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COMUNICAÇÃO E TEORIA DA TRADUÇÃO

Introdução

DA QUESTÃO DA LINGUAGEM AO PROBLEMA DA TRADUÇÃO

1- FILOGÉNESE DA LINGUAGEM

1.1 ONTOGÉNESE DA LINGUAGEM

2- Pensamento e linguagem

2.1- A VOLUBILIDADE E SUBJECTIVIDADE DA LINGUAGEM

2.2- estruturação do mundo pela linguagem

3- Falência da comunicação face à tradução

4- O bilinguismo

TRADUTIBILIDADE E INTRADUTIBILIDADE

1- Problemática da intradutibilidade

2- História e tipologia da tradução

CONTRIBUTOS DA LINGUÍSTICA PARA A TEORIA DA TRADUÇÃO

1- Argumentos empíricos a favor da tradução

1.1- Argumentos morfológicos

1.2 Argumentos fonéticos

1.3- Argumentos estilísticos

2- Crítica ao projecto de gramática universal

2.1- A relatividade linguística

2.2 - Problemática das interferências terminológicas

3- Abordagem estruturalista da língua

3.1 A contribuição de Saussure

4. O papel da linguística distribucional

4.1- A estrutura reticular da língua

5. O papel da semântica na tradução

5.1- A importância da polissemia

5.2 Área semântica

5.3 Conotação e denotação

5.4 Um exemplo particular de recorte do mundo: a cor


6. Limites do estruturalismo

PROBLEMAS ACTUAIS DA TRADUÇÃO

1- A problemática da tradução automática

2. O multilinguismo institucional

CONCLUSÃO

Bibliografia

Introdução

A comunicação assegura a transmissão de conhecimentos, de informação e da experiência, permitindo a


perpetuação e a identificação da comunidade. A linguagem, inseparável do homem, segue-o em todos os seus atos. É
o instrumento graças ao qual o homem forma o seu pensamento, os seus sentimentos, as suas emoções, os seus
esforços, a sua vontade e os seus atos, o instrumento com o qual influencia e é influenciado. A linguagem está de tal
modo associada à personalidade de cada indivíduo e às especificidades de cada cultura que podemos perguntar se ela
é um simples reflexo ou a própria fonte do seu desenvolvimento.

O aumento desenfreado do consumo de informação, de imagens e de ficção determinou uma mudança de


atitude em relação à visão do mundo. A literatura permitiu igualmente promover a comunicação como valor. A sua
influência exerceu-se através da divulgação das idéias que alimentaram a cultura e o imaginário social.

A tradução procura o estabelecimento da comunicação interlinguística reduzindo as fronteiras da diversidade.


Pode assumir múltiplas funções (traduzir para divulgar, para compreender ou simplesmente como exercício didático
para aprender línguas). O objeto da tradução, variável como o da própria língua, corresponde a todas as possibilidades
de comunicação verbal do homem. Qualquer que seja a sua função, objeto ou definição, parte-se do postulado da sua
simples existência atestada por múltiplas realizações. Apesar disso, importa saber de que modo se processa este
fenômeno e que relação existe entre o original e a sua tradução.

O método fenomenológico procura, num primeiro momento, fundamentar-se nas vivências já existentes e,
numa segunda fase, transcendê-las para atingir uma visão abrangente. Assim, as evidências tornam-se ocasiões para
uma análise posterior. A fenomenologia não se contenta, portanto, com a descrição das vivências originárias, ela
fundamenta-se nela, mas prossegue em direção à intelecção do que, na multiplicidade dos fenômenos manifestos, se
mostra como a essência do fenômeno numa tentativa de redução eidética. A procura do discernimento da essência
subjacente aos fenômenos comuns exige uma abstração das evidências imediatas. Pode tornar-se fenômeno tudo o
que é experimentável por meio da percepção. A percepção, no entanto, não se restringe à percepção dos sentidos,
pois pode referir-se também a fenômenos psíquicos internos, como conjuntos ou sistemas de idéias ou outras criações
humanas, ou seja, qualquer dado possível. A percepção, de modo geral, não tem significado próprio e específico, dado
que toda e qualquer significação só ocorre por interligação conceptual dos dados percebidos. Duas pessoas que estão
diante de um objeto têm, em princípio, percepções semelhantes da coisa observada. No entanto, o poder de
contextualização de cada um modifica o que de fato consegue ver. As diferentes ciências ocupam-se com diferentes
campos de dados, com uma teorização correspondente (conceitos como elementos estruturadores, capazes de
estruturar objetos). A ciência da comunicação, centrada na tradução, analisa o processo tradutório tendo em conta os
sujeitos comunicantes.

Para se averiguar as possibilidades de partilha de informação entre os povos, é necessário recolocar o


problema da linguagem e proceder ao estudo dos modos de transmissão da língua e à análise das relações que se
estabelecem entre o pensamento e a linguagem.

Partindo de uma visão fenomenológica da linguagem, de modo a descrever a própria língua determinando-lhe
a sua estrutura e a sua gênese, pretende-se demonstrar de que modo a teoria da linguagem contribui para a teoria da
tradução. O resultado dessa pesquisa, depois de questionada a existência de paralelismos entre as línguas, poderá
fornecer, ao longo do primeiro capítulo, pistas para a compreensão do processo tradutório e determinar se a passagem
de umas línguas para as outras é possível e de que modo o funcionamento da língua pode contribuir para reforçar ou
refutar essa idéia. Que relação se estabelece entre a visão do mundo e cada língua particular utilizada? Será que
quando se fala do mundo em duas línguas diferentes, não se fala exatamente do mesmo mundo e que, por
conseguinte, a tradução de uma língua para outra não só não é legítima como é materialmente impossível do ponto de
vista científico? Poderá a análise de o bilingüismo provar a existência de paralelismos entre as línguas?

A oposição entre teoria e prática da tradução é problemática uma vez que a relação entre elas não é marcada
por critérios da cientificidade, mas por uma pulsão para a fundamentação de opções práticas assumidas.

O campo científico da tradução deve situar-se na intersecção da lingüística, da lógica, da psicologia, da


pedagogia, da filosofia e, nomeadamente, das ciências da linguagem. Nos últimos dois milênios, muitos autores
abordaram o tema da tradução, mas, da colação das suas reflexões, apenas se destacam noções empíricas da
tradução e raramente verdadeiras descrições científicas.

A tradução baseia-se em operações específicas que a ciência lingüística, corretamente aplicada, resolve
melhor que qualquer empirismo artesanal. A sua descrição, segundo o método fenomenológico, permite centrar a
atenção sobre aspectos essenciais mais problemáticos.

A teoria da tradução refere-se a fenômenos que apenas se mostram como pertencentes ao processo
tradutório à luz dos critérios por ela elaborados. As percepções de per si não são qualificadas, no fundo, não existem
dados extra-teóricos como referências comparativas, mas apenas dados que se estruturam e configuram à luz de uma
ou outra teoria adotada.

Assim como o conhecimento humano, enquanto ato, precede a teoria do conhecimento, o ato da tradução
precede a teoria da tradução. Porém, é apenas através da reflexão teórica sobre a tradução que se pode identificar um
ato como ato de tradução, como também só no âmbito da teoria do conhecimento se identifica o que é conhecimento.

A teoria começa, nesse sentido, a rigor, a partir do momento em que o homem se apercebe que está a traduzir.
A consciencialização desta percepção inaugura a teoria da tradução. Os tradutores usam técnicas de forma empírica,
porém, não seriam capazes de praticar o ato de tradução sem a existência de elementos teóricos implícitos.

Considerando esse ponto de partida, a teoria da tradução como ciência desenvolve, num primeiro momento, os
critérios mediante os quais o fenômeno da tradução se mostra: ela explicita e torna consciente o que é implícito e
inconsciente no ato da tradução. Questionar a sua validade equivaleria a questionar a validade da própria tradução.

O segundo capítulo coloca o problema da relação entre a teoria e a prática, passando por uma abordagem
diacrônica dos estudos sobre tradução. Centra-se nas teorias universalistas, no período relativista e finalmente, no
período que recobre as traduções do pós-guerra correspondendo à fase da abordagem estruturalista, neo-
hermenêutica e sistemática.

A linguagem manifesta-se segundo duas características antinômicas: a sua universalidade básica e a


diversidade não menos essencial. É universal porque se baseia num princípio comum a todas as sociedades humanas:
o emprego de meios fônicos ao serviço da atividade simbólica. É diversa pela pluralidade das línguas, culturalmente
constituídas como eventos sociais, tornando-se um fator de segregação e de separação no seio da humanidade. Como
qualquer fator cultural, transcende o individual mas permanece aquém do universal em realizações paradoxalmente
singulares caracterizadas pelas circunstâncias particulares do seu emprego.

No terceiro capítulo verifica-se de que modo os estudos lingüísticos contribuem para as teorias da tradução
fornecendo descrições para uma melhor compreensão do fenômeno. Abordam-se os problemas suscitados pela
morfologia, pela fonética ou pelo estilo e principalmente os do domínio semântico. Recordam-se investigações
realizadas para encontrar formas de universalidade gramatical para a explicitação de regras comuns e analisa-se em
particular a teoria dos campos lexicais com um exemplo particular.

A teoria da tradução ultrapassa a problemática da comunicação entre línguas, idiomas ou códigos.


Abandona a hipótese de uma relação simétrica e niveladora das linguagens. Deixar de comunicar o original no
traduzido é levantar, para além do sentido comunicável e mais simetricamente recuperável na língua alvo, outra
questão cujo alcance é uma rigorosa crítica à comunicação. Trata-se de procurar saber o que acontece na tradução, na
passagem de uma língua para outra. É necessário descrever o evento da tradução ou mais precisamente o alcance
da tradução onde a primazia da comunicação que relaciona linguagens na sua paridade, se apaga em detrimento da
questão do sentido.

Definir a tradução, portanto, como um transporte de informação de um sistema de signos para outro pode
parecer muito técnico. Trata-se de uma definição inspirada na terminologia tecnológica cujo efeito repousa no
sentimento de subordinação de nossa época frente à tecnologia. A tradução abrange um processo bem mais sublime,
que se esquiva aos conceitos e à terminologia criada para descrever processos mecânicos. Em nenhum dos casos, a
tradução ocorre simplesmente pela substituição de signos de uma língua por signos de outra. Essa substituição é
apenas um efeito final que não explica o processo tradutório. Pois a tradução é um processo mental baseado na
intuição de conteúdos situados em contextos. A chamada substituição de signos é efeito e não causa.

A sociedade atual, dominada pelas tecnologias da informação, parece caminhar para um processo de
globalização. Um dos maiores sonhos da humanidade é a livre comunicação entre todos os povos, mas a proliferação
lingüística continua a constituir-se como um obstáculo apenas transponível com a aprendizagem de línguas
estrangeiras ou, na sua impossibilidade, com recurso à tradução. A tradução surge, por isso, como “um mal necessário”
propulsor da união entre os povos num contexto de multilinguismo institucional. As exigências do sistema produtivo
arrastaram a tradução para o domínio da técnica. No último capítulo descrevem-se os condicionalismos econômico-
sociais condicionantes do recurso à técnica como meio coadjuvante do processo tradutório. Situa-se a tradução no
contexto político da comunidade européia e estabelece-se um percurso com vista à determinação da relação entre o
homem e a técnica.

CAPÍTULO I

DA QUESTÃO DA LINGUAGEM AO PROBLEMA DA TRADUÇÃO

1- FILOGÉNESE DA LINGUAGEM

Uma das grandes preocupações atuais da lingüística consiste em procurar saber se na origem todos os
humanos falaram a mesma língua. A cultura judaico-cristã aceita o princípio da confusão das línguas associado à Torre
de Babel. Do ponto de vista científico existem modelos teóricos que procuram explicar a emergência da linguagem no
homem de acordo com a sua evolução fisiológica. Os dados anatômicos, referentes à capacidade craniana, à posição
baixa da laringe com conseqüente aumento da dimensão da faringe, à forma do palato, da língua e ao tamanho da
cavidade nasal, condicionaram o aparecimento da fala. As pesquisas sobre a origem da linguagem são
freqüentemente contestadas por se considerar impossível recuar para além de seis a oito mil anos sem correr o risco
de anacronismos, uma vez que o aparecimento da escrita apenas se situa por volta dos cinco mil anos antes de Cristo.
Apesar de se pensar que a fala apareceu com o Homo erectus há um milhão e quinhentos mil anos, os partidários
dessas pesquisas notam que a meta dos oito mil anos corresponde à época do proto-indo-europeu, a língua ancestral
de onde derivaram as línguas indo-européias. Segundo a mesma teoria, o proto-indo-europeu teria ele próprio derivado
de outros ramos entroncando num ponto comum situado na origem de todo o processo. Os estudos arqueológicos e
demográficos pretendem mostrar que a colonização da terra se procedeu a partir de uma única área geográfica. Se
assim fosse, a pulsão contínua para a comunicação global seria parte integrante do mito do eterno retorno e justificaria
o desejo de compreensão e de tradução de todas as línguas. No entanto, à teoria da monogênese opõe-se a da
poligênese segundo a qual a linguagem teria surgido em vários pontos, de forma independente e autônoma, originando
várias línguas primitivas.

1.1 ONTOGÉNESE DA LINGUAGEM

A evolução ontogênica da criança parece repetir o processo filogenético humano. Muito antes de falar, a criança
exprime-se através de gritos, movimentos expressivos e do balbucio. A riqueza fonemática do balbucio é tal que inclui
fonemas que não são constituintes da língua falada no seu meio. Quando adulta, a criança torna-se, no entanto,
incapaz de reproduzir esses sons se necessitar deles para falar uma língua estrangeira, por isso eles terão que ser
reintroduzidos na sua nova aprendizagem. O balbucio é uma linguagem polimorfa que corresponde possivelmente a
um arquétipo da língua.
Segundo Sapir, a linguagem humana não depende de órgãos próprios; todas as componentes fisiológicas
intervenientes no processo da fala estão ligados a outra função. Para exercer o ato da fala, o ser humano serve-se dos
órgãos fonadores de um modo que não lhes é natural.

No processo de aprendizagem da linguagem parece haver fases de maiores avanços entrecortadas por fases de
estagnação durante as quais se produz uma espécie de “incubação de linguagem”. A aprendizagem da língua materna
não supõe um somatório de significações morfológicas, sintáticas e lexicais. As regras gramaticais não são aprendidas
antes da prática da língua; o conhecimento dessas regras não é necessário nem suficiente para o domínio da língua. O
ato de falar, uma vez adquirido, não pressupõe nenhuma comparação entre aquilo que se quer expressar e os meios
disponíveis para essa expressão. As palavras e os arranjos lingüísticos necessários para exprimir uma intenção
surgem sem que seja necessário representá-las previamente na consciência. Segundo Merleau Ponty, “há uma
significação «linguareira» da linguagem que realiza a mediação entre a minha intenção ainda muda e as palavras, de
tal modo que as minhas palavras me surpreendem a mim mesmo e me ensinam o meu pensamento” . Do mesmo
modo que se tem uma consciência do corpo que permite o relacionamento com o mundo sem ser necessário refletir
sobre essa relação, as palavras proferidas ou ouvidas são pregnantes de uma significação própria, autônoma; basta
uma hesitação, uma alteração da voz ou a escolha de uma sintaxe diferente para alterá-la porque toda a expressão
aparece como vestígio, todas as ideias só são dadas em transparência.

O fato da criança se encontrar desde o nascimento envolvida pela linguagem do adulto leva-a a “banhar-se na
linguagem” de acordo com o dizer de Delacroix. Aí, por um mecanismo de excitação dos órgãos susceptíveis de
produzir a fala, a criança deixa-se contagiar e começa a apropriar-se do ritmo e da acentuação da sua língua materna
recalcando a pouco e pouco todos os outros sons constituintes do balbucio mas não reutilizáveis na língua materna.
Desta seleção resulta um empobrecimento da gama sonora possível ao ser humano.

Por volta dos três anos as crianças dominam suficientemente a língua materna para serem compreendidas
pelos adultos. Este fato ocorreu sem que tivesse sido necessário aplicar qualquer tipo de pedagogia, ao contrário do
que acontece com a escrita que não prescinde de um verdadeiro processo de aprendizagem. O bebê aprende a falar
tal como aprendeu a caminhar. Parece tratar-se de uma capacidade inata inscrita no seu patrimônio genético. O recém
nascido, a pouco e pouco assimila a linguagem dos adultos. Sabe-se que as crianças possuem capacidades
lingüísticas reveladas no balbucio por volta dos seis meses. As crianças detectam os fonemas, as sílabas talvez até
unidades lingüísticas maiores tais como agrupamentos de palavras. Coloca-se a questão de saber o que é que
predispõe assim o recém nascido a tratar a informação sonora de um modo pertinente para a aquisição da linguagem.
Sabe-se que o sistema auditivo já está funcional mesmo antes da nascença; por isso, ao nascer já pode apreender as
ondas acústicas bastante complexas produzidas pela voz humana. Para adquirir a língua materna, com a sua estrutura
lingüística, o recém nascido apenas dispõe deste sinal sonoro, contínuo e variável. Ele terá que recortar o sinal sonoro
para detectar unidades lingüísticas pertinentes: sílabas, palavras, frases. Esta segmentação põe à priori um problema
muito difícil porque nenhum tipo de indício acústico corresponde sistematicamente a uma unidade lingüística. Para se
saber como é que se opera no domínio do tratamento da informação sonora, é necessário distinguir as características
gerais da audição, comuns em princípio aos outros animais, dos aspectos específicos da linguagem. Convém também
saber se a fala tem, para o recém nascido, um estatuto especial em relação aos outros sons. Se o organismo estiver
biologicamente preparado para tratar sinais particulares do ambiente, estes sinais devem atrair prioritariamente a
atenção e receber um tratamento mais pormenorizado. Com efeito, a fala, e particularmente os discursos dirigidos aos
bebês parecem receber uma atenção especial em relação aos outros sons.

A fala é para o bebê um sinal particularmente atraente. Pode mesmo distinguir entre os discursos que lhe são
diretamente dirigidos e aqueles que se destinam a outros interlocutores adultos. Esta distinção talvez se deva à
postura do adulto que adota freqüentemente um tom de voz diferente para se dirigir às crianças. Isso pode provar, no
entanto, que os sinais da fala têm para o bebê um estatuto especial. Falta saber se nesta fase etária, o bebê já é capaz
de distinguir os fonemas, as sílabas ou mesmo grupos de palavras. Desde a idade dos dois meses, as crianças podem
distinguir os diferentes fonemas da linguagem. O que parece mais extraordinário é que um bebê japonês, por exemplo,
seja capaz de discriminar os fonemas “r” e “l”, enquanto um adulto é incapaz de fazê-lo, visto esses sons não
existirem no japonês. O problema é que esta faculdade não só não é persistente como ainda tem tendência para
desaparecer por volta do fim do primeiro ano de vida. Será que os bebês também distinguem as sílabas? A sílaba
identifica-se como uma unidade básica de produção da fala: os gestos articulatórios estão programados para produzir
sílabas, e não uma seqüência de fonemas isolados. É também a sílaba e não o fonema, que tem as entoações, os
acentos. É ainda a menor unidade susceptível de ser uma palavra. A sílaba desempenha um papel particular na
percepção e no reconhecimento das palavras da nossa língua. Os bebês de alguns meses já são capazes de
apreender sílabas do tipo consoante-vogal como uma entidade e de identificá-las num discurso contínuo. O bebê pode
também detectar alguns elementos de construção da frase. Utiliza como indício a prosódia, ou seja, todas as variações
de ritmo e de entoação da frase, a posição dos acentos etc. Para isso, baseia-se em propriedades universais do
discurso (por exemplo, a voz baixa geralmente antes de pausa). Os recém nascidos são sensíveis às variações da fala.
A partir das seis semanas distinguem, com base na entoação, a fala da mãe da de uma pessoa desconhecida. O bebê
possui, por conseguinte, um programa que lhe permite detectar, no discurso das pessoas que o rodeiam, as sílabas,
os grupos de sílabas, e mesmo a estrutura das frases. Algumas destas capacidades estão operacionais desde o
nascimento, outras necessitam de um estado de maturação mais avançado. Algumas capacidades da linguagem só se
revelam depois de outras aquisições terem sido feitas. É o caso das capacidades sintáticas ou gramaticais para a
apreensão das quais é necessário como condição prévia que a criança conheça um léxico mínimo.

O estudo do aparecimento e desenvolvimento da linguagem, tanto do ponto de vista da humanidade em geral


como da criança em particular, aponta para um conjunto de características invariáveis independentes das línguas
particulares. No entanto, a aquisição da língua pressupõe uma redução progressiva de formas, apoiada numa seleção
preestabelecida pelo código da língua. Uma vez realizada a escolha, e recalcadas as outras hipóteses possíveis, a
língua individualiza-se. A aquisição da língua materna corresponde, por isso a um processo natural ao passo que a
passagem para outra língua se torna artificial e dependente de uma aprendizagem. Vista por este simples prisma, a
problemática da tradução reduz-se à da aprendizagem das línguas estrangeiras.

Falta observar de que modo os pensamentos se apresentam ao espírito e que relações existem entre as
palavras e o pensamento para verificar se existem paralelismos entre as línguas. Se assim for, traduzir será apenas
pesquisar essas vias paralelas e encontrar os pontos de convergência entre as várias línguas estrangeiras.

Se, de acordo com Merleau-Ponty, “a fraqueza de todo o paralelismo é outorgar-se correspondências entre as
ordens e encobrir-nos as operações que de início as produziram por invasão” é conveniente analisar as relações
existentes entre o pensamento e a linguagem para, depois, corroborar ou anular a hipótese tranqüilizadora do
paralelismo entre as línguas.

2- Pensamento e linguagem

Segundo Merleau Ponty, as palavras ouvidas, e depois repetidas no processo de aprendizagem da língua
materna, inscrevem-se no cérebro como um conjunto de “imagens verbais” permanentemente disponíveis para novas
reutilizações.

O estudo de situações patológicas contribui para isolar cada um dos aspectos considerados normais,
identificando-os. Graças à percepção do inventário das características da linguagem humana, torna-se possível
determinar os tipos de relação existentes entre a formação do pensamento e a própria linguagem.

A existência de perturbações eletivas que atingem a linguagem falada, sem afetar a escrita ou afetam a escrita
sem atingir a palavra e a desagregação da linguagem por fragmentos, mostra que a linguagem é constituída por
achegas independentes e que a fala no sentido geral é um ser de razão. A teoria da afasia, ao distinguir a anartria que
só se interessa pela articulação das palavras, da verdadeira afasia que supõe perturbações da inteligência, delimitou
também a distinção entre a existência da linguagem automática, independente e uma linguagem intencional,
geralmente afetada pelas perturbações. A individualidade da imagem verbal encontrava-se dissociada. O que o doente
perdeu, não é só um stock de palavras, mas certo modo de utilizá-las. Na linguagem automática, a palavra mantém-se
à disposição do sujeito falante, mas não lhe ocorre no plano da linguagem gratuita. Esta disparidade revela que há, por
trás da palavra, uma atitude, uma função da fala que a condiciona o que coloca já a linguagem gratuita como um
fenômeno do pensamento. Por isso, a afasia tem a sua origem numa perturbação do pensamento.

Nomear um objeto é abstrair-se do que ele tem de individual, de único para ver nele o representante de uma
categoria e de uma essência. A doença caracteriza-se pela incapacidade de proceder a esta abstração. Esta análise é
o reverso absoluto da teoria da imagem verbal visto que a linguagem aparece aqui condicionada pelo pensamento.

