Exu Neon

EXU NEON
Peça para vinte minutos
De
Crioulo fugido de nome Fortunato

A peça retrata o conflito entre UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO e seu amante, o
CAPITÃO DO MATO, na noite em que este o captura. Antes da entrada do público, as PASSISTAS
AÇOUGUEIRAS descarregam peças de dianteiro bovino e um trazeiro bovino, durante a performance
servem ao público cachaça tipo exportação, garapa, espetinhos de carne, queijo e moedas de ouro
sabor chocolate. Em meio a isso vão adicionando os espectadores ao grupo de Whatsapp e informam,
que durante a encenação eles receberam informações sobre a história que assistirão.
PERSONAGENS
UMA DJ DO SÉCULO XIX NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO

Usa velhas fardas e mantas, calçado de seda, e tudo quanto podia obter, dando sempre
grande valor aos enfeites, brilhantes e joias, se apresenta com um vistoso diadema.
PASSISTAS AÇOUGUEIRAS
Graciosas, reboladeiras e sensuais, prontas a tirar o sossego de muitos personagens
masculinos como as mulatas de Di Cavalcanti. Elas vestem aventais brancos sujos de sangue
e trazem as mãos catanas bem afiadas.
CAPITÃO DO MATO
“São negros retintos livres que gozam de um ordenado fixo e são encarregados de percorrer
os distritos de vez em quando, com o fito de prender os negros evadidos e conduzi-los a seus
senhores ou, não os conhecendo, à prisão mais próxima. A captura é em seguida anunciada
por um cartaz afixado à porta da igreja, e o proprietário, desse modo, logo se encontra.
Muitas vezes, esses capitães-do-mato empregam, nas suas buscas grandes cães ensinados.”1
UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO

Têm sobrancelhas negras e grossas, olhos amendoados, as maçãs do rosto são altas e largas,
seu sorriso é lindo, tem um bigode fino. A cor da pele minha vó diria que é um negro
daqueles da cor de saquinho de pão. De vinte e tantos anos de idade, com falta de dentes na
frente, com pouca ou nenhuma barba, baixo, reforçado, e picado de bexigas que teve há
poucos anos, é muito pachola, mal encarado, fala apressado e com a boca cheia olhando
para o chão; costuma às vezes andar calçado. Sabe cozinhar, trabalhar de encadernador, e
entende de plantações de roça, donde é natural.
1
RUGENDAS, Johan Moritz. Viagem pitoresca através do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1979 pp. 284-285.
1
CENA I
Ao fundo da cena vê-se letreiro em bexigas de aniversário prateadas estilo frase para status
de Facebook: - NO QUE VOCÊ ESTÁ PENSANDO? MANTENHAM SEUS CELULARES
LIGADOS! VINTE DE NOVEMBRO DO ANO DE 1835.
DJ DO SÉCULO XIX NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO mixa Você Fugiu de

Mim (I Love You Too) Trio Esperança
Ainda no blecaute ouvem-se latidos de cães ensinados caçadores no encalço da presa, foco
de luz em frases em balões dourados: PERGUNTAS DE APOIO: 1. QUEM FORAM OS
CAPITÃES-DO-MATO? 2. QUAL A CARACTERÍSTICA MAIS INTERESSANTE NA
IMAGEM? Após o blecaute aparece um vídeo num telão colocado como espelho na
penteadeira com luzes douradas ao lado da churrasqueira a todo vapor. CAPITÃO DO
MATTO, 1835 DE JOHANN MORITZ RUGENDAS, que esmaece ao poucos. A luminosidade
alaranjada do entardecer do cenário vai aumentando de forma progressiva, fornecendo ao
ambiente outros contornos e dimensões marcadas por texturas similares a matiz da cor do
vídeo. Nesse momento, o foco na iluminação lusco-fusco passa a contrastar com zonas
estouradas e de sombra muito profundas, mas que aos poucos se tornam mais definidas,
revelando a presença dos DOIS ATORES, que continuam a caminhada em cena. Agora se vê
paulatinamente a imagem projetada no cenário de um homem negro de chapéu e a cavalo,
trazendo UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO com as mãos amarradas e colar
de punição parecendo transpor-se da projeção visual para a realidade cênica. Da mesma
forma, essa transposição revela uma paisagem visual que, ao poucos, como num fade in
cinematográfico, narra as silhuetas da arquitetura cenográfica, numa encruzilhada composta
ao fundo de uma palmeira real a esquerda do palco, com distantes montes escarpados e céu
de brigadeiro, à frente bromélias numa pedra, árvores e arbustos na lateral direita, pedaços
de madeira dos troncos, pedras de saibro e pequenas palhas espalhadas ao chão,
completando, assim a atmosfera realista junto ao clima intimista do cenário bucólico e
pastoril, proposto pela paisagem sonora. CAPITÃO DO MATO desmonta do cavalinho
infantil Anda Cavalinho de brinquedo branco c/som Xalingo; POSTAGEM NO GRUPO DE
WHATSSAP: - Qual a maneira correta de amarrar o cavalo? O som de diálogos fica mais
nítido e desperta a curiosidade. Uma videoinstalação mostra cenas famosas de telenovelas
que retratam escravos negros à época da escravidão. Blecaute. Bateria nota 10.
2
CENA II
Luzes da Marquês de Sapucaí
As MULATAS AÇOUGUEIRAS com seus aventais brancos sujos de sangue e com as catanas
respingando sangue às mãos entregam à plateia folhetos relatando um escravo fugido, 1834.
Foto. “Crioulo fugido; desde o dia 18 de outubro de 1834, de nome Fortunato”.
Plataforma 1 ziriguidum, escuta aê! Plataforma 1 ziriguidum! Plataforma 1 ziriguidum!
Escuta aê! POSTAGEM NO GRUPO DE WHATSSAP: - Mulatas do Sargentelli
DJ DO SÉCULO XIX NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO (mixagem

