitam expressar seus pensamentos
e ouvir as ideias dos outros, na perspectiva de uma construção conjunta do
conhecimento (TACCA, 2006). Sobre suas aprendizagens nas aulas de química, Alice
comentou:

Eu lembro é... a variação de entalpia, reação endotérmica,


exotérmica, é... balanceamento dos nutrientes, gorduras,
carboidratos, eu gosto muito de fazer os cálculos de mol pra mol,
mol pra volume em litro, é muito legal, foi o que eu mais gostei
assim de química assim que eu aprendi, foi o que eu mais gostei
por causa da regra de três, eu sempre gostei da regra de três, eu
aprendi a regra de três na química (Alice – entrevista).

A jovem listou alguns assuntos de química que considerava como


aprendizagens suas, por meio de uma descrição formal desses conteúdos. Contudo
chamou a atenção o caráter emocional que apareceu na continuidade de sua expressão:
eu gosto muito de fazer os cálculos de mol pra mol; é muito legal, foi o que eu mais
gostei assim de química; foi o que eu mais gostei por causa da regra de três, eu sempre
gostei da regra de três. Esse recorte, associado ao que ela mencionou antes sobre as
matérias de cálculo, confirmam a ideia de que o bom rendimento acadêmico em
matemática, em seu sentido subjetivo, era fundamental para a representação positiva
que a jovem tinha de si como estudante de química. A meu ver essa representação
expressava muito mais o esforço da jovem em se adequar à ênfase atribuída aos cálculos
matemáticos no ensino de química, do que a uma tendência motivacional sua em relação
à aprendizagem do conhecimento químico.

Ela comentou antes que as aulas em laboratório poderiam tornar a


aprendizagem da química mais interessante. Além disso, contou que gostava da escola
atual apenas de uma maneira razoável, contribuindo para isso a pouca frequência com
que ocorriam as referidas aulas, o que demonstra o valor que a jovem atribuía a elas.
122

Sobre isso, Alice escreveu:

Gosto dela [da escola] de uma maneira razoável... Ela poderia ser
melhor e poderia dar muito mais chances de ensino feito em
pesquisas no laboratório, mas isso quase nem acontece por falta
de recursos que a escola não tem (Alice – questionário).

No recorte acima, Alice mencionou que gostaria de ter tido oportunidade de


vivenciar o ensino feito em pesquisas no laboratório. Chamou atenção o fato de a jovem
associar o trabalho no laboratório à realização de pesquisas nesse espaço, demonstrando
que em sua tendência motivacional, Alice estaria voltada para a produção de
conhecimentos. Em função dessas informações, foi possível inferir que sua participação
em atividades investigativas poderia mobilizar a motivação da jovem na direção de
melhor aprendizagem da química. A esse respeito, considero importante reafirmar que a
motivação não está na atividade propriamente dita, mas na possibilidade dessa atividade
alcançar os processos motivacionais do aluno, atendendo suas necessidades e interesses.
Isto é possível perceber no caso de Alice. Por isso é importante conhecer a produção de
sentido subjetivo da jovem que constitui sua motivação para aprender química.

O caráter motivador das atividades experimentais é uma ideia bastante


difundida por professores de química e alunos da educação básica, mas sobre esse
aspecto é importante destacar que nem sempre essas atividades podem ser motivadoras
para os estudantes (GALIAZZI, et.al., 2001). Embora a experimentação possa influir na
motivação dos alunos, ela não deve ser vista como um simples atrativo com um fim em
si mesmo (CASTILHO, SILVEIRA E MACHADO, 1999; VAZ E SOARES, 2008). A
ênfase metodológica de caráter ilustrativo ao invés de investigativo na experimentação,
a torna um fator motivacional externo à aprendizagem da química (BORGES et al.,
2001), porque a atenção dos estudantes estaria voltada basicamente para a visualização
do fenômeno, como se isso pudesse garantir a aprendizagem dos conceitos químicos
envolvidos. Desse modo, é importante que a atividade experimental seja considerada em
termos de suas potencialidades, como por exemplo, o registro, a discussão de conceitos
e a problematização dos resultados do experimento, como parte do processo de
aprendizagem do tema em foco.

No caso de Alice, foi possível interpretar que sua participação em atividades


experimentais poderia repercutir positivamente em sua motivação na medida em que
123

tivesse oportunidade de satisfazer suas curiosidades por meio da pesquisa,


problematizando e investigando temas de seu interesse. Sobre isso, em uma conversação
posterior à utilização do questionário, a jovem se expressou sobre os temas que gostaria
de pesquisar:

Queria fazer pesquisas no laboratório assim... pra saber a


quantidade de calorias que tem em cada alimento, pra saber, do
que eles são compostos, é... sobre a qualidade das frutas... é mais
ou menos isso que eu queria, né? (Alice – conversa informal).

A quantidade de calorias que tem em cada alimento foi um assunto


abordado pelo professor Miro em uma das aulas, a partir da qual Alice manifestou
interesse sobre aspectos relacionados à temática da alimentação. Ela demonstrou
vontade de pesquisar sobre a qualidade das frutas, assunto que não foi diretamente
abordado pelo professor durante a aula sobre alimentação, mas que estava relacionado
ao seu trabalho como feirante na central de abastecimento do Estado. A jovem produziu
questionamentos próprios, o que ajuda a consolidar a ideia de que em sua orientação
motivacional ela estaria voltada para a produção de conhecimentos. Essas informações
demonstram que Alice produziu sentidos subjetivos sobre o tema em foco, pois
relacionou a temática abordada em aula com sua atividade profissional e manifestou
interesse no aprofundamento dos assuntos envolvidos, elaborações que expressam seu
interesse motivação pelo que estava estudando.
124

Caso 7:

3. 7 – Luna: A química: Estou melhorando, aprendi a gostar.

Quando convidei Luna para participar da pesquisa, ela aceitou prontamente,


mas em seguida perguntou: o que foi que eu fiz? Havia o receio por parte dela de que o
convite para colaborar no estudo estava associado a algum problema em seu rendimento
acadêmico. Pude observar que momento em que o professor ia para o quadro expor o
assunto do dia, ela se mantinha atenta e depois tentava resolver os exercícios propostos
por ele, sempre em contato com as colegas mais próximas, com as quais conversava
animadamente durante as aulas.

Luna morava na região metropolitana de Belém e levava, de ônibus, cerca


de 30 minutos para chegar até a escola. Quando não estava na escola ela afirmou que
passava a maioria do tempo com os meus amigos e na internet (Luna – questionário).
Ela vivia com a mãe, o padastro, a avó materna, um tio e uma tia. Ela comentou:

Eu moro com a minha avó, com meu tio, com a minha mãe, com
meu padrasto, com a minha tia... Só não moro com meu pai
mesmo, porque ele mora no Rio de Janeiro fazendo não sei o quê.
Eu não paro em escola, porque tipo, a minha família, a gente é
maranhense, aí a gente se mudou de lá. Eu vim pra cá com nove
anos, aí quando eu fiz treze, voltei de novo, porque eu fui com a
minha avó, aí ela não para, vive lá, vive aqui, aí eu não paro junto
com ela. A minha mãe... era babá, mas ela tá de férias agora, aí o
meu padrasto, ele trabalhava numa empresa de seguro, ele fazia as
coisas de... eletricista! Aí minha vó é aposentada... Eu não tenho
contato com meu pai porque eu conheci meu pai, eu tinha quinze
anos, ah! faz três anos, a minha mãe tá com meu padrasto desde
que eu tinha três anos, praticamente um pai pra mim (Luna –
entrevista).

O tempo mais feliz: quando eu morava no Maranhão

Minha família: às vezes difícil,mas é tudo pra mim;


Meu pai: sei muito pouco;
Minha mãe: Minha melhor amiga, tudo pra mim;
Sofro: Com a minha família;
Eu me sinto: às vezes triste por causa do meu vovô (Luna –
complemento de frases).

Apesar importância atribuída a ela, a família aparece como foco de


dificuldade e sofrimento:
125

É que quando acontece alguma coisa na minha casa assim, uma


discussão, sei lá... não dá vontade nem de vir pra escola, fazer
nada, assim... discussão de família, sabe? porque quase todo dia
acontece isso lá em casa... (Luna – entrevista).