M. Ponty critica a teoria intelectualista segundo a qual a palavra não tem significação: “a palavra não tem sentido;
é o pensamento que o tem; a palavra é o invólucro vazio, é apenas a materialização exterior do pensamento.” Se
assim fosse, haveria dissociação entre os signos e os pensamentos puros que as palavras recobririam. É por isso que
Merleau Ponty diz que a linguagem é opaca. Não existe nenhum momento de cisão a partir do qual comece o sentido
puro. A linguagem apenas se reconhece a si própria como limite. O sentido surge em função da interação dos signos
que ficariam reduzidos ou mesmo esvaziados de conteúdo se separados uns dos outros. A linguagem está longe de
ser um mero exercício de cifração e de decifração porque isso pressuporia que as significações fossem preexistentes,
e, por conseguinte, anteriores ao ato locutório. Quando um autor escreve, não tem nenhum texto prévio que lhe
permita o confronto com a sua produção. O ato da criação textual, literária ou não, é uma tarefa auto-regulada centrada
na procura de um equilíbrio e de uma perfeição sem modelo. A conquista destes objetivos confere-lhe uma autonomia
tal que a torna capaz de se constituir como ser capaz de representar ou substituir aquele que a produziu. Todo o
pensamento é expresso através da linguagem que não deixa qualquer espaço livre para mais nada. Sempre que se
quiser captar o pensamento, depara-se apenas com material verbal. Como se verifica, não existe a possibilidade de
haver inscrito no ser uma espécie de texto original de que a linguagem seria apenas a tradução ou uma versão cifrada,
não existe uma correspondência, ponto por ponto entre o sentido e as palavras. Para a psicologia empirista ou
mecanicista a palavra não é midiatizada por qualquer outro conceito mas pelos estímulos ou estados de consciência.
Na psicologia intelectualista, duplica-se a denominação de uma operação categorial, a palavra não tem eficácia
própria, porque é apenas o signo exterior de um reconhecimento interior para o qual não contribui.

Na primeira concepção, estamos aquém da palavra como significativa, não há ninguém que fala. No segundo
caso, estamos além; há um sujeito, mas não é o sujeito falante; é o sujeito pensante.

Em relação à fala, o intelectualismo pouco difere do empirismo pressupondo a explicação do automatismo.


Uma vez realizada a operação categorial, falta explicar o aparecimento da palavra e é por um mecanismo psíquico ou
fisiológico que se explica já que se considera que a palavra é um invólucro inerte.

Segundo Ponty, as duas teorias são ultrapassáveis pela simples verificação de que a palavra tem um sentido.
Se a fala pressupusesse o pensamento, se falar fosse primeiro ligar-se ao objeto por uma intenção de conhecimento
ou por uma representação, não se compreenderia porque é que o pensamento se inclina para a expressão como para
a sua conclusão; porque é que o objeto mais familiar nos parece indeterminado enquanto não conhecermos o seu
nome, porque é que o próprio sujeito pensante está numa espécie de ignorância dos seus pensamentos enquanto não
os tiver formulado para si ou mesmo dito ou escrito?

Um pensamento que se contentasse em existir para si, fora da fala e da comunicação cairia na inconsciência
mal aparecesse, o que significa que nem para si existiria. Se dizer fosse estabelecer correspondências entre palavras e
pensamentos, não haveria possibilidade de sair de ciclo vicioso que se esgotaria pelo silêncio uma vez que o
pensamento só seria colocado perante outros pensamentos absolutamente explícitos, rompendo-se a possibilidade de
alargar o espaço para os inéditos. Pelo contrário, as palavras têm um poder especial porque interagem umas com as
outras de modo a abrir as portas para idéias e pensamentos que só o seu contacto permite descobrir.

Pensar é uma experiência no sentido em que adquirimos os nossos pensamentos pela fala interior ou exterior.
Ele pode surgir instantaneamente ou de modo fulgurante, mas para que o pensamento se torne nosso, é necessária
uma apropriação através da expressão. A nomeação dos objetos não vem depois do reconhecimento; é o próprio
reconhecimento.

No conhecimento pré-científico, nomear o objeto é fazê-lo existir ou modificá-lo. A criança aprende a conhecer
os objetos a partir das suas designações lingüísticas; só secundariamente é que os objetos recebem uma existência
natural.

A criança reconhece-se como membro de uma comunidade lingüística antes de se identificar como
pensamento de uma natureza porque não encara a palavra como signo dos objetos e das significações, mas considera
que ela encarna as próprias coisas e transporta as significações. A fala não traduz pensamentos já feitos; realiza-os.

Aparentemente a experiência da comunicação é uma ilusão porque o pensamento realizado pela palavra só
circula daquele que fala para aquele que ouve se houver neste a predisposição para realizar espontaneamente os
mesmos pensamentos. Parece que a consciência só pode ter experiência daquilo que ela própria já contém. Uma
consciência constrói uma máquina da linguagem capaz de transmitir à outra consciência a ocasião de efetuar os
mesmos pensamentos, mas não passa nada de um para o outro.

Se assim fosse, como se explicaria que a consciência possa aprender alguma coisa? Não podemos pressupor
que todo o conhecimento é inato. De fato, temos capacidade para compreender para além do que pensávamos
espontaneamente. A compreensão funciona como resolução de uma equação com uma ou duas incógnitas; é
necessário que se conheça pelo menos um dos dados para chegar aos outros, mas também é necessário que o
problema tenha uma solução possível. No entanto, na compreensão de outrem, o problema é sempre indeterminado
porque só a solução do problema fará aparecer retrospectivamente os dados como convergentes, só o motivo central
de uma filosofia, uma vez compreendido, dá aos textos do filósofo o valor de signo adequado. Há, por conseguinte,
uma retoma do pensamento através da fala, uma reflexão em outrem, um poder de pensar segundo outrem que
enriquece os nossos próprios pensamentos. É necessário que a significação conceptual das palavras se forme a partir
do contexto imanente à fala tal como, num país estrangeiro, se começam a compreender os sentidos das palavras pela
sua colocação num contexto de ação ao participar na vida comum.

Qualquer linguagem se ensina a si mesma e importa o seu sentido no espírito do auditor. Há, portanto quer
naquele que ouve ou lê, quer naquele que fala ou escreve, um pensamento na fala que o intelectualismo não suspeita.

Deve-se reconhecer que o pensamento no sujeito falante não é uma representação ou seja, não coloca
expressamente objetos ou relações. O orador não pensa antes de falar nem mesmo enquanto fala; a fala é o
pensamento. O pensamento do orador é vazio enquanto fala. Quando se lê um texto, não existe um pensamento à sua
margem; as palavras ocupam todo o nosso espírito; preenchem as nossas expectativas; sentimos a necessidade do
discurso, mas seríamos incapazes de prevê-lo; deixamo-nos possuir por ele. Só após o discurso, poderemos ter
pensamentos sobre o discurso ou sobre o texto.

A fala não é o signo do pensamento se considerarmos um fenômeno que anuncia outro como o fumo anuncia o
fogo. A fala e o pensamento só admitiriam esta relação exterior se eles fossem um e outro tematicamente dados. Na
realidade, estão envolvidos um no outro; o sentido é captado pela fala e a fala é a existência exterior do sentido. Não
se pode admitir que seja apenas o invólucro, a roupagem do pensamento.

Porque é que seria mais fácil recordar palavras ou frases do que pensamentos se as pretensas imagens
verbais necessitam de ser reconstruídas todas as vezes? Porque é que o pensamento procura duplicar-se ou recobrir-
se de uma série de vociferações se elas não as tivessem próprias sentido?

As palavras não podem ser as fortalezas do pensamento e o pensamento só pode encontrar a sua expressão se
as palavras fornecerem por elas próprias um texto compreensível e se a fala possuir uma potência de significação que
lhe seja própria. O pensamento e a palavra necessitam um do outro, substituem-se, alternam-se e estimulam-se
reciprocamente. Quando se fala, usa-se a palavra com espontaneidade sem as mesmas preocupações do lingüista
que encara a palavra como um objeto apesar de se servir de palavras para refletir sobre elas. Não é apenas porque
não possamos pensar em duas coisas ao mesmo tempo, mas porque nos tornamos puros operadores da palavra sem
a preocupação de conceber o código. Pensamento e linguagem estão inter-relacionados. As palavras têm de deixar de
ser apenas um modo de designar o objeto ou o pensamento; têm que se tornar na presença deste pensamento no
mundo sensível e não apenas o seu invólucro, mas o seu emblema ou o seu corpo.

Pode ler-se um texto sem o entender, o que prova que existe sob a significação conceptual das palavras uma
significação existencial que não é só traduzida por elas, mas está nelas e é inseparável delas. O maior benefício da
expressão escrita não é a sua preservação, fixação no papel, mas a sua existência como organismo de palavra, como
órgão de sentido; abre um novo campo ou uma nova dimensão à nossa experiência.

Do mesmo modo que, quando representa, o ator desaparece por trás da personagem, a operação expressiva
realiza ou efetiva a significação e não se limita a traduzi-la. O pensamento não é nada de interior; não existe fora do
mundo e fora das palavras. A ilusão da sua existência prévia advém do fato do podermos recordar, ou reavivar na
nossa memória, pensamentos já existentes, anteriormente expressos. O pensamento puro reduz-se a certo vazio da
consciência; a um desejo instantâneo.

A intenção significativa só se reconhece ao recobrir-se de significações já disponíveis. Essas significações


entrelaçam-se de uma vez por todas originando novos seres culturais. O pensamento e a expressão constituem-se
simultaneamente quando se concretiza a nova aquisição cultural do mesmo modo que o corpo exprime um novo gesto
antes de construí-lo como hábito.

É claro que, para compreender as palavras de outrem, é necessário que se conheça previamente o seu
vocabulário e a sua sintaxe, mas isso não significa que as palavras de outrem suscitem em mim representações
capazes de reproduzir as representações originais do locutor pelo meio de associações. Não se comunica com
representações ou com um pensamento, mas com um sujeito falante, com certo modo de ser e com o «mundo» que
ele visa. A intenção significativa que originou a fala de outrem não é um pensamento explícito, mas uma carência que
procura satisfazer-se; do mesmo modo, a sua influência em mim não é uma operação do meu pensamento, mas uma
modulação sincrônica da minha própria existência, uma transformação do meu ser.

Vivemos num mundo repleto de significações já formadas que não requerem qualquer esforço de interpretação.
Das várias operações expressivas, música, pintura, etc., a língua é a única capaz de se sedimentar e de se constituir
como uma aquisição intersubjetiva. O mundo lingüístico e intersubjetivo já não nos espanta nem o distinguimos do
próprio mundo; é no interior de um mundo já falado e falante que refletirmos.

A linguagem nunca é simples roupagem de um pensamento que se possuísse a si próprio com toda a clareza.
O sentido de um livro é dado pelas variações sistemáticas e insólitas do modo da linguagem e da narrativa ou das
formas literárias existentes. A expressão do autor leva o leitor a um pensamento até então desconhecido ou em relação
ao qual podia mesmo mostrar indiferença ou rebeldia.

A língua contém o gérmen de todas as significações possíveis porque todos os nossos pensamentos estão
destinados a serem ditos por ela. Paulhan verificou que a fala em exercício não se contenta em designar pensamentos
como um número na rua designa uma determinada casa, mas metamorfoseiam-se neles como eles se
metamorfoseiam nas palavras- metamorfose pela quais as palavras deixam de ser acessíveis aos sentidos e perdem o
seu peso, o seu ruído, as suas línguas, o seu espaço, para se tornarem pensamentos; mas o pensamento, por seu
lado renuncia, para se tornar palavra, à sua rapidez ou lentidão, à sua surpresa, à sua invisibilidade, ao seu tempo, à
consciência que temos dele.

Já muito antes, referindo-se à “produção da linguagem” , Wilhelm Von Humboldt tinha radicalmente
modificado o modo de pensar a linguagem por se recusar a entender a língua como um instrumento passivo da
expressão e preferir identificá-lo com um princípio ativo que impõe ao pensamento um conjunto de distinções e de
valores. Para Humboldt, qualquer sistema lingüístico contém uma visão própria do mundo exterior, diferente da análise
operada por outras línguas ou por outras etapas da mesma língua. Não só se pensa a língua por meio da linguagem
como a visão do mundo é determinada pela linguagem. Para Humboldt, o conteúdo e a forma lingüística da vida
espiritual do homem condicionam-se reciprocamente e não devem ser considerados à parte. Cada língua estrutura a
realidade à sua maneira e estabelece os seus próprios elementos da realidade. Essa estruturação e os seus elementos
nunca são totalmente idênticos de língua para língua, nem sequer são uma cópia direta da realidade; são apenas a
concretização lingüística de um ponto de vista que deriva de uma matriz estrutural única e definida, assente num
sistema de comparações, oposições e distinções.

Whorf deu profundidade a estas teorias ao verificar que não há uniformidade entre as evidências físicas
captadas e a imagem do universo que daí resulta, a menos que os sujeitos observadores tenham em comum o mesmo
sistema lingüístico ou pelo menos um sistema similar. Para Whorf, a linguagem é fundamentalmente uma classificação
e uma reorganização da experiência sensível. Esta organização implica um recorte do mundo, da situação. Pode variar
consoante as línguas que são encaradas como vastos sistemas de estruturas onde se organizam culturalmente as
formas e as categorias pelas quais o sujeito falante comunica e constrói o seu conhecimento.

O fato de cada língua poder recortar aspectos distintos de uma mesma realidade, valorizando uns e
desprezando outros, leva cada sociedade a reger-se por diferentes lógicas de raciocínio inspiradas na sintaxe da sua
linguagem.

Benveniste reconheceu que as categorias lógicas explicitadas por Aristóteles não eram universais, mas
derivavam apenas da língua grega. Afirma que as categorias mentais e as leis do pensamento apenas refletem a
organização e a distribuição das categorias lingüísticas. Pensa-se um universo previamente modelado pela língua.

No estudo sobre a arbitrariedade lingüística e a dupla articulação, Martinet também concluiu que a língua
determina a visão do mundo que cada povo tem.

As teses destes lingüistas são contributos para negar qualquer possibilidade teórica de tradução porque
nunca se sabe rigorosamente se os seres, as qualidades ou as relações e os processos, representados são
equivalentes entre as línguas.
2.1- A VOLUBILIDADE E SUBJECTIVIDADE DA LINGUAGEM

Uma vez que a teoria da linguagem considera intransponível a passagem de umas línguas para as outras, torna-
se conveniente observar, tanto do ponto de vista sincrônico como do ponto de vista diacrônico, de que modo o estudo
do funcionamento da língua pode contribuir para reforçar ou refutar essa idéia.

Quando uma língua evolui para outra, não há fronteira nítida por onde se passe a dada altura. Na passagem do
latim para o português, por exemplo, nunca deixou de ter falantes. A língua está em constante progressão, num
trabalho contínuo, por isso é complexa ou mesmo quimérica a tentativa, por exemplo, de datar o momento em que o
latim se tornou português ou mesmo galego-português, uma vez que as estruturas gramaticais começam a ser eficazes
e a delinear-se antes de serem empregues sistematicamente, e porque a língua contém em embrião as transformações
susceptíveis de ocorrer mais tarde. Inversamente, também os arcaísmos são marcas persistentes de signos que
continuam a levar uma vida vegetativa coabitando com os seus substitutos. Há pontos de transição ainda que quem os
viva sincronicamente não os sinta. Ao longo da sua evolução, a língua nunca perde o poder de expressão visto que
não há momentos de ruptura. Mantém-se sempre capaz de satisfazer as necessidades de expressão. Apesar dos
acasos com que é feita a história de uma língua, e da diversidade de sentidos de cada palavra, não há dificuldade na
escolha do vocabulário certo. Saussure mostra que a história de uma palavra ou da língua não faz o seu sentido
habitual nem a etimologia justifica o significado presente de um signo. Saussure inaugurou, ao lado da lingüística da
língua que a faria surgir como um caos de acontecimentos, uma lingüística da fala que deve mostrar nela própria em
cada momento, uma ordem, um sistema, uma totalidade sem os quais a comunicação e a comunidade lingüística
seriam impossíveis. Os sucessores de Saussure questionaram mesmo a possibilidade de justapor a perspectiva
sincrônica com a perspectiva diacrônica uma vez que o estudo longitudinal descreve momentos que foram vivos em
determinada época do passado.

Não é necessário para compreendê-la que, para cada caso, se analisem e determinem os critérios de
significação. A percepção ultrapassa o pensamento criterial para dar conta da aparência significativa sem necessidade
de reflexão metalingüística sistemática.

O poder da linguagem não reside, nem no futuro para onde se dirige, nem no passado mítico de onde vem,
mas no seu “presente por ser capaz de ordenar as pretensas palavras-chave de modo a fazer-lhes dizer mais do que
jamais disseram, de modo a que ela se ultrapasse como produto do passado e nos dê a ilusão de ultrapassar qualquer
fala e ir às próprias coisas porque ultrapassamos qualquer linguagem dada. A partir daí, há algo realmente adquirido,
fundado para sempre e capaz de ser transmitido como os atos do passado o foram, não por termos captado um
pedaço do mundo inteligível ou atingido o pensamento adequado, mas porque o uso presente da linguagem poderá ser
retomado sempre que a mesma linguagem estiver em uso ou sempre que puder ser reatualizado.”

Os signos, os morfemas, as palavras nada significam um a um; só adquirem significado pela sua justaposição:
o sentido é algo que só aparece no intervalo das palavras uma vez que é a relação lateral dos signos que os torna
significantes. Se o signo só significa alguma coisa por contraste com os outros signos da mesma cadeia, então se
conclui que o seu sentido está envolvido na linguagem. Numa cadeia sonora, a ausência de um signo pode ser um
signo representado pelo espaço existente entre as palavras.

A comunicação vai do todo da língua falada ao todo da língua ouvida. Falar é em cada momento pormenorizar
uma comunicação cujo princípio já está posto. A fala teve que ter um começo e recomeça com cada criança que tem
de ir do todo às partes da língua a partir do exemplo dado pela utilização da fala do adulto. A criança capta a língua
primeiro como um conjunto vago e por um movimento de vai e vem. Cada um dos instrumentos de expressão
emergem e suscitam novos arranjos do conjunto. Mas mantém-se a questão filosófica de saber em que se baseou a
primeira fala da humanidade; não se apoiava numa linguagem já estabelecida; teria que ser significante por si própria,
mas seria esquecer que o princípio da comunicação já estava dado antes dela, pelo fato do homem apreender o outro
homem no mundo como parte integrante do todo. Tudo o que um homem faz já tem o mesmo sentido que o que outro
fez porque a sua ação, da qual é espectador, visa os mesmos objetivos que os seus. A primeira palavra não se
estabeleceu num vazio de comunicação porque ela emergia de condutas comuns e enraizava-se num mundo sensível
que já tinha deixado de ser privado. Trouxe mais a esta comunicação primordial e muda do que recebeu. Como todas
as instituições, transformou o outro em homem; inaugurou um novo mundo. A primeira palavra permitiria ao homem
tomar consciência de si mesmo e quebrar o silêncio pré-humano. A primeira palavra encontrou o seu sentido no
contexto de condutas comuns. Como não se pode inventariar, no funcionamento da linguagem estabelecida, o
movimento pelo qual o auditor ou o leitor ultrapassam os gestos lingüísticos em direção ao seu sentido; o mistério da
primeira palavra não é maior que o mistério de qualquer expressão conseguida.
Em qualquer caso, há invasão de um espetáculo privado por um sentido ágil, indiferente às trevas individuais
que ele vem habitar, mas nunca rompe totalmente o “silêncio eterno” da subjetividade privada. Cada nova recepção
contém o arquétipo do espanto da testemunha da primeira palavra. Só assim se compreende a linguagem. Dizer que
nenhum signo isolado significa e que a linguagem reenvia sempre para a linguagem porque em cada momento apenas
alguns signos são recebidos é também dizer que a linguagem exprime tanto pelo que está entre as palavras como
pelas próprias palavras, e tanto pelo que ela não diz como pelo que diz; daí que traduzir para outra língua seja um
fenômeno muito mais complexo do que as práticas parecem mostrá-lo.

Toda a compreensão deriva do mundo humano da percepção e do gesto. Houve escolhas apenas
determinadas pela intenção expressiva. Não se escolhe um signo para uma significação já definida, tal como se
adéqua a escolha de uma ferramenta, tateia em volta de uma intenção de significar que não dispõe de nenhum texto
para se orientar que está exatamente a ser escrito. É necessário considerar a palavra antes que seja pronunciada no
fundo de silêncio que a precede, que não cessa de acompanhar e sem o qual não diria nada. É preciso estar atento a
estes silêncios porque só se sabe o que se diz depois de tê-lo dito. Há para as expressões já adquiridas, um sentido
direto que corresponde ponto por ponto a estruturas, a formas, a palavras instituídas. É porque já estão instituídas que
as lacunas e os silêncios não são ditos, mas o sentido das expressões em vias de realização resultam da influência
das próprias palavras. É um modo novo de mexer com o aparelho da linguagem porque o que se diz nunca tinha sido
dito.

Uma vez que a percepção nunca se esgota, uma vez que só nos dá um mundo para exprimir e para pensar
através das perspectivas parciais que escapam por todos os lados, podemos concluir que existe um modo de
comunicar que não passa pela evidência objetiva de uma significação, que não visa um objeto já dado, mas continua-o,
inaugura-o, desperta o nosso poder de exprimir e de compreender. Para compreender a origem da significação, para
compreender a criação, supõe-se um mundo inteligível onde tudo esteja significado de antemão. É necessário privar-
nos de qualquer significação já instituída e regressar à situação de partida de um mundo não significante, que é
sempre a do criador, pelo menos em relação ao que ele vai dizer.

Quando se ouve uma língua estrangeira que se compreende mal, ela parece-nos monótona, marcada por um
travo demasiado forte, constante, precisamente porque não é nossa e não fazemos dela o principal instrumento das
nossas relações com o mundo.

Se a expressão é criadora em relação ao que metamorfoseia e se o ultrapassa sempre, fazendo-o entrar numa
configuração onde ela muda de sentido, isso já era verdade em relação aos atos de expressão anteriores. E mesmo
em certa medida da nossa percepção do mundo porque projeta a marca de uma elaboração humana.

Qualquer percepção ou qualquer ação que a supunha é já expressão primordial ou seja, não o trabalho
segundo e derivado que substitui o expresso dos signos dados com o seu sentido e as suas regras de emprego, mas a
operação que, em primeiro, constitui os signos em signos, faz habitar neles o expresso, não de acordo com alguma
convenção prévia, mas pela eloqüência dos seus próprios arranjos e da sua configuração, implanta um sentido que
não tinha. É que, longe de se esgotar no instante em que tem lugar, abre um campo, inaugura uma ordem, funda uma
instituição ou uma tradição.

A operação do corpo, a das palavras ou, no caso da arte, a da pintura parece obscura: as palavras, as cores
e os traços expressivos saem do emissor como os seus gestos, são-lhe arrancados por aquilo que ele quer dizer como
os seus gestos por aquilo que ele quer fazer. Neste sentido, há em toda a expressão e mesmo na expressão da
linguagem, uma simultaneidade que não recebe instruções prévias. As palavras, na arte da prosa, transportam aquele
que fala e aquele que ouve para um universo comum. A captação desse universo é a chave do início de qualquer
operação de tradução.

Num ato ilocutório, o narrador deixa-se percorrer pelo visível e pelo invisível; seleciona o que pretende dizer
e o que pretende silenciar. A principal mensagem significativa pode não estar em lado nenhum; pode não estar dentro
das palavras, mas entre elas, nos espaços vazios e nas entrelinhas apenas apontadas por alguns vetores. O
romancista conhece o leitor; estabelece-se entre eles uma linguagem de iniciados; o que ele tem a dizer, supõe-no
conhecido. O escritor é capaz e encontrar as elipses, as elisões, as cesuras da conduta; o leitor responde à
convocatória e encontra-se com o autor no centro de um mundo imaginário que ele governa e anima. O romance como
relato de um certo número de acontecimentos, como enunciado de idéias, teses, conclusões, como significação direta,
prosaica ou manifesta e o romance como inauguração de um estilo, significação oblíqua ou latente, está numa relação
de harmonia.