eletrônica de coco, embolada, capoeira, funk carioca, batuques de samba rural paulista,
viola caipira, samba enredo carioca).
Anda fugido, desde 18 de Outubro de 1834, o escravo crioulo de nome FORTUNATO...

MATO O ATO... NO ATO... EU TÔ...
MATO NO ATO... CAÇO O ATO... AH TÔ...
CAÇO NO MATO... O ATO... EU TÔ...
ATO... TÔ... TÔ...TÔ...
MULATA AÇOUGUEIRA I
Você conhece esse homem?
MULATA AÇOUGUEIRA II
Quer se casar comigo?
MULATA AÇOUGUEIRA III

A recompensa é de Rs 50.000! E por favor, pedimos gentilmente que mantenham seus
celulares ligados!
A gente devia viver até morrer, você não acha?
3

Não sabe que contamos com você?
celulares ligados!

A recompensa é de Rs 50.000!

celulares ligados!

Quer casar comigo?
4
Recuo da bateria.
CAPITÃO DO MATO (desamarrando o fugitivo)

Eu não sei por que você fugiu. Não consigo entender. (perguntando a si mesmo) Porque você
fugiu?
UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (desvencilhando-se da argola no pescoço)

Eu fugi à procura de amor...
CAPITÃO DO MATO (interrompendo bruscamente)

Amor não erva que dá no meio do mato! (pausa, reticente) No meio do mato, só se encontra a
curupira para armar cilada para herói!
UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (fatigado)

Amor próprio... (pausa) Eu fui à busca de amor próprio... Você não sabe o que é isso e nem
nunca vai saber! (pausa, toca o pescoço sentindo as marcas doloridas do colar de punição) E,
além do mais, a fidelidade não serve pra nada quando a gente não ama! Não prometer nada e
não cobrar nada deveria ser sempre isso?
CAPITÃO DO MATO (guardando a espingarda, melancólico e conclusivo)

Eu te procurei por um ano... Você sabe o que é isso? (resignado e propondo à la Roberto
Carlos) Vamos...??? (dúvida) O que passou ficou pra trás... (pausa procurando algo)
POSTAGEM NO GRUPO DE WHATSSAP: Cenas do cotidiano e instrumentos de torturas de

escravo no Brasil, o tronco, a palmatória, anjinhos, máscaras de ferro, colar de pescoço.
UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (interrompendo depois do silêncio)

Nem faz tanto tempo assim... E pra trás? (irônico e indignado) Ah, faça-me o favor! E porque
seu amor não impediu de caçá-los? (reativo). Você chama a isso de passado? Passado não é
fumaça que some no meio do ar. Lembra? (rancoroso) Lembra quando você disse que nada
daria certo, que isso não funcionaria nunca?
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CAPITÃO DO MATO (com uma vivacidade ligeiramente enamorado)
Eu pensei que nunca mais iria te ver... (pausa) Toda légua que eu andava eu procurava por
você. E os outros não têm nada haver com o que aconteceu ou deixou de acontecer.
(assertivo) O que eu faço, fiz ou deixei de fazer, nada disso importa! (em tom reconciliador)
Ninguém vai perder ninguém, nós vamos dar um jeito nessa história. Você não acredita que é
possível as coisas acontecerem como a gente quer?
UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (desacreditado sobre o que acabará de

ouvir)
Eu só acredito naquilo que eu vivo, naquilo que eu sinto e naquilo que você deveria sentir
também quando viemos para cá. (massageias os pulsos em tom de liberdade ao mesmo tempo
em que pensa) Sabe de uma coisa? Nesse tempo todo que eu vaguei por essas matas eu
percebi que amar é impossível, aliás, que nesse mundo que a gente vive (pausa) nenhum amor
é possível, há sempre um lado mau, e um lado do bom, e é isso que você não entende!
CAPITÃO DO MATO (apaixonado e melancólico)

E eu sou o lado mau!?! Não é isso? Não é isso o que você pensa? (pausa) Eu acho que é você
que não entendeu nada e que nem nunca vai entender! A vida é esta e pronto, é a melhor que
temos para o dia de hoje! E você preferiu fugir pra não enfrentar a realidade...
UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (como se recobrasse os sentidos depois de

ter tomado um dos socos de Mike Tyson, lembrando que um soco do boxeador tem cerca de
120 quilos de potência)
Eu fugi pra ter realidade!
CAPITÃO DO MATO (irônico)

E você acha que é real a vida que eles levam lá!?!

