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CASO n.

º 138

Havia à 2 anos que Asdrubal se enlevara por Julieta.Sendo a relação entre ambos de forte amizade
faltava-lhe todavia a coragem para revelar a sua verdadeira afecção. Quis o cruel destino
ironicamente no preciso dia em que Asdrubal se decidira finalmente a revelar o seu arrebatamento, RESPONSABILIDADE PENAL DE
Xavier, um seu amigo, lhe confidenciasse a suspeita de a sua apaixonada se haver comprometido
RESPONSABILIDADE PENAL DE CARLOS:
com Romeu.Despeitado, Asdrubal confronta Julieta com tal suposição. Esta, que havia já algum CARLOS
tempo se apercebera que Asdrubal pretendia algo mais do que ser apenas seu amigo,para evitar
problemas e para aproveitar o facto de as respectivas famílias das dela e de Romeu se encontarem relativamente a Romeu
desavindas , disse-lhe em tom de ironia e com certo escárnio : Boa! Vinha mesmo a
calhar...comprometer-me com o inimigo, só me faltava essa. Asdrubal sentiu-se confortado com tais Ação: Carlos dispara 2 tiros em direcção a Romeu e não o
palavras, mal sabendo que elas correspondiam à verdade. Julieta sentia-se encantada com Romeu e atinge. Trata-se de uma ação humana e voluntária pois Carlos
pouco lhe importava a inimizade entre as famílias. Uma semana depois Asdrubal ganhara disparou com uma intenção final de matar Romeu,
novamente coragem para se declarar a Julieta .Enquanto bebia uma cerveja no bar, antes de se
correspondendo assim a uma exteriorização anímico espiritual
dirigir a casa da sua pretendida, vem contudo a saber pelos comentários que Romeu ficara noivo de
Julieta e Asdrubal sentiu-se em choque, não queria acreditar no que ouvia.Começou então a sentir
da sua personalidade. É enquanto tal um comportamento
um ódio profundo contra Romeu que ia crescendo dia após dia. Até que numa bela tarde apois passível de valoração jurídico penal.
surpreender Romeu e Julieta num piquenique campestre muito divertidos, tomou uma decisão:
Tipicidade objetiva: homicidio na forma tentada. Ao disparar dois
Romeu tinha de morrer. Para o efeito, contrata Bento adiantando-lhe10000 euros como sinal e
tiros em direcção a Romeu,Carlos pratica um ato idoneo a matar,
prometendo-lhe mais 40000 euros quando o serviço estivesse realizado. Bento que por acaso
conhecia Romeu não querendo sujar as mãos engendra um plano que rapidamente coloca em
mas não atinge a vida da pessoa visada preenchendo com o seu
comportamento a previsão normativa do art.22.º, 2 b) conjugada
prática. Sob o pretexto do Carnaval e sabendo que Romeu era um rapaz alegre e folgazão, era
com a o art.131.º do CP
partidário das brincadeiras próprias da época e que Carlos revelava espírito assustadiço , Bento
empresta a Romeu uma bisnaga que aparentava ser uma arma verdadeira. Não queres pregar um Tipicidade subjetiva:Carlos sabia que estava diante de uma pessoa
valente susto ao Carlos? Romeu respondeu que sim que ia ser divertido.No dia seguinte, dando (Romeu) e sabia que a sua arma era apta a matá-la. Tinha assim
sequência ao seu plano, Bento provoca um encontro com Carlos, no qual assusta-o dizendo “tem
conhecimento da realidade típica (realidade subsumida no tipo
cuidado agora que se aproxima o Carnaval ele ainda te aponta uma bisnaga. Carlos ficou
objecivo). Quando disparou, teve intenção de matar (pelo que é
aterrorizado.Convenceu-se que a qualquer momento, Romeu lhe iria apontar uma arma verdadeira e
descrito no caso essa intenção não oferece dúvidas), assumindo uma
tentar matá-lo. Mal chegou a casa pegou no seu velho revolver e a partir daí nunca mais o largou.
vontade de consumar o homicidio. Estão assim preenchidos os 2
. Alguns dias depois em plena noite de Carnaval, Romeu encontra Carlos e aponta-lhe a bisnaga. Este elementos do dolo do tipo (elementos cognitivo e volitivo)do crime
pensando tratar-se de uma verdadeira arma, atendendo ao que lhe dissera Bento, rapidamente puxa de homicidio em conformidade com o precrito no art.14.º/1 com
o seu revolver e trémulo dispara 2 tiros em relação a Romeu errando todavia o alvo. O segundo dos referência ao art.131.º CP. Ao praticar atos de execução de um
tiros acaba por atingir Eliseu, no preciso momento em que este se preparava para subtrair a carteira crime (de homicidio) que decidiu cometer,Carlos agiu portanto com