Uma linguagem que só procurasse exprimir as próprias coisas esgotaria o seu poder de comunicação em
enunciados de fato. Uma linguagem que transmite uma perspectiva sobre as coisas, que nele organiza um relevo,
inaugura uma discussão sobre as coisas, a qual não acaba com ela, suscita ela própria a pesquisa, torna possível a
aquisição, fornece pistas cujos sentidos nunca estão totalmente desenvolvidos porque colocam o auditor num mundo
de que não possui a chave, ensina-lhe a ver e dá-lhe que pensar mais do que qualquer obra analítica.

O que há de ambíguo, de irredutível a uma tese nas grandes obras literárias é o preço a pagar para ter uma
linguagem conquistadora que não se limita a enunciar o que já se sabia, mas introduz-nos em experiências estranhas,
em perspectivas sempre diferentes e libertas de preconceitos.

É necessário suspender, interrogar, confirmar espaços e idéias nunca vistas. A linguagem literária só pode
dizer coisas novas se o leitor cessar de examinar de onde vem para a seguir para onde vai; é necessário deixar as
palavras, os meios de expressão do livro envolverem-se nesta bolsa de significação que se devem ao seu arranjo
singular virado para um valor segundo e tácito.

A novidade da expressão é que ela permite libertar a cultura tácita do seu círculo mortal. Quando as artes
aparecem numa cultura, aparece também uma nova relação com o passado. Um artista não se contenta em continuá-
lo pela veneração ou pela revolta; recomeça-o. No entanto as obras produzidas vão juntar-se às obras já feitas e a
obra surge como um esforço para dizer aquilo que, no passado, tinha falhado. A obra dá-se como um esforço abortado
para dizer algo que fica sempre por dizer.

O passado da linguagem não é apenas passado ultrapassado, mas também passado compreendido. A
primeira palavra inaugura um universo; o sentido da palavra dizer dá preço à linguagem pela sua propriedade de
revelar a própria coisa, de ultrapassar o enunciado em direção ao que ela significa. Apesar de cada palavra remeter
para todas as outras palavras possíveis e tirar delas o seu sentido, no momento em que se produz, a tarefa de exprimir
já é diferida e remetida para outros palavras. A tradução torna-se difícil porque o sentido existe para além da
linearidade das palavras.

O poder significante de cada signo não depende do poder dos outros que fariam círculo, nem de um poder
global da língua: um todo pode ter outras propriedades que as suas partes; não pode ser feito a partir do nada. Cada
ato lingüístico parcial como parte de um todo e ato comum do todo da língua não se limita a despender o poder; recria-
o porque permite verificar, na evidência do sentido dado e recebido, a capacidade que os sujeitos falantes têm de
ultrapassar os signos em direção ao sentido do qual, o que se chama língua é apenas o resultado visível e o registro.
Os signos não evocam só outros signos e isto sem fim, a linguagem não é como uma prisão onde estamos fechados
ou um guia do qual teríamos que seguir cegamente as instruções porque no seu uso atual, na intersecção destes mil
gestos, aparece finalmente o que eles querem dizer, o para quê remetem, um acesso tão fácil que depois de captado
deixa a sensação de não ter sido necessário, mesmo se depois se verifica que ainda não tinha sido captado e que esta
paragem, na volubilidade do espírito, era apenas para preparar uma nova partida numa constante progressão.

As teorias ultrapassadas são conservadas pelas teorias posteriores; são-no apenas porque transformam em
transparência o que nelas era opaco. Quando um escritor recebeu a língua em que escreve, sabe que falta fazer tudo;
terá que refazer a sua língua no seu próprio interior; ela só lhe fornece um sinal exterior das coisas; o contacto
pretendido com elas não está no princípio da língua, mas no fim do seu esforço e neste sentido a existência de uma
língua dada mascara a verdadeira função da fala mais do que a mostra.

A linguagem não está ao serviço do sentido, entre um e outro não há subordinação. Ao falar ou ao escrever,
não há uma referência a algo para dizer que seja exterior ou distinta de qualquer palavra. O que se quer dizer não é o
excesso do que se vive sobre o que já foi dito. O aparelho de linguagem instala-se numa certa situação de saber e de
história à qual é sensível e os enunciados são apenas o balanço final destas trocas. A linguagem vira as costas à
significação; não se preocupa com ela; é muito mais uma profusão de gestos ocupados na sua diferenciação e no seu
recorte.

A linguagem só diz respeito a si própria; no monólogo interior, como no diálogo, não há pensamentos. As
palavras são suscitadas por palavras na medida em que se pensa, as palavras preenchem tanto o espírito que não
deixam lugares vazios para pensamentos puros e para significações que não sejam lingüísticas. A questão é que ao
mesmo tempo que a linguagem se encontra obcecada por ela própria, recebe como suplemento a capacidade de se
abrir a uma significação. Encontrar apenas o que não procura parece uma lei do espírito. Num momento, este fluxo de
palavras anula-se como ruído e arrasta-se para o meio de qualquer dizer. Se a resposta ainda é feita por palavras, é
sem querer porque não se pensam palavras que surgem; elas tornam-se a própria presença de outrem. Por exemplo,
quando na linguagem popular se diz “falar com os seus botões” acaba por ser o reconhecimento de si - mesmo como
um outro com quem se dialoga e a quem se procura conhecer.

A linguagem é como a parte do olho que vê tudo, mas não se vê a si mesma. Escapa-se a quem a procura e
oferece-se a quem lhe renunciou, não se pode considerar de frente, tem que ser pensada de viés, e ser mimetizada.
Mesmo que seja para mimetizar ou manifestar a linguagem, no momento em que se pensa apreender o mundo, não se
capta porque para o captar seria necessário estar fora dele.

Quando a expressão falha, fica-se com o sentimento de só lidar com palavras; pelo contrário, se ela for
conseguida, as palavras parecem desaparecer por trás da significação como se não existissem.

A linguagem só permanece enigmática para quem continua a interrogá-la, ou seja a falar dela. A idéia de
projeção, segundo a qual a fala de outrem não só desperta no auditor pensamentos já formados, mas ainda o arrasta
para um movimento de pensamento que ele seria incapaz de ter sozinho e proporciona-lhe significações novas. A fala
é o veículo do nosso movimento em direção à verdade

Enquanto que na linguagem simples a significação surge para além dos signos e é apenas a manifestação de
uma vibração, como o grito que transporta para fora e torna presente para todos o sopro e a dor daquele que grita, a
linguagem muda ou operacional da percepção põe em movimento um processo de conhecimento que ela chega a
realizar. Ela é chamada desde o seu primeiro momento pela evidência perceptiva, continua-a, não se lhe reduz. É a
fala ou a escrita que permitem lançar outrem em direção ao que o emissor sabe e que o receptor ainda não
compreendeu ou permite também ao próprio emissor lançar-se em direção ao que vai compreender.

A existência física dos sons, o traçado das letras no papel ou mesmo a presença de fato de tal ou tal palavra
segundo o sentido dado pelo dicionário, ou mesmo certas frases feitas, não chegam para fazer o sentido. Há um
interior e toda a seqüência de palavras é apenas um sulco, só indica os pontos de passagem, mas as significações
adquiridas só contêm a significação nova no estado de impressão ou de horizonte.

A escrita comunica com os homens e alcança através deles a verdade. Só se compreende este alcançar das
coisas em direção ao seu sentido, esta descontinuidade do saber, que atinge o seu ponto mais elevado na fala, se se
interpretar como intromissão recíproca entre emissor e receptor.

Mesmo no diálogo, outrem nunca se apresenta de frente, o interlocutor nunca está completamente
localizado, a sua voz, a sua gestualidade, os seus tiques são apenas efeitos, uma espécie de encenação, uma
cerimônia. Segundo Merleau Ponty “os olhares que eu passeava no mundo como um cego tateia com a bengala,
alguém os agarrou pela outra ponta e volta-os contra mim para me tocar. Já não me contento em sentir; sinto que me
sentem e que me sentem a sentir; e é a sentir isso mesmo que me sentem. Não basta dizer apenas que doravante
habito outro corpo; isso seria apenas um segundo eu-mesmo, um segundo domicílio, mas há um eu que é outro
sediado noutro lado e que me destitui da minha posição central, embora de toda a evidência ele só possa retirar desta
filiação a sua qualidade de mim. Os papeis do sujeito e do que ele vê trocam-se e invertem-se. Eu julgava dar ao que
eu vejo o seu sentido de coisa vista e uma destas coisas escapa a esta condição; o espetáculo atribui-se a si - próprio
um espectador que não sou eu e que é copiado a partir de mim.” É pelas réplicas que se sabe se a comunicação
produziu ou não efeito. Na tradução, corre-se sempre o risco de interpretar à luz da réplica do tradutor e não do
primeiro autor.

“Na experiência do diálogo, a fala de outrem vem tocar em nós as nossas significações e as nossas falas vão
como se vê pelas respostas, tocar nele as suas significações nós intrometemo-nos um no outro na qualidade de
pertença ao mesmo mundo cultural e primeiro à mesma língua e que os meus atos de expressão e os de outrem
relevam da mesma instituição. A partilha desta língua como os comportamentos instituídos de que sou o agente e a
testemunha dão-me outro em geral difuso através do meu campo, um espaço antropológico ou cultural, a noção de
uma presença.” Começa aqui o empreendimento da comunicação e o rompimento do silêncio. A fala encarrega-se de
revelar não só relações entre termos dados mas também os próprios termos destas relações.
A sedimentação da cultura foi realizada pelo fundo comum aos gestos e às palavras que a originaram. No
momento em que a primeira significação humana é expressa, tenta-se um empreendimento que ultrapassa a pré-
história comum mesmo prolongando-lhe o movimento. A sua operação deve ser concebida fora de qualquer
significação já instituída, como o ato único pelo qual o homem falante se atribui um auditor e uma cultura que lhe seja
comum.

A racionalidade, a concordância dos espíritos não exige que todos cheguem à mesma idéia pela mesma via
ou que as significações possam estar fechadas numa definição; exige apenas que qualquer experiência tenha pontos
de ancoragem para todas as idéias e que as idéias tenham uma configuração

Trata-se de um mundo cultural onde a fala é o poder que temos para servir certas coisas devidamente
organizadas, para pôr em relevo, para diferenciar, conquistar, arquivar as significações no limiar do mundo sensível.

Ao contrário do que parece, não deve ser determinada uma oposição de passividade versus atividade em
relação aos atos de falar e de ouvir, escrever e ler “Falar não é apenas uma iniciativa minha, ouvir não é sofrer a
iniciativa do outro” isto porque cada sujeito falante é impelido para a procura do devir da verdade.

A significação parece preceder os textos que a manifestam, não pelo fato de fazerem descer na terra idéias
que seriam preexistentes num céu inteligível ou na natureza ou nas coisas, mas pelo fato de cada palavra não ser
apenas expressão disto mas, dar-se de repente como fragmento de um discurso universal, de anunciar um sistema de
interpretação.

O falante comum não se questiona de antemão se a palavra é possível, não se deixa arrastar pela paixão da
linguagem que consiste em ser obrigado a dizer tudo, se quiser dizer alguma coisa. Coloca-se numa postura cômoda,
continua em voz alta o monólogo interior, o seu pensamento germina em palavras; é compreendido sem tê-lo
procurado: torna-se outro ao dizer o que tem de mais próprio; sente-se bem, não se sente exilado de outrem porque
está totalmente convencido de que as suas evidências são a verdade. Mesmo quando um autor considera o seu texto
terminado, ele encerra outros significados que apenas cada um dos leitores descobrirá para além do eixo sintagmático
aparentemente cristalizado sob a forma de escrita. Trata-se de levar mais longe o alcance que cada obra tem, como se
cada novo texto tivesse como intenção subjacente retomar os anteriores e levá-los mais longe. Husserl fala a este
propósito de uma fecundidade ilimitada de cada presente que produz novas vidas como forma nobre de memória. Por
isso, traduzir implica sempre penetrar na subjetividade do outro.

A descrição da relação que se estabelece entre a língua, como ser volúvel e permanentemente transitório, e o
sujeito falante aponta para uma tensão permanente. O ato tradutório deveria incidir sobre uma língua parada no tempo
e no espaço, para a poder captar. A volubilidade da língua em situação torna-a esguia, impossível de cristalizar.

2.2- A estruturação do mundo pela linguagem

A impossibilidade teórica da tradução remete para várias questões: pensamos num universo modelado
pela própria linguagem? A nossa visão do mundo depende realmente dos prismas deformadores de cada língua
particular utilizada? Será que quando se fala do mundo em duas línguas diferentes, não se fala exatamente do mesmo
mundo e que, por conseguinte, a tradução de uma língua para outra não só não é legítima como é materialmente
impossível do ponto de vista científico?

De acordo com Merleau Ponty “quando outrem está no meu campo visual no meio de outros objetos e começa a
dirigir-lhes gestos, a usá-los, não posso duvidar que o mundo ao qual se dirige seja o mesmo que eu percepciono. Se
ele percepciona algo, será o meu próprio mundo, uma vez que ele nasceu daí. Embora percepcione o mesmo que eu,
a sua percepção não será minha, por isso, como é que a encaixo no meu mundo? Não faz parte do corpo, outrem não
está nas coisas. Não está no seu corpo e não sou eu. Não se pode colocar em lado nenhum, nem no em si, nem no
para si que sou eu. Só há lugar para ele no meu campo. Desde o primeiro momento em que eu utilizei o meu corpo
para explorar o mundo, soube que esta relação corporal ao mundo podia ser generalizada. Outrem não está em lado
nenhum no ser; é por trás que desliza na minha percepção; é a experiência que eu faço da tomada do mundo e me
torna capaz de reconhecer outra e de perceber outro eu mesmo.” O mundo não é só para o locutor mas para tudo o
que nele aponta para ele. Há uma universalidade do sentir na condição dos falantes partilharem o mesmo espaço
lingüístico. O fato de pertencerem a um único mundo, implica a união do individual com o universal devido à intimidade
de toda a expressão com ela própria. Segundo a dialética de Hegel não é possível optar “entre o para si e o para o
outro, entre o pensamento segundo nós mesmos e o pensamento segundo o outro, mas que, no momento da
expressão, o outro a quem me dirijo e eu que me expresso estamos ligados sem hipótese de ruptura.[...]As palavras
transportam aquele que fala e aquele que ouve para um universo comum, conduzindo-os a uma significação nova,
mediante uma potência de designação que excede a definição que elas receberam, mediante a vida surda que levaram
e continuam a levar em nós, mediante o que Ponge chama com acerto «espessura semântica», e Sartre, «Húmus
significante».” Para explicar a comunicação, não basta invocar a nossa pertença a um mundo comum, pode-se apenas
dizer que o nosso enraizamento numa mesma terra, a nossa experiência de uma mesma natureza lança-nos neste
empreendimento.

Segundo a tese humboldiana, as pessoas falantes de línguas diferentes podem falar de um objeto comum,
mas sempre de um ponto de vista diferente, partindo de experiências distintas.

Harris desenvolveu provas gerais de ordem lógica e teórica. Partindo da existência de estruturas
distribucionais nas línguas, ou seja, de regularidades analisáveis em função da localização ocupada no discurso,
procurou saber se essas estruturas não refletiam automaticamente a estrutura do universo, tendo mostrado que não,
por várias razões. Verificou que a estrutura de uma língua não se identifica com a estrutura do mundo físico porque um
mesmo fato físico invariável pode ser expresso por estruturas lingüísticas diferentes. Outro argumento de Harris é a
observação de que não há modificações significativas na linguagem de uma pessoa que acumula novas experiências
do mundo ao longo dos anos. A estrutura da linguagem não está em conformidade com a estrutura da experiência
objetiva porque a linguagem permanece sensivelmente a mesma apesar do modo de organização do que se sabe
sobre o mundo sofrer modificações ao longo da evolução do indivíduo, à medida que aumenta o conhecimento. Uma
terceira razão advém do fato de ocorrerem situações onde permanece a impressão da impossibilidade de expressão
de uma idéia ou sentimento que se julga possuir. Pela mesma ordem de idéias, surge por vezes a impressão de que
aquilo que se pretendia exprimir não recebeu a forma de execução que se considera mais adequada ao pensamento.

Cada língua tem uma forma própria de organizar os dados da experiência, daí que aprender uma nova
língua não consista apenas em colocar rótulos novos em objetos «velhos». A aprendizagem consiste em analisar, de
outro modo, os objetos das comunicações lingüísticas. Segundo Martinet, “as palavras de uma língua não têm
equivalentes exatos noutras, o que naturalmente acompanha a variedade dos dados da experiência. [...]Uma língua é
um instrumento de comunicação segundo o qual, de modo variável de comunidade para comunidade, se analisa a
experiência humana em unidades providas de conteúdo semântico e de expressão fônica”.

A colaboração da sociologia, da antropologia cultural e da etnologia com a lingüística reforça os fundamentos


para uma impossibilidade da tradução porque permitiu aceitar a existência de culturas ou civilizações diferentes com
«mundos» reais próprios, distintos uns dos outros. Segundo Merleau Ponty, a predominância de vogais numa língua,
de consoantes noutra, os sistemas de construção e de sintaxe não representariam diferentes possibilidades de
convenções arbitrárias, mas vários modos do corpo humano celebrar e viver o mundo. Daí resultaria a
impossibilidade de traduzir o sentido absoluto de uma língua. Podemos falar várias línguas, mas é sempre numa
delas que vivemos. Para assimilar totalmente duas línguas seria necessário assimilar dois mundos diferentes já que
se não pode viver em dois mundos ao mesmo tempo.

De acordo com a corrente iniciada por Humboldt, questiona-se se essas civilizações são impenetráveis em
profundidade umas pelas outras. Whorf defende que há diferenças nas estruturas do pensamento humano capazes de
distinguir a cultura ocidental das culturas ditas exóticas. Aponta como razões para estas diferenças, umas vezes a
infra-estrutura econômico-social, outras vezes o próprio pensamento ou a língua na medida em que dá forma ao
pensamento.

A generalidade dos estudos referentes às dificuldades da tradução não têm em conta a distinção entre os
problemas originados por modos diferentes de olhar a realidade e as formas distintas de nomeá-la. Enquanto se fazem
passar os enunciados de uma experiência lingüística para outra, é necessário fazer também passar a imagem ou a
representação dos dados enunciados. Em certos casos, a comunicação da experiência do mundo é impossível por
falta de correspondência, de situações únicas, não reprodutíveis na língua de chegada. Essa impossibilidade, segundo
Nida pode depender de cinco domínios: ecologia, cultura material, social, religiosa e lingüística. Em relação à cultura
material, o choque verifica-se pela distinção dos dados da experiência de acordo com os tipos de tecnologias
correspondentes a cada região do Globo. A tradução da Bíblia fornece exemplos elucidativos. É o caso da noção de
semeador que é encarada de modo distinto consoante se trate de um local geográfico ou de outro. Não se semeia do
mesmo modo num país deserto e numa terra fértil onde a semente é atirada ao ar. É ainda o caso de nomes de
produtos típicos de certas regiões. Não têm tradução; quando se importa o produto, importa-se geralmente o nome de
uma forma direta ou adaptada. É também o caso de uma infinidade de termos técnicos próprios a uma profissão,
dependentes essencialmente de um uso privado da língua que acaba por formar campos lexicais praticamente sem
correspondências noutras culturas.

Em relação à cultura social, já não é a ausência dos objetos que coloca o problema da tradução, mas a
distinção da estrutura social que origina situações de não correspondências devido aos diferentes tipos de
estratificação ou mesmo de interpretação dos dados sociais e econômicos.

De uma forma talvez ainda mais acentuada, encontra-se a distinção entre os mundos da experiência
ideológica de civilizações diferentes. A tradução de vocábulos dos campos conceptuais das religiões coloca problemas
quando se pretende veicular a idéia numa língua onde essas referências não existem. Mesmo no seio de uma única
religião, a exegese pode originar traduções diferenciadas. No século IV, por exemplo, São Jerônimo traduziu a Bíblia
do grego para o latim. Essa tradução, a Vulgata, esteve posteriormente na base da maioria das traduções modernas. A
interpretação da proibição das modalidades de culto aos ídolos, feita por São Jerônimo, foi alargada abrangendo
sentidos da área do consumo de sangue na alimentação humana. Na origem tratava-se apenas de proibir sacrifícios de
sangue por imolação de vítimas, de acordo com o Concílio de Jerusalém realizado no ano 49 e narrado,
aproximadamente no ano 60, por São Lucas, no capítulo XV dos atos dos Apóstolos. Essa interpretação está na
origem de posteriores cisões no seio do cristianismo. Além disso, admitindo que é a linguagem que produz o
pensamento, verifica-se que há estruturas de pensamento tão diferentes como as estruturas de cada língua, e por isso
mesmo, cada língua forma a sua própria concepção do mundo, a sua ideologia subjacente, o que reforça a tese da
impenetrabilidade de uns mundos pelos outros.

A verificação da impossibilidade de tradução motivada pela diferenciação cultural levanta anda o problema
da determinação do valor a atribuir à comunicação na sua relação com a tradução.

3- Falências da comunicação face à tradução

Cada vez mais se enraíza o postulado segundo o qual a comunicação entre os homens é impossível
porque nada se pode comunicar. A tradução, vista por este prisma, é impossível devido à falência da própria linguagem
mesmo na comunicação unilíngüe.

Humboldt é partidário do solipsismo lingüístico apesar do realismo de um pensamento essencialmente


positivista o situar no plano da universalidade da experiência humana. Considera que “uma troca de palavras e de
concepções não é a transmissão de idéias de uma pessoa a outra; para aquele que assimila como para aquele que
fala esta idéia deve sair da sua própria força interior: tudo o que o primeiro recebe consiste unicamente na excitação
harmônica que o coloca num determinado estado de espírito... As palavras, mesmo as mais concretas e
transparentes, estão longe de despertar as idéias, as emoções e as recordações que aquele que as pronuncia
presume”. A idéia da falência da linguagem como meio de comunicação foi aprofundada por Nicolas Roubakine, um
discípulo de Humboldt, quando afirmou que qualquer livro se limitava a projetar para o exterior a mentalidade do leitor
porque a convicção de que o livro possui um conteúdo destinado a ser transmitido é falsa. Esta teoria é o reverso
absoluto de outra idéia anterior, de acordo com a qual se pensava ser possível dizer tudo o que se quisesse desde que
fosse claramente concebido.