Sobre sua história escolar ela relatou:


Eu sou... eu não sou daqui do Pará, eu sou... eu não paro em
escola nenhuma, eu tô parando agora que eu tô passando dois
anos em Belém, tipo eu comecei a estudar, eu estudava no
Maranhão, nunca tinha reprovado e eu reprovei aqui. Primeiro ano
que eu reprovei! Quase eu pegava uma surra! (risos) Aí tipo eu
nunca me interessei por cálculo... com certeza, né? Aí eu vim me
interessar só esse ano mesmo, porque a minha mãe ia me dar uma
surra mesmo se eu não passasse de ano... Não, é sério! (risos) aí
tipo... eu nunca tive assim muita amizade assim, sabe? Porque a
gente precisa de uma força, um incentivo assim, um amigo pra
dizer estuda! (risos). Aí tipo...eu não sou uma péssima estudante
não... tipo... eu não... eu finjo que eu não tô nem aqui (na sala de
aula) (risos). Não, mas eu sou muito tímida assim sabe? eu não
gosto de fazer seminário, eu não gosto é... ah! Eu não mexo com
ninguém, fico só na minha mesmo, sou muito palhaça, fico fazendo
graça na sala... mas olha, ano passado eu só reprovei mesmo
porque eu fiquei doente, fiquei com catapora, aí por isso que eu
reprovei (Luna – entrevista).

De sua história escolar, Luna destacou que não se considerava uma péssima
estudante e para isso ela argumentou: eu finjo que eu não tô nem aqui. Mencionou
também que nunca tinha reprovado até chegar ao segundo ano do ensino médio. Em
relação à sua história de aprendizagem com a química, ela mencionou seu desinteresse
por cálculo, o que é uma informação importante sobre sua representação da referida
disciplina. Ela situou que tinha mudado e passado a ter mais interesse pelos estudos, o
qual relacionou ao medo de receber um castigo físico de sua mãe. A reprovação no ano
anterior, por sua vez, ocorreu em função da doença que teve. A jovem acrescentou
também o fato de nunca ter tido muitos amigos, que segundo ela poderiam atuar como
incentivadores de seu estudo.

A partir de tais informações foi possível perceber que a motivação para


aprender na escolar apareceu para ela ligada principalmente a fatores externos, como
uma atividade obrigatória que ela precisa cumprir tendo em vista exigências de sua mãe
e que fugia ao seu próprio controle. No complemento de frases ela afirmou:

Os estudos: vai muito bem;


Atualmente eu: estou muito melhor que antes;
126

A química: estou melhorando, eu aprendi a gostar;


Na escola: sou uma aluna razoável;
Meu maior problema: a matemática;
Não consigo: fazer vários cálculos
Muitas vezes penso: que não sou capaz (Luna – complemento de
frases).

Ela reafirmou estar muito melhor do que antes em relação aos estudos,
contudo definiu a si mesma como uma aluna razoável, demonstrando uma percepção
crítica e que seu desempenho escolar ainda era uma fonte de preocupação. Essa
preocupação estava relacionada ao medo de não conseguir novamente a aprovação no
segundo ano, associado antes à ameaça de castigo físico por parte de sua mãe. Ela
afirmou:

Eu quero: passar de ano;


Meu maior medo: de reprovar;
Meu futuro: minha maior preocupação;
O que eu mais quero: passar no vestibular;
Um dia: irei montar meu consultório
Um dia eu vou: montar meu consultório (Luna – complemento de
frases).

Em meio aos aspectos mencionados, foi possível notar nos registros acima,
que os estudos apareceram pela primeira vez associados a desejos e necessidades dela -
a preocupação com o futuro, o desejo de ingresso no ensino superior e a conquista de
sua realização profissional como médica veterinária - e não apenas a expectativas de
outros. Ela afirmou:

Porque hoje em dia se a gente não tiver o estudo... porque até pra
ser gari é necessário ter o ensino médio completo, então a pessoa
que é formada, a pessoa que tem seus estudos organizados,
tudinho, mestrado... alguma coisa assim é... doutorado, tem mais
chance de conseguir um emprego é... de alto nível do que aquela
pessoa que não tem formação nenhuma (Luna – entrevista).

Eu acho que é importante aprender tipo, pra eu ter um futuro né?


Porque sem estudar tu não és nada... É! Se eu souber.... tipo...
várias coisas que eu aprendi esse ano, várias coisas que eu nem
sabia! Olha, ano passado eu nem assisti aula praticamente,eu nem
sabia! Olha, tem coisa, tem matéria de química, que eu nem sabia
que tinha, que a minha professora... eu nem prestava atenção no
que ela falava, ela era muito chata. Eu nem prestava atenção nela,
sabe? Esse próximo ano eu quero fazer vestibular, eu falo isso pra
mamãe, eu quero veterinária [risos] (Luna – entrevista).

Cálculo é aquilo de título não é mesmo? Não me lembro de


127

cálculo...ai esse negócio de mol pra mol (Luna – conversa


informal).

Ah, porque ela ficava só no quadro enchendo de assunto, aí


explicava e copiava de novo, ficava um tempão fazendo isso, a
maior parte da aula, ai ela era muito chata mesmo, eu nem queria
assistir a aula dela (Luna – conversa informal).

O estudo significava pra ela a possibilidade de obter um emprego com


melhor remuneração no futuro, porém, tal significação não era suficiente para que ela se
interessasse pela aprendizagem na escola no momento em que desenvolvi o estudo. A
esse respeito ela afirmou:

Eu tenho vontade de estudar quando eu sei que eu não vou


passar... (risos). Tipo eu sei que eu tenho que estudar, porque senão
né? Tem que passar esse ano! Matemática eu estudo porque é
obrigado! Física... Eu gosto mais da aula de química mesmo, que a
gente faz um monte de trabalho assim... só sei que eu tenho que...
mas física, eu não gosto de física porque física tipo, o professor, ele
não explica nada, explica, só que a gente não entende o que ele
fala (Luna – entrevista).

O trecho acima confirma que em sua tendência motivacional, Luna estava


orientada predominantemente por fatores externos, como obter a aprovação no ano
escolar e evitar ser castigada por sua mãe. O estudo apareceu como uma obrigação a
qual ela direcionava seu esforço quando percebia que poderia reprovar de ano, o que
dificultava a produção de sentidos subjetivos que gerassem novas configurações
subjetivas, como alternativas ao modo atual como se relaciona com a aprendizagem
escolar.

O caso de Luna demonstrou a ideia de que a perspectiva de futuro só é


expressão da motivação da pessoa, quando está relacionada a uma reflexão e
desenvolvimento de ações na direção das metas desejadas. A escola e a aprendizagem
precisam estar associadas a um interesse atual, uma importância social e não apenas
como uma etapa, uma obrigação formal a ser cumprida para se chegar ao que se deseja
no futuro, ou seja, estudar porque ‘um dia será útil’ em termos da vida profissional
futura. Ela afirmou:
A escola pra mim é como um passaporte para outro lugar, onde
aprendo várias coisas, onde descubro várias coisas, e essas coisas
vão fazer muita diferença no meu futuro. Porque se eu não
aprender nada eu não terei nem um futuro, e aí nada vai adiantar,
ter vindo a escola todos esses anos, por isso que preciso muito
128

estudar (Luna – redação sobre a escola e a aprendizagem).

Sobre a química ela declarou:

Eu não gostava muito mas eu tentava... no ano passado tava um


saco, eu não entendia nada, eu não conseguia fazer nenhum
cálculo, nem montar uma questão lá eu não conseguia, agora eu já
consigo. O meu interesse melhorou com certeza, porque eu acho
que agora eu tenho que levar mais a sério, mais que nunca eu
tenho que levar mais a sério porque tem o convênio (Luna –
entrevista).

A química pra mim às vezes é muito complicado, tem muito cálculo


(Luna – questionário).

A termoquímica: gosto só da parte da teoria (Nara –


complemento de frases).

