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Douglas P. Lackey
É correto, em algum caso, promover guerra? De acordo com São Mateus, Jesus
ensinou a seus discípulos que nunca é correto:
Tendes ouvido o que foi dito: Olho por olho, dente por dente. Eu, porém, vos
digo: Não resistais ao mau. Se alguém te ferir a face direita, oferece-lhe também
a outra Se alguém te citar em justiça para tirar-te a túnica, cede-lhe também
a capa Se alguém vem obrigar-te a andar mil passos com ele, anda dois mil....
Tendes ouvido o que foi dito: Amarás o teu próximo e poderás odiar o teu
inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos
odeiam, orai pelos que vos [maltratam e] perseguem. Deste modo sereis os
filhos de vosso Pai do céu ... ..
Visto que esse ensinamento é tão claro, poderíamos esperar que os cris-
tãos fossem pacifistas. E visto que a cristandade é a religião dominante de nos-
sa cultura, poderíamos esperar que o pacifismo fosse muito difundido. Porém,
surpreendentemente, há muito poucos pacifistas em nossa cultura e muito pou-
cos cristãos se opõem à guerra como uma questão de princípio.
Isso não foi sempre assim. Os primeiros cristãos, que viveram enquanto o
Novo Testamento estava sendo escrito e pouco tempo depois, pensavam que o
ensinamento de Jesus era perfeitamente não ambíguo: não é permitido comba-
ter a violência com a violência. Esse era o entendimento de São Paulo, como ele
enfatiza no 12° capítulo de Romanos. Tertuliano, que viveu por volta de 200 d. C.,
Excerto de Douglas P. Lackey, The Ethics of War and Peace, p. 28-37, 39-40, 43-44, 58-61,
[1989]. Reproduzido com a permissão de Frentice-Hall, Inc., Upper Saddle River, NJ.
* N. de T.: Bíblia Sagrada. 32. ed., São Paulo: Editora Ave-Maria, 1981. (Mateus 5, 38-45).
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escreveu: "É correto empunhar a espada quando o próprio Senhor declarou que
aquele que usar da espada irá perecer por ela?".
No entanto, conforme a cristandade crescia mais e se tornava mais influen-
te, ela teve de acomodar o Estado. O cristianismo não poderia se tornar uma
religião de Estado se continuasse a condenar a guerra - travar guerra, afinal, é
alguma coisa que todo Estado fez. Desse modo, a doutrina da Igreja mudou. Os
pensadores da Igreja adotaram a noção grega de que algumas guerras são jus-
tas e algumas não. Teólogos, de Santo Agostinho em diante, se concentraram,
então, em definir as condições sob as quais a guerra seria justa. São Tomás de
Aquino, por exemplo, disse que a guerra é justa quando três condições são pre-
enchidas: uma autoridade legítima declara a guerra; a guerra é promovida por
uma "causa justâ'; e a guerra é lutada usando de "meios justos':
Na era moderna, a doutrina da guerra justa providenciou a pensadores
religiosos e seculares uma estrutura de pensamento sobre a ética da guerra. Na
seleção seguinte, Douglas P. Lackey, professor de filosofia no Baruch College da
City University ofNew York, resume os pontos principais da doutrina.
QUANDO LUTAR
1. Introdução. Certo ou errado, o pacifismo sempre foi uma visão minoritária.
A maioria das pessoas acredita que algumas guerras são moralmente justificá-
veis. A maioria dos norte-americanos acredita que a Segunda Guerra Mundial
foi uma guerra moral. Porém, ainda que a maioria tenha intuições claras sobre
a aceitabilidade moral da Segunda Guerra Mundial, da guerra do Vietnã, e as-
sim por diante, poucas pessoas têm uma teoria que justifique e organize seus
julgamentos intuitivos. Se os moralmente comprometidos com o não pacifismo
têm de desafiar os pacifistas à sua esquerda moral e os cínicos à sua direita, é
necessário a eles desenvolver uma teoria que distinga guerras justificáveis de
injustificáveis, usando um conjunto consistente de regras aplicadas de forma
consistente.