A análise pormenorizada dos atos de comunicação revela a existência de vários níveis de realização da
linguagem. Enquanto que o solipsismo lingüístico se baseava na idéia dicotômica do sucesso ou do insucesso do ato
locutório, a lingüística moderna verifica que existem vários níveis de consecução. A comunicação pode ser aproximada
ou relativa, dependendo do grau de percepção e da própria experiência do auditor. O solipsismo lingüístico não tem
em conta a diversidade das visões do mundo, das experiências que cada civilização tem do mundo exterior; assenta na
idéia de que a linguagem tem zonas sombrias, margens de incerteza; é incapaz de comunicar os valores afetivos;
valoriza as funções expressivas e estéticas da linguagem e desvaloriza totalmente a função comunicativa prática e a
função lógica da linguagem. É necessário considerar que, de acordo com Borgström, mesmo os estados afetivos têm
componentes publicamente observáveis. Além disso, a alternância de papeis entre o locutor e o auditor leva a que as
suas experiências possam ser socializáveis. Mesmo que, por exemplo, se interprete a dor do outro com os dados da
nossa própria experiência de dor, há uma zona de convergência entre as duas experiências e, por isso, é possível
comunicar.
A lingüística pretende mostrar que, se a teoria da não comunicação peca por defeito, a teoria da
comunicação absoluta falha por excesso. Para isso, centrou-se no estudo das funções distintas da linguagem.
Bloomfield verificou que nunca há duas situações iguais apesar de haver pontos de convergência entre elas. Distinguiu
as variáveis macroscópicas, idênticas para os diferentes locutores, das variáveis microscópicas, onde se incluem os
traços mais obscuros, e variáveis, distintos de locutor para locutor, mas sem importância social imediata. Bloomfield
introduziu a noção de traços semânticos pertinentes, socialmente comuns entre o locutor e o auditor, baseados na
experiência de uma partilha social comum e partindo de uma mesma base física: o mundo sensível. Esse ponto
comum permanece no domínio público. Fica toda uma gama de experiências do domínio privado em relação às quais
não se conhece a experiência do «outro». A criança adquire progressivamente a significação do signo por referência à
situação em que se realizam os enunciados e por aproximações sucessivas aos traços pertinentes das situações
comunicacionais, eliminando da significação os aspectos não pertinentes. Aprende-se simultaneamente a linguagem, a
comunicação e uma língua particular. É somente por isso que é possível a aprendizagem das línguas estrangeiras
abrindo o caminho para a tradução. W. V. Quine chama tradução radical à capacidade de aprendizagem de uma língua
estrangeira apenas por referência às situações nas quais essa língua é usada pelos falantes nativos.

Verifica-se que, enquanto a tradução parece defrontar-se com múltiplos problemas, ao contrário, a
comunicação unilíngüe realiza os objetivos para que foi criada. Daí decorre outra questão lógica: até que ponto o
estudo do fenômeno do bilingüismo pode contribuir para a descoberta dos hiatos existentes entre as várias línguas?

4- O bilingüismo

As diferenças entre os sons da fala, o vocabulário, a estrutura de superfície e as categorias gramaticais das
diferentes línguas são evidentes. Mas o fato de também existirem diferenças conceptuais muitas vezes só se torna
evidente, quando observamos as dificuldades na tradução de certas palavras e expressões. Todas as comunidades
lingüísticas têm a sua própria maneira de encarar a realidade, isto é, de traduzir a realidade em conceitos.

Existem certos conceitos universais, iguais em todas as línguas, mas também existem outros conceitos que
não são iguais nas diferentes línguas. As fronteiras destes conceitos diferem de língua para língua; tanto podem ser
traduzidos por várias palavras de outra língua como surgirem como verdadeiros obstáculos à tradução.

A existência de fenômenos como o bilingüismo é passível de fornecer esclarecimentos úteis para o


entendimento do processo tradutório. A observação da essência do bilingüismo poderá desempenhar um papel
importante para a definição de uma teoria da tradução.

Appel e Muysken partem do princípio que o bilingüismo é uma conseqüência do contacto mútuo entre duas ou
mais línguas. Evidentemente, as circunstâncias sociais são de grande influência para a aquisição bilíngüe mas o
fenômeno é fundamentalmente individual.

Dentro de uma sociedade podem existir duas línguas ou dois códigos lingüísticos diferentes, tendo cada um
deles uma função comunicativa fixa. Neste tipo de sociedade bilíngüe, cada pessoa é bilíngüe. No entanto, a maioria
das definições de bilingüismo partem do princípio de unilinguismo como norma geral.

Um aspecto importante de bilingüismo deriva da necessidade de escolher o uso de uma ou de outra língua,
consoante a situação do dia a dia. Se um bilíngüe aprende a sua primeira língua em situações predeterminadas, e a
segunda língua noutras situações, a sua proficiência lingüística poderá ser diferente de língua para língua. Existem
sempre determinadas situações em que o bilíngüe somente aplica a primeira língua e outras onde prefere a segunda.

Os fatores sociolingüísticos determinam, em grande parte, a situação bilíngüe como se vê nas definições
sociolingüísticas de bilingüismo individual, por exemplo, de acordo com Weinreich: “bilingüismo é o uso alternado e
regular de duas ou mais línguas”.

Esta definição é ainda agora reconhecida como valiosa, por exemplo, por Mackey e por Grosjean: “pessoa que
usa duas ou mais línguas na vida diária”. No seu prefácio Grosjean sublinha que os bilíngües não precisam
necessariamente de ter igual fluência nas duas línguas.

Hakuta apresenta propositadamente uma definição de bilingüismo muito aberta dizendo que uma pessoa é
bilíngüe se consegue produzir expressões significantes em pelo menos duas línguas diferentes. A vantagem de uma
definição tão aberta é, segundo Hakuta, permitir a consideração do desenvolvimento de bilingüismo. O bilingüismo não
é um estado psicolingüístico e sociolingüístico fixo, mas consiste num contínuo, que trata de desenvolvimentos
lingüísticos, como, por exemplo, a aquisição de uma segunda língua.

Hoffmann afirma que uma grande quantidade de fatores contribuem para a descrição e a explicação do
bilingüismo.

Na descrição de tipos de bilingüismo, a distinção da idade é de valor importante. Distingue-se bilingüismo inicial
de bilingüismo posterior: considera-se inicial quando o bilíngüe aprendeu as duas línguas na sua fase inicial de
socialização; é posterior quando se trata da acumulação de uma segunda língua ao seu repertório lingüístico numa
fase posterior à primeira socialização.

A ordem cronológica da aquisição de duas línguas determina se o tipo de bilingüismo é simultâneo ou


consecutivo. Se uma criança ouve e aprende duas línguas desde que nasceu, fala-se de bilingüismo simultâneo. No
caso de bilingüismo consecutivo, a criança começa o processo de aquisição lingüística com um único sistema
lingüístico, e mais tarde, por exemplo, ao entrar na escola primária, adquire mais uma língua. A ordem cronológica está
nitidamente ligada ao fator da idade da aquisição bilíngüe.

Uma conseqüência da aprendizagem de uma segunda língua pode-se manifestar quando a primeira língua da
criança é suprimida pela segunda: neste caso fala-se de bilingüismo subtrativo. Se o conhecimento da primeira língua
se mantém intacto e apoiado, enquanto a criança acrescenta uma segunda língua ao repertório lingüístico, trata-se de
bilingüismo aditivo.

Esta distinção foi feita na formulação de teorias sobre crianças bilíngües de grupos minoritários em sociedades
multilíngües.

O contexto da aquisição bilíngüe é outro fator que predetermina o tipo de bilingüismo. Se uma criança bilíngüe
cresce num ambiente em que duas línguas são faladas em contextos separados, por exemplo, em casa uma língua e
na escola outra, a separação dos contextos influencia o tipo de bilingüismo da criança. O bilingüismo será de caráter
diferente quando o indivíduo cresce num ambiente em que as duas línguas são faladas no mesmo contexto.

Na sua tipologia de bilingüismo, Weinreich distingue três relações diferentes entre os dois sistemas lingüísticos
no cérebro bilíngüe. A relação entre os dois sistemas pode ser coordenada, subordinada ou composta.

Na relação coordenada , as duas línguas são equivalentes. Este tipo de bilingüismo forma-se pela aquisição de
duas línguas na mesma fase de desenvolvimento lingüístico da criança bilíngüe.

Na relação subordinada , uma das duas línguas domina a outra. Para o tipo de relação composto , os dois
sistemas lingüísticos têm uma estrutura de fusão.

Tanto o bilingüismo subordinado como o bilingüismo composto acontecem quando a segunda língua é
adquirida depois de uma primeira fase de socialização do bilíngüe.

O problema que o bilingüismo como área de estudo propõe, é a medida que um falante deve dominar as duas
línguas para ser considerada bilíngüe. Romaine menciona os elementos de domínio lingüístico perante os quais as
proficiências do bilíngüe podem ser avaliadas: a fala, a escrita, a leitura e a compreensão. Estas proficiências podem
ter níveis diferentes: fonológicos/gráficos; sintáticos; lexicais; semânticos e estilísticos.

A proficiência individual do bilíngüe é vista como uma escala contínua dentro da qual uma grande variação
pode ocorrer. As relações de dominância entre as diferentes proficiências das duas línguas podem divergir de bilíngüe
para bilíngüe. Por exemplo: um bilíngüe poderia saber falar e entender melhor uma língua do que escrevê-la e lê-la, se
nunca obteve formação escolar nessa língua. Entre os níveis também pode haver discrepâncias: os bilíngües podem,
ao nível de pronúncia, dominar uma língua perfeitamente, enquanto a sua proficiência sintática não é adequada.
Também está provada a existência de ligações entre os níveis de proficiência: um exemplo é o fato de alguns
bilíngües saberem falar a primeira língua com o sotaque pertencente à segunda língua, aplicando assim as regras
fonológicas da segunda língua à produção do sistema morfológico-sintáctico da primeira.

As causas das diversificações em níveis das proficiências situam-se, entre outros, no contexto social da
aquisição bilíngüe.

Os bilíngües podem sofrer de interferências quando realizam a fala, ocupando zonas de afastamento em
relação às normas de cada uma das línguas. Estas zonas de contacto dependem sempre de um locutor individual. No
caso dos tradutores essas zonas caracterizam-se por comportamentos lingüísticos particulares: emprego de
neologismos, tendência para o empréstimo, o decalque, as citações não traduzidas, a manutenção no texto de
palavras ou estruturas não traduzidas. No entanto, “poder-se-ia questionar se existe um bilingüismo total, a cem por
cento; isso significaria que uma pessoa pudesse empregar cada uma das duas línguas em qualquer situação, com a
mesma facilidade, a mesma correção, a mesma capacidade que os locutores autóctones. E se tais fenômenos
existissem, seria difícil ver como é que poderiam interessar o lingüista porque os fenômenos de interferência estariam
excluídos por definição” Note-se que, do ponto de vista da evolução da língua, muitos galicismos e anglicismos
introduzidos por falantes bilíngües acabaram por se incorporar na norma.

A definição da função de bilingüismo parte do princípio que o bilingüismo é uma característica da linguagem em
vez da própria língua. O bilingüismo pertence à área da langue saussureana e não à da parole.

Para muitos bilíngües, as duas línguas têm funções separadas ou são empregadas em situações diferentes na
vida quotidiana.

O uso de duas línguas, alternadamente, na linguagem do dia a dia, é uma faculdade da produção lingüística
muito comum para bilíngües. A noção, designada com o termo mudança de código, tem funções complexas no
repertório lingüístico bilíngüe, uma delas sendo a identificação do bilíngüe com a subcultura que se forma através da
mistura de duas culturas, por exemplo, a segunda geração de um grupo de migrantes. Este aspecto tem a ver com a
atitude lingüística.

A identificação do próprio bilíngüe com o seu bilingüismo, e também a identificação do grupo linguístico-social
respeitante quanto ao bilingüismo do indivíduo, são de valor importante no estabelecimento de uma definição de
bilingüismo. Um bilíngüe perfeito devia ser identificado por membros dos dois grupos sócio-culturais como falante
nativo da língua respectiva. Este fator do bilingüismo toca no tema do biculturismo: I. A. Richards, um lógico, lingüista e
sinólogo levanta a seguinte questão: “podemos manter dois sistemas de pensamento correspondentes a duas línguas,
exprimindo duas visões do mundo tão distantes como a chinesa e a inglesa, no nosso espírito, sem que se produza
uma contaminação recíproca entre os dois, contaminação que, por conseqüência, midiatiza de certa forma estes dois
sistemas de pensamento? Será que tal mediação não requer um terceiro sistema de pensamento bastante geral e
compreensivo para os dois primeiros? [...]e como fazer para impedir este terceiro sistema de ser apenas o nosso modo
de traduzir o nosso pensamento, o nosso sistema de pensamento familiar, bem estabelecido, dotado de uma
terminologia nova, ou travestida? Pensando traduzir, apenas adaptamos...”. Merleau Ponty afirma que “Pelo fato de eu
falar, a minha língua não é encarada como uma soma de dados, mas como um único instrumento destinado à vontade
total de expressão. Por isso, sou capaz de entrar noutros sistemas de expressão, aceitando-os, primeiro como
variantes do meu sistema, depois, deixando-me habitar por eles ao ponto de pensar o meu como uma variante
daqueles.”

Weinreich apresenta três tipos de organização lingüística em bilíngües:

No tipo de organização coordenada, os dois sistemas lingüísticos estão organizados inteiramente em


separado. Para cada uma das duas línguas existe um léxico interno, com a forma fonológica e o significado registrados
separadamente. No tipo de organização subordinada, uma das línguas domina a outra. Só a língua dominante tem um
léxico interno. As palavras da língua dominada são derivadas do léxico da língua dominante. No tipo de organização
composta, existe um sistema conceptual a que ambas as línguas têm acesso. As etiquetas lexicais representando o
mesmo conceito estão ligadas entre si.

Essa teoria oferece a possibilidade de diferenciar a forma de bilingüismo juntando os elementos de aquisição e
função lingüística.
A organização lexical coordenada de bilíngües confirma que os conceitos são dependentes de cada língua.
Não existem equivalências entre conceitos de línguas divergentes.

A organização composta, contrariamente, é uma afirmação da teoria universalista, segundo a qual os conceitos
são independentes da língua.

Paradis pesquisou a organização do léxico estudando bilíngües que sofriam de afasia. Apresentou
hipóteses diferentes sobre a organização lexical no cérebro e concluiu que o léxico é como uma rede. Os elementos
lingüísticos têm cada um o seu próprio lugar dentro da rede, tendo correlações com outros elementos. Essas relações
podem ser reforçadas pelo uso habitual, mas não provam a existência de simetrias perfeitas entre as línguas. Na
prática social da língua, as situações publicamente observáveis provam que existe comunicabilidade entre as línguas.
Richards diz que “a linguagem é a nossa tentativa coletiva para minimizar diferenças pessoais de significação”, mas
não mostra que a tradução seja teoricamente possível porque os próprios bilíngües alternam o uso da língua em
função dos tipos de comunicação que pretendem efetuar. A comunicabilidade revela-se, por conseguinte, distinta da
tradutibilidade.

CAPÍTULO II

TRADUTIBILIDADE E INTRADUTIBILIDADE

1- Problemática da intradutibilidade

As principais teorias da impossibilidade de traduzir datam do século XVIII e pressupõem uma época em que o
problema da tradução apenas se colocava a partir do latim e do grego, ou mesmo do francês, castelhano e italiano. A
elite, que tinha acesso à cultura, possuía disponibilidade suficiente para aprender as línguas de cultura de que
necessitava, daí que as traduções assumissem uma função meramente escolástica ou facultativa.

Em todas as épocas, os tradutores foram criticados e raramente elogiados. As notas de rodapé explicativas
das opções tomadas são o sintoma do que George Mounin chama tradicionite, a fóbica doença irracional que
considera sempre o receio de não conseguir transmitir a expressividade dos vocábulos estrangeiros. Os teóricos da
impossibilidade da tradução insistem no grande argumento de que a tradução não é o original. Acusa-se o tradutor de
não pensar, de falar pelos outros, deixando que eles pensem por ele. Houve ainda argumentos históricos contra a
tradução baseados na seguinte idéia: as línguas e literaturas estrangeiras ocupam o espírito nacional, limitando-lhe a
produção original em língua materna. Tratava-se de argumentos nacionalistas circunscritos no tempo e totalmente
ultrapassados.

É freqüente apontarem-se argumentos impeditivos da tradução em áreas extralingüísticas que dizem


respeito mais à interpretação ou simplesmente à identificação dos valores dramatizados no texto original. O tradutor
receia que os informantes textuais, perfeitamente enquadrados na sociedade que informa o texto original, não sejam
compreendidos pelos leitores de outras sociedades; porque, mais do que as palavras, é necessário conhecer o modus-
vivendi em que elas surgiram. Expondo a nudez do texto original, o tradutor receia ferir a susceptibilidade dos seus
leitores, por isso atenua, trai, suaviza com o objetivo de encontrar a ponte possível entre os dois mundos lingüísticos.

As traduções são sempre consideradas como maus substitutos, incapazes de preservar todas as
qualidades do texto original. Os argumentos de Joachim du Bellay, citados por Mounin, estão ancorados nas diferenças
lingüísticas distintivas de cada língua. Trata-se de oposições semânticas, fonéticas e estilísticas que, obviamente, se
perdem nas traduções visto que as propriedades sonoras da frase, o seu ritmo, as suas figuras de retórica e outros
ornamentos, enfim todo o estilo pessoal do autor é substituído por outras formas físicas existentes na língua de
chegada.

2- História e tipologia da tradução

Os estudos teóricos organizam a história da tradução de acordo com três períodos correspondentes a modos
diferentes de pensar.

O primeiro período, centrado nas teorias universalistas ( da época de Cícero até ao fim do século XVIII): o
período relativista ( do século XVIII até ao princípio do século XX), e finalmente, o terceiro período que recobre as
traduções do pós-guerra correspondendo à fase da abordagem estruturalista, neo-hermenêutica e finalmente à
abordagem sistemática.
A teoria universalista caracteriza-se por uma visão universal da língua. A realidade é considerada universal,
sempre a mesma em todo o lado, mas cada língua traduz esta realidade de modo diferente. Separam-se nitidamente
as coisas das palavras; os conceitos de que se fala são os mesmos, mas exprimem-se por palavras diferentes. De
acordo com esta idéia, torna-se sempre possível traduzir um texto uma vez que os conceitos são idênticos em todas as
línguas. Em geral não se reconhecem problemas inerentes à tradução, mas atribuem-se os erros à falta de perícia do
tradutor. Um dos primeiros textos onde se fala dos métodos da tradução é De optimo genere oratorum de Cícero. O
autor distingue o método “textual” (a língua alvo e o texto alvo estão totalmente subordinados ao original) no qual se
mantém a ordem das palavras e o método “livre” (a língua alvo e o texto alvo são centrais e as idéias do texto fonte são
transmitidas o melhor possível). São Jerónimo é partidário do segundo método no que diz respeito à tradução da
Bíblia. Martin Lutero era, como São Jerónimo, partidário da tradução livre. A tradução palavra a palavra era desprezada
por originar frases sem sentido ou com falsos sentidos. O respeito pela sintaxe não dá conta das elipses culturais, dos
subentendidos captados pela experiência, das significações derivadas de algumas palavras em relação às quais
apenas a vivência atribui um conteúdo. Cícero, ao falar da tradução dos discursos de Demóstenes e de Ésquines, diz
não os ter traduzido como simples tradutor, mas como escritor, respeitando as suas frases, as figuras de retórica,
utilizando termos adaptados aos hábitos latinos, não julgando necessário traduzir palavra a palavra, mas conservando
o gênio das palavras e o seu valor. Cícero estabelecia uma relação entre o peso e o número das palavras. O peso, ou
seja, o significado é que deve contar porque a tradução não é um mero exercício de correspondências vocabulares.
Para ele, o importante era reproduzir o gênio da língua estrangeira.

A tradução palavra a palavra, linha a linha, teve, apesar de tudo, momentos de grande implantação na
história, visto que foi introduzida na tradição escolar. A reflexão medieval inspira-se em São Jerónimo que por sua vez
se apóia em Cícero pondo a questão em termos de tradução ad uerbum ou ad sensum.

Uma obra teórica de grande importância para o período universalista é De interpretatione recta (1440) do
humanista italiano Leonardo Bruni. Foi o primeiro a exigir a manutenção, na tradução, do conteúdo e do estilo do
original. Bruni formula uma lista de exigências às quais o tradutor deve obedecer: dominar totalmente a língua
estrangeira, aprofundar os seus conhecimentos com a leitura do maior número possível de escritores dessa língua,
conhecer todas as subtilezas da sua própria língua, ser capaz de analisar o estilo pessoal do autor do original para
transmiti-lo na tradução.

A maioria dos humanistas do século XVI associa-se ao ponto de vista de Bruni, mas verifica que se colocam
grandes problemas à tradução ao querer transmitir nas línguas neolatinas a riqueza e o desenvolvimento das línguas
clássicas. Como as línguas modernas ainda estavam em vias de desenvolvimento, seria necessário introduzir múltiplos
neologismos. Bruni defendia o método da tradução “fiel” que não permite o recurso ao neologismo, mas deparava-se
com o intraduzível. No livro De optimo genere interpretandi (1640), Pierre Daniel Huet sublinha que é de fato
impossível traduzir um texto. É impossível que uma tradução seja equivalente ao original uma vez que os sistemas
lingüísticos são diferentes. Apesar disso, o tradutor deve traduzir da forma mais fiel possível.

No século XVII, no período clássico, traduzia-se de modo mais livre do que nunca. O original era
totalmente adaptado às convenções literárias da cultura alvo. Considerava-se uma boa tradução aquela que estivesse
formulada de modo mais elegante que o original. As traduções homéricas realizadas nos séculos XVI e XVII pelos
franceses Peletier du Man, M. de la Valterie, La Motte-Houdar e M me Dacier procuraram atenuar, contemporizar
referências a usos e costumes banais na Grécia homérica mas que chocavam os espíritos dos habitantes dos séculos
XVI e XVII. Nessas traduções, por exemplo, as preferências sexuais dos heróis são sempre suavizadas ou
propositadamente deixadas na ambigüidade para evitar o choque cultural com o novo pensamento.

Até finais do século XIX, e nalguns casos mesmo até hoje, a tradução considerada elegante em nome das
conveniências éticas levou autores como Egger em 1846 a considerar que uma boa tradução dos textos homéricos se
tinha tornado impossível.

Em Inglaterra, John Dryden, tradutor de poetas clássicos como Homero, opunha-se às concepções que
ele considerava demasiado livres. Na obra Preface to Ovid’s epistles (1680) inventariou regras a evitar: O tradutor não
deve traduzir palavra a palavra; nem pode utilizar o texto de partida como um tema sobre o qual improvisa livremente.
Ao mesmo tempo, ia surgindo um movimento a favor da tradução fiel. Em 1725, Pope criticava a veleidade dos
tradutores empenhados na correção e nobilitação de Homero. Leconte de Lisle preconizava o regresso à tradução
palavra a palavra com o objetivo de captar a exatidão do sentido e a literalidade. Georges Mounin considera que esse
movimento dialético obedece mais a fatores sociais do que estéticos. “Ao homem eterno de uma sociedade teológica e
monárquica sucedeu o homem histórico de uma sociedade burguesa: em vez de atenuar, mascarar, suprimir as
diferenças entre Aquiles e nós, o jovem pensamento burguês - exaltado pela descoberta da história, arma que serve
contra a classe feudal - descobre finalmente estas diferenças e sublinha-as cada vez mais”.

As primeiras tendências da tradução literal eram justificadas por pressupostos estéticos ou filosóficos; as
opções de Leconte de Lisle explicam-se por fatores históricos. Considera-se que é essencial reproduzir os modos de
pensar, sentir, falar, agir, viver e cantar dos povos clássicos. Deve ser mantida a historicidade com o máximo de
respeito pelos aspectos etnográficos que a ausência de perspectiva dos tradutores clássicos tinha deixado de fora.

Segundo Mounin, a tradução de Leconte de Lisle teve o mérito de abrir o caminho para outras
possibilidades de traduções centradas na separação de duas operações distintas: a translação no espaço que consistia
na passagem do grego para o francês e a translação no tempo que supunha a passagem do século IX antes de Cristo
para o século XIX. “Esta segunda operação, cara às belas infiéis, era a adaptação, a procura dos equivalentes mais
naturais, das transposições mais corretas: já não era a tradução das palavras, era a tradução das idéias, dos
sentimentos, das formas de agir, das formas de dizer, das estruturas imagéticas, - o ideal era chegar a um texto
traduzido tal que Homero desse a impressão de ser um autor francês dos séculos XVII ou XVIII.” Os adeptos da
preservação filológica pretendiam manter nas traduções marcas arcaizantes, chegando mesmo a tentar encontrar um
modelo de língua de chegada adequado à época do original. Produziram-se, neste sentido trabalhos caricatos. No
século XIX Littré traduziu o Inferno de Dante num francês do século XIV. O resultado era uma reconstituição histórica
onde se mantinha a atmosfera da época. Promoveu-se um debate entre os partidários desta opção e aqueles que
pretendiam retirar do texto de chegada todos os obstáculos a uma total compreensão pelo leitor comum
contemporâneo da tradução, desinteressado da historicidade. O objetivo desta corrente era apresentar textos de
chegada que se confundissem facilmente com originais dessa própria língua; anular totalmente a sua identificação
como tradução. Há, neste caso, rejuvenescimento da língua, adaptações e transposições.