E a vida que nós levamos? Você chama de que!?! De realidade!?!
CAPITÃO DO MATO (você quer casar comigo?)

Você precisa decidir o que vai fazer?
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O silêncio dos pássaros ao anoitecer. POSTAGEM NO GRUPO DE WHATSSAP: - MEME
sobre o silêncio no grupo
UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (absorto em seus pensamentos)

Eu já decidi (pausa) você é que não consegue entender!
CAPITÃO DO MATO
As coisas não podem acabar assim.

As coisas nunca acabam como a gente quer.
CAPITÃO DO MATO
E o que você quer?

Eu só quero paz, eu só quero viver em paz.
CAPITÃO DO MATO
Paz é só embaixo da terra e você falando em paz parece causo ou não viu o seu anúncio?
(pausa)
Foco na projeção, uma atmosfera expressionista, como se fosse possível ler a mente do
CAPITÃO DO MATO lembrando-se do cartaz colado na porta da igreja relatando um
escravo fugido, 1834. POSTAGEM NO GRUPO DE WHATSSAP: Cartaz “Crioulo fugido;
desde o dia 18 de outubro de 1834, de nome Fortunato”. Rs 50$000 de Alviçaras. Rio de
Janeiro, Laemmert.
MENSAGEM DE TEXTO
Entre os séculos XVI e XIX cerca de 3 milhões de pessoas foram trazidas para o Brasil como
escravas. Elas pertenciam a dezenas de grupos étnicos do continente africano. Entre essas
nações estavam os afantis, axantis, jejes, peuls, hauças (ou malês) e os nagôs (iorubás), todos
vindos de regiões pertencentes hoje a Guiné e Sudão. Já os provenientes de Angola e do
Congo eram das etnias cabindas, caçanjes, muxicongos, monjolos, rebolos.
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UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (reflexivo)
E você veio atrás de mim só por causa dele?
CAPITÃO DO MATO
Você sabe que não!

E pelo que mais então?
CAPITÃO DO MATO
Que pergunta idiota!
UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (numa histeria contida)

Idiotice somos nós dois aqui discutindo em tomar uma decisão sobre algo que jamais irá
acontecer em nossas vidas. É preciso um pouco de lucidez na vida certas vezes para saber que
caminhos tomar! A gente às vezes se deixa levar pelos rumos que a vida dá, mas tem hora que
é preciso a gente decidir com a cabeça e não com o coração!
CAPITÃO DO MATO
Coração? E você acha que eu decidi ter a vida que eu tenho e fazer o que eu faço!?! Que eu
faço o que faço por prazer? Que é fácil pra eu tomar as decisões que eu tomo? Sabe, é muito
fácil falar quando não é a gente que tem que suar fazendo o trabalho sujo que ninguém quer
fazer! Você acha que eu escolhi estar nessa situação! Você sabe quantas vezes eu não pensei
em largar tudo e fugir também!

E porque não fugiu então, se tem tanta certeza daquilo que você quer? E não me venha com
essa de que a vida te levou a isso! Todos nós temos um limite de liberdade em nossas
escolhas! Naquilo que a gente quer de fato! (pausa)
Baixa a luz como se uma nuvem passa-se em frente à lua, escuta-se ao fundo incidental de O
que eu vou fazer com essa tal liberdade – Só Pra Contrariar. POSTAGEM NO GRUPO DE
WHATSSAP: MEME “Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, não há
ninguém que explique e ninguém que não entenda”. Cecília Meireles
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CAPITÃO DO MATO (pegando algo na cela do cavalo, irônico e depois sarcástico e
amoroso)
Liberdade? Ora, liberdade? Não me venha com esse seu papo de liberdade. Me ajuda a te
ajudar vai! (pausa reflexiva, como se escolhesse a uma estrela no céu para olhar). Eu não
fugi, porque ao contrário de você, eu tenho um plano, uma estratégia para a minha vida e isso
não inclui morrer em vão correndo riscos desnecessários! (afogamento) Olha eu juro que não
te entendo! Esse seu jeito de foda-se para tudo, de se não for do meu jeito não será de jeito
nenhum! Você ainda percebeu que nesse mundo é isso que não rola! (já na areia) Amor pode
até rolar se a gente souber usar a cabeça, mas se a gente se destrambelhar por qualquer
coisinha! Fazer dengo por um simples copo de água negado, a gente morre e é isso que você é
que não percebeu!
UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (fuga)