do bolso de Frederico, um folião de Carnaval que por ali passava . Foi o tiro disparado por Carlos que dolo de homicidio preenchendo o tipo subjetivo de homicidio na
evitou a consumação do furto. forma tentada (art.22.º/1 e 2 conjugado com art.131.º do CP)
Eliseu gravemente ferido é conduzido ao banco de urgências de um hospital. Gabriel, médico de
Ilicitude e culpa: não se verificando qualquer causa de justificação a
serviço só o atendeu uma hora depois da sua chegada por ser um aficionado de futebol e estar a
verdade é que se os factos ocorressem tal como Carlos os
assistir um jogo muito importante. Foi suficiente para que Eliseu, não resistindo acabasse por morrer
representou haveria legitima defesa (art.32.ºCP). Ao supor que
Romeu possuia uma arma verdadeira(na realidade era uma bisnaga), situação análoga à do erro (intelectual) sobre o facto típico. Exclui-se,
Carlos pensa que vai ser alvo de um disparo ou seja de uma agressão assim o dolo por analogia com o art.16.º/1 CP. Ficando ressalvada a
atual e ilicita contra a sua vida e os disparos que desferiu visavam repelir punibilidade a título de negligência (art.16.º/3 CP)e entendendo que
tal agressão.Carlos está assim em erro sobre um estado de coisas que a Carlos violou um dever de cuidado previsto no art.15.ºCP ao atingir Eliseu
existir excluiria a ilicitue da sua ação tipica (operaria a legitima defesa). nas questões de erro de pontaria é normal que assim se entenda, a sua
Esta situação encontra-se previstados no art.16.º/2 do CP que por conduta é punivel na forma negligente nos termos do art.148º/2CP
remissão para o n.º1 exclui o dolo. Compreende-se a solução legislativa
posto que Carlos não revelou uma atitude contrária ao Direito (se os
factos fossem aqueles que representou atuaria em LD), inexistindo Ilicitude : Ao atingir Eliseu, o tiro disparado por Carlos impediu que
portanto e elemento emocional do dolo (consubstanciado numa atitude aquele subtraísse a carteira a Frederico. Objetivamente, Carlos repeliu
interior de contrariedade aos valores penalmente protegidos). uma agressão actual e ilicita de Eliseu ao património de Frederico ,
Punibilidade:Como a tentativa é necessariamente dolosa (art.22.º/1 CP), agindo em legitima defesa deste (legitima defesa de terceiro) nos termos
Carlos não seria punido em razão da inexistência de dolo da culpa. do art.32.ºCP. Esta situação a que podemos chamar legitima defesa
objectiva não está prevista na lei (para operar a causa de justificação os
relativamente a seus pressupostos de facto devem ser conhecidos pelo agente). Contudo,
o legislador não deixou de prever uma situação analoga (isto é, uma
Eliseu situação em que a causa de justificação apenas se verifica objetivamente
no art.38.º/4CP situação a qie podemos chamar de consentimento
Acção: um dos disparos atinge Eliseu que acaba por morrer. objectivo. Aplicando este preceito por analogia in bonna partem ,pois
Tipicidade objetiva: aplicando a teoria do risco, se Carlos, com o disparo sem ela seria ilicita a ofensa à integridade fisica de Eliseu, Carlos ficará
criou um risco (proibido) para a vida de Eliseu (na verdade, naquelas sujeito À pena da tentativa . Ora, como o crime por si praticado é
circunstâncias de tempo e lugar do agente era previsivel segundo negligente e a tentativa é necessariamente dolosa, Carlos acaba por não
critérios de experiência comum que do disparo de Carlos adviesse a preencher com o seu comportamento, qualquer tipo de ilicito. Poderá
morte de Eliseu), a verdade é que a morte deste não constitui dizer-se que se o resultado está justificado ( o regime que se retira do
materialização desse risco , dado que veio a decorrer da omissão da art.38.º/4CP) a acção negligente não terá por si dignidade punitiva. Se
acção esperada de Gabriel. Gabriel teve um comportamento imprevisivel entendêssemos que esta defesa era excessiva (é discutível) e como não
provocando um desvio relevante no desenvolvimento do risco criado por opera qualquer causa de exclusão da culpa, deveria Carlos ser punido nos
Carlos. A Carlos apenas se poderá imputar sem que aqui a imputação termos do art.148.º/2 CP.
objectiva levante problemas de maior) a ofensa à integridade fisica