No século XVIII, a obra Essay on the principles of translation (1797) de Alexander Fraser Tytler desempenhou
um papel importante. Tratava-se da única obra consagrada exclusivamente às regras e princípios gerais da arte de
traduzir. Tytler defendia que o bom senso do tradutor era fundamental para a escolha de certas traduções. Em sua
opinião, as idéias e o estilo do original deviam ser mantidos.

A idéia central que percorreu a história até aos nossos dias é a concepção segundo a qual o conteúdo e de
certa forma o estilo do original devem ser transmitidos na tradução de uma forma natural. Até ao século XVIII, a
tradução estava mais centrada na língua alvo do que na língua fonte. Rener em Language and translation from Cicero
to Tytler, 1989 relacionou o ponto de vista universalista com as opiniões dos tradutores e reconstituiu a teoria da
tradução em voga desde Cícero até Tytler. Durante este período, o processo da tradução era considerado como um
número de etapas que se efetuavam segundo uma ordem lógica. Todos os comentários sobre a tradução dão conta de
uma ou várias etapas que raramente eram explicitadas devido à sua evidência. Surgiu assim um manual implícito de
tradução pela justaposição dos comentários dos tradutores. Distinguiam-se três domínios no plano da tradução: a
gramática, a retórica e a arte da tradução como artifício. Cada domínio formava um sistema com regras próprias cujo
todo obedecia a um objetivo comum: traduzir. Provou-se que no período compreendido entre Cícero e Tytler as
traduções não eram feitas ao acaso mas dependiam de regras não explicitadas na escrita. Segundo Rener, o Essay on
the pinciples of translation de Tytler de 1797 foi a última obra teórica sobre a tradução que prova a existência de um
laço estreito entre a teoria lingüística e as concepções sobre a tradução. No entanto, por volta do fim do século XVIII a
visão da língua começa a modificar-se.

No final do século XVIII, a teoria universalista da língua é posta em causa. Sob a influência de Descartes e de
Locke, entre outros, começa-se a considerar de outra forma a relação entre a língua e o modo como o homem exprime
a realidade. Ao longo do século XIX, a visão universalista da Antiguidade é substituída, sob a influência de Von
Humboldt, pelo ponto de vista relativista. Na Alemanha, desenvolvia-se o interesse pelas literaturas estrangeiras para
ampliar as competências em relação à literatura mundial. A prática da tradução desenvolve-se conseqüentemente com
Goethe, Schiler e os irmãos Schlegel. A concepção da época era que as traduções não podiam ser adaptadas à língua
alvo nem à cultura alvo. O aspecto “estrangeiro” da língua e da cultura de partida devia ser conservado tanto quanto
possível de modo a poder beneficiar o leitor. Wilhelm Von Humboldt, o fundador da visão relativista da língua, afirma
que o pensamento depende da língua em que se fala. Assim sendo, a tradução deixa de ser considerada como uma
cópia do texto fonte para tornar-se uma reprodução do modo como um tradutor interpreta um texto num dado
momento. Daí esta visão considerar-se hermenêutica. A língua é entendida como um instrumento com o qual o Homem
pode classificar e compreender. O mundo em que vivemos deixa de ser considerado como uma realidade imóvel e
universal, é determinado pelos nossos pensamentos e a nossa língua. Esta nova visão da língua altera o ponto de vista
sobre a literatura. Para traduzi-la, deixa de considerar-se o original como uma cópia da “realidade” e a tradução deixa
de ser uma cópia do original. Von Humboldt considerava vãos os esforços do tradutor empenhado em conseguir uma
cópia. A única qualidade que um tradutor poderia atingir dependia da capacidade de seduzir como aconteceu durante o
romantismo alemão.

No final do século XIX, a popularidade da tradução sofre uma regressão mas não desaparece a visão
hermenêutica. A teoria de Von Humboldt volta a atualizar nos anos vinte deste século com teóricos como Sapir e
Whorf. As idéias de Humboldt surgem também nas obras de Walter Benjamin e de Ortega y Gasset. Para Benjamin,
qualquer tradução é inferior ao original. O único objetivo do ato de tradução consiste na aproximação ao texto fonte.

Hoje em dia, tanto se refuta a visão universalista como a visão relativista da língua. Nenhuma dessas teorias
poderia servir de fundamento teórico para a tradução. Após a Segunda Guerra Mundial, desenvolveram-se quatro
novas tendências em relação à tradução.

- A abordagem estruturalista de Jiri Levý. Para ele, o principal problema de um tradutor é não só reproduzir a
obra original, mas também produzi-la uma vez que a própria tradução deve ser uma obra literária. Levý situa-se na
linha dos estruturalistas de Praga. A sua obra mostra que os problemas que se colocam ao tradutor resultam do caráter
ambíguo da atividade da tradução uma vez que se trata de uma atividade simultaneamente reprodutora e produtora. O
tradutor deve transmitir as qualidades literárias do texto original de tal modo que o leitor da tradução as reconheça
como características literárias. O único método que um tradutor pode empregar é o método “ilusionista”. A tradução
deve dar a ilusão de autenticidade.

- A abordagem neo-hermenêutica baseia-se nas concepções hermenêuticas do século XIX. Uma obra literária
não tem uma significação objetiva, mas uma gama de significações, por isso a tradução é uma interpretação do
tradutor que também interpreta a tradução. Segundo esta concepção, uma obra literária é um dado histórico, ou seja,
não tem uma significação única e objetivamente fixa, mas dispõe de um número de significações possíveis. Estas
diferentes significações concretizam-se em função do tempo e do lugar. Uma tradução exprime a interpretação que o
tradutor dá do original.

- A abordagem sistemática pressupõe uma atitude descritiva face à tradução e não normativa. Deixa de haver
uma preocupação pelo estabelecimento de normas para uma boa tradução e passam a examinar-se os resultados de
modo a identificar as normas que contribuíram ao longo dos tempos para o aparecimento das traduções. Esta
abordagem analisa também o papel desempenhado pelas traduções numa cultura de recepção. A conferência
Literature and Translation organizada em 1976 em Louvain marcou a origem da teoria sistemática. Partindo desta
conferência, Even-Zohar desenvolveu a teoria do polissistema onde a literatura é considerada como um “sistema” com
diferentes subsistemas em conflito uns com os outros e por isso mesmo em movimento constante. As traduções podem
desempenhar um papel importante neste conflito.

A abordagem “transfer” aplicada desde 1983 em Göttingen, assemelha-se à abordagem sistemática. As


pesquisas estão igualmente orientadas para as normas utilizadas ao traduzir. No entanto, as traduções não são
estudadas apenas à luz da cultura de recepção, mas também a partir da cultura do texto fonte. O grupo de Göttingen
distingue-se do grupo de Louvain pela sua rejeição do polissistema. O ponto de partida é a tese segundo a qual uma
tradução literária difere do texto original, não só devido às diferenças entre línguas, literaturas, convenções e tradições,
mas, sobretudo devido à interpretação do original que está na base da tradução.

Com a tese segundo a qual a poesia é intraduzível, o italiano Benedetto Croce pronuncia-se contra a
tradução poética. Para Croce, a linguagem poética é uma expressão individual e criadora onde a intuição desempenha
um papel mais importante que a razão. Esta expressão, baseada na intuição é única, individual e não é negociável.
Compreender um poema é, para Croce, reviver o ato criador do poeta. O leitor poderia identificar-se com o criador do
original. Uma tradução poética implicaria uma identidade absoluta entre o original e a tradução. Questiona se é
possível transmitir um poema através de uma imitação mais ou menos parecida noutra língua.

O antropólogo lingüístico americano, Edward Sapir partilha a opinião de Croce. Afirma a impossibilidade de
tradução de uma obra literária apoiando-se, de acordo com Humboldt, no modo como cada língua classifica a realidade
em categorias. Além disso, considera que a criação de estilos literários pessoais depende do modo individual de
apreensão dos modelos fonológicos e sintáticos fornecidos pela língua.
T.S. Eliot considera que a obra dos poetas mais conhecidos (Dante, Shakespeare, Goethe) é mais fácil de
traduzir que os poemas de escritores menos conhecidos. Tal como Sapir, Eliot distingue uma relação entre o grau da
intradutibilidade e a inserção na obra de especificidades da língua de origem. Quanto mais um escritor integrar na sua
obra características comuns a todas as línguas, mais a sua obra poderá ser traduzida.

Traduzir é escolher; e cada escolha implica restrições diversas. Um tradutor esforça-se sempre por manter na
tradução os aspectos que ele considera mais importantes. Traduzir poesia é sempre um compromisso. O debate dos
teóricos sobre o estatuto da poesia foram prejudicados pela identificação entre poesia e verso. Henri Meschonic supõe
que a concepção segundo a qual a poesia seria difícil de traduzir, está ultrapassada. Considera que os problemas da
tradução da poesia são causados pela confusão implícita entre versos e poesia. James S. Holmes, tradutor de poesia
e pioneiro na ciência da tradução, distingue a poesia no sentido lato. Os problemas que um tradutor encontra
traduzindo versos, e, sobretudo versos modernos, ligam-se ao fato dos leitores de poesia terem tendência para esperar
polivalências e ambigüidades no contacto com textos em verso. Ao contrário, o leitor de prosa espera uma mensagem
única e precisa, sem equívocos. Por isso, o poema em verso é a estrutura mais complexa de todas as estruturas
lingüísticas. Um dos principais problemas estruturais da tradução deve-se ao fato de raramente haver equivalências
absolutas entre campos semânticos aparentemente próximos em línguas diferentes. Este obstáculo é geralmente
transponível na tradução de prosa; mesmo que haja perdas de certas significações, como a maioria delas são dadas
pelo contexto, o resultado da tradução adequa-se de modo muito estreito ao texto original. Como os poetas empregam
a língua de um modo totalmente diferente, o tradutor de poesia debate-se com problemas muito mais complexos visto
que a equivalência é muito mais difícil de atingir. É por isso que Holmes introduziu o termo metapoema como uma nova
denominação para designar o poema traduzido. O metapoema é um objeto totalmente diferente do original; mantém
com o poema original uma relação semelhante com aquela que o poema original mantém com a realidade.

O poeta, tradutor e escritor mexicano, Octávio Paz conclui praticamente a mesma coisa. Para ele, a tradução e
a criação de textos são operações semelhantes. A atividade do tradutor é análoga à do poeta; a diferença é que, ao
escrever, o poeta não conhece o resultado da sua escrita; o tradutor sabe que o seu texto deve reproduzir o poema
que tem sob os olhos. O resultado não é uma cópia exata, mas uma transmissão do original. O ideal de uma tradução
poética é, como Paul Valéry tinha formulado, a realização de efeitos semelhantes com meios diferentes.

Os autores do século XX associam-se aos teóricos do século XIX. A sua teoria baseia-se em três concepções:
a diferença entre as línguas como um pensamento e uma interpretação diferentes do mundo; a autenticidade dos
textos determinada historicamente e localmente; e uma desconfiança fundamental em relação às traduções atualizadas
e modernizadas. Estes teóricos incitaram o leitor a caminhar em direção aos autores estrangeiros. Como nas teorias
românticas não se considera a tradução como uma atividade literária ou lingüística, mas antes como uma metáfora. A
obra original entra numa suposta fase de acabamento, o que impede uma tradução posterior. Nas traduções feitas
segundo esta teoria, o tradutor atinge o limite extremo do traduzível.

Ortega y Gasset é um representante importante desta geração com a sua tese segundo a qual a tradução de
um texto é uma utopia: a suposição de que tudo poderia facilmente exprimir-se em cada língua como alguns lingüistas
modernos acreditam. Segundo esta teoria, Ortega pensou nas obras dos escritores clássicos raramente traduzidos
segundo as normas de então. A cultura grega e latina estava demasiado afastada da nossa época para pretender
apresentar essas obras como se fossem contemporâneas. A única tarefa do tradutor é servir o autor original. A
tradução não é a obra, mas a via que conduz a esta obra. Traduzir implica distanciar-se da língua materna e entrar na
língua estrangeira e não inversamente. Em cada língua a relação entre o dizer e o omitir é diferente. Cada nação faz
certas coisas para falar de outras. Daí haver uma grande dificuldade em traduzir, mas simultaneamente um grande
desafio suscitado pelo prazer de descobrir a revelação dos segredos que cada língua conserva em relação às outras.
Esta concepção é o ponto de partida do ensaio de Walter Benjamim. Segundo ele, a Tarefa do Tradutor não consiste,
em primeiro lugar, na preservação do significado do texto original, ou seja, do seu conteúdo referencial. Traduzir é
seguir o modo de significação que difere de uma língua para outra. A tradução deveria exprimir a diferença de
significação entre as línguas implicadas. Assim, o tradutor cria uma espécie de reconciliação entre as línguas, o que
deve ser o objetivo final da tradução. Esta reconciliação apresenta-se sob a forma de uma significação mais pura, pela
qual a analogia supra-histórica das línguas é revelada. O tradutor tem a tarefa de elevar o potencial de expressão da
língua materna até às fronteiras extremas do admissível de modo a que o original ecoe na tradução. Deve abandonar-
se a idéia de que a tradução visa a semelhança com o original. A tradução que pode ser lida como uma obra original
na língua alvo já não é considerada como a melhor tradução. A verdadeira tradução é transparente, não recobre o
original, mas deixa transparecer a língua pura do original. Ela é um complemento do texto original; um complemento
muito importante porque na tradução o original desenvolve-se até um nível superior
Para Benjamin, uma má tradução é aquela que se limita a transmitir a mensagem do original porque se perde o
espírito do poema.

A teoria de Benjamin chocou com as teorias tradicionais; tudo o que era considerado como obstáculo é
considerado na teoria de Benjamin com a tarefa superior do tradutor; a impossibilidade de traduzir um texto é de fato o
que a legitima e o que lhe dá a sua razão de ser. A liberdade do tradutor deixa de ser uma força destrutiva, passa a ser
uma atitude positiva.

Para que a tradução seja possível é necessário que entre o tradutor e o escritor traduzido haja afinidades
de idéias, compreensão profunda, adesão íntima. O tradutor deve movimentar-se “em três planos: o das línguas, para
identificar e respeitar a identidade de cada uma; o do conteúdo, para garantir fidelidade à mensagem (fidelidade essa
expressa em termos de correspondência às intenções do autor); o do texto concreto, para se conformar com os seus
procedimentos estilísticos e retóricos.” O limite a esta visibilidade total do texto encontra-se nos nomes próprios que
denunciam a sua origem estrangeira. Outro limite é a preservação de dialetos, gírias ou falares populares que sofrem
um empobrecimento na sua transposição para a língua padrão. A única forma de fuga a este duplo problema seria
produzir uma adaptação do texto em vez de uma tradução, recriando novos nomes de personagens adequados a uma
toponímia em relação direta com um dialeto local tão característico como o do texto original.

Outro nível da tradução dita transparente é aquele que se baseia no desaparecimento do hiato temporal que
separa um original da sua tradução. Uma tradução transparente é aquela que anula as distinções próprias da diacronia
das línguas. A herança dos séculos XVII e XVIII levava a considerar que uma tradução conseguida devia abolir marcas
temporais como se o autor traduzido fosse contemporâneo do tradutor. Este método supõe um rejuvenescimento
sistemático do vocabulário, da sintaxe e do tom das frases. Para isso, o tradutor deve mascarar, transpor, suprimir
palavras, estruturas, tonalidades, e mesmo sentimentos, atitudes, usos e costumes, enfim, tudo o que poderia
confundir o leitor. Neste sentido, tudo tenderia para uma modernização como se passasse por um filtro capaz de reter
como impurezas tudo aquilo que poderia conotar outra civilização.

CAPÍTULO III

CONTRIBUTOS DA LINGUÍSTICA PARA A TEORIA DA TRADUÇÃO

1- Argumentos empíricos a favor da tradução

1.1- Argumentos morfológicos

Apesar da ilusão da diferença entre as línguas, as palavras não são consideradas barreiras metafísicas
intransponíveis. Os defensores da tradução consideram que a propriedade, a virtude, a expressividade de alguns
casos semânticos especiais não constituem um obstáculo nem fornecem um argumento contra a tradução em geral
porque há sempre em cada língua modos de expressão equivalentes.

Os estudos desenvolvidos pelos lingüistas no campo da morfologia permitiram concluir que certos
morfemas são tão importantes quanto à sua presença como quanto à sua ausência. Não é pelo fato de uma categoria
intelectual ou afetiva estar ausente numa língua que deixa de poder ser traduzida. O grego moderno não tem infinitivo
mas acaba por encontrar outra estrutura gramatical capaz de dar conta do conceito abstrato da ação designada pelo
verbo. Segundo outro exemplo, o grego antigo tinha um modo verbal chamado optativo para exprimir o desejo. Esse
modo já não existe, mas a sua função foi absorvida pelo conjuntivo. Outro exemplo: a existência do modo durativo
(progressive form no inglês) que não existe sob uma forma conceptual nas línguas onde o aspecto verbal é pouco ou
nada importante. No entanto, há processos similares de traduzir esses verbos mantendo a idéia de uma ação contínua,
recorrendo à conjugação perifrástica: estar a mais infinitivo. Do mesmo modo pode-se traduzir o aspecto iterativo
(frequentative form) do inglês com recurso ao gerúndio.

Na opinião de Vendryès, citado por Mounin, as línguas não são inaptas para traduzir o aspecto verbal visto
que encontram sempre uma forma de fazê-lo. A diferença é apenas de natureza formal porque conceitualmente não se
pode indicar o aspecto como se indica o tempo e o modo verbal. Existem uma variabilidade de categorias gramaticais
das quais cada língua possui apenas um número restrito.

1.2 Argumentos fonéticos


Para verificar se a fonética é um obstáculo fundamental para a tradução é necessário ter em conta que as
línguas não surgiram por uma espécie de expressividade fonética generalizada, como se os sons originais tivessem
descrito musicalmente as coisas que nomeavam de acordo com a teoria de São Tomás de Aquino e posteriormente
com a dos materialistas mecanicistas do século XVIII. Acontece que os raciocínios fundados sobre a expressividade
fonética de certas palavras não têm em conta que há um acordo que se estabelece entre o sentido da palavra e os
sons que o compõem. As relações aparentemente harmoniosas entre a imagem acústica e a visual derivam de uma
associação condicionada por um psicologismo habituado a observar as duas componentes juntas. É um processo
associativo à posteriori e não à priori como ilusoriamente se pensa.

É verdade, no entanto, que esteticamente a associação do som e do sentido tem sido explorada na poesia,
mas trata-se essencialmente de um processo originado por exigências mnemotécnicas. A interpretação fônica de um
poema é sempre subjetiva. Se houvesse uma verdadeira relação entre o som e o sentido, a interpretação teria que ser
universal e, por conseguinte, objetiva.

A teoria mecanicista da linguagem preconizava, no século XVIII um sistema de equivalências entre sons e
estados de alma. Valorizava-se a componente sonora e mecanicista da fonética omitindo o seu aspecto meramente
servil. Sobrevalorizavam-se as particularidades da fonética. É possível traduzir e sugerir por verdadeiras
correspondências fonéticas, os efeitos desejados numa língua dada, quando eles são realmente pertinentes uma vez
que cada língua tem um potencial fonético muito rico.

1.3- Argumentos estilísticos

De entre os argumentos teóricos contra a tradução, Georges Mounin cita Joachim du Bellay quando este afirma
que não há hipótese de traduzir o estilo, e a eloqüência do original porque cada língua tem especificidades próprias
que lhe dão uma graça e uma naturalidade sem correspondências noutras línguas.

Joachim du Bellay afirmava que a tradução era impossível por causa das invenções próprias de cada
escritor. Cita como exemplos metáforas, alegorias, comparações, ou seja a multiplicidade de figuras de retórica que
constituíam o estilo individual de cada autor. D.Duarte, no capítulo 99 do Leal Conselheiro, estabelece um tratado
sobre a tradução de acordo com as lições de Bruni e de Cartagena, no entanto não dedica qualquer atenção aos
efeitos retóricos. Vasco Fernández de Lucena reconhece que a sua tradução do livro da velhice de Túlio “não guardará
aquella dulçura nem dignidade de eloquencia que há no latim”

Se o estilo fosse intraduzível, seria difícil encontrar nos clássicos da renascença portuguesa influências de
Petrarca, de Dante e de Bocaccio, por exemplo.

A tradução é por vezes difícil; não impossível. As figuras de estilo clássicas têm uma estrutura própria e
uma apresentação técnica com correspondências entre as línguas. O que geralmente acontece na tradução de
imagens é perder-se a noção da imagem original para encontrar uma significação de conjunto das duas expressões
por um processo simples de adaptação. Supondo, no entanto, um acréscimo significativo de interpretação de modo a
manter, senão todos os semas, pelo menos o máximo possível, Bruni reconhece a complexidade do processo quando
afirma que o “tradutor deve aperceber-se das qualidades da frase e dar-lhes representação igual na língua para que
traduz. Uma vez que dois são os tipos de ornato (um respeitante às palavras e outro relativo ao pensamento) um e
outro acarretam indubitavelmente dificuldade ao tradutor, mas é maior a do ornato das palavras que a do ornato do
pensamento”

Os estudos lingüísticos não colocam grandes obstáculos em relação aos problemas suscitados pela
morfologia, pela fonética ou pelo estilo mas o domínio semântico levanta maiores dificuldades. As suas investigações
passadas procuram encontrar formas de universalidade gramatical para a explicitação de regras comuns.

2- Críticas ao projeto de gramática universal

No planeta, falam-se cerca de 6.000 línguas cujas diferenças são consideráveis. No entanto, esta diversidade
tem limites. É que, numa diversidade aparente, podem-se discernir estruturas e configurações comuns que permitem
formular regras mais gerais. Encontrar o que é regular na diversidade lingüística e mostrar onde estão os limites da
variação, é o campo de pesquisa da tipologia e dos universais lingüísticos.

Existem várias acepções da noção de universais lingüísticos. Por um lado, o termo é utilizado para designar
as propriedades que, com toda a evidência, são essenciais para a linguagem humana e que, por isso, não são
susceptíveis de variar: a faculdade das crianças aprenderem uma língua, a dupla articulação da linguagem, a
permanente mudança das línguas ao longo da sua história, a variação da linguagem segundo parâmetros sociais e
estilísticos etc.. Às propriedades deste tipo, acrescenta-se a idéia de que, em princípio, tudo pode ser dito em qualquer
língua, e que existem, além disso, funções cognitivas e comunicativas universais susceptíveis de serem expressas em
todas as línguas. Numa segunda acepção, o termo «universais lingüísticos» aplica-se a propriedades estruturais
específicas que se registraram em todas as línguas conhecidas, embora sejam, em certa medida, contingentes. Como
os lingüistas estão longe de conhecer todas as línguas humanas (apenas existem descrições satisfatórias para pouco
mais de um décimo), este tipo de universais empíricos só admite a forma de uma hipótese que pode ser substituída
por novas descobertas. Os lingüistas empregam o termo «universais» ainda numa terceira acepção, bastante restrita,
mas muito difundida. Os partidários deste conceito universalista pensam que os universais lingüísticos derivam de
algumas das propriedades do espírito humano que correspondem ao genótipo.