Sinceramente, eu tô cansado de ser a melhor, de dar o meu melhor para viver a vida desse
jeito que estamos levando, estou cansado de ensinar aos outros como se faz para sobreviver e
de explicar como as coisas acontecem. E ter que dar satisfação de tudo. De ter que baixar a
cabeça e olhar para o chão para falar. Às vezes eu só quero não fazer nada, ficar apenas
observando sentado no meio da roça. Esperando tudo acabar. Às vezes não é que dá vontade
de morrer, mas apenas de deixar de existir.
CAPITÃO DO MATO
E o melhor caminho para deixar de existir que você encontrou foi à fuga?
UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (irônico)

A gente foge é que para não sofrer, Capitão!
CAPITÃO DO MATO (reticente e ligeiramente irritado com a alcunha que acabará receber
de quebra afia e limpa uma faca)
Sofrimento é coisa boa quando a gente sabe usar ele a nosso favor!
UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (revidando)

Nunca tem nada a nosso favor! Nossas vidas não importam! Nesse mundo que a gente vive
você ainda não parou para pensar que tudo é pela vida! Que as pessoas lá embaixo ou cá em
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cima só querem viver! Nós e eles estamos tentando viver no mesmo mundo! E é isso que eu
acho impossível de acontecer! E nem de nós vivermos nossa vida com tranquilidade como
esse mundo que não existisse!
POSTAGEM NO GRUPO DE WHATSSAP: Notícia de estudante negro e gay é encontrado

morto com sinais de espancamento.
CAPITÃO DO MATO
Isso tudo aqui não é pela vida e sim pelo dinheiro. É ele que faz a gente viver e deixa a gente
dormir sossegado à noite. E eu não preciso mais disso. Eu preciso de outra coisa. Eu preciso
de você. Eu preciso que você volte comigo e que me perdoe por tudo o que aconteceu! Você
não é capaz de sofrer por nós, como eu sofri?

Sofrimento? O que você sabe de sofrimento? Aliás, sim, você é o mestre dos sofrimentos. Dos
sofrimentos alheios, não é? (pausa, mudando de assunto) E me diz quando vamos dormir
tranquilos? (pausa). Se a cor do dinheiro não nos deixa pregar os olhos uma noite sequer
desde que chegamos aqui. Há quanto tempo eu não sonho, nem pesadelos eu consigo ter. E
além do mais você não sabe quando vale a cor do dinheiro!
CAPITÃO DO MATO (nem toda a banca é perfeita sempre tem algo errado)
Eu já pedi para não me chamar de Capitão! (pausa) Para eles? Para eles? Para eles eu só peço
sempre para que Deus os abençoe! Acho que é uma maneira de eu ir atrás dessa tal
tranquilidade que você fala! Apesar de que desde o dia em que isso começou, eu não tive mais
paz. (resignado) Essa mesma paz que você diz que fugiu para conquistar e eu só encontrei em
você e não no dinheiro!
UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (recobrando a fé e mudando de assunto)

Você tem rezado antes de ir dormir?
CAPITÃO DO MATO (“Alguns anos são de perguntas, e alguns outros de respostas” 2)

Você nunca mais falou de Deus!
2
Seus Olhos Viam Deus, Zora Neale Houston.
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POSTAGEM NO GRUPO DE WHATSSAP: MEME JESUS CRISTO NEGRO. SÓ EU NA
CAUSA!

Deus também nunca mais falou comigo. Deus sempre me teve sempre em silêncio, esteve
presente quando a solidão me pegava nessas noites em que só você conseguia dormir. Ele me
amou quando você me abandonou. Ele me falou quando o silêncio não me respondeu. E o seu
silêncio até aqui já me disse muito.
CAPITÃO DO MATO (Repentinamente raivoso depois se acalma rapidamente)

Eu tô falando com você até agora e você não me escuta! Eu não te abandonei, eu nunca deixei
de pensar em você um só instante se quer! O que aconteceu é que eu precisava de tempo para
saber como tirar nós dois daquela situação. (pausa) Eu só não entendo! Não consigo entender
de uma vez por todas pelo menos isso! O do porquê de você fugir desse jeito? Que loucura é
essa de ir à procura de amor próprio? Ninguém levava uma vida de privilégios como a nossa,
ninguém lá embaixo sabia como encontrar os atalhos para viver nesse mundo como nós dois.
UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (furioso como no dia em que ninguém nos
ouve)
Não há saída! Para ninguém de nós, você não percebe? Quantas vezes eu vou ter que te dizer
que nesse mundo nenhum amor é possível, muito menos o nosso! Eu te repito Capitão, nossas
vidas não importam e nem nunca vão importar! Isso é uma coisa que sempre vai existir como
dizia minha mãe! É difícil de acabar, e se acabar, acabamos antes dela!
Um barulho na mata, apreensão de ambos.
CAPITÃO DO MATO (apanhando a sua espingarda)

Eu já te pedi para não me chamar assim.
UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (pressentindo que o fim está próximo

acena com a cabeça em concordância)
Você precisa decidir o que vai fazer?
CAPITÃO DO MATO (sem pensar)
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Quer casar comigo?