Termoquímica? Nossa! Teve aquela parte da endotérmica,


exotérmica, acho que só aquela parte que eu aprendi! Aquelas
partes lá do cálculo lá, muito difícil que eu achei, tipo eu não
gostei... (risos). Eu tenho mais o negócio da... eu não gosto muito
de prática, a parte do cálculo é que eu não gosto, eu gosto mais de
teoria (Luna – conversa informal).

A química apareceu novamente associada aos cálculos matemáticos, o que


confirma que esse é um aspecto definidor de sua representação da disciplina e que
quando era enfatizado nas aulas, repercutia negativamente em sua motivação para
aprender química.

Ela mencionou uma aula sobre alimentação, contudo, a estudante não


reconhecia essa aula como sendo de química mesmo, em virtude da ausência dos
cálculos, elemento definidor de sua representação da química:

Ah! A gente teve uma aula lá e nosso assunto foi sobre alimentação
e isso bem, isso faz mal, isso poderia reduzir, isso é bom, isso
poderia mudar, tentar mudar a alimentação vai ser melhor pra
nossa saúde (Luna – conversa informal).

Foi. Mas é porque sei lá, foi totalmente diferente da química, da


química mesmo, os cálculos lá, aquela coisa e alimentação, é...
química de ligação. Não tem aquela ligação lá de química? Iônica,
covalente, essas ligações (Luna – conversa informal).

A expressão da jovem ganhava em qualidade quando ela comentava sobre o


tema da alimentação, mas quando ela se referia a um conteúdo conceitual da química, se
129

expressava de forma fragmentada, por meio de palavras soltas (Aquela parte da


endotérmica, exotérmica; Iônica, covalente, essas ligações) que não condiziam com a
formação do pensamento químico e denotam a baixa motivação da jovem para aprender
química.

Além dos temas e conteúdos das aulas ela se referiu aos professores, que
para ela era importante que não estivessem direcionados somente para a abordagem dos
conteúdos:

É porque tem uns professores que chegam na sala, dão boa tarde
escreve, escreve, escreve, escreve, aí senta, a gente faz, aí depois
fala, fala, fala, fala pronto acabou a aula, vai embora. Não
professor não precisa ser carrasco, aquele professor lá sério,
bravo. Não, eu acho que ele tem que interagir mesmo com a gente
acho que fica mais interessante a aula, com certeza. Mas agora o
professor de química... as aulas dele tão mais interessantes,
porque ele tá dialogando mais, tá fazendo... como é que se diz...
ah! Sei lá a gente tá interagindo mais, tá dialogando (Luna –
entrevista).
130

4. DISCUSSÃO

O objetivo da educação não é simplesmente o de efetivar um saber


na pessoa, mas seu desenvolvimento como sujeito capaz de atuar
no processo em que aprende e de ser parte ativa dos processos de
subjetivação associados com sua vida cotidiana (GONZÁLEZ
REY, 2001).

Os resultados deste estudo sobre a motivação de professor e estudantes de


química permitem sustentar a tese de que a motivação em aulas de química é
constituída pela integração de sentidos subjetivos produzidos no curso do ensino e
da aprendizagem e na história dos estudantes e do professor, na escola e em outros
contextos. De modo geral, nas pesquisas sobre o chamado domínio afetivo da educação
científica, a afetividade é considerada como combustível da ação, mas sem tomar parte
da qualidade dessa ação e do pensamento humano. Essa perspectiva tende a nortear
processos de ensino e aprendizagem nos quais a motivação é identificada como
atividade ou técnica a ser utilizada no início ou em momentos específicos das atividades
escolares. De modo distinto, a perspectiva que adotei neste trabalho, inspirada na teoria
da subjetividade, concebe afeto e cognição em constituição mútua, de modo que a
motivação é vista como expressão integral da pessoa, isto é, como produção subjetiva.

A ideia da motivação como produção de sentido subjetivo requer que os


processos de ensino e de aprendizagem estejam direcionados para subsidiar essa
produção, na direção de uma melhor aprendizagem escolar. A perspectiva teórica da
subjetividade possibilita considerar as produções e posicionamentos do sujeito no curso
de suas experiências, superando a ideia da motivação como simples resposta a um fator
externo à pessoa.

Nesta seção apresento uma discussão baseada nos casos estudados, dando
relevo aos aspectos que, em seu sentido subjetivo, constituem a motivação para
aprender e ensinar química. Em tal discussão não tenho a intenção de apresentar os
elementos de sentido como aspectos isolados que antecipariam a qualidade da
motivação dos sujeitos. Entendo que eles são parte de um sistema em movimento, no
âmbito do qual a motivação é vista como expressão integral da pessoa.
131

Em relação ao professor, busquei conhecer elementos de sua subjetividade e


compreender em que termos se configuram sentidos subjetivos que constituem sua
motivação para aprender e ensinar química. Foi possível compreender que diferentes
aspectos repercutiram em sua decisão de assumir uma posição que ele julga
intermediária entre o ensino de química contextualizado e o ensino centrado nos
conteúdos, na perspectiva do ensino de química voltado para o ingresso no ensino
superior, e que, segundo sua expressão, condiz com a realidade encontrada na sala de
aula. Dentre esses aspectos destaco: 1. O sentido subjetivo que tem para ele os alunos,
vistos principalmente como receptores de conteúdos e sem ideias próprias; 2. O sentido
subjetivo quem tem para ele o ensino de química compreendido como transmissão-
recepção de um conhecimento objetivo; 3. E ainda o sentido que tem para ele a
aprendizagem escolar como meio de obtenção de melhores condições de vida, via
conquista de um diploma de ensino superior. Ficou claro a partir das expressões de
Miro, que os aspectos mencionados participam como elementos de sentido da
configuração subjetiva em que se expressa sua motivação para aprender e ensinar
química.

Tais sentidos subjetivos tem origem em sua história de vida, de formação e


de profissionalização e são consistentes com a as representações hegemônicas na escola
e na sociedade, que atribuem à escola o papel de promover a ascensão social, ao
conhecimento a capacidade de representação fiel da realidade, ao ensino a transmissão
das verdades descobertas e ao aluno a reprodução desse conhecimento nos exames que
lhe permitem avançar em sua escolaridade e, por fim, se profissionalizar. Essas
informações demonstram que a meta, o conhecimento, o professor e o aluno são centrais
na motivação para aprender e ensinar química.

Ficou evidente que o estudo de tendências contemporâneas e a discussão de


propostas de ensino nos cursos de formação de professores de ciências são condições
necessárias, mas não suficientes para que o professor promova mudanças em seu
trabalho na sala de aula (QUADROS E MORTIMER, 2014). Outros aspectos merecem
ser considerados pelo professor, caso esteja interessado em compreender a motivação
dos alunos.

Em relação aos alunos, objetivo foi conhecer elementos da subjetividade e


compreender em que termos se configuram sentidos subjetivos que constituem sua
132

motivação para aprender química. O sentido subjetivo da família, dos colegas, do


professor, da aprendizagem escolar, dos assuntos da química (envolvendo matemática
ou não), incluindo os conhecimentos prévios tem um papel na configuração de sentidos
subjetivos na qual se expressa a motivação dos jovens para aprender química, mas
assumem configurações diferentes para cada um dos estudantes A relação com os outros
atores sociais e objetos de conhecimento acontecem de maneiras variadas e também são
diversificados os desdobramentos que assumem para cada sujeito, atrelados às
singularidades de suas histórias de vida.

Entendo que a discussão sobre o sentido subjetivo da família, dos colegas e


do professor, pode contribuir para o entendimento do papel da relação com o outro na
motivação. Nessa relação estão implicados seu contexto concreto e a configuração
subjetiva do sujeito, o que destaca a dimensão de sentido subjetivo da motivação,
opondo-se à centralidade da influência imediata do outro na constituição da pessoa.
Nessa perspectiva, “o outro é significativo no desenvolvimento humano apenas como
um outro portador de sentido subjetivo” (GONZÁLEZ REY, 2004, p. 18). A relação
com o outro é produtora de sentido subjetivo e essa produção pode se estender a outras
esferas da vida do sujeito, como a vida escolar, por exemplo, constituindo elementos de
sentido que intervém na motivação para aprender química.