A tipologia lingüística estuda, por um lado, o que é comum a todas as línguas, e por outro, a sua diversidade,
e sobretudo regularidades e limites que podem ser observados na diversidade aparente. Em primeiro lugar, o número
das técnicas empregadas para resolver as tarefas comunicativas não é ilimitado; pelo contrário, em geral existe um
número restrito de estratégias que se encontram constantemente noutras línguas. Além disso, podem observar-se
relações, ou mesmo correlações entre propriedades estruturais de modo que a escolha de uma possibilidade num
domínio lhe reduz o número das hipóteses disponíveis para a escolha de técnicas expressivas noutro. Neste contexto,
fala-se em «universais de implicação» ou de uma «hierarquia implicacional». Trata-se de um domínio onde a tipologia
e a pesquisa universalista se agrupam porque a tipologia, na medida em que ultrapassa o domínio da classificação
para se ocupar de implicações e de correlações, corresponde, de certa maneira, à procura de universais empíricos.
Além disso, existe uma relação mútua entre a tipologia lingüística e a análise de uma língua particular. Se é verdade
que esta última pressupõe conceitos baseados numa teoria e num método explícitos postos à disposição pela
tipologia, é ao mesmo tempo a análise das línguas particulares que constitui a base empírica para a tarefa da
tipologia.

A história da lingüística evolui de acordo com duas posições referentes à relação entre a língua e a cultura. O
primeiro desses dois pontos de vista, aparentemente irredutíveis, considera que a língua é uma característica inata de
todo o ser humano, independente de outros fatores, psicológicos, sociais, religiosos, epistemológicos, etc. Ela é, por
conseguinte, entendida como uma instituição universal, comum a todos, dispondo basicamente das mesmas estruturas
profundas, que através de diversas transformações originaram estruturas de superfície distintas. Este ponto de vista
corresponde, sobretudo à gramática generativa. De acordo com esta posição, existem "universais" lingüísticos
manifestos na capacidade de organização de uma linguagem baseada na dupla articulação das unidades lingüísticas:
conceito e imagem acústica, partes do discurso e funções sintáticas comuns: substantivos, adjetivos, verbos, etc.,
existência de sujeito e de predicado, etc.). Basicamente, todos os membros das várias sociedades teriam, por herança
genética, as mesmas estruturas lingüísticas profundas com uma lógica comum, independentes de outros fatores e, por
conseguinte, as diferenças de estrutura superficial seriam, de certa forma, aleatórias, ocasionais ou acidentais, mas
não se apresentariam como obstáculos intransponíveis à tradução. Bastaria que o processo tradutório passasse por
uma análise prévia de reconstituição da estrutura base.

Apesar de muito contestada, esta teoria é defendida ainda hoje pelo lingüista americano Merritt Ruhlen que,
chega à conclusão de que todas as línguas existentes derivam de uma única fonte, como pretende demonstrar pela
comparação maciça do vocabulário fundamental das línguas existentes do mundo. Centra-se na nomenclatura das
partes do corpo, dos elementos naturais, dos pronomes pessoais entre outros. Reconhecem-se duas interpretações
possíveis para a teoria monogenética da origem das línguas. A primeira afirma que a língua começou de uma só vez
na história humana e é desta língua original que todas as línguas subseqüentes emergiram. A segunda aceita origens
diferentes, mas mantém que todas as línguas faladas existentes hoje derivam apenas de uma destas diversas línguas
originais possíveis. As outras línguas originais podem ter desaparecido sem deixar nenhuma descendente. Ruhlen
baseia-se nas classificações periódicas das várias línguas do mundo, publicadas desde os anos 50, por Joseph Harold
Greenberg, teórico da tipologia das línguas.
A idéia da universalidade da língua já estava presente nas especulações de Descartes, Dalgarno, Wilkins
e Leibniz a propósito da universalidade das línguas filosóficas.

Em 1629, Descartes tinha criticado o projeto de uma língua universal baseado num código cifrado
multilíngüe mas acreditava na possibilidade de um projeto de língua universal a partir da reorganização dos
pensamentos humanos. O primeiro passo seria a instituição de um sistema de classificação dos conceitos, para depois
operar com todos os elementos da língua como os terminólogos operam nos domínios restritos da sua especialidade.
O resultado permitiria elaborar o repertório de todo o conhecimento humano. Descartes pretendia assim alcançar a
verdadeira filosofia, sabendo, no entanto, que seria difícil aplicar o método a toda a linguagem pela impossibilidade de
repertoriar e de classificar todos os pensamentos humanos.

Em 1661, Dalgarno procurou materializar a idéia, propondo uma classificação metódica de todas as idéias
seguidas da sua representação por um signo.

Leibniz, entre 1659 e 1679, concebeu o projeto de uma espécie de alfabeto dos pensamentos humanos
baseando-se na redução de todos os conceitos aos seus elementos simples. Leibniz partia da identificação ilusória
entre relações gramaticais e relações lógicas. Além disso, partia do pressuposto que era possível estabelecer a
quantificação e o repertório de todas as idéias simples ou conceitos. Como nunca é possível definir o limite de uma
ciência ou de um conhecimento, não pode ser encontrada a totalidade dos conceitos que a formam.

Husserl, em princípio de carreira, procurou estabelecer a lista das formas fundamentais da linguagem para
que a partir daí se pudesse determinar como é que se exprime em várias línguas a “proposição de existência”, a
“proposição categórica”, a “premissa hipotética”, o “plural”, as “modalidades do possível e do verossímil”, o “não” etc.
Husserl não teve em conta que para chegar à gramática universal não basta sair da gramática latina e que a lista das
significações possíveis era elaborada em função da sua própria língua.

Ao querer pensar a linguagem, ou seja, ao reduzi-la à condição de objeto perante o pensamento, corre-se
sempre o risco de tomar como instituição do ser da linguagem, os processos pelos quais a linguagem tenta determinar
o ser.

Não só não há uma análise gramatical que descobre os elementos comuns a todas as línguas como cada
língua não contém necessariamente o equivalente dos modos de expressão que se encontram nas outras. Numas
línguas, a negação é dada pela entoação, noutras existe o dual, noutras a noção de aspecto verbal é fundamental,
noutras emprega-se o futuro como tempo da narrativa, etc.. Os processos de expressão de uma língua não se podem
reduzir a sistemas; confrontadas com o uso vivo da língua, as significações lexicais ou gramaticais são apenas dadas
aproximadamente.

Segundo Merleau Ponty, os lingüistas nem sempre viram até que ponto a sua descrição se afastava do
positivismo porque “o que impede cada linguagem de ser o reflexo de uma língua universal- onde o signo recobriria
totalmente o conceito- não a impede, no exercício vivo da fala, de desempenhar o seu papel de revelação, nem de
comportar as suas evidências típicas, as suas experiências de comunicação. Que a linguagem tenha uma significação
metafísica ou seja que ela ateste outras relações e outras propriedades para além daquelas que pertencem, segundo o
senso comum, à multiplicidade das coisas da natureza encadeadas por uma causalidade, a experiência da linguagem
viva convence-nos facilmente porque caracteriza como sistema e ordem compreensiva esta fala que, vista de fora, é
um conjunto de acontecimentos fortuitos.” Ponty propõe renunciar à universalidade abstrata de uma gramática racional
que daria a essência comum a todas as linguagens, mas nem a unidade da língua, nem a sua distinção, nem o seu
parentesco cessam de ser pensados pela lingüística moderna; são encarados, não sob o ponto de vista do conceito ou
da essência, mas da existência.

O lingüista saussuriano questiona-se sobre a existência de universais lingüísticos e procura saber se esses
universais, no caso de existirem, se situam em relação à língua ou em relação à fala. Não há universais ao nível da
língua. A arbitrariedade, a estrutura e a convenção social, como características que a definem, é comum a qualquer
estudo comparativo de línguas, tornando-as dois idiomas irredutíveis. Os únicos traços universais são características
gerais que definem o próprio fenômeno língua: todas as línguas são fundadas numa arbitrariedade socializada, todas as
línguas são «duplamente articuladas», todas têm uma gramática e um léxico, todas são estruturas, etc. É, por isso, mais
correto falar de características gerais do que de universais. Não só há poucos traços universais como é difícil haver
homogeneidade no seio de uma mesma língua do ponto de vista sociológico.
No entanto, a disparidade existente entre as línguas não exclui as semelhanças, os parentescos, as proximidades.
Todas as línguas indo-européias, por exemplo, têm traços comuns e parecem-se mais entre si do que em relação às
línguas de outras famílias. Talvez não seja impossível destacar características comuns a todas as línguas mas é difícil
isolar traços considerados unanimemente como universais.

Martinet parte da simples afirmação de que vivemos todos no mesmo planeta para justificar os universais
cosmogónicos de forma a isolar aquilo que é comum a todo o planeta, mesmo que não corresponda aos mesmos
recortes dos campos semânticos. As analogias físicas e psicológicas entre os homens estão na base de outra
categoria de universais: os biológicos.

No que diz respeito à teoria da tradução, a observação dos núcleos de significação referencial constitui a base
comum da comunicação entre os povos, mesmo que permaneçam conotações intraduzíveis.

Entre os universais lingüísticos contam-se as oposições entre verbo e nome, presente e outros tempos,
pronomes pessoais. “A questão prática de saber quais são as coisas que podem ser ditas em línguas diferentes é
freqüentemente confundida com a das significações das palavras e das categorias. Uma língua emprega uma frase
onde outra utiliza uma única palavra e onde uma terceira se serve de uma forma composta. Uma significação que
dispõe de uma categoria lingüística para se exprimir numa língua (por exemplo, a pluralidade dos objetos em inglês) só
pode aparecer sob a ação de estímulos práticos limitados noutra língua. Mas no que diz respeito à denotação qualquer
que seja o que possa ser dito numa língua dada, pode sem dúvida ser dito noutra”. As mesmas referências culturais
comuns a todos os povos fazem parte desses universais que têm tendência para aumentar, à medida que as condições
de comunicação se desenvolvem, pondo em contacto civilizações até então separadas.

A ciência surge também como um universal tecnológico. Benveniste demonstrou que “é um fato que submetido
às exigências dos métodos científicos, o pensamento adota em todo o lado os mesmos procedimentos, qualquer que
seja a língua escolhida para descrever a experiência. Neste sentido, torna-se independente, não da língua, mas das
estruturas lingüísticas particulares. O pensamento chinês pode ter inventado categorias tão específicas como o Tao, o
Yin e o Yeng mas nem por isso é menos capaz de assimilar os conceitos da dialética materialista ou da mecânica
quântica sem que a estrutura da língua chinesa lhe faça obstáculo”

Embora a linguagem pareça um fenômeno uniforme no seu princípio, apresenta-se como um fenômeno
infinitamente diversificado nas suas realizações, na medida em que faz intervir a língua, fenômeno estrutural e social e
por isso não universal.

Não é ao nível das estruturas das línguas que se devem pesquisar os universais lingüísticos na óptica da tradução
porque, mesmo que se conseguisse enumerar a sua lista, o resultado seria sempre muito limitado comparado com a
totalidade dos elementos que os distinguem devido à diversidade das estruturas gramaticais e lexicais, e à diversidade
idiomática. A universalidade do «dizer» pela tradução deverá ser procurada na fala e não na língua porque a fala revela
certo número de características gerais que se podem considerar como universais lingüísticos. Qualquer que seja o
sistema da língua que ela utiliza, a fala produz enunciados que recorta em unidades autônomas que são frases e analisa-
as em sujeito e predicado; qualquer que seja o sistema da língua, ela produz enunciados que são simultaneamente
significados e sentidos, e ela opera, por conseguinte, em relação a uma dupla grelha de referência (sistema e situação).

É pacífico aceitar a universalidade do espírito humano mas não se pode dizer o mesmo em relação ao universo
conceptual midiatizado pelas diferentes línguas porque há sempre grandes variações. Quer se trate de universos físicos,
ou de universos sociais; o mundo nomeado pelas diversas comunidades lingüísticas é bastante diversificado. Os
habitantes das regiões geladas do globo não designam o mesmo universo físico que aqueles que vivem nos trópicos, por
exemplo. Enquanto que para uns o mundo físico é constituído por neve, gelo, frio, os outros contata com uma vegetação
densa, com calor e água no estado líquido. Os obstáculos à tradução advêm da ausência de palavras para designar os
objetos de outras realidades. Em relação ao universo social, as sociedades humanas são infinitamente variadas em todas
as suas componentes: vestuário, costumes, alimentação, religião, estrutura econômica, política, social, etc., ou seja, tudo
o que constitui a sua cultura e que, por isso, influencia a sua visão do mundo.

O problema da tradução das palavras específicas de cada região ou cultura é um aspecto extremo que, no entanto,
também se encontra quando se opera com línguas e civilizações próximas. O universo natural e cultural da Grécia antiga,
e o de Portugal, Inglaterra ou Estados Unidos não é o mesmo mas não é por isso que deixa de se traduzir Homero. Há,
entre estes exemplos, apenas uma distinção de graus de dificuldades. A intradutibilidade é menos um problema de língua
do que um problema de adaptação das mensagens ao receptor da tradução. Em todos os casos, há um espaço para
preencher e a tradução necessita de efetuar escolhas para adaptar a mensagem ao seu destinatário. Face a uma palavra
ou expressão intraduzível, há vários modos de fazer passar a mensagem: quer adotar como equivalente de tradução uma
palavra designando a coisa mais próxima na língua do destinatário, quer utilizar uma definição ou uma perífrase, quer
finalmente criar um neologismo, importando a palavra.

O grau de intradutibilidade, ou seja, o grau de adaptação que uma mensagem deve sofrer para ser traduzida em
função de outra civilização, é muito variável de acordo com o grau de partilha da situação. Os homens podem utilizar as
mesmas estruturas lingüísticas para designar realidades diferentes, como utilizam estruturas diferentes para designar
realidades idênticas. Não deve ser confundida a diversidade das estruturas, ou seja, a sua não universalidade, com a
diversidade dos universos reais ou culturais que elas exprimem. Não devem ser atribuídas às estruturas lingüísticas
diferenças que se devem apenas ao contexto geográfico, meteorológico ou sociológico.

Durante muito tempo aceitou-se que as estruturas da linguagem resultavam linearmente quer das
estruturas do universo quer das estruturas universais do espírito. Estabelecia-se assim uma correspondência entre os
nomes e pronomes e os seres do universo, entre os verbos e os processos, entre os adjetivos, preposições e
conjunções e as relações lógicas de dependência, de atribuição, de tempo, de lugar, de circunstância, de coordenação,
de subordinação tanto em relação aos processos como em relação aos seres e aos processos. Deste modo, a
tradução seria apenas um exercício de correspondências porque todas as línguas falariam do mesmo universo, da
mesma experiência humana, analisada de acordo com categorias de conhecimento comuns a todos os homens. A
falibilidade da tradução só poderia ser imputada ao tradutor, ou porque a falta de domínio de toda a substância do
conteúdo de expressão originava uma expressão correspondente incompleta, ou por ele não dominar todos os
recursos das formas de conteúdo e das formas de expressão na língua de chegada. Atribuíam-se também as
incorreções na componente estética da linguagem à falta de talento do tradutor.

A ilusão de que pelo fato de falarmos de um modo que a nossa expressão convém às próprias coisas,
procuramos nas línguas estrangeiras o equivalente do que é tão bem expresso na nossa língua mas a pesquisa dos
universais da gramática, presente no estudo das relações entre lógica e linguagem, mostra que não há paralelismo
entre lógica e gramática e excluiu dos estudos lingüísticos qualquer possibilidade de paralelismo ou de laços lógico-
semânticos.

topo

2.1- A relatividade lingüística

Outra posição, distinta da teoria dos universais lingüísticos, considera que a língua é uma faculdade adquirida
na base duma capacidade exclusivamente humana, dependente da ocorrência de certas condições psicomotoras e
intelectuais. A língua reflete a maneira de pensar e de atual. A corrente piagetiana da epistemologia genética é, na
atualidade, a principal defensora desta tese. As origens da relatividade lingüística, encontra-se no pensamento
filosófico alemão do século XVIII e, no nosso século, como se viu no capítulo anterior, na posição do antropólogo
americano Benjamin Lee Whorf que representa a expressão mais radical deste ponto de vista. Embora de um modo
menos radical, Edward Sapir partilha das idéias de Whorf.

O ponto de vista da relatividade lingüística permite encarar a possibilidade de explicar as diferentes estruturas
lingüísticas, em vários níveis (semântico, morfológico, sintático), provavelmente como reflexo de um modo específico
de contemplar o mundo, de pensar, de conhecer. As possíveis formas de pensamento e de conduta pré-lingüísticas
teriam tido de algum modo reflexo na formação das primeiras palavras. Este ponto de vista reforça a relatividade das
estruturas lingüísticas e recusa os princípios gerais de uma lógica comum a todos os falantes. A língua é representada
como a primeira forma de "ver" o mundo. As configurações particulares de cada língua condicionam a maneira de
pensar, de aprender, de conceber o mundo.

Esta posição tem uma variante também relativista, mas mais cautelosa; defende que a história da cultura não
pressupõe as componentes sintáticas, morfológicas ou fonéticas da língua, mas apenas o plano lexical e semântico.

O conceito de relatividade lingüística evolui de acordo com três momentos: a concepção da língua como reflexo
do "espírito da nação", característica da escola alemã, que se desenvolveu no século XVIII e perdurou até ao século
XX com os pensadores Ernst Cassirer e Jost Trier; a teoria do lingüista americano Benjamin Lee Whorf que analisou a
relação existente entre a língua e a cultura, e a obra de Edward Sapir.

O filósofo alemão Johann Gottfried Herder (1744-1803) afirma que o sistema da língua nacional forma a visão
do mundo do povo que a fala. A achega fundamental deste autor é considerar que a língua deixa de ser um simples
instrumento, para se tornar num depósito de todas as criações culturais duma nação (incluindo a sua forma de pensar
e "ver" o mundo) condicionando, por isso, a forma de pensar e de conhecer das sucessivas gerações de falantes.

Wilhelm von Humboldt (1767-1835) acentua estes princípios herderianos, e enfatiza a relação da língua com o
espírito da nação. Considera que o homem engendra a linguagem por uma necessidade interna. Um povo fala como
pensa e pensa desse modo por falar dessa forma. Pensa-se e fala desse modo, tem essencialmente o seu fundamento
nas suas disposições corporais e reage em função disso. O fundamento das línguas não é o conceito universal
abstrato do espírito e do pensamento humano, mas a individualidade popular integral e viva, ou seja, trata-se de um
postulado da relatividade lingüística, baseado nas diferentes formas de considerar o mundo. Acentua-se a convicção
de que o poder lingüístico individual, que corresponde à força que se manifesta na língua e determina o caráter
individual das próprias nações, constitui a última e mais forte antítese da concepção das línguas baseadas apenas nas
diferenças dos sons e de signos convencionais.

A "teoria dos campos semânticos" que o lingüista alemão Jost Trier desenvolveu a partir dos anos trinta deste
século realça a noção de motivação na organização lingüística centrada na individualidade de cada grupo cultural. Ela
está em íntima relação com as principais concepções atuais referentes ao sistema lingüístico: trata-se de um conjunto
de unidades cujo valor depende apenas das suas inter-relações.

Para Trier, os campos são realidades vivas intermédias entre as palavras individuais e a totalidade do
vocabulário; como partes de um todo, partilham com as palavras a propriedade de estarem integrados numa estrutura
maior, e com o vocabulário, a propriedade de estarem estruturados na base de unidades menores. Desta maneia, uma
palavra une-se às outras do mesmo campo conceptual numa unidade autônoma com as suas próprias leis e que
atribui à palavra a extensão da designação. Só se conhece a verdadeira significação de uma palavra quando a
distinguimos da significação das palavras vizinhas e opostas. A palavra só significa se formar parte do conjunto, visto
que a significação só aparece no campo onde a palavra se insere.

A formação de um campo semântico ou conceptual depende das seguintes etapas: percepção psicofísica da
realidade, criação de zonas conceptuais e lexicalização das mesmas. Um exemplo clássico de campo é constituído
pela terminologia das cores, muito diferente nos vários idiomas.

A teoria de Benjamín L. Whorf (1897-1941), químico americano que chegou a entusiasmar-se pela
problemática lingüística, segue de alguma maneira o movimento relativista afirmando a total dependência entre
pensamento e estruturas lingüísticas.

Whorf centrou os seus estudos nas línguas ameríndias, especialmente no idioma dos índios Hopi. Observou
certas características estruturais que o fizeram refletir sobre a possibilidade de conceber o mundo de distintas
maneiras: a língua, como reflexo dessas visões, condiciona a conduta dos falantes. Whorf interessou-se
especialmente pelo sistema verbal Hopi, descobrindo que, por exemplo, nessa língua, não existem as categorias de
tempo que se encontram noutras línguas. Este fato levou-o a concluir que a visão que os índios têm do tempo não é
linear como a das línguas européias, dividida em passado, presente e futuro, e que a sua presença no conceito de
espaço é decisiva: Para o Hopi, o tempo desaparece e o espaço é alterado, de tal maneira que não existe o espaço
atemporal, homogêneo e imediato reconhecido intuitivamente. Whorf afirma que esta concepção temporal se
assemelha à teoria da relatividade de Einstein, e que se os ocidentais demoraram tanto tempo a concebê-la foi devido
à fixação na língua do conceito temporal linear que durante gerações e gerações inviabilizou outras possibilidades
teóricas.

De acordo com o pensamento de Whorf, a língua não só orienta e organiza a visão do mundo como também a
imobiliza: "as formas dos pensamentos de uma pessoa são governadas por leis estruturais inexoráveis das quais o
falante não tem consciência".

Segundo Sapir, os seres humanos não vivem isolados no mundo objetivo, nem sozinhos no mundo da
atividade, mas estão à mercê da língua particular que se transformou num meio de expressão para a sociedade. É
completamente ilusório imaginar que alguém se ajuste à realidade sem o uso da língua e considerar que a língua seja
um meio acidental para resolver problemas específicos de comunicação ou de reflexão. O fato é que o mundo real é
uma extensão construída inconscientemente a partir dos hábitos da língua do grupo. Estamos à mercê dos nossos
formulários de expressão, ou seja, da nossa língua. Nunca duas línguas são suficientemente similares para serem
consideradas como a representação da mesma realidade social. Os mundos em que as várias sociedades vivem são
mundos distintos e não apenas o mesmo mundo com etiquetas diferentes. Vemos e sentimos de maneira muito
diferente porque os hábitos da língua da nossa comunidade predispõe para determinadas escolhas de interpretação.

A compreensão do comportamento cultural é impossível a menos que seja conseguida a aprendizagem total da
língua. Sapir interessou-se pelas conexões mais abstratas entre a personalidade, a expressão verbal, e o
comportamento social.

As categorias e os tipos que isolamos do mundo dos fenômenos não se encontram da mesma forma como
cada observador os vê; pelo contrário, o mundo é apresentado num fluxo kaleidoscópico de impressões que têm de ser
organizadas pelas nossas mentes, ou seja, pelos sistemas lingüísticos das nossas mentes. Recortamos a natureza,
organizamo-la em conceitos, e atribuímos-lhe significações segundo os padrões da nossa língua. O acordo é,
naturalmente, implícito e indeterminado, mas os seus termos são absolutamente obrigatórios; não podemos falar sem
subscrever a organização e a classificação dos dados que o acordo decreta.

A hipótese de Sapir-Whorf indica que qualquer pensamento está confinado pela língua particular. O relativismo
lingüístico pressupõe que a língua possa servir como influência (ou como confinamente) do pensar. Pressupõe que a
língua forme diretamente a maneira como pensamos. Segundo esta idéia, a experiência mental do uso de uma
segunda língua deve ser profundamente diferente da que se tem pelo fato de se usar a primeira língua. É nos domínios
dos estudos lingüísticos que deverão ser procuradas as razões profundas que justificam a diferenciação das maneiras
de encarar o mundo.