O trabalho de especificar essas regras, que remonta, ao menos, à Política,
de Aristóteles, tradicionalmente é intitulado de "teoria da guerra justâ: O nome
é levemente enganoso, visto que a justiça é somente um dos vários conceitos
morais primários, os quais devem ser todos consultados em uma avaliação mo-
ral completa da guerra. Uma guerra justa - uma guerra moralmente boa - não
é meramente uma guerra ditada por princípios de justiça. Uma guerra justa é
uma guerra moralmente justificável pela justiça, pelos direitos humanos, pelo
bem comum e por todos os outros conceitos morais relevantes consultados e
sopesados entre si e em relação aos fatos ....
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3. Intenção correta. Pode-se imaginar casos nos quais o uso de força militar
pode satisfazer todos os padrões externos de uma guerra justa, ao passo que
aqueles que ordenam esse uso da força não têm preocupação com a justiça.
Líderes políticos impopulares, por exemplo, podem escolher fazer uma guerra
para sufocar dissidentes domésticos e vencer a próxima eleição. A teoria tra-
dicional da guerra justa insiste que uma guerra desse tipo é uma guerra pelo
correto, lutada em razão do correto.
No clima moderno do realismo político, muitos autores estão inclinados
a tratar o padrão da intenção correta como uma relíquia singular de uma época
mais idealista, seja sob o fundamento de que motivos morais produzem re-
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sastres. E um engano dispensar motivos como não observáveis quando eles são
com frequência tão claramente exibidos no comportamento. ...
4. Causa justa. A mais importante das regras do jus ad bellum é aquela segundo
a qual o uso moral da força militar requer uma causa justa. Desde os primeiros
escritos, os teóricos da guerra justa rejeitaram o amor pela guerra e o amor pela
conquista como causas moralmente aceitáveis para a guerra: "Nós [devemos]
fazer a guerrâ: Aristóteles escreveu, "em razão da paz,, (Política, 1333A). Igual-
mente, a pilhagem foi sempre rejeitada como uma causa aceitável para a guerra.
Para além dessas restrições elementares, porém, uma ampla variedade de "cau-
sas justas,, foi reconhecida. A história dessa matéria é a história de como esse
repertório de causas justas foi progressivamente reduzida ao padrão moderno
que aceita somente uma única causa, a autodefesa.
Tão cedo quanto Cícero, no primeiro século a.e., analistas da guerra
justa reconheceram que a única ocasião apropriada para o uso da força seria
um "recebimento indevido,: Segue-se disso que as condições ou característi-
cas dos inimigos potenciais, à parte suas ações, não podem oferecer uma cau-
sa justa para a guerra. A sugestão de Aristóteles segundo a qual a guerra seria
justificada para escravizar aqueles que naturalmente merecem ser escravos, a
pretensão de John Stuart Mill de que a intervenção militar é justificada para
outorgar os benefícios da civilização ocidental a povos menos avançados e a
visão historicamente comum de que a conversão forçada à mesma fé é justi-
ficada como obediência ao comando divino são invalidadas pela ausência do
"recebimento indevido,:
Obviamente, o conceito de um "recebimento indevido,, necessita uma
análise considerável. No século XVIII, a noção de indevido incluía a noção de
insulto, de tal forma que soberanos consideravam legítimo iniciar uma guerra
em resposta a um desrespeito verbal, uma profanação dos símbolos nacionais e
assim por diante. O século XIX, que viu a abolição dos duelos privados, igual-
mente viu a honra nacional ser reduzida a um papel secundário na justificação
moral da guerra. Para a maioria dos teóricos do século XIX, as incorreções
primeiras não eram insultos, mas atos ou políticas de governo que resultavam
em violações dos direitos das nações, levando à guerra justa.
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seu predecessor bíblico, tenha de usar a força para resgatar a vítima do ataque.
Por analogia, não parece razoável exigir um acordo prévio de defesa coletiva
entre os bons samaritanos internacionais e as nações que são vítimas de agres-
- ....
sao
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COMO LUTAR
com a versão subjetiva, que se civis forem mortos no curso de uma operação
militar dirigida para um alvo militar, o princípio da discriminação não é viola-
do. Obviamente, a versão objetiva do princípio de não discriminação é muito
mais restritiva do que a subjetiva ....
Os princípios de necessidade, proporcionalidade e discriminação se apli-
cam com igual força a todos os lados da guerra. Violações das regras não po-
dem ser justificadas ou escusadas sob o fundamento de que se está lutando no
lado da justiça. Aqueles que desenvolveram o direito da guerra aprenderam por
meio da experiência que causas justas têm de ter limites morais.