Porque o senhor atirou em mim, Capitão?
Blecaute
CENA III
Ainda no escuro globo de luz discoteca soul trance ilumina um altar barroco, nele UMA DJ
DO SÉCULO XIX NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO (Toca música para a
Festa de Nossa Senhora do Rosário que baixa lentamente)
A luz aumenta lentamente. É possível sentir a sensação da presença de Nossa Senhora do

Rosário dos Homens Pretos no ambiente.
POSTAGEM NO GRUPO DE WHATSSAP: “Lágrimas de Nossa Senhora”

NÃO SABE QUE CONTAMOS COM VOCÊ?
Pausas para os comentários do GRUPO DE WHATSSAP
Acendem-se alternadamente dois focos de luzes. UM NEGRO FUGIDO DE NOME

FORTUNATO ferido na barriga deitado no colo de seu amante, o CAPITÃO DO MATO
suando que nem um porco com uma pistola em punho acaricia-o.
CAPITÃO DO MATO
Estão todas comentando

Eu vou morrer?
CAPITÃO DO MATO (ao mesmo tempo em que é postada a mensagem no GRUPO DE

WHATSSAP)
Ninguém morre antes da hora. E a sua está longe de acontecer. Há outros de nós na sua frente.
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POSTAGEM NO GRUPO DE WHATSSAP: Anúncios de fuga de escravos. Depois os dois
interrompem seu diálogo dramático, irrompendo-se ao público e falando seus monólogos,
eles ficam sentados um de costas para o outro, focalizados por uma luz amarela e quente, que
aproxima as personagens para a plateia.
CAPITÃO DO MATO (um tanto quanto conformado)

Eu te matei foi por amor? Quem nunca matou por amor? (pausa) E você sabe que eu nunca
gostei que você me chamasse de Capitão. Quantas vezes eu te pedi? Para você eu sempre fui
Francisco, Chico! Francisco Manicongo! Denunciado à Santa Inquisição, ex-morador à Santa
Casa de Salvador. Sempre tive fama entre nós como somitigo! Meu delator sabia que em
Angola e Congo, que o pecado nefando seria punido e que por traí-lo eu seria deportado e
nunca mais veria meu primeiro amor. Foi quando eu cheguei aqui e pensava que nunca mais
amaria ninguém na minha vida! O nganaga-ia-quimbanda podia vestir fato e usar porte de
mulher, afinal ele é a Grande Mãe! Agora nós? Nós dois tínhamos um acordo e você o
quebrou! Tínhamos que nos conformar, ou melhor, nos adaptar. Era apenas viver escondido,
era suportável! Não precisávamos cometer a insanidade que você cometeu de fugir depois de
ter usado o vestido! Você não sofreria muito mais do que já tem sofrido. Às vezes é caso de
só suportar mais uma dor para viver feliz. Mas você preferiu me deixar, deixar nossos sonhos
para trás! Se eu te entregasse, nunca mais você iria me perdoar, se eu te deixasse fugir eu
nunca mais teria você na minha vida! Você não me deixou escolha! Nesse mundo a gente tem
poucas escolhas e quando a gente tem umazinha só que for a gente tem que aproveitar como
nunca! A gente nunca sabe ao certo o dia de amanhã!