2.2 - Problemática das interferências terminológicas

A lingüística de Saussure introduziu a distinção terminológica de três termos que, na linguagem corrente, são
tratados como sinônimos: linguagem, língua e fala. O emprego técnico destas três palavras para designar conceitos
definidos no interior de um sistema de pensamento particular revelou-se muito útil para distinguir coisas que, de outro
modo, ficariam confusas. Ao criar os termos da sua teoria, Saussure utilizava palavras já existentes no sistema da língua
francesa com conteúdos de sentido mal delimitados, mas tendo o mérito de se diferenciar, e que ofereciam por
conseqüência um quadro cômodo à classificação dos fatos lingüísticos que a pesquisa clarificava. No entanto, se a sua
transposição para o português não parece muito complicada porque encontramos palavras correspondentes, a sua
passagem para línguas como o inglês é complexa porque não existem nem como palavras da língua corrente, nem como
equivalentes técnicos. A palavra inglesa language corresponde quer à palavra langue (the English language) quer ao
langage em geral, enquanto que a palavra speech pode também corresponder em certos casos a langage e noutros a
parole.

O uso corrente destas palavras não sugere o uso técnico que pode ser feito das palavras francesas language,
langue, parole. Apesar disso, estes meios lingüísticos diferentes não impediram o desenvolvimento da lingüística de
expressão inglesa porque mais do que palavras, interessam os conceitos metodológicos que elas envolvem. Bastaria aos
lingüistas anglófonos aferirem as suas definições para distinguir os três conceitos distintivos da lingüística saussuriana.
No entanto, parece demonstrado que os universos de significação diferentes sugerem abordagens diferentes do
fenômeno. Os problemas terminológicos e as interferências lingüísticas estão na origem de mal-entendidos incidentes
sobretudo em dois pontos: a indiferenciação na língua inglesa entre langage e langue, a que corresponde uma só palavra:
language, obrigou os linguista americanos a adotar a expressão natural languages para designar o que os franceses
chamam les langues. O problema surge com a tradução literal da expressão após a introdução, na Europa, da lingüística
de Chomsky. A expressão passou a ser compreendida como o antônimo de línguas culturais ou línguas de cultura e não,
no caso do inglês, por oposição às línguas artificiais e nomeadamente às línguas formalizadas. Por outro lado, a
expressão «línguas naturais» tende a ser assimilada com a noção saussuriana de língua por oposição à fala enquanto
que, na realidade, a expressão deve incluir tanto o sentido de linguagem como o de língua. A impossibilidade de distinguir
os dois sentidos de language, levou Chomsky e a sua escola a adotar os termos competence e performance. Alguns
lingüistas associaram competence à língua e performance à fala. No entanto, não parece haver nada no sistema de
Chomsky que permita distinguir o que pertence à língua como sistema generativo, do que se deve à linguagem como
capacidade universal do espírito humano e do que pertence de fato à fala. É impossível transpor os conceitos de uma
abordagem metodológica para outra cujas premissas são totalmente diferentes.
3- Abordagem estruturalista da língua

3.1 A contribuição de Saussure

Desde Saussure sabe-se que «a parte conceitual do valor (ou seja, o significado lexical) é constituído unicamente
por relações e diferenças entre ele e os outros elementos da língua». Sabe-se portanto que o léxico não é um conjunto
díspar, um armazém de palavras, nem uma simples nomenclatura do real, mas um conjunto de solidariedades internas,
um sistema e que o valor de cada significado depende do que houver em seu redor nos outros signos. Todo o esforço da
lingüística neste domínio tende a evidenciar estas solidariedades internas e revelar o sistema que sustém a desordem
aparente do léxico o que explica a intransponibilidade dos significados de duas línguas.

A noção tradicional de língua como repertório em que as palavras apareciam para designar as coisas como no
batismo ou no recenseamento deriva do Gênesis bíblico e do Crátilo de Platão. Segundo a Bíblia, depois de Deus
nomear o dia e a noite, o céu, a terra e o mar, pediu a Adão que nomeasse os animais. Em Crátilo de Platão, a teoria
dos nomes comuns é dada como a da nomeação das coisas em geral; os nomes próprios não se diferenciam dos
nomes comuns, o que representa o processo de indexação dos nomes às coisas. Saussure não fundamentou a sua
rejeição da noção de língua como nomenclatura apenas devido aos fenômenos da homonímia e da sinonímia porque a
raridade desses casos permitiria aceitá-los, bastando apenas a inclusão de algumas ressalvas à regra comum.
Saussure considerou que a relação entre a coisa em si e o nome era muito mais complexa que uma simples relação
biunívoca de equivalências. Mais do que a relação entre o conceito e a sua imagem acústica, o que é importante para
Saussure é a relação entre a palavra e a existência ou ausência de todas as palavras que se relacionam ou podem
relacionar com a realidade designada pela palavra em causa. A língua não é um inventário, mas um sistema; uma
espécie de rede cujas malhas semânticas são interdependentes. Qualquer falha nesta estrutura reticular abala todo o
sistema. Neste caso, em vez de idéias preconcebidas, os conceitos não são definidos pelos seus conteúdos, mas
pelas relações com os outros termos do sistema. É sempre aquilo que os outros elementos não são. No entanto, a
idéia da língua como repertório estava tão enraizada que 40 anos depois de Saussure, Martinet ainda teve que
combater esta noção de acordo com a qual o mundo estaria organizado em categorias de objetos distintos, cada um
com uma designação diferente de língua para língua. Para transitar de um mundo lingüístico para outro, bastaria que
as correspondências entre as etiquetas e os objetos materiais ou culturais estivessem devidamente inventariadas.

Pode-se depreender que a lingüística moderna destruiu a velha noção do léxico como repertório graças ao
aperfeiçoamento das noções de sentido, de visão do mundo e de civilização. O léxico passou a ser encarado como
uma estrutura ou como um conjunto de estruturas com base na ideia de campo semântico construída a partir do
pensamento de Humboldt, de acordo com o qual a fala não é constituída pelo agrupamento das palavras preexistentes
mas que, pelo contrário, as palavras resultam da totalidade da fala.

O tradutor realiza todas as operações de translação no interior do domínio semântico. A questão teórica
que daí resulta é que, na seqüência dos lingüistas modernos, Saussure, Bloomfield, Harris, Hjemslev, a língua deixou
de ser considerada um repertório de palavras correspondendo a outras tantas coisas e passou a ser entendida como
um sistema de relações. O problema, agora, consiste em saber se a estruturação do léxico, feita com base na
exclusão do caráter universal dos conceitos, conduz linearmente à intradutibilidade dos significados ou seja, trata-se
de saber se, enquanto sistema fechado de relações, as línguas constituem visões do mundo particulares
incomunicáveis. Embora Saussure nunca tivesse abordado o tema, sabe-se que esta concepção da língua está na
base das teorias da intradutibilidade. A crítica saussuriana do sentido esclarece cientificamente as razões do insucesso
da tradução palavra a palavra, uma vez que os vocábulos não têm a mesma base conceptual em todas as línguas,
podendo assumir valores bastante diferenciados consoante o sistema de oposições onde se encontrem. Se partirmos
da definição de Saussure de onde saiu a maioria dos estudos sobre a estrutura comparada dos léxicos, verifica-se que,
se a língua é um puro sistema de relações, o significado de cada signo é intradutível, e a tradução só poderá ser uma
aproximação. Como apesar de tudo a tradução existe de fato, importa sublinhar as relações existentes entre o sistema
e o seu conteúdo semântico, ou, no pensamento de Hjelmslev, a forma e substância do significado lexical.

Com base no behaviorismo, Bloomfield faz depender o sentido de uma relação de estímulo e resposta
entre o locutor e o auditor. A captação total do sentido é cientificamente impossível porque supõe o inventário da soma
total do conhecimento humano, tanto a nível macroscópico (o que poderia ser conseguido) como ao nível mais ínfimo,
muito distinto de locutor para locutor e sem representação fixa nas formas convencionais. Segundo este ponto de vista,
o conhecimento do mundo é tão imperfeito que raramente se pode apreender o significado total e absoluto de um
enunciado. O ponto fraco da lingüística reside na impossibilidade de uma descrição exaustiva das significações dos
enunciados. Partindo de tal limite, não existiria possibilidade de cientificamente legitimar a tradução porque não se
pode ter a certeza da captação da totalidade do sentido. Esta dificuldade só será progressivamente anulada à medida
que a humanidade progredir para um estádio de conhecimento absoluto. O caráter transitório da impossibilidade de
tradução depende do grau de cientificidade da própria humanidade, mas enquanto a humanidade não atingir esse
limiar de conhecimento, Bloomfield afirma que, apesar da falta de meios para definir a maioria das significações e para
demonstrar a sua constância, deve-se partir do postulado de que há um caráter de especificidade e de estabilidade em
cada forma lingüística, exatamente como os falantes os postulam nas relações habituais que estabelecem entre si. Nas
comunidades lingüísticas, há enunciados comuns quanto à forma e ao sentido de onde se pode aceitar que exista uma
significação específica e constante para dada forma lingüística. A tradução dessas formas seria possível; a sua
descrição exaustiva é que não.

O problema é que as noções de valor e de sistema aplicadas ao léxico são passíveis de várias interpretações.
O ponto de partida da valorização do caráter sistemático do léxico encontra-se nas frases do Curso de Lingüística
Geral que afirmam que «a língua é uma forma e não uma substância», que «o signo tem não só uma significação, mas
também um valor,» que « no interior de uma mesma língua todas as palavras que exprimem idéias vizinhas limitam-se
reciprocamente» ou ainda que a «parte conceptual do valor (ou seja: o significado lexical) é constituído unicamente por
relações e diferenças». Apesar de muitas observações sobre as línguas comprovarem este fato, a noção de estrutura
do léxico continua a ser um problema para a lingüística e existem ainda divergências em relação à aplicação do
princípio estrutural à componente semântica da língua. Duvida-se ainda da possibilidade de dar visibilidade à
estruturação do léxico por meio do mesmo tipo de análise que se aplica em fonética e em gramática. É por isso que,
para Martinet, «o léxico propriamente dito parece muito menos facilmente redutível a modelos estruturais do que os
morfemas gramaticais, uma vez que se examinam certos domínios particulares, tais como os de termos de parentesco,
os numerais e outros».

4. O papel da lingüística distribucional

A lingüística distribucional pretendeu analisar a linguagem sem qualquer preocupação pelo sentido. Pondo
de parte as considerações semânticas, pretendia-se objetivar a linguagem. A análise tenta isolar o conjunto das
estruturas que regem uma língua pelo estudo das distribuições dos elementos do texto. Martinet critica este método de
análise por considerar inverossímil que alguém efetue a análise de uma língua que desconheça totalmente. A análise
distribucional seria um método descritivo que exigiria agrupamentos de categorias em relação aos quais o sentido
apenas poderia servir para desfazer ambigüidades.

Harris acabou por ter que reintroduzir o sentido como critério auxiliar deste tipo de análise.

Hjelmslev, tal como Harris e Bloomfield constroem uma teoria da lingüística, recusando qualquer utilização das
significações. Para Hjelmslev, a linguagem supõe duas substâncias: a substância da expressão, física e material e a
substância do conteúdo. Verifica-se que o sentido é construído de modos diferentes de língua para língua, o que leva à
conclusão que as formas do conteúdo variam de língua para língua mesmo sem modificação da substância do
conteúdo. Antes de assumir uma forma, a substância do conteúdo, o sentido, é uma massa amorfa que, por isso
mesmo, escapa a qualquer forma de conhecimento. Por conseguinte, a descrição das línguas não pode ser a
descrição da expressão ou do conteúdo, mas a das formas. Hjelmslev, Saussure, Bloomfield e Harris pretendem
fornecer métodos mais científicos para aproximar o sentido, mas aceitam o postulado da existência de uma
significação relativamente específica e estável para limites cada vez mais conhecidos. De acordo com este postulado,
as operações de tradução seriam possíveis e sê-lo-iam cada vez mais, à medida que a ciência lingüística evoluísse.

Partindo das noções de Hjelmslev sobre substância do conteúdo (significação) e forma do conteúdo (designação),
uma concepção do significado considerado como o resultado do simples recorte conceptual conduz naturalmente a uma
teoria da intradutibilidade uma vez que se considera não ser apenas a forma que difere de língua para língua, mas
também o conteúdo conceptual. O modo de classificação assimila-se aos conceitos classificados e é, por conseguinte
hipostasiado fornecendo, assim, dados para caracterizar a mentalidade dos povos. Foi essa concepção implícita que
originou as teorias neo-humboldianas sobre «as diferentes visões do mundo» e que impregnam certas teorias
estruturalistas. Sem recorrer a línguas exóticas para salientar o caráter ilusório desta concepção, basta analisar a palavra
inglesa fish: se perguntarmos a um português falando inglês qual o equivalente da palavra inglesa fish, ele responderá
certamente com a palavra peixe pela evidência dos significados das duas palavras. Uma análise mais atenta levanta
algumas dúvidas porque é impossível traduzir por peixe as palavras inglesas shell-fish (crustáceos) e crayfish (lagostim,
lagosta). Como é impossível que um português suponha que o inglês ou o americano que emprega estas palavras ignore
a natureza biológica diferente do peixe e do animal artrópode de respiração branquial, ele deverá supor que a língua
inglesa mantém vestígios de um estádio de conhecimento pré-científico que assimilava os peixes aos outros animais
marinhos tal como a consciência infantil pode assimilar as baleias, os golfinhos ou as focas. Terá a impressão de uma
apreensão simplista da realidade biológica. Se em vez do exemplo inglês estivéssemos perante uma língua exótica falada
por um povo fora da era científica, qualquer lingüista poderia concluir que se tratava de uma visão do mundo diferente. O
lingüista não pode satisfazer-se com essas explicações simplistas. Devem verificar que o inglês e o português diferem
aqui, como noutros exemplos, na análise do real designado. O número considerável de animais designados em comum
pelo português peixe e pelo inglês fish mascara o fato de que o critério de classificação das duas palavras difere. A língua
inglesa utiliza um critério de classificação diferente porque a designação é feita em função do meio aquático enquanto que
a palavra portuguesa é designada em função de um critério de forma e características biológicas. A significação do
lexema inglês não implica a imposição de um modo de ver as coisas mas é uma classificação baseada em critérios
puramente lingüísticos que não impedem a faculdade abstrata de classificação segundo critérios cognitivos. As línguas
recortam de modos diferentes os dados da experiência originando diferenças na relação entre o universo das palavras e
o universo das coisas. Trata-se de uma estruturação ao nível da designação e não da significação. Os autores que
estudaram esta problemática na sua relação com a tradução abordaram-na segundo os dois pontos de vista que
correspondem aos dois eixos da análise lingüística (fonologia, gramática, semântica, etc...). De fato, tanto para o léxico
como para os outros fatos da língua, o lingüista pode situar-se quer no eixo das oposições, quer no dos contrastes; no
das escolhas e exclusões ou no do recorte e agrupamentos no enunciado. Apesar dos dois serem complementares, é
importante verificar que o privilégio de um em detrimento do outro conduz a uma problemática e a conclusões
sensivelmente diferentes. De acordo com os exemplos de Hjelmslev, podemo-nos colocar ao nível do enunciado e
verificar que este enunciado está recortado por unidades de significado totalmente diferente de uma língua para a outra. É
assim que a análise praticada nos seguintes equivalentes de tradução: português não sei; inglês I do not know; alemão
Ich weis nicht; italiano non so etc... , mostra que o mesmo sentido é composto por elementos de significado distribuídos
diferentemente no enunciado e irredutíveis uns aos outros.

É necessário ter em conta que esta análise supõe que se considere simultaneamente dois níveis de linguagem:
por um lado, a língua como conjunto de significados; por outro, o enunciado que não é apenas um ato de língua mas um
ato de fala visto que consiste em sintetizar sentido ou seja transformar um conjunto de significados numa mensagem
única. O estudo do enunciado, qualquer que seja, corre o risco de originar um resultado ambíguo pela confusão dos
diferentes planos da estrutura, do código e da mensagem. Por outro lado, a análise de frases como estas põem em jogo
não só o conteúdo lexical das palavras mas também a totalidade da gramática das línguas comparadas, a distribuição
diferente dos elementos devido mais às diferentes morfologias do que ao conteúdo lexical dos significados considerados.
Este exemplo como outro freqüentemente citado das diferenças de recortes operados no enunciado pelo português e pelo
inglês em frases como: atravessou o rio a nado e he swam across the river ilustra a diferente repartição dos dados da
experiência. Em vez de nos colocarmos ao nível do enunciado, podemo-nos situar numa perspectiva das oposições
lexicais por exclusão, ou seja, pode-se observar e evidenciar os diferentes recortes operados pelas línguas não apenas
ao nível das unidades «in presentia», mas ao nível das unidades «in abstentia» observando-os no interior dos campos
lexicais.

O ponto de partida da análise da relação entre as estruturas lingüísticas o os campos lexicais encontra-se na
demonstração saussuriana segundo a qual «no interior de uma mesma língua todas as palavras que exprimem idéias
vizinhas limitam-se reciprocamente» e «o valor de qualquer termo é determinado pelos que dele se aproximam». A
concepção do léxico como estrutura substituiu a concepção do léxico como nomenclatura. Os procedimentos de
apreensão desta estruturação não foram dados por Saussure enquanto enunciava o princípio. É possível perceber a
enunciação de diversos modos: «os que dele se aproximam» e o «valor» também podem ser interpretados de modos
diferentes em função dos tipos de relação existentes entre os signos. No próprio Saussure, este termo tanto é aplicado à
significação como ao conteúdo do signo por relação com aqueles que «exprimem idéias vizinhas». Se se dissociarem
estes dois aspectos, apenas com a preocupação de analisar as relações ao nível das idéias designadas, ou seja, as
relações que as idéias estabelecem entre as palavras, e não as relações que as palavras estabelecem entre as idéias, os
procedimentos com vista a evidenciar o «valor» das palavras em relação a outras palavras estão longe de estar
totalmente definidas.

O lingüista que, para estudar o valor dos fonemas ou das categorias morfológicas, possui métodos de análise
cientificamente comprovados, sente dificuldades logo que se trate de isolar as relações existentes entre «as ideias
vizinhas». Não estão estabelecidos os critérios para determinar o grau de vizinhança. Não se conhecem os critérios
segundo os quais tal ou tal palavra possa ser incluída ou ser excluída na lista das palavras que se querem comparar.
Um sistema morfológico compreende apenas um número reduzido de categorias que se impõe e que dominam, mas
em cada sistema há sempre outros sistemas que se cruzam representando, ao lado das categorias plenamente
estabelecidas, categorias em embrião ou em vias de desaparecimento. Segundo Merleau Ponty, “em cada momento,
sob o sistema da gramática oficial que atribui a tal signo tal significação, aparece outro sistema que comporta o
primeiro e procede de outro modo: a expressão não é ordenada ponto por ponto em relação ao expresso; cada um dos
seus elementos só se define e recebe existência lingüística pelo que recebe dos outros, pela modulação que lhe
imprime. É o todo que tem sentido e não cada uma das partes.”

Existem componentes lingüísticas onde apenas o seu valor de uso conta, não têm significantes que se possam
isolar, no entanto, incorporados na fala, têm um valor irrecusável. Mesmo verificando que a atitude puramente
distribucional conduziu a um impasse como mostrou a lingüística distribucional de Harris seguida nos Estados Unidos
por Chomsky, é incontestável que sem a investigação prévia dos dados puramente formais era impossível estudar
cientificamente o significado. O problema agudiza-se quando se trata de mostrar as resistências à tradução porque não
se trata já de comparar apenas as palavras de um sistema no interior de listas mas de comparar listas de palavras
oriundas de dois sistemas linguísticos diferentes. O carácter estrutural da língua revela-se se se considerar que as
palavras só adquirem o seu próprio valor por contraste com as outras palavras do sistema apesar da sua virtualidade
polissémica. Este valor situa-se a um nível de estruturação que escapa à consciência linguística mas é ao nível desta
consciência que se situa o estudo das diferenças no seio dos campos lexicais. Por isso, corre-se o risco que a análise
explícita da substância e a análise implícita da forma interfiram na consciência do descritor.

4.1- A estrutura reticular da língua

De acordo com Jost Trier citado por Georges Mounin: «o campo lexical é o conjunto das palavras, sem
parentesco etimológico na maioria (nem ligadas entre elas por associações psicológicas individuais, arbitrárias,
contingentes) que, colocadas lado a lado como as peças irregulares de um mosaico recobrem exatamente todo um
domínio bem delimitado de significações, constituído quer tradicionalmente, quer cientificamente, pela experiência
humana. Pode-se assim falar de campo lexical constituído pelas palavras que designam o entendimento, o gado ou os
cereais, ou as habitações; são mosaicos de palavras, o que Trier chama Wortdecke». Esta definição vai ao encontro da
noção de língua-estrutura porque considera a língua uma estrutura decalcada a partir da organização conceptual que lhe
preexiste. Além disso, situa-se no domínio do estudo psicolingüístico muito mais do que do estudo da língua considerada
como uma estrutura simultaneamente individual e escapando ao indivíduo porque, no estudo dos recortes da língua,
deve separar-se aquilo que pertence à atividade conceptual daquilo que faz parte da competência lingüística. Trier
distingue campos conceptuais (espécie de mosaicos de noções associadas cobrindo um domínio bem delimitado que a
experiência humana isola e constitui em unidade conceptual) de campos lexicais (cada um formado pelo conjunto das
palavras que cobrem os campos conceptuais correspondentes). Todo o problema lingüístico de tradução assenta na
possibilidade de designar os mesmos conceitos por meio de palavras pertencendo a línguas diferentes de modo a que
campos conceptuais idênticos possam corresponder campos lexicais diferentes. Para isso, é necessário que um
procedimento baseado em critérios lingüísticos permita determinar os campos lexicais e que os campos conceptuais
possam ser definidos fora de qualquer língua particular. Deve notar-se, no entanto, que uma mesma palavra pode entrar
em campos conceptuais diferentes em função da noção de polissemia. A palavra quadro, por exemplo, é susceptível de
figurar no campo dos objetos suporte de escrita ao lado de caderno, papel, agenda mas também pode pertencer ao
campo das obras de arte ao lado de desenho, pintura, aguarela etc... É esta capacidade de entrar em campos
associativos diferentes preservando a sua identidade ao nível da significação que constitui a sua especificidade de signo,
por isso é diferente estudar o signo em si ou estudá-lo em relação aos outros signos. Esta relação é ela própria muito
contingente porque as relações associativas conceptuais nem sempre são tão evidentes como este exemplo deixa supor
porque a palavra quadro, por exemplo, poderia perfeitamente evocar outro tipo de associações para um locutor diferente;
por exemplo, ao lado de mesa, cadeiras, giz constituindo o campo conceptual dos objetos escolares. A constituição do
campo conceptual é ela própria fruto de uma operação mental taxionômica que escapa à análise lingüística.
Contrariamente ao que se passa na estruturação significativa, os campos lexicais não são dados de imediato pela língua;
a análise da sua organização depende da intervenção do descritor que os constitui numa base arbitrária derivada da sua
própria conceitualização. Situam-se num ponto ambíguo da linguagem onde as palavras escapam ao universo da
significação para se inserirem em redes de relações conceptuais e onde as relações entre as palavras procuram refletir
uma ordem de relações percebidas entre as coisas. Toda a ambigüidade da noção de campo lexical deriva do fato dele
poder ser tratado como um fato de língua pura ou como dependendo de um universo extrínseco à língua. Já foi visto que
a taxionomia praticada pela língua por meio da polissemia não tinha em conta os dados científicos e que o universo da
designação era concebido de uma forma caótica, prévia à classificação operada pelo processo estrutural da significação.
No entanto, não se deve concluir que pelo facto da palavra ser encarada, não do ponto de vista da sua significação, mas
pela sua inserção num campo conceptual, o tipo de relações que mantém com as outras palavras deste campo reflita uma
organização objetiva do universo. Estas relações refletem uma taxionomia de outra ordem, mas não assimiláveis com a
classificação científica das coisas. Isso depreende-se de outro exemplo de Georges Mounin: «um pequeno citadino de
dez anos, para designar todas as produções vegetais que ele classifica muito vagamente como herbáceas no campo
dispõe em geral de duas palavras: trigo, erva. Por exemplo, para ele toda a produção herbácea, num terreno bem
delimitado, visivelmente trabalhado é trigo; num terreno, mesmo bem delimitado mas cujo solo não parece ter sofrido trato
cultural é erva. Tudo o que não é erva é trigo, tudo o que não é trigo é erva. Se o nosso pequeno citadino, por acaso,
aprende a distinguir a aveia pela sua espiga; por diferença, tudo o que não é aveia permanece trigo. Mas se ele ainda
aprender a distinguir cevada pela espiga, o trigo será tudo o que não for cevada nem aveia. Enfim, no dia em que
distinguir centeio pela espiga, o trigo será aquilo que não é nem cevada nem aveia nem centeio; o centeio, o que não é
nem trigo, nem cevada nem aveia etc... Em vez de um sistema com um único termo indiferenciado (a erva do pequeno
citadino de seis anos, por exemplo), ele possui um sistema lexical com cinco termos interdependentes, definindo-se cada
um por oposição a todos os outros, e isto nos limites das suas reais necessidades de comunicação lingüística». Verifica-
se que o fato do campo lexical ser constituído por palavras designando vegetais depende essencialmente de uma
diferenciação e de uma organização de conceitos cada vez mais apuradas à medida que a criança aumenta os seus
conhecimentos. Constitui-se simultaneamente o campo lexical e o campo conceptual ou mais exatamente introduz-se
descontinuidade no campo conceptual visto que ele pode ser considerado como existente mesmo quando está
indiferenciado. Evidencia-se aqui um laço entre a definição de conceitos e a aquisição de léxico. Esta visão das
interdependências lexicais reforça o ponto de vista saussuriano da constituição do sentido que acaba por se ampliar à
medida que a aprendizagem aumenta no sentido de uma diferenciação de cada uma das malhas da rede lingüística que
recobre a mesma área conceptual. Sempre que o vocabulário aumenta, criam-se novas malhas, mas como a área
conceptual não aumenta, a rede deve reajustar-se no sistema de oposições e diferenciações que não existiam antes.
Apesar do exemplo partir da experiência de uma criança, repete-se o mesmo processo no homem quando aumenta os
seus conhecimentos adquirindo o vocabulário de uma ciência, de uma técnica ou de qualquer domínio, que o leve a
dissociar e a classificar noções tratadas globalmente até então, ou sem existência anterior no seu universo conceptual.