Em relação ao sentido subjetivo da família, os casos de Edu, Lia e Ana


trouxeram contribuições para a ideia de que a relação com o outro produz demandas que
contribuem de diferentes maneiras para o posicionamento do sujeito na aprendizagem
escolar. Esse aspecto é fundamental para os processos motivacionais, considerando que
a produção de sentido subjetivo, que define a motivação, reflete sempre a tomada de
posição por parte do sujeito.

No caso de Edu, por exemplo, foi possível perceber que ele tinha interesse
em ingressar em um curso superior, mas a família não o apoiava em sua opção
específica, o que gerava dúvidas em sua escolha profissional. No enfrentamento dessa
oposição, apesar da tensão quanto à expectativa familiar, o jovem não cedeu à pressão
para escolher um curso que segundo a representação social fosse financeiramente
promissor, como seus familiares desejavam. Isto expressa o posicionamento de Edu
como sujeito de seu processo de aprendizagem e escolha profissional, que alimentava
seus interesses e potencializava sua motivação, como demonstrou seu envolvimento em
133

atividades que estavam relacionadas ao seu interesse profissional, como oficinas de


leitura e a produção e edição de textos em um jornal escolar.

Lia demonstrou ter com sua mãe o compromisso de concluir os estudos e


ajudá-la financeiramente no futuro. Este fator contribuía para que ela continuasse
frequentando a escola, mas não repercutia em sua motivação para aprender química.
Entendo que contribuiu para isto o fato da relação com a mãe, em seu sentido subjetivo,
dificultar o posicionamento da jovem como sujeito de sua aprendizagem, já que, em sua
orientação motivacional, ela estava voltada basicamente para o atendimento de
expectativas de sua mãe.

No caso de Ana, foi possível compreender que a relação com o irmão era
um espaço de abertura e compartilhamento de ideias e interesses em relação aos
estudos, o que, a partir das emoções geradas, constituía o sentido subjetivo da
aprendizagem na escola. O irmão contribuía fortemente para sua motivação em aprender
química e, com a sua ausência, esse sentido subjetivo desapareceu o que, num primeiro
momento, significou para a jovem a vontade de desistir dos estudos e uma diminuição
em seu rendimento acadêmico.

Leal e Rocha (2008) ao entrevistarem estudantes do ensino médio de escolas


públicas, com idades entre 15 e 20 anos, identificaram que, para os jovens, o papel da
escola está relacionado principalmente ao convívio com amigos e colegas. Pintrich et.
al. (1993) argumentaram que no contexto escolar os alunos podem ter muitos objetivos
sociais, tais como fazer amigos, encontrar um namorado ou namorada, ou ainda,
impressionar seus pares. Porém, esses autores comentam apenas sobre a possibilidade
desses objetivos dificultarem um envolvimento intelectual profundo por parte dos
alunos. A relação com os colegas pode ser um elemento de produção de sentido para a
motivação, a partir do sentido subjetivo que tem para eles. Para discutir esse aspecto,
recorri às contribuições dos casos de Edu, Lia, Nara e Alice.

A relação de Edu com os colegas, em seu sentido subjetivo, estava


orientada pela necessidade de distanciamento de alguns deles. Edu relatou que evitava
fazer amizades na escola, porém, com as pessoas que já conhecia, procurava manter
uma boa relação, conversando principalmente sobre assuntos abordados nas aulas. Para
o jovem, os colegas da escola eram menos interessados que os alunos do curso pré-
134

vestibular que frequentava o que em sua avaliação prejudicava a atuação do professor e


a qualidade da aprendizagem nas aulas.

Os casos de Lia, Nara e Alice demonstram a ideia de que a relação com os


colegas pode ser produtora de sentidos subjetivos favoráveis à aprendizagem,
impulsionando seus processos motivacionais.

Lia mudou de turma e se separou dos colegas do ano anterior, com quem
mantinha um bom relacionamento, o que repercutiu negativamente em sua motivação.
Ela via sua relação com os colegas do ano anterior em termos da disponibilidade para
conversar e da união, inclusive nos momentos de produção de trabalhos escolares, o
que, a partir das emoções geradas, produzia um sentido subjetivo que contribuía para
sua motivação. A jovem não se sentia acolhida na turma atual comentando apenas seu
entrosamento com alguns colegas de turma. Contudo, essa relação diferentemente do
que relatou ter vivenciado antes, contribuiu para que ela frequentasse a escola, mas não
se converteu em elemento de produção de sentido que pudesse apoiar sua motivação
para aprender química.

O caso de Nara ilustra a ideia de que o posicionamento ativo do sujeito na


relação com os colegas é fundamental para que tal relação seja produtora de sentidos
subjetivos favoráveis à aprendizagem. Inicialmente a jovem associou a relação com os
colegas a prejuízos que teve em sua vida escolar. Em uma conversa posterior ela
assumiu um posicionamento próprio em relação à sua aprendizagem e as amizades
apareceram ligadas ao estudo e apoio nas atividades escolares, o que indicou a mudança
no sentido que da relação com os colegas em sua configuração subjetiva do aprender.

No caso de Alice, foi possível compreender que a relação com os colegas


ganhou sentido subjetivo relevante para a qualidade da aprendizagem, em termos da
proximidade e apoio nas atividades escolares, contribuindo para que ela frequentasse a
escola e se sentisse motivada para aprender.

Ana comentou que sua relação com os colegas de turma na escola que
estudava anteriormente girava em torno do interesse comum pela aprendizagem, para o
qual eram unidos, estudavam em grupo e comentavam sobre os assuntos das aulas.
Sobre a escola atual ela comentou as influências negativas de colegas que não tinham
135

interesse em estudar, o que, segundo seu relato, contribuiu para uma diminuição em seu
rendimento acadêmico.

Os casos de Edu, Lia, Nara e Alice compartilham uma representação


inicial do professor em termos do domínio de conteúdo e qualidade de suas explicações,
o que influiu positivamente em seu interesse pelas aulas de química. Contudo, foi
possível perceber que a motivação dos jovens para aprender química é potencializada a
partir do sentido subjetivo que o professor ganha para eles. Em relação ao sentido
subjetivo do professor, destaco dois aspectos que identifiquei a partir da análise dos
casos de Edu, Lia, Ana, Nara e Alice: (1) O professor como aquele que pode
relacionar o conhecimento químico com a vida social, mobilizando o envolvimento e
interesse dos alunos pela aula de química. (2) O professor como aquele que está aberto a
uma relação de proximidade em termos da atenção, interesse pela aprendizagem e
incentivo demonstrado em relação aos alunos.

Sobre o primeiro aspecto, nos casos de Edu e Nara, os professores, em seu


sentido subjetivo, apareceram como aqueles que podem relacionar o conhecimento
químico com a vida social, mobilizando assim o envolvimento e interesse dos alunos
pela aula de química. Foi possível perceber que a motivação para aprender química não
é determinada pela abordagem do conhecimento químico em si mesmo. O interesse dos
jovens foi alcançado no momento em que o aprender passou a integrar sua produção de
sentidos subjetivos. Nessa perspectiva, para que o professor se converta em um
elemento de produção de sentido subjetivo favorável à aprendizagem, ele precisa
perceber e atuar sobre as necessidades dos estudantes, com vistas a atingir a sua
motivação, como demonstraram os referidos casos.

Em relação ao segundo aspecto, nos casos de Ana, Lia, Nara e Alice os


professores, em seu sentido subjetivo, apareceram como aqueles que estão abertos a
uma relação de proximidade em termos da atenção, interesse pela aprendizagem e
incentivo demonstrado em relação aos alunos. A partir da Teoria da Subjetividade,
reitero que a importância da relação com o outro, na motivação para aprender química,
não está determinada por ela mesma, mas sim pela produção de sentido do sujeito na
vivência dessa relação. O caso de Ana ilustra essa construção, pois, a ocorrência de um
conflito com sua professora de química do ano anterior, que a repreendeu perante a
turma e exigiu que ela saísse da sala, representou em seu sentido subjetivo, um
136

momento importante na emergência da motivação da jovem para estudar sozinha. É


possível afirmar que o enfrentamento do episódio citado contribuiu para que a jovem se
posicionasse como sujeito de sua aprendizagem, o que foi fundamental em sua
motivação para aprender química.