Como será amar alguém que te maltrata e que também é maltratado? (pausa) Mas o que mais
me incomodava era o fato de nós nunca termos feito amor numa cama em colchões macios
com lençóis rosa de cetim! O rosa sempre me encantou desde menino. Eu acho que devia de
ter uma lei que já deixasse a criança nascer livre e outra que fizesse os velhos virar crianças
novamente. Mas bom mesmo era uma lei que libertasse a toda a gente a ter o direito de
decidir o que quer fazer da vida.
CAPITÃO DO MATO
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A vida nem sempre é aquilo com que a gente sonha. E eu também tive sonhos! Casar, ter
filhos! Matar chega às vezes até ser assim uma coisa prazerosa! Aquele prazer que você tem
de abreviar a coisa toda, todo aquele sofrimento que você sabe que a pessoa vai passar! É
como uma borracha no papel apagando as coisas ruins que a gente pode ver antes. E aqui,
assim eu me sinto melhor. Açoitar? Açoite é coisa diferente! Aqui as pessoas me tratam como
um Deus! Ignoram minha existência e a maior parte do tempo só me procuram quando
precisam de alguma coisa!
UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (sofrendo, mas feliz ao mesmo tempo)
A gente devia viver até morrer, você não acha? (pausa) Todo mundo me achava meio muito
pachola e mal encarado mesmo! Quando eu falava apressado e com a boca cheia olhando para
o chão era pra não ter que sentir o prazer de matar; Sempre que eu podia eu costumava às
vezes andar calçado. Aprendi a cozinhar, trabalhar de encadernador, e entender de plantações
de roça, no meio de onde eu nasci e me criei! Eu nunca gostei de ser preso! Desde criança
fugia das coças da minha mãe que para me punir das malcriadez que eu fazia, me trancava
num quartinho no fundo da casa, que era pra eu pensar no que tinha feito! Ela também me
colocava nos meio das pernas como fazia com minhas três irmãs, que era para pentear nosso
cabelo. Ela puxava com força, mas com carinho. Eu me lembro do meu pescoço puxando
minha cabeça para frente tentando fugir como o corcel negro na praia, e ela puxando ele de
volta como as ondas em dia de maré brava! Você devia comentar alguma coisa sobre isso?
(pausa) Sim, eu sou o mais velho! (pausa) E saber que a gente vai deixar de existir traz um
alento e deixa a gente dormir em paz! Deve ser por isso que Deus criou esse monte de coisa
para gente se distrair! É que é para a gente não pensar na morte! As falta de dentes na frente
vocês já sabem. Mas eu dormi mesmo em paz quando tive você ao meu lado, quando descobri
que era possível amar nesse mundo! Mas os dias me provaram o contrário! Nada como os dias
são assim para gente saber que ninguém é perfeito! Quando eu descobri o que você fazia, já
era tarde demais e eu já tinha me enamorado! É difícil escutar a voz da razão mesmo sabendo
que Deus nos deus duas orelhas e uma boca que é para modo da gente ouvir mais e falar
menos. Mas eu falei de mais! Falei demais que te amava! E quando os outros souberam já era
tarde também. Só deu tempo de roubar uns ou dois vestidos que eu sempre sonhei em vestir e
fugir para o meio do mato á procura de paz. Sua negligência é o motivo da minha morte. Foi
por não ter feito nado quando podia que chegamos aonde chegamos! Mas não há de ser nada
não, o nosso retrato vai se espalhar por esse mundo e um dia todo mundo vai saber que nós
tivemos um passado juntos. Afinal é pela boca dos mortos que os vivos ficam sabendo o que
aconteceu!
14
CAPITÃO DO MATO
Quando aquele senhor nos parou eu sabia que a desgraça estava feita! Foi assim minha vida
inteira, ninguém nunca se interessou por mim como ele! E quando o interesse caminha a
tragédia vem junta. Já enfrentei rebelião que eu sabia que sairia vivo e só por isso eu entrava
nela. Eu nunca entro numa missão para morrer. Minha vó era mulher boa e nunca sonhou com
isso para mim, com a vida que eu levo. Mas as bênçãos dela foram o que me protegeram até o
dia em que encontrei o amor! Depois dele foi tudo ribanceira abaixo. E olha que eu nunca me
importei com que as pessoas diziam ao meu respeito, sobre o que eu faço! Pois se eu ligasse
só um tiquinho assim, juro que matava um por um dos desgraçados! Escolhi viver a vida da
maneira mais discreta possível e sem ficar de conluio para lá ou para cá! Eu posso até entrar
para história como traidor do meu povo e coisa e tal. Mas eu preferi assim, quem sabe o que
eu passo ou passei só sou eu mesmo! Não, as minha não foram criadas comigo! As conheci
quando pequeno e depois nunca mais vi, mas foi melhor assim! Ninguém pode dizer que sou
como sou por influência delas! Mas depois veio ele. As coisas aconteceram naturalmente
entre nós duas. Foi assim rápido, não deu nem para perceber. Quando vimos estávamos
completamente apaixonados. E viver assim era melhor de suportar qualquer xingamento que
pudessem me fazer. Além disso, são tantos outros problemas que temos para resolver, que eu
nunca fiquei pensando como as coisas poderiam terminar. Só dá para saber que tudo que a
gente bebe ou come tem um preço, e que ele será sempre cobrado um dia e às vezes da pior
maneira possível! Então é sempre bom a gente estar preparada para isso. Mas o bom mesmo é
deixar isso na lembrança das pessoas para que elas nunca se esqueçam de tudo isso que se
passou com nós. Não que eu queira ser exemplo de nada, mas um amor como o nosso deve de
ter existido de monte, mas também é coisa que ninguém fala, que não importa saber!

A nossa luta é maior que tudo isso dizia minha tia Laurinda. A gente podia não dar certo, mas
ninguém pode me dizer que nós não tentamos. E tentar foi coisa que tia Laurinda também me
ensinou e que eu aprendi na marra. Eu queria poder dizer que meu amor, nossa amizade são
feitos de tempo e que se fortalecem. E também fiquei um bocado de tempo pensando nas
paixões que nascem do acaso, e me perguntei: - Porque as coisas são tão difíceis para nós? Eu
pensei em trabalhar no alcouce, em roubar a Arca da Piedade depois das Aves Marias. Tudo
isso pra comprar cetim rosa e mandar fazer um vestido bem bonito para nossa noite de
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núpcias. (pausa) Qual será nosso destino após tudo isso se acabar? E os que virão? Eles
chegarão de trem, a pé ou de carruagem?
CENA IV
(Apagam-se os focos. UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO e o CAPITÃO DO

MATO regressam à posição anterior, antes de encostados um ao outro. A luz volta ao
normal. Chuva fina começa a cair, estrondos, trovoados, relâmpagos anunciam o temporal
que está por vir).
UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (zombando)