(art.144.º d) do CP) que .Eliseu imediatamente sofreu em consequência RESPONSABILIDADE PENAL DE BENTO
do disparo.
relativamente a
Tipicidade subjectiva:o tiro que atinge Eliseu é consequência de uma
aberratio ictus. Trata-se de um erro na execução que consubstancia uma Romeu
O erro de Carlos foi provocado por Bento como se compreende pelo texto Asdrubal com a intenção de matar Romeu determinou Bento
do caso prático. Bento instrumentalizou Carlos, levando-o a praticar (ou mediante o pagamento de 50000euros a realizar o facto. Este por
melhor a tentar praticar) o crime por si pretendido. Estamos perante a sua vez procedeu à respetiva execução ainda por intermedio de
figura da autoria mediata em que o homem de trás assume o domínio da outrem (Carlos).
vontade do homem da frente ao induzi-lo em erro. Pode deste modo
dizer-se que os actos de Carlos foram afinal praticados mediatamente por Estamos perante uma situação de comparticipação prevista na
Bento preenchendo este por intermédio daquele (em sintonia com a quarta proposição do art.26.º do CP ou seja, diante da
segunda proposição do art.26.º do CP, o tipo legal de crime de homicidio iinstigação.Asdrubal é instigador do crime de homicidio e Bento o
na forma tentada sobre Romeu. Como não se verificam em relação a
respectivo autor mediato ainda que a execução se tivesse quedado
Bento qualquer causa de justificação nem de exclusão de culpa face ao
pela forma tentada.Asdrubal enquanto instigador é mero
crime que se lhe atribui deverá ser pinido como autor mediato da
participante do crime. O facto de ele na posição de homem de tras
tentativa de homicidio contra Romeu (arts. 22.º 1 e 2 conjugado com o
art.131.º do CP). não ter instrumentalizado o homem da frente (Bento) retira-lhe o
dominio do facto criminoso . Pagar uma quantia pecuniária para a
relativamente a realização de um crime não é o suficiente para atribuir ao homem
de trás um dominio da vontade sobre o homem da frente. Em
Eliseu
sintonia com a teoria do dominio do facto , instigar um crime não
Do modo como Bento instrumentalizou Carlos, seria previsivel que significa pratica-lo como autor mas nele participar. Deste modo, a
este, assustad, pudesse realmente acertar um tiro numa terceira punibilidade do instigador não resulta de um crime por si
pessoa. Bento criou tal qualmente um risco proibido para a vida de praticado, antes derivando do crime praticado pelo instigado
Eliseu. Sendo o desenvolvimento desse risco relevantemente (Autor).
interrompido pela omissão imprevisivel de Gabriel , só a ofensa à
Numa leitura isolada do art.26.ºCP poderiamos ser levados a pensar
integridade fisica lhe é imputável. Bento violou, outrossim, um
que ao instigador se aplicaria a punibilidade do autor e que,
dever de cuidado , sendo autor paralelo no preenchimento do tipo
portanto se transmitiria a punibilidade do autor para o participante
legal de crime previsto no art.148.º/2 CP (nos crimes de violação
(no caso, o instigador). Mas se tivermos em atenção o art.29.º
de dever , como é o caso nos crimes negligentes , o critério não é
verificamos que «cada comparticipante é punido pela sua culpa»
já o do dominio do facto mas o da violação do dever. Aplica-se-lhe
pelo que do autor para o participante se não transmite nem a culpa
identicamente o regime do art.38.º/4 por analogia com a mesma
nem a punibilidade , apenas se comunica a ilicitude tipica. Trata-se
solução aplicada ao comportamento de Carlos, isto é, acaba Bento
da consagração juridico-positiva da teoria da acessoriedade
por não ser penalmente responsabilizado pois a pena de tentativa
limitada que no caso da punibilidade da instigação resulta da
não se aplica a crimes negligentes.
conjugação dos arts.26.º e 29.ºdo CP, ao passo que no caso da
cumplicidade resulta dos arts.27.º e 28.ºCP.Assim in casu a
RESPONSABILIDADE PENAL DE ASDRUBAL
punibilidade de Asdrubal provém necessariamente da acção tipica e subsume-se na conduta prevista no art.22.ºal.c) conjugado com o
ilicita de Bento, comunicando-se-lhe em concreto a execução de art. 203.º/1 do CP.
exclusão da culpa, Asdrubal deve ser então punido como autor
Tipicidade subjetiva : Com toda a propabilidade (tudo o indica pelo
dessa tentativa de homicidio de Romeu executada por Bento (por
texto da hipótese) Eliseu tinha consciência e vontade de subtrair a