No caso de Lia, sua relação com a professora de química do ano anterior


contribuiu para que a jovem se sentisse à vontade para expor suas dúvidas diante da
turma e realçou sua aproximação com o conhecimento químico, para o qual ela
demonstrou interesse em aprender. A jovem afirmou não ter encontrado a mesma
disponibilidade com o professor Miro, de modo que o sentido subjetivo produzido sobre
o professor atual e sua relação com ele repercutiram negativamente em sua motivação
para aprender química.

Nos casos de Nara, Alice e Luna, era importante para a motivação das
jovens que seus professores demonstrassem interesse por elas e não apenas pelos
assuntos que ensinavam. Elas mencionaram a necessidade de seus professores
dialogarem com os alunos e considerarem explicações e conhecimentos para além do
material utilizado em aula, o que para as jovens funcionava como incentivo para gostar
dos assuntos abordados.

No caso de Alice, especificamente, foi possível perceber que o incentivo


advindo dos professores dizia respeito não somente à escola, mas a questões
relacionadas a seus planos para o futuro. A esse respeito, ela destacou o interesse do
professor Miro pela participação dos alunos nos processos seletivos para o ingresso no
ensino superior, momento em que ele recorria a sua própria história de vida. Entendo
que a estratégia utilizada pelo professor, o relato de situações de sua história que
envolviam o estudo e a escolha profissional, abriam um espaço de diálogo e
aproximação entre eles e os estudantes, que, de algum modo se identificavam com os
relatos do professor e viam nele uma pessoa interessada pelo crescimento pessoal deles.
Esse canal de aproximação foi repercutiu positivamente na motivação de Alice para
aprender química. Torna-se relevante que os processos de ensino e de aprendizagem
estejam orientados não somente pela abordagem do conteúdo científico, mas também
pela abertura e disponibilidade do professor em considerar os interesses dos estudantes,
com vistas a atingir a sua motivação.
137

O sentido subjetivo da aprendizage m escolar constitui a motivação para


aprender química como foi possível perceber a partir das contribuições dos casos de
Edu, Lia e Nara. No caso de Edu, a aprendizagem escolar assumiu um caráter
produtivo, quando ele diferencia aprendizagem de conhecimento, sendo o conhecimento
aquilo que se busca para responder alguma necessidade, um problema. Uma distinção
próxima daquela feita por Ausubel (1980) entre a disposição para aprender de forma
mecânica ou de forma significativa. A motivação do jovem ficava comprometida no
momento em que nas aulas de química, o professor privilegiava a memorização de
informações e a resolução de exercícios.

No caso de Lia, a aprendizagem escolar tinha geralmente um caráter


reprodutivo, centrada em exigências externas, como obter a pontuação nas aulas e
ingressar em um curso superior. Entretanto, centrar o ensino da química para esse fim
não contribuiu para que a jovem produzisse sentidos subjetivos que repercutissem
positivamente em sua motivação, no sentido da construção de um vínculo e
compromisso pessoal com a aprendizagem da química. A motivação da jovem era
alcançada nas situações em que ela conseguia produzir sentido subjetivo sobre o
conhecimento químico, na direção do entendimento do conteúdo trabalhado em aula,
como ocorreu na aprendizagem da tabela periódica.

O caso de Nara demonstrou a importância da produção de sentido subjetivo


favorável à aprendizagem escolar, porque potencializa a motivação, a partir do
envolvimento pessoal do sujeito em relação ao que está estudando. Para a jovem, a
aprendizagem escolar, ganhava uma emocionalidade positiva, associada ao sentido
subjetivo que alguns componentes curriculares tinham para ela, como conhecimentos
necessários para saber e viver. Ela valorizava o conhecimento por sua relação com
assuntos e situações da vida humana, o que era fundamental para impulsionar sua
motivação para aprender.

Em todos os casos a motivação para aprender química apareceu ligada à


matemática, a partir da relação que os jovens tinham com esse conhecimento. É comum
no ensino de química, a ênfase em expressões matemáticas, especialmente nos
conteúdos de físico-química (HARTWIG E DOMINGUES, 1985). No ensino
tradicional de química, usualmente dividido em química geral, físico-química e química
orgânica, a físico-química é ensinada no segundo ano do ensino médio, no qual a
138

matemática aparece de modo mais frequente, como importante momento na


aprendizagem do conhecimento químico. Contudo, falta “compreensão da relação entre
os conceitos químicos e a matemática que lhes é associada” (LEAL E ROCHA, 2008),
de modo que, muitas vezes, a formalização matemática ocorre em detrimento da
interpretação dos fenômenos químicos.

O conhecimento matemático foi apontado pelos estudantes, como


justificativa para aproximação ou distanciamento da química. No caso de Edu, foi
possível perceber o desconforto que sentia em relação à matemática, emocionalidade
que influía na percepção que tinha de si como estudante de química e produzia o sentido
subjetivo da referida disciplina, que o desmotiva para sua aprendizagem. Ana, por sua
vez, associou seu bom rendimento acadêmico em química ao fato de ser bem sucedida
em matemática. Nos casos de Lia e Luna, a associação com a matemática contribuiu
para o distanciamento das jovens em relação ao conhecimento químico, principalmente
quando havia a necessidade da utilização de conhecimentos matemáticos.

A motivação aparece, portanto, como uma produção subjetiva resultante de


toda a história escolar e extra-escolar do sujeito, história que implica uma relação
muitas vezes contraditória dos níveis subjetivos social e individual do sujeito. Acredito
que focalizando desta maneira a compreensão da motivação para aprender e ensinar
química ganha uma contribuição, pois deixa de ser pensada como algo próprio do
sujeito ou das tarefas escolares e pode beneficiar professores interessados em inovações
nessa área.

Sentidos subjetivos favoráveis à aprendizagem podem ser co-construídos


nas interações entre professores e estudantes e dos estudantes entre si. Tal concepção
inspira professores a tentar compreender a configuração de sentidos subjetivos que seus
alunos produzem ao realizarem as atividades, procurando “... captar sua motivação,
suas emoções, para, a partir daí, colocar o seu pensamento na conjunção de novas
aprendizagens (TACCA, 2006, p. 49).
139

5. Referências

ALSO, S., WATTS, M., Unweaving time and foodchains : Two classroom exercises in
scientific and emotional literacy. In: Canadian Journal of Science, Mathematics and
technology education, 2 (4), 435-449. 2003.

ALSOP.S (Ed). Beyond Cartesian Dualism: Encountering affect in the teaching and
learning of science (pp. 122-134). Netherlands: Springer, 2005.

ALVES, J. M. As ideias de Vygotsky sobre a relação razão-afetividade no curso do


desenvolvimento. In: Souza Maria Thereza C. Coelho de e Vera Silvia Raad Bussab
(Orgs.) Razão e emoção: diálogos em construção, São Paulo: Casa do Psicológo, 2011.

ALVES, Jose Moyses, Et All. Sentidos subjetivos relacionados com a motivação dos
estudantes do clube de ciências da ilha de cotijuba. In: Revista Ensaio Pesquisa em
Educação em Ciências v. 14 n. 3 (2012).

AUSUBEL, D. P. et al. Psicologia educacional. Rio de Janeiro, Interamericana, 1980

BAZZAN, A, L. Envolvimento dos estudantes do ensino médio com química –


conversas de professores. Dissertação de mestrado, Ijuí, dez. de 2009.

BONNEY, C. et al. Student learning in science classrooms: What role does


motivation play? In: S. Alsop (Ed.) Beyond Cartesian Dualism: Encountering Affect in
the Teaching and Learning of Science. Dordrecht, The Netherlands: Springer, pp. 83-97,
2005.

BORGES et al. Natureza do conhecimento científico e educação em ciências:


concepções de professores em visita a um museu interativo com seus alunos. In: Atas
do III ENPEC, 2001.