Casar? Você deve estar completamente louco, deve ter enfiado a cara na latrina. Em que
mundo você vive homem de Deus? Como é que isso pode acontecer? Olha o ponto que
chegamos? Ainda mais isso! Começou a chover e você me vem com essa.
CAPITÃO DO MATO (irando-se)

O que você quer dizer com olha o ponto a que chegamos? Sim, casar. Essa é a melhor saída
para nós. Não tem nenhuma lei que proíba isso. As leis só falam da nossa liberdade e não do
nosso amor. E depois de tanto tempo...
UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (interrompendo bruscamente e aos gritos)

Tempo? Tempo? Você já é livre Capitão, livre e que goza de um ordenado! E a gente vai
viver de que, comer o que? Morar aonde? Amor não enche barriga e não é garantia de
liberdade! Você quer trocar sua vida de “privilégios”, como você mesmo disse que nós
tínhamos, por viver fugido na mata como dois animais?
CAPITÃO DO MATO (ira)

Eu já vivo na mata como um animal e caçando animais. A alcunha de animal não foi você
quem me deu. Seu sou essa besta-fera de que tanto falam, porque não ser junto com você.
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Sem mentiras e hipocrisias. Quando eu falo com você sobre o que eu quero parece que você
ou não quer entender, ou já decidiu uma decisão que alega ser minha.

Ora faça-me o favor Capitão! Você acha mesmo que a gente pode ser outra coisa, que a gente
pode viver outra história? Que existe algo belo e invencível capaz de fazer a gente ir contra
tudo e contra todos. Eu fico pensando às vezes como é que a gente pode se deixar levar por
algo que não deu que a gente sabe de antemão que não vai dar. Ter que ficar explicando essas
coisas me cansa. Me cansou ver tudo o que vi acontecer lá embaixo. Eu não quero ser
exemplo de nada, eu só quero partir e poder ir embora sabendo que as coisas entre nós
ficaram resolvidas e que a gente não deve nada mais um para o outro, essa é melhor decisão e
ela não é minha ela é da vida.
CAPITÃO DO MATO (raiva misturada com medo)

Toda vez que você me fala em resolver as coisas me embrulha o estômago. Essa sua ofensa
gratuita, essa sua hipocrisia de me criticar por tudo que eu fiz. De nunca ter aberto a boca uma
vez se quer para dizer: - Não, não faça mais isso, eles não merecerem! E agora você vem
como a senhora da razão clamar por uma liberdade que não está e nunca esteve nas minha
mãos! Pensando bem eu acho mesmo que você só ficou comigo para se aproveitar da
situação, para gozar a vida boa, para escapar do trabalho pesado e das coisas ruins que podiam
te acontecer se todos soubessem quem você era! A verdade é essa é que antes de mim você
não tinha nada, não tinha casa, não tinha sapatos, não tinha uma camisola, não tinha perfume,
não tinha cama, não tinha homem!
UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (dando-lhe uma bofetada)

Cala a sua boca!
CAPITÃO DO MATO (sentido o tapa com a mão na face)

O que é isso?

Desculpa, não foi min há intenção, mas é que você...
CAPITÃO DO MATO (interrompendo com raiva)

17
Já chega, vai embora, pode ir!
UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (arrependido)

Desculpe eu perdi a cabeça! Pelo amor de Deus eu jamais faria isso, eu não quis... Eu perdi a
cabeça (chorando) Desculpe pelo amor de Deus, onde que eu estava com a cabeça!
CAPITÃO DO MATO
Acabou, eu já disse, pode ir! Você não tem que se desculpar. Vai! Segue teu caminho de
liberdade! Vai atrás da sua paz! Isso mostrou o quanto eu estava enganado a seu respeito e a
tudo isso que a gente passou!
UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (arrependimento com decisão tomada)

O que a gente passou foi lindo, foi à coisa mais bonita que já aconteceu na minha vida! E
você sabe que não foi por causa de você que eu resolvi fugir! Você acabou de dizer que tudo
foi por interesse! Foi isso que me fez perder a cabeça! Eu nunca me interessei por mais nada
que não fosse estar com você, a me submeter ainda mais a vida que a gente levava, a ver o
sofrimento dos outros e não fazer nada, não falar nada mesmo sabendo que você também
sofria! Mas interesse pelas coisas, por levar uma vida melhor, você sabe que não, pelo amor
de Deus como você pode dizer uma coisa dessas!
CAPITÃO DO MATO
Você estava certo! As coisas nunca acabam como a gente quer!
A chuva aumenta