intermédio de Carlos) nos termos dos arts.22.º,23.º e131.ºCP.
carteira agindo com dolo de furto.Teria também intenção de vir a
Quanto à ofensa à integridade física sobre Eliseu referida também comportar-se como proprietário da mesma , preenchendo assim, o
na pergunta anterior, Asdrubal encontra-se, como Bento na posição elemento subjetivo especifico previsto neste tipo legal de crime
de autor paralelo. Nos crimes negligentes, conforme se mencionou (ilegitima intenção de apropriação).
já, não é a teoria do domínio do facto que define os autores até
Ilicitude e culpa:não existe qualquer causa de justificação nem de
porque em rigor não existe comparticipação nos crimes
exclusão de culpa.
negligentes, mas a vinculação a um dever de cuidado. Asdrubal
está assim em posição idêntica à de Bento, aplicando-se-lhe o Punibilidade: apesar de ser punivel esta tentativa de furto segundo
mesmo regime juridico ut supra resposta anterior. o art.202.º/2 prevalece enquanto norma especial sobre a regra
geral prevista no art. 23.º/1, ambos do CP, a verdade é que Eliseu
veio a morrer. Ora, a morte constitui um factor de exclusão da
RESPONSABILIDADE PENAL DE ELISEU responsabilidade penal,em sintonia com o prescrito no art.127.º/1
CP
Acção: Eliseu preparava-se para subtrair a carteira do bolso de
Frederico quando foi atingido pelo tiro de Carlos. Trata-se de uma RESPONSABILIDADE PENAL DE GABRIEL
acção humana e voluntária dado que Eliseu revelou uma intenção
Acção ( em sentido amplo abrange também a omissão): Gabriel,médico
final (subtrair a carteira). Corresponde a uma exteriorização
de serviço não socorreu imediatamente Eliseu que acabou por morrer.
animico espiritual da sua personalidade e enquanto tal a um
Esta omissão da acçãojuridico-socialmente esperada é humana e
comportamento suscetivel de qualificação juridico-penal.
voluntária posto que Gabriel revelou uma intenção final (continuar a
Tipicidade objectiva: furto na forma tentada. A subtracção da assistir aojogo de futebol).Trata-se assim de um comportamento
(negativo) passivelde valoraçãojuridico penal.
carteira não chegou a ocorrer porque algo de imprevisivel
aconteceu (Eliseu foi atingido pelo tiro disparado por Carlos). Deste Tipicidade objetiva: Gabriel encontrava-se numa posição de garante,pois
modo, segundo a experiência comum do seu ato era de esperar que enquanto o médicode serviço assumiu voluntariamente funções de
se seguisse a subtracção da carteira do bolso de Frederico, ato este protecção(Jescheck) face a todos aqueles que chegassem ao banco de
que por sua vez preenche um elemento constitutivo do tipo legal urgências do hospital. Trata-se da posição de garante que ficou
de furto (art.203.º/1CP). Assim, o comportamento de Eliseu conhecida como contrato pelo que se poderá dizer em sintonia com o
art.10.º/2CP que Gabriel estava adstrito a um dever juridico que
pessoalmente o obrigava a evitar o resultado(morte de Eliseu). Neste
quadro, está indiciado um crime de homicidio por omissão. Com efeito, o
tipo legal de crime de homicidio(art.131.º) compreende um resultado
morte e de acordo com o mencionado art.10.º/1 CP o facto típico
abrange não só a acção adequada a produzi-lo como a omissão da acção
adequada evitá-lo. Estamos perante um crime de resultado, donde a
subsunção do comportamento de Gabriel ao art.131.º conjugado com o
art.10.º só se realizará verificada a imputação objectiva.

Teoria do risco adaptada ao crime de omissão impura: Gabriel perante


uma situação de risco pré-existente (ferimentos em consequência do tiro
disparado por Carlos) para a vida de Eliseu não diminuiu esse risco
podendo (tinha tempo para tal)e devendo como vimos fazê-lo.Assim,
ocorrendo a morte de Eliseu em virtude dessa não diminuição do risco,o
resultado(morte) imputa-se a Gabriel. Este,com o seu comportamento
preencheu o tipo objetivo de crime de homicidio por omissão (art.131.º
conjugado com art.10, ambos do CP)

Tipicidade subjetiva:Gabriel tinha a noção de que Eliseu se encontrava


numa situação de risco para a vida e optou por continuar a assistir ao
jogo de futebol, conformando-se com a eventualidade da morte do
paciente enquanto consequência possivel da sua conduta.

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