BOURGEOIS, E. GALAND, B. A questão da motivação para aprender. In: Benoît


Galand e Étienne Bourgeois. motivar(-se) para aprender. Campinas: Autores associados,
2011.

CANNON, R.K., & SIMPSON, R.D. Relationships among attitude, motivation, and
achievement of ability grouped, seventh-grade, life science students. In: Science
Education, 69, 121-138, 1985.

CARDOSO, S. P. COLINVAUX, D. Explorando a motivação para estudar química.


In: Química Nova, v. 23, n. 3, p. 401-404, 2000.

CASTILHO, D.L.; SILVEIRA, K.P. e MACHADO, A.H. As aulas de química como


espaço de investigação e reflexão. In: Química Nova na Escola. n. 9, p. 14-17, maio
1999.

CORRÊA, R. G. Estudo do perfil motivacional para o aprendizado de Química. São


Carlos: Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) [Dissertação de mestrado
apresentada ao Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia], 2009.
140

COSTA, Adalcindo Rodrigues, OLIVEIRA, Jorgete Pereira, ALVES, José Moyses.


Analisando a construção de explicações individuais e coletivas em aulas sobre
ligações iônicas, na 8a série. In: Revista Electronica de Enseñanza de las Ciencias Vol.
7 n. 1, 2008.

COSTA-BEBER et al. Processos seletivos de Universidades Públicas da Região Sul


do Brasil: movimento de mudanças a partir do Novo ENEM. In: Revista Brasileira de
Pesquisa em Educação em Ciências, Vol. 14, No 1, 2014.

CURY, I. As concepções de matemática dos professores e suas formas de


considerar os erros dos alunos. Porto Alegre, 1994. Tese (Doutorado em Educação) -
Faculdade de Educação , Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1994.

DUTRA et al. Desmotivações no estudo da química: uma análise de causas a partir


das percepções de estudantes do ensino médio. In: Anais do XVI Encontro Nacional de
Ensino de Química (XVI ENEQ), 2012.

FREITAS, K. B. de e CORREA, P. R. M. Atividades colaborativas no orkut como


motivação para a aprendizagem de conceitos de química. In: Anais do XIV Encontro
Nacional de Ensino de Química (XIV ENEQ), 2008.

GALIAZZI, M. C. et al. Objetivos das atividades experimentais no ensino médio: a


pesquisa coletiva como modo de formação de professores de ciências. In: Ciência &
Educação, v.7, n.2, p.249-263, 2001.

GLYNN, S. M., & KOBALLA, T. R. Motivation to learn in college science. In: J.


J.Mintzes & W. H. Leonard (Eds.) Handbook of college science teaching . Arlington,
VA: NSTA Press, p. 25-32, 2006.

GOMEZ-CHACÓN. Una metodología cualitativa para el estúdio de las influencias


afectivas em El conocimiento de las matemáticas. In: Revista enseñanza de las
ciências. 16 (3), p. 431-450, 1998.

GONÇALVES, T.V.O. Formação inicial de professores: prática docente e atitudes


reflexivas. In: Amazônia: Revista de Educação em Ciências e Matemáticas. Belém, v. 2,
n.2, p.73- 79, 2005.

GONZÁLEZ REY, F. L. Epsite mología cualitativa y s ubjetivdad. São Paulo: EDUC,


1997.

GONZÁLEZ REY, F. L. La investigación cualitativa en psicología: rumbos y


desafios. São Paulo: EDUC, 1999.

GONZÁLEZ REY, F. La categoría sentido y su significación en la construcción del


pensamiento psicológico. In: Contrapontos, Ano I, n. 2, 2000.

GONZÁLEZ REY, F. L. Pesquisa qualitativa em psicologia – caminhos e desafios.


São Paulo: Thomson, 2002.

GONZÁLEZ REY, F. L. Sujeito e subjetividade: uma aproximação histórico-cultural.


São Paulo: Thomson Learning, 2003.
141

GONZÁLEZ REY, F. L. O sujeito, a subjetividade e o outro na dialética complexa


do desenvolvimento humano. In: L.M. Simão & A. M. Martinez (Eds.), O outro no
desenvolvimento humano. Diálogos para a pesquisa e prática profissional em
psicologia. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, pp. 29-39, 2004.

GONZÁLEZ REY, F. L. O valor heuristico da subjetividade na investigação


psicológica. In: REY, F. L. G. (Org.) Subjetividade, complexidade e pesquisa em
psicologia. São Paulo: Thomson Learning. p. 27-51, 2005.

GONZÁLEZ REY, F. O sujeito que apre nde : desafios do desenvolvimento do tema da


aprendizagem na psicologia e na prática pedagógica”. In: Tacca, C. (org.).
Aprendizagem e trabalho pedagógico. Campinas, Alínea, 2006.

GONZÁLEZ REY, F. Psicoterapia, s ubjetividade e pós-mode rnidade: Uma


aproximação histórico-cultural. São Paulo, Thomson, 2007.

GONZÁLEZ REY, F. L. O sujeito que aprende : desafios do desenvolvimento do tema


da aprendizagem na psicologia e na prática pedagógica. In: TACCA, M.C.V.R.
Aprendizagem e trabalho pedagógico. Campinas, SP: Alínea. p. 29-44, 2008.

GONZÁLEZ REY, F. L. REY, F.G. O social na psicologia e a psicologia social: a


emergência do sujeito. Petrópolis: Vozes, 2009.

GONZÁLEZ REY, F. L. Lenguaje sentido y subjetividad: más alla del lenguaje y la


conducta. In: Estudios de Psicologia, v. 32, p. 345-357, 2011.

GONZÁLEZ REY, F. L. Subjetividade e Saúde: Superando a clínica da patologia. São


Paulo: Cortez, 2012.

GONZÁLEZ REY, F. L. La subjetividad en una pe rspectiva cultural-histórica:


avanzando sobre un legado inconcluso In: CS No. 11, p. 19–42, enero–junio, 2013.

GUIMARÃES, Sueli ER; BORUCHOVITCH, Evely. O estilo motivacional do


professor e amotivação intrínseca dos estudantes: uma perspectiva da teoria da
autodeterminação. In: Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 17, n. 2, p. 143-150, 2010.

HARTWIG, D. R.; DOMINGUES, S. F. Equilibração entre os pontos qualitativos e


quantitativos no ensino de química. In: Química Nova, v. 08, n. 02, pp. 116-119,
1985.

KASSEBOEHMER, A.C., GUZZI, M. E. R. e FERREIRA, L. H. Participação de


estudantes em atividades investigativas: a influência do ambiente escolar para a
motivação. In: Anais do XVI Encontro Nacional de Ensino de Química (XVI ENEQ),
2012.

KOBALLA, T.R. Frame work for the affective domain in science education.
Disponível em: http://serc.carleton.edu/NAGTWorkshops/affective/framework.html.
acesso em: 17/10/13, 2012.

KOBALLA, T.R. JR. & GLYNN, S.M. Attitudinal and Motivational constructs in
science learning. Chpt. 4 in Abell, S. K. & Lederman, N. G. (eds.), Handbook of
Research on Science Education, Mahwah: Erlbaum. 2007.
142

LEAL M. C. e ROCHA, M. F. R. da S. Ensino de química, Cultura Escolar e Cultura


juvenil: possibilidades e tensões. In: ROSA, M.I.P e ROSSI A. V. (Org.) Educação
química no Brasil: memórias, políticas e tendências, 2008.

LEITE, S. A. Afetividade e práticas pedagógicas. In: LEITE, S. A. (org.) Afetividade


e práticas pedagógicas. São Paulo: Casa do Psicólogo, p. 15-45, 2006.

LEME, M. I. S. Cognição e afetividade na pe rspectiva da psicologia cultural. In: V.


A. Arantes (Org.) Afetividade na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo:
Summus, p. 89-108, 2000.

LEMKE, J. L. Research for the Future of Science Education: new ways of Learning,
new ways of Living In: Anais do VII International Congress in Research in Science
Teaching. Granada, Espanha, 2005.

LOVATE, R. e VOGEL, M. Discentes: o que os motiva em relação às aulas de química.