Eu não quero que você fique com raiva de mim. Eu só quero poder partir sem remorso, certo
que as coisas entre nós não acabaram dessa maneira! Eu quero apesar de tudo ficar com uma
lembrança boa de nós dois e de tudo que a gente viveu! Mas eu só quero ir!
CAPITÃO DO MATO
18
Desculpa! Eu também perdi a cabeça! Você é que tem que me desculpar! Você não tem que
pedir desculpas! Se alguém aqui tem que se desculpar sou eu! Por te ofender! Por vir a trás de
você mesmo sabendo da sua decisão! Eu nunca vou te esquecer de... de... Bem você sabe tudo
o que vivemos. Eu não preciso ficar aqui me repetindo. Mas eu quero que você saiba disso! E
esse tapa, esse tapa foi algo assim como um ponto final, doido, mas final!
Aproximam-se. UMA DJ DO SÉCULO XIX NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO

entra uma liteira carregada pelas MULATAS AÇOUGUEIRAS e alerta para o que irá
acontecer com mixagem de percussão e batuque, emboscada.
UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (acaricia-o no rosto até chegar aos
cabelos, então lhe tira o chapéu em tom de reconciliação e despedida)
Eu sempre gostei dos seus cabelos! Do jeito que meus dedos enroscando em uma mecha dos
seus cabelos e o modo como você exigia meus beijos!
CAPITÃO DO MATO
É tão triste saber que eu nunca mais vou poder te pedir nada!

Então porque não pede pela última vez. Eu tenho certeza que essa será a melhor lembrança
que vamos levar um do outro.
CAPITÃO DO MATO (abraçando-o)

É ela que vai me acompanhar pelo resto da vida

Eu sempre vou precisar de você
Os dois se beijam, durante o beijo o CAPITÃO DO MATO tira uma pistola debaixo do
poncho e mira na barriga do NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO. De repente, ouve-
se um tiro cujo estampido coincide com a batida das Torres Gêmeas caindo.
Blecaute
19
POSTAGEM NO GRUPO DE WHATSSAP: Vídeo de Ataques de 11 de setembro de 2001 nas
Torres Gêmeas.
Após o final as PASSISTAS AÇOUGUEIRAS servem cafezinho com rapadura no estilo

colonial e fumo de corda ao público enquanto UMA DJ DO SÉCULO XIX NA FESTA DE
NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO toca Ain’t Got No / I Got Life.... e Aldair Playboy -
Parabéns Pra Você ( Amor Falso )
Fim
20

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Peça para vinte minutos

Crioulo fugido de nome Fortunato

UMA DJ DO SÉCULO XIX NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO

UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO

DJ DO SÉCULO XIX NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO mixa Você Fugiu de

DJ DO SÉCULO XIX NA FESTA DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO (mixagem

Anda fugido, desde 18 de Outubro de 1834, o escravo crioulo de nome FORTUNATO...

MULATA AÇOUGUEIRA III

MULATA AÇOUGUEIRA III

MULATA AÇOUGUEIRA III

MULATA AÇOUGUEIRA III

MULATA AÇOUGUEIRA III

CAPITÃO DO MATO (desamarrando o fugitivo)

UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (desvencilhando-se da argola no pescoço)

CAPITÃO DO MATO (interrompendo bruscamente)

UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (fatigado)

CAPITÃO DO MATO (guardando a espingarda, melancólico e conclusivo)

POSTAGEM NO GRUPO DE WHATSSAP: Cenas do cotidiano e instrumentos de torturas de

UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (interrompendo depois do silêncio)

UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (desacreditado sobre o que acabará de

CAPITÃO DO MATO (apaixonado e melancólico)

UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (como se recobrasse os sentidos depois de

CAPITÃO DO MATO (irônico)

UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO

CAPITÃO DO MATO (você quer casar comigo?)

UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (absorto em seus pensamentos)

UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO

UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO

UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO

UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (numa histeria contida)

UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO

UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (fuga)

UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (irônico)

UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (revidando)

POSTAGEM NO GRUPO DE WHATSSAP: Notícia de estudante negro e gay é encontrado

UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO

UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (recobrando a fé e mudando de assunto)

CAPITÃO DO MATO (“Alguns anos são de perguntas, e alguns outros de respostas” 2)

UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO

CAPITÃO DO MATO (Repentinamente raivoso depois se acalma rapidamente)

Um barulho na mata, apreensão de ambos.

CAPITÃO DO MATO (apanhando a sua espingarda)

UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (pressentindo que o fim está próximo

CAPITÃO DO MATO (sem pensar)

UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO

A luz aumenta lentamente. É possível sentir a sensação da presença de Nossa Senhora do

POSTAGEM NO GRUPO DE WHATSSAP: “Lágrimas de Nossa Senhora”

Pausas para os comentários do GRUPO DE WHATSSAP

Acendem-se alternadamente dois focos de luzes. UM NEGRO FUGIDO DE NOME

UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO

CAPITÃO DO MATO (ao mesmo tempo em que é postada a mensagem no GRUPO DE

CAPITÃO DO MATO (um tanto quanto conformado)

UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO

UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO

(Apagam-se os focos. UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO e o CAPITÃO DO

UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (zombando)

CAPITÃO DO MATO (irando-se)

UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (interrompendo bruscamente e aos gritos)

CAPITÃO DO MATO (ira)

UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO

CAPITÃO DO MATO (raiva misturada com medo)

UM NEGRO FUGIDO DE NOME FORTUNATO (dando-lhe uma bofetada)

CAPITÃO DO MATO (sentido o tapa com a mão na face)