In: Anais do XVI Encontro Nacional de Ensino de Química (XVI ENEQ), 2012.

MACHADO, A. H. Aula de química: discurso e conhecimento. Ijuí: Ed. UNIJUÍ,


2000.

MADEIRA-COELHO, C. M. Formação docente e sentidos da docência: o sujeito que


ensina, aprende. In: Albertina Mitjáns Martinez; Beatriz Judith Lima Scoz; Maria Irene
Siqueira Castanho. (Org.). Ensino e aprendizagem: a subjetividade em foco.
1ªed.Brasília, DF: Liber livros, v., p. 111-130, 2012.

MADUREIRA, A. F. do A. e BRANCO, A. U. A noção de sujeito na ciência


psicológica: Linguagem e Constituição da subjetividade em discussão. In: Rey, F. G.
(Org.) Subjetividade, Complexidade e Pesquisa em Psicologia. São Paulo: Pioneira
Thomson Learning, 2005.

MALDANER, O. A. A formação inicial e continuada de professores de química:


professor/pesquisador. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 2000.

MALDANER, O. A.; BAZZAN, A. C.; LAUXEN, M. T C. Reorganização dos


conteúdos de química no ensino médio a partir do desenvolvimento do currículo
por sucessivas situações de estudo. In: Anais do XIII Encontro Nacional de Ensino de
Química, Campinas, 2006.

MALDANER, O. A.; ZANON, L. B; AUTH, M. A. A pesquisa sobre educação em


ciências e formação de professores. In: SANTOS, F. M. T.; GRECA, I. M (Org.). A
pesquisa em ensino de ciências no Brasil e suas metodologias. Ijuí: Editora Unijuí, p.
49-88, 2006.

MARANGONI et al. A motivação dos alunos para a aprendizagem da química. In:


Anais do VII Encontro Paulista de Pesquisa em ensino de química, 2013.

MITJÁNS MARTÍNEZ, Albertina. Criatividade no trabalho pedagógico e


criatividade na aprendizage m: uma relação necessária? In: TACCA, Maria Carmen
Villela Rosa (Org.). Aprendizagem e trabalho pedagógico. Campinas: Alínea, p. 69-94,
2008.
143

MITJÁNS MARTÍNEZ, Albertina. Criatividade, personalidade e educação. 3. ed.


Campinas: Papirus, 1997.

MORAES, R. ; RAMOS, Maurivan Güntzel ; GALIAZZI, M. C. . Aprender química:


promovendo Excursões em Discursos da Química. In: ZANON, L. B; MALDANER, O.
A. (Org.). Fundamentos e Propostas de Ensino de Química para a Educação Básica no
Brasil. 1ed. Ijui, RS: Editora Unijui, v. 1, p. 191-210, 2004.

MOREIRA, H. A investigação da motivação do professor: a dimensão esquecida. In:


Educação & Tecnologia, Curitiba, v. 1, p. 88-96, 1997.

MORTIMER, Eduardo. A evolução dos livros didáticos de química destinados ao


ensino secundário. In: Em Aberto. Brasília, ano 7, n.40, p. 25-41, 1988.

NEUBERN, M. As emoções como um caminho para uma epistemologia Complexa


da Psicologia. Psicologia. In: Teoria e Pesquisa. Maio-Ago 200,vol. 16 n. 2, pp. 153-
164. 2000.

NEUBERN, M. Três obstáculos epistemológicos para o reconhecimento da


subjetividade na psicologia clínica. In: Psicologia Reflexão & Crítica,14(1), 242-252.
2001

PERRIER, F., & NSENGIYUMVA, J. B. Active science as a contribution to the


trauma recovery process. Preliminary indications with orphans for the 1994 genocide
in Rwanda. In: International Journal of Science Education, 25, 1111- 1128, 2003.

PESSOA, W. R. e ALVES, J. M. A conservação de alimentos como tema de estudos


em aulas de química no 1ano do ensino médio. In: Revista Electrónica de Enseñanza
de las Ciências Vol. 7 Nº1, 2008.

PESSOA, W. R., ALVES, J. M. Motivação para estudar química: configurações


subjetivas de uma estudante do segundo ano do ensino médio. In: Encontro Nacional de
Pesquisa em Educação em Ciências, Campinas - SP. ATAS DO VIII ENPEC, 2011.

PINTRICH, P. R., & SCHUNK, D. H. Motivation in education: Theory,research, and


applications (2nd ed.). Upper Saddle River, NJ: Prentice Hall, 2003.

PINTRICH, P. R., MARX, R. W., BOYLE, R. A. Beyond cold conceptual change:


The role of motivational beliefs and classroom contextual factors in the process of
conceptual change. In: Review of Educational Research, 63, 167-199, 1993.

PINTRICH, P.R. y SCHUNK, D.H. Motivación en contextos educativos. Teoría,


investigación y aplicaciones (2ª ed.). Madrid: Pearson Educación, 2006.

POSNER, GEORGE, J., STRIKE, K. A., HEWSON, P. W., AND GERTZOG, W. A.


Accommodation of s Scientific Conception: Towards a Theory of Conceptual Change.
In: Science Education, 66(2), 211-227. 1982

POZO, Juan I. & CRESPO, Miguel A. G. A aprendizagem e o ensino de ciências: do


conhecimento cotidiano ao conhecimento científico. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2009.

QUADROS, A. L. A Formação de professores: um olhar para a Química. In:


144

TEIXEIRA, P. M. M. (Ed.). Ensino de Ciências: Pesquisas e Reflexões (pp. 109-113).


Ribeirão Preto: Holos, 2006.

QUADROS, A. L.; MORTIMER, E. F. Fatores que tornam o professor de Ensino


Superior be m-sucedido: analisando um caso. In: Ciência & Educação, v. 20, p. 259-
278, 2014.

REISS. In: ALSOP.S (Ed). Beyond Cartesian Dualis m: Encountering affect in the
teaching and learning of science (pp. 122-134). Netherlands: Springer, 2005.

RIBEIRO, R. A., FONSECA, F. S. e SILVA, P. N. Aula Prática como Motivação para


Estudar Química e o Perfil de Estudantes do 3º Ano do Ensino Médio em Escolas
Públicas e Particulares de Montes Claros/MG. In: UNIMONTES CIENTÍFICA.
Montes Claros, v.5, n.2, jul./dez. 2003.

ROSSATO, M. O movimento da subjetividade no processo de superação as


dificuldades de aprendizage m escolar. [Tese de Doutorado], Brasília, 2009.

SANTOS et al. Dificuldades e motivações de aprendizagem em Química de alunos


do ensino médio investigadas em ações do (PIBID/UFS/Química). In: Scientia Plena
9, 2013.

SANTOS, F. M. T. e MORTIMER, E. F. Estratégias e táticas de resistência nos


primeiros dias de aula de química. In: Química Nova na Escola, n. 10, 1999.

SANTOS, F.M.T.; MORTIMER, E. F. How Emotions Shape the Relationship


between a Che mistry Teacher and Her High School Students. In: Journal of Science
Education. vol. 25, n.9. p. 1095-1110, 2003.

SANTOS, Larissa Medeiros Marinho dos. O papel da família e dos pares na escolha
profissional. In: Psicol. estud., Abr 2005, vol.10, no.1, p.57-66

SCHNETZLER, Roseli Pacheco. A pesquisa no ensino de Química e a importância


da Química Nova na Escola. In: Química Nova na Escola, v. 20, p. 49-54, 2004.

SIMPSON, R. D., KOBALLA, T. R., OLIVER, J. S., & CRAWLEY, F. E. Research


on the affective dimensions of science learning. In D. Gabel (Ed.), Handbook of
research on science teaching and learning, 1994. p. 211-234

SIQUEIRA, M.R. (1996) Algumas considerações sobre motivação no ensino de


ciências. In: Ciência & Ensino. N.1 (out), 1996.

SOLÉ, I. Disponibilidade para a aprendizagem e sentido para aprendizage m. In. C.


César, E. Martim, M. Nutras, J. Onrubia & I. Solé. O construtivismo na sala de aula (pp.
37-54). São Paulo : Ática. 1996

TACCA, M. C. V. R. Estratégias pedagógicas : Conceituação e desdobramentos com


foco nas relações professor-aluno. In TACCA, M. C. V. R. (Ed.) Aprendizagem e
Trabalho Pedagógico. Campinas, SP: Alínea, 2006. pp. 45 – 68

TACCA, M. C. V. R. REY, F. L. G. Produção de sentido subjetivo: as singularidades


dos alunos no processo de aprender. In: Psicologia, Ciência e Profissão, 28 (1). p.138-
145

161, 2008.

TACCA, M.C.V. R. Além de professor e de Aluno: a alteridade nos processos de


Aprendizagem e desenvolvimento. In: L.M. Simão & A. M. Martinez (Eds.), O outro no
desenvolvimento humano. Diálogos para a pesquisa e prática profissional em psicologia
(pp.29-39). São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004.

TACCA, M.C.V. R. Relações sociais na escola e desenvolvimento da subjetividade.


In MALUF, M. I. (coord). Aprendizagem: tramas do conhecimento, do saber e da
subjetividade. Petrópolis/RJ: Vozes; São Paulo: ABPp Associação Brasileira de
Psicopedagogia, 2006.

VALVERDE, A. A.; CHAVARRIA, G. C. La motivación: una actividad inicial o um


proceso permanente. In: Revista Pensamiento actual. Costa Rica: Universidade da Costa
Rica, 2000.

VAZ, W. F.; SOARES, M. H. F. B. O ensino de química para adolescentes em


conflito com a lei: possibilidades e desafios. In: Revista Brasileira de Pesquisa em
Educação em Ciências, v. 8, p. 1-23, 2008.

WANDERLEY et al. Pra gostar de química: um estudo das motivações e interesses


dos alunos da 8a série do ensino fundamental sobre química. Resultados preliminares.
In: Anais do I CNNQ, 2005.

ZEICHNER, Kenneth M. A formação reflexiva de professores: ideias e práticas.


Lisboa: EDUCA, 1993.

ZEMBYLAS, M. Emotions and science: teaching present research and future agendas
In: Alsop.S. (Ed). Beyond Cartesian Dualism: Encountering affect in the teaching and
learning of science. Netherlands: Springer, 2005. pp. 122-134

ZUSHO, A., PINTRICH, P. R., & COPPOLA, B. Skill and will: The role of motivation
and cognition in the learning of college chemistry. In: International Journal of Science
Education, 25, 1081-1094, 2003.
146

APÊNDICE 1

Termo de Consentime nto Livre e Esclarecido

Esta pesquisa é parte integrante da Tese de doutorado em Educação em Ciências


e Matemática do professor Wilton Rabelo Pessoa, do Instituto de Educação Matemática
e Científica da Universidade Federal do Pará, sob orientação do Prof. Dr. José Moysés
Alves. A pesquisa tem como objetivo investigar a dinâmica social entre professor e
estudantes e destes com o conhecimento químico, e os processos de produção de sentido
subjetivo em aulas de química, focalizando como esses processos constituem a
motivação para ensinar e aprender química. Para isso, será necessário utilizar as
seguintes fontes de informação: observação das aulas de química, questionários,
conversas individuais e em grupo na escola. As informações poderão ser registradas por
meio de gravação em áudio.

A participação nesta pesquisa é voluntária, ou seja, é considerado o direito de se


recusar a participar ou mesmo retirar seu consentimento a qualquer momento da
pesquisa, sem prejuízo algum ao participante. O estudante tem o direito de se recusar a
participar da pesquisa, mesmo sendo autorizado por seu responsável.

É importante destacar que esta pesquisa não oferecerá riscos de qualquer


natureza a nenhum participante.

O pesquisador está disponível para quaisquer esclarecimentos durante a pesquisa


e após o término dela, coloca-se à disposição para realizar apresentação sobre a temática
pesquisada, de acordo com o interesse da comunidade escolar.

Agradeço a atenção e colaboração.

Atenciosamente,

_________________________________________________
Wilton Rabelo Pessoa
Contatos: 3201-8070 (IEMCI/UFPA) e 81512651 (celular).
E- mail:wiltonrabelo@yahoo.com.br
147

Eu ___________________________________________, RG nº____________,
responsável por________________________________________________, autorizo
sua participação na pesquisa referida acima.
_____________________, __________de______________________ de 2011.

___________________________________________
Assinatura do responsável
148

APÊNDICE 2

Questionário para os estudantes

Nome: _____________________________________________ Idade:___________

1. Tu moras próximo da escola? Onde?

2. Tu moras com quem?

3. O que tu costuma fazer quando não está na escola?

4. Há quanto tempo tu estudas nessa escola?

5. Tu gostas da tua escola? Por quê?

6. O que tu achas da química?

7. Tu gostas das aulas de química? Por quê?

8. Que conteúdos de química tu mais gosta de estudar? Por quê?

9. Tem algum conteúdo de química que tu não gostas de estudar? Por quê?

10. O que tu achas do professor de química? Como é a tua relação com ele?

11. Como é a tua relação com os colegas?


149

APÊNDICE 3

Roteiro para entrevista com o professor

1. Há quanto tempo você trabalha como professor de química? Por que você escolheu
ser professor de química?

2. Como são as tuas aulas?

3. Você se acha um bom professor? Por quê?

4. Pra você por que é importante ensinar química?

5. Como é o teu relacionamento com os alunos?

6. O que você acha dos alunos?

7. Tem algum conteúdo que você gosta mais de ensinar? Qual(is)? Por quê?

8. Há quanto tempo você trabalha nessa escola? O que você acha dessa escola?

9. Como é o teu relacionamento com a direção da escola? E com os outros professores?


150

APÊNDICE 4

Complemento de frases – Estudantes


1. Eu gosto:
2. Quero saber:
3. O tempo mais feliz:
4. Os estudos:
5. M inha família:
6. Meus amigos:
7. Meu futuro:
8. Meu pai:
9. Na escola:
10. Eu quero:
11. Não gosto:
12. Os estudantes:
13. M inha mãe:
14. Não consigo:
15. Tenho vontade:
16. A Química:
17. Eu :
18. Se eu pudesse:
19. As aulas:
20. Um d ia:
21. Sinto falta:
22. M inha vida:
23. So fro:
24. Eu me sinto:
25. Algu mas vezes:
26. Eu sou:
27. M inha profissão:
28. Eu prefiro:
29. Gosto de aprender:
30. Meu maior problema:
31. O que eu mais quero:
32. Quando estou sozinho:
33. Para ensinar:
34. Meu maior medo:
35. Muitas vezes penso:
36. Gosto de ensinar:
37. Meu maior desejo:.
38. Nas aulas:
39. Não posso:
40. M inha maior preocupação:
41. Atualmente eu:
42. As atividades de Química:
43. Fico feliz:
44. Esperam que eu:
45.Um dia eu vou:
151

APÊNDICE 5
Complemento de frases – Professor
1. Eu gosto:
2. Quero saber:
3. O tempo mais feliz:
4. Os estudos:
5. M inha família:
6. Meus amigos:
7. Meu futuro:
8. Meu pai:
9. Na escola:
10. Eu quero:
11. Não gosto:
12. Os estudantes:
13. M inha mãe:
14. Não consigo:
15. Tenho vontade:
16. A Química:
17. Eu :
18. Se eu pudesse:
19. As aulas:
20. Um d ia:
21. Sinto falta:
22. M inha vida:
23. So fro:
24. Eu me sinto:
25. Algu mas vezes:
26. Eu sou:
27. M inha profissão:
28. Eu prefiro:
29. Gosto de aprender:
30. Meu maior problema:
31. O que eu mais quero:
32. Quando estou sozinho:
33. Para ensinar:
34. Meu maior medo:
35. Muitas vezes penso:
36. Gosto de ensinar:
37. Meu maior desejo:.
38. Nas aulas:
39. Não posso:
40. M inha maior preocupação:
41. Atualmente eu:
42. As atividades de Química:
43. Fico feliz:
44. Esperam que eu:
45.Um dia eu vou:

You might also like