O universo designado pela criança que nomeia trigo «Toda a produção herbácea, num terreno bem delimitado» é
o mesmo que é nomeado por um agricultor adulto; apenas varia o grau de diferenciação. Trigo, para a criança, não será
impróprio em si, sê-lo-á apenas em relação ao léxico daquele que distingue trigo, cevada, centeio, etc... no seio de um
campo conceptual global que é o dos cereais. Para a criança que não conhece o termo mais geral de «cereais», «trigo» é
uma palavra genérica cujo emprego não exclui a distinção de diferentes espécies de «trigo»(o da espiga pontiaguda,
aquele que tem filamentos etc.).

A limitação da definição de campo lexical supõe a comparação de duas espécies de organização conceptual: a da
criança e a do adulto tomadas como sistema de referência. Supõe nomeadamente que um termo globalizante constitua o
lugar de unificação de termos considerados como englobados. Neste caso, o termo globalizante é «cereais». Fora desta
aproximação conceptual, as palavras trigo, aveia, centeio etc., não se aproximam pela língua nem estão ligadas por
nenhuma relação formal. A nível das associações mentais é mesmo provável que trigo suscite de preferência palavras
como farinha, pão, verão, palha, ceifa, etc... Note-se que este campo lexical, contrariamente às aparências, não é um
dado científico imediato, uma classificação automática de conceitos mas supõe uma intervenção racional para ser
constituída. Do ponto de vista da botânica, os cereais só existem como classe de vegetais sendo apenas um
agrupamento de plantas pertencentes às gramíneas e que segundo o senso comum são constituídos de acordo com os
critérios de alimentação humana e animal e pelo critério de forma da sua espiga mais do que de acordo com critérios
científicos definidos. Daí se conclui o caráter empírico da definição de um campo. Os campos lexicais não são
preexistentes à nomeação mas nascem ao mesmo tempo que ela, quando a diferenciação dos objetos provoca a
dissociação das palavras que os designa. Os campos não são dados pelo real previamente recortado e extrínseco à
língua; são o resultado do encontro entre a captação do real e o modo de classificação operado pela operação lingüística.
A operação lógica, ou seja, classificadora, que preside ao estabelecimento do campo, é contemporânea daquela que
aplica uma significação a cada termo conceptual separado pela análise lingüística. A constituição do campo é algo
eminentemente subjetiva realizada em função da experiência individual. Na constituição do campo podem confundir-se
três coisas de ordem diversa. Por um lado, o campo conceptual individual, por exemplo da criança que aprende a
distinguir cereais; por outro, a convergência dos campos conceptuais que resulta da partilha social e lingüística, e que
leva as pessoas que vivem no mesmo meio cultural e natural a terem a mesma diferenciação das idéias; finalmente, a
operação metalingüística que permite dissertar sobre estes campos e compará-los, ou seja a referência não explicitada a
um campo conceptual tomado como modelo referencial que é a classificação científica.

Na multitude dos campos conceptuais, privilegiam-se aqueles que se baseiam no discurso científico. No exemplo
dado por Mounin, tomou-se como modelo o campo lexical estabelecido pela botânica. É necessário ter em conta que os
campos semânticos estabelecidos com intenção científica são apenas um caso particular nos campos lexicais em geral.
Manifestam a utilização que o discurso científico faz da língua, ou seja, do modo mais exato possível, procuram refletir
as relações reais que a classificação científica capta entre as coisas reais. É o ponto de chegada de um processo
conceptual que pretende reduzir a distância entre o universo da significação e o universo do real, procura fazer depender
as palavras dos conceitos, e não os conceitos das palavras. Representa uma objetivação da linguagem, sem por isso,
fazer desaparecer a sua subjetividade primordial e essencial do resto da língua.

Elaborando campos conceptuais sobre modelos de organização captados entre os elementos do real, a ciência
fornece um tipo de organização e de recorte entre outros possíveis. Neste tipo de organização, o objetivo cognitivo é
evidente, mas não deriva da estrutura da língua. Os campos lexicais propostos pelas diversas ciências não podem ser
considerados como referências absolutas e intocáveis, na medida em que toda a ciência evolui e põe em causa as suas
próprias classificações. A própria ciência deve ser considerada pelo lingüista como um processo de apropriação da
linguagem no universo real, e não como o próprio universo real. A referência aos campos conceptuais da ciência não
pode, por isso, ser tida como referência absoluta.

As unidades da língua dependem de dois tipos de organização. Por um lado, fundamentam-se sobre a pertença
estrutural, e determinam a palavra como significação pura no interior de um sistema de significações; por outro lado,
baseiam-se na função simbólica, fazendo captar a palavra numa rede de conceitos onde se insere de modo mais ou
menos conforme aos dados da ciência, mas que manifesta sempre uma tendência para refletir as relações captadas entre
os elementos do real. O dizer encontra-se, por isso, duplamente estruturado. É estruturado como significação, como valor,
ao nível do sistema, mas também ao nível da designação, ou seja, ao nível dos campos lexicais, mas não o é do mesmo
modo. Comparando a língua a um mosaico, ou a um puzzle, Saussure introduziu uma ideia chave na lingüística, ou seja,
a definição por diferença; no entanto, os seus sucessores nem sempre consideraram que o significado devia ser
considerado de modo diferente como valor ou como conteúdo. O princípio de imanência teve tendência em substituir o
sentido pelo valor, mascarando o fato de que os dois aspectos do significado estão presentes e necessitam de uma
abordagem conjunta. No primeiro caso, o estudo revela uma rede de relações entre as palavras, independentemente do
seu conteúdo referencial: a palavra é considerada como entidade em si. No segundo caso, ele revela relações entre
palavras captadas, não nelas próprias, mas como símbolos de objetos apontados através delas. É só neste segundo nível
que se pode aplicar a imagem do mosaico, porque é aí que a palavra pode ser considerada em relação direta com o seu
conteúdo de designação, e que se podem aproximar palavras que nenhuma relação de forma liga entre si.

O procedimento permitindo aos lingüistas comparar campos conceptuais em duas línguas diferentes procede da
tradução e das interferências de sistemas que ela criou, e pelo fato de considerar como um dado prévio aquilo que é
apenas uma conseqüência. Concluir acerca da impossibilidade de fazer coincidir os elementos de dois campos
semânticos de duas línguas diferentes, é ter preconceitos sobre o modo como se realizou a atividade de tradução que
esteve na base da comparação, e assimilar o valor das palavras à sua definição contextual e situacional. É necessário
que a teoria explique o que se passa na operação tradutora que permite relacionar estes dois conjuntos. Por isso, a
discussão da natureza dos campos conceptuais e da sua não universalidade torna-se um círculo vicioso porque a própria
noção de campo, definida como noção lingüística, levanta mais problemas do que resolve.

Saussure sublinhava que qualquer signo lingüístico só podia ser analisável na intersecção de dois eixos, ou seja
duas séries de elementos às quais o signo está associado. Sabe-se que o problema do recorte coloca-se de modo
diferente consoante o falante se situe no eixo do enunciado ou no eixo de campo paradigmático. Apenas a tomada em
consideração dos dois eixos simultaneamente parece susceptível de deixar progredir o estudo semântico, tal como
permitiu à fonologia e à gramática constituírem-se como ciências. Tal como se encontram, na gramática, relações verticais
no interior de listas paradigmáticas e relações horizontais entre tipos de monemas no eixo sintagmático, uns permitindo
definir os outros, e em fonologia os traços pertinentes se analisam no interior dos fonemas definíveis por oposição e
contraste, também os elementos lexicais se situam na intersecção de dois tipos de relações associativas. Saussure, que
utiliza este termo, reserva-o para as relações in abstência, do tipo: ensino, educação, aprendizagem (sem falar das
relações paradigmáticas formais como ensino, ensinas, ensinamos). Tal como não aprofundou o estudo do eixo do texto
para os outros níveis da estrutura, também não abordou as relações associativas textuais, apesar da sua importância
para o estudo dos valores lexicais, visto serem elas que constituem os contextos. Ao lodo de relações associativas do
gênero ensino, educação, aprendizagem ou trigo, aveia, centeio, cevada, existem relações associativas do tipo, ensino,
professor, aluno ou trigo, campo, ceifa, farinha. Enquanto que os primeiros são campos, na medida em que as palavras
que os constituem são objeto de uma escolha excluindo as outras no enunciado, os segundos também são campos
porque as palavras remetem umas para as outras e completam-se no enunciado. Não mantêm relações de semelhança,
mas de complementaridade, não fundada numa obrigação sistemática de tipo gramatical, mas na freqüência da
associação no enunciado, e na consciência que as palavras assim associadas recortam num sector conceptual.
Consideram-se campos semânticos e campos lexicais as associações verticais, e campos contextuais as associações
horizontais. São estas associações que constituem os contextos, sendo cada palavra do enunciado elemento de contexto
para as outras palavras do mesmo enunciado. A importância destas relações contextuais é tão grande que se pode dizer
que, fora do contexto, a palavra não tem designação, tem apenas uma significação. Se nos interrogarmos para saber em
que é que o contexto confere a designação à palavra, verifica-se que é o contexto que revela a polissemia da palavra
através da lista de oposições mais provável em que a palavra aparece e onde deve ser captada. Por exemplo, de acordo
com o contexto de quadro na frase: «O professor escreve a lição no quadro», as associações semânticas entre as
diferentes palavras do enunciado só poderão incluir quadro no campo lexical constituído por palavras como quadro,
caderno, livro, giz; excluindo a possibilidade de integrar a palavra noutro campo do tipo: quadro, desenho, esboço,
pintura, aguarela. Ao criarem um horizonte de espera, as relações contextuais reduzem o número de listas nas quais a
palavra pode ser comparada e oposta a outras palavras. Os campos associativos contextuais determinam os elementos
constitutivos dos campos lexicais. É pelo fato de saber que deve escolher entre eles nas mesmas associações
contextuais, que o locutor sabe que tal ou tal palavra pertence à mesma lista, ou seja está ligada por relações
associativas verticais. O contrário também é verdade: a palavra situada num campo lexical remete para associações
contextuais, ou seja, para outros elementos susceptíveis de figurar nos mesmos enunciados. Assim, quadro remete para
escrever, escola, professor, mas também pode remeter para representar, pintar, moldura. O campo lexical representa o
modo como se analisa o campo conceptual e o campo contextual representa o modo segundo o qual se analisa o
enunciado. No entanto, em qualquer dos casos trata-se da mesma análise aplicando-se segundo dois eixos
complementares e indissociáveis, cada um dos quais servindo de critério para a análise do outro. É graças a essa
possibilidade que a elucidação dos campos contextuais permite constituir listas de substituição passíveis de serem
comparadas de língua para língua. A totalidade do léxico de uma língua é constituída pela articulação de todos os campos
lexicais restritos, acrescida da sua inserção nos campos lexicais cada vez mais gerais.

5. O papel da semântica na tradução

5.1- A importância da polissemia

O problema teórico mais genérico da tradução é, por conseguinte, o da convergência dos campos lexicais.

A noção de campo semântico é importante para a teoria da tradução porque se verifica que o sistema
lingüístico encerra um mundo exterior que lhe é próprio mas que difere de língua para língua. Quando se fala do
mundo em línguas diferentes, é raro falar-se do mesmo mundo. Basta analisar o exemplo fornecido pelas formas de
distinção dos vários tipos de neve entre os esquimós. A tradução de qualquer dessas palavras é sempre neve, logo há
uma malha única ao passo que na língua dos esquimós se contam uma dezena de palavras de modo a distinguir os
vários tipos de neve. A tradução de qualquer dessas palavras sempre pela mesma origina uma enorme perda
semântica.

Outro exemplo muito significativo pode ser extraído da língua dos gaúchos argentinos com um campo lexical
de duzentas palavras para nomear a pelagem dos cavalos. Na língua portuguesa há cerca de uma dúzia, considerando
as palavras compostas; a cada malha lingüística do português correspondem mais de dez, de onde se torna evidente a
perda semântica na passagem do gaúcho para o português.

No entanto, além das descrições saussurianas de Trier, Cantineau ou Vogt, outras tentativas foram feitas
nomeadamente por Pottier e Greimas, para aplicar ao léxico uma descrição estrutural, fundada na explicação das
relações existentes no interior do sistema global. É por isso que Greimas, por meio do conceito de sema, procedeu de
uma forma análoga àquela que era utilizada com os traços distintivos pertinentes em fonologia. A fonologia diferencia uma
vida sublinguística e organiza sistemas de signos que começam por não ser signos de certas significações, mas têm o
poder de regulamentar e diferenciar a cadeia verbal segundo dimensões características de cada língua. Não foram
experiências conclusivas, mas reforçou-se a ideia da impossibilidade de aplicar ao léxico o modelo estrutural. Por outro
lado, as noções saussurianas de valor e de sistema quando aplicadas na comparação das línguas, do ponto de vista da
tradução, levantam mais problemas do que resolvem. A razão é que os dados considerados no estudo do léxico são tão
diversos que produzem formas muito distintas de apreensão e por isso originam modelos estruturais diferentes.

Um dos problemas freqüentemente referidos é o da polissemia. Questiona-se se ela é fortuita, ou seja, se o


conjunto das associações conceptuais próprias de um signo dado constituem um conjunto heteróclito, ou se , pelo
contrário, uma racionalidade interna ao sistema preside a esta polissemia, O lingüista, aplicando esta reflexão sobre o
signo à tradução, é tanto mais levado a interrogar-se sobre a racionalidade interna quanto mais as palavras de línguas
diferentes apresentarem associações conceptuais não sobreponíveis, ou seja polissemias diferentes. Por outro lado, falta
saber de que modo o significado de um signo depende dos signos que o rodeiam nos campos semânticos.
O problema é que, se o significado é um complexo de significações, e por isso já dificilmente captável em si -
mesmo, como unidade semântica, como é que se pode mostrar que ele depende dos outros significados da língua? Como
é que se podem descobrir «afinidades e relações» entre entidades que nem sequer se podem captar em si - mesmas
porque pela sua polissemia, o signo escapa às listas de signos (campos lexicais) que se podem comparar, ou seja,
aqueles que exprimem «idéias vizinhas». O problema da estrutura do léxico ultrapassa a simples questão da limitação
recíproca dos significados em função das relações de proximidade e a concepção saussuriana da língua concebida como
um sistema deve poder dar conta deste fenômeno. A polissemia mostra que o significado não é um dado simples nem
imediato, e a sua descrição supõe que se tenha em conta a totalidade dos aspectos pelos quais ele se revela ao analista.

A polissemia é um dado flagrante: a experiência de qualquer utilizador da língua fornece-lhe constantemente


exemplos da polivalência semântica dos signos que ele utiliza. Basta-lhe abrir um dicionário para ter a confirmação da
onipresença da polissemia. O termo foi introduzido por M. Bréal no final do século XIX. No entanto a polissemia é a
característica do signo mais ignorada e mais mal integrada pelas teorias lingüísticas. Ullmann aborda o tema integrando-o
num capítulo sobre a ambigüidade semântica onde cita Gilliéron, que, em 1918, considerou estes casos como patologias
da língua que estavam na origem do desaparecimento de palavras. A maioria dos autores não a referem porque Saussure
não colocou esta característica ao lado da arbitrariedade, do valor, da mutabilidade do signo.

Em vez de se considerar uma questão marginal, a polissemia é um dado importante para a teorização semântica.
Se a polissemia se baseasse na natureza das coisas, verificar-se-ia uma polissemia idêntica para todas as línguas do
mundo, entre signos que, então, seriam comutáveis entre si em qualquer circunstância. Uma vez que não é o caso, ficam
duas possibilidades de explicação: ou se admite que a polissemia dos signos é anárquica e não obedece a nenhuma
ordem ou se postula que ela é a manifestação de uma ordem estrutural, não imediatamente perceptível mas que a
análise científica pode demonstrar. Em relação à primeira hipótese, bastaria para a aceitar verificar a simples enumeração
das acepções que constituem o significado de um signo dado num dicionário. Para cada palavra encontra-se um conjunto
de acepções que não parece obedecer a nenhuma ordem especial. Por mais heteróclito que seja o conteúdo do
significado da palavra, o valor do signo parece escapar aos inventários restritos nos quais se pretende captá-lo. A
polissemia, que faz do significado uma entidade ao mesmo tempo una e diversa, coloca à linguística da língua um
problema semelhante àquele que o fonema apresenta em relação às suas variantes. Para tentar encontrar esta ordem
secreta, estabelece-se uma distinção entre os termos significação e designação. Apesar de empregues como sinónimos
na linguagem corrente, podem servir para distinguir as duas componentes complementares, mas irredutíveis, do
significado. Todo o signo designa um conjunto de conceitos e a designação é a relação simbólica estabelecida entre um
signo e um dos seus conceitos ou simplesmente o seu conceito quando for único. Esta distinção é importante para o
estudo semântico em geral e é fundamental para o estudo da tradução porque permite esclarecer o paradoxo que
constitui a tradutibilidade do signo apesar da sua intransponibilidade. O dicionário bilingue apresenta uma classificação
das acepções traduzidas sem que nenhum critério permita decidir acerca da validade desta classificação. No entanto, o
modo como estão organizadas não é inocente porque habitualmente seguem a ordem adaptada dos dicionário unilingues
estabelecidos em função da ordem de aparecimento das acepções ao longo da história da língua e do qual constituem
uma espécie de estratificação diacrónica. Não se pode, apesar disso, distinguir relações entre o verdadeiro sentido das
palavras e os sentidos derivados, ligados ao primeiro na consciência linguística de um falante de língua materna. Por isso,
esta classificação não é pertinente para um estudo sincrónico. Ela também não poderá ser interpretada como estando
fundamentada na importância relativa das acepções da palavra ou seja sobre a frequência de ocorrência de umas
acepções em relação às outras. A taxionomia do dicionário não reflecte nada a importância relativa das acepções pelo
número relativo de linhas que lhes atribui. O lugar dado a cada acepção parece depender dos problemas suscitados pela
tradução da palavra na outra língua. É um aspecto que não depende da análise da palavra enquanto elemento numa
dada língua mas do estudo dos fenómenos de interferência linguística.

O linguista tem tantas dificuldades em formular o conteúdo dos traços pertinentes semiológicos como o fonólogo
para encontrar os traços pertinentes fonológicos. Tal como o fonólogo só pode utilizar termos fonéticos, o semiólogo só
pode recorrer a aproximações semânticas ou a abstracções matemáticas. Há no entanto algum perigo em querer
formular em termos semânticos precisos o que é um puro valor e não um conteúdo porque um signo só ganha o seu valor
em relação aos outros elementos lexicais da mesma língua e não de outra. Quando, regressando ao próprio signo se
tenta isolar o que constitui a sua identidade de signo, quando se tenta captar, aquilo em frente ao qual se está, já não
surge como um conjunto heteróclito, mas como um único valor definindo-se como a constância da relação desse signo
com as coisas que ele pode designar por um lado e por outro com a língua ao qual pertence. O que desaparece na
passagem de uma língua para a outra é precisamente este valor unificador, esta significação do signo porque para o
traduzir é-se obrigado a empregar outros signos que, embora capazes de reenviar para as mesmas coisas, transportam
com eles a sua própria significação e reconstruem o universo do «querer dizer» segundo outros critérios de análise. Na
língua, a coisa não é só designada, também é significada ou seja incluída numa rede de relações que mediatizam esta
designação. Primeiro, no interior da palavra tomada isoladamente porque é captada como um conjunto de conceitos e
depois, no conjunto estruturado das palavras da língua, porque o que é dito da coisa designada pela significação, não é a
sua individualidade, a sua realidade tal como poderia ser cientificamente captada mas a relação e a diferença com outras
coisas designadas pelas mesmas palavras da língua.

Ao nível da significação, a coisa designada não é captada por si mesma, mas por um dos traços que a
caracterizam do ponto de vista do sistema de classificação conceptual e que a assimila por esse sistema a outras coisas
percebidas com o mesmo traço. A significação é apenas um critério de análise do sentido fornecido pelo sistema
linguístico tal como o traço pertinente é um critério de análise do som em fonologia. Nem todos os semânticos aplicam a
descrição derivada dos sistemas fonológicos e gramaticais caracterizado pela dissociação da forma e da substância.
Alguns procuraram revelar estruturas semânticas quer situando-se no próprio interior do designado e procurando recortá-
lo em traços pertinentes semânticos, quer situando-se no interior dos campos semânticos, ou seja abandonando o
domínio do significado propriamente dito para se colocarem no das coisas designadas. A significação da palavra não
caracteriza o objecto designado enquanto tal; caracteriza a própria palavra. Verifica-se este facto se se considerar que a
significação, tal como se pode formular num acto de metalinguagem, nunca é susceptível de servir como sinónimo ou
como glosa de uma qualquer designação da palavra. O problema da equivalência entre palavras na tradução abarca o
problema semântico mais alargado da sinonímia.

Tal como a linguística se mostrava incapaz de captar a natureza do traço pertinente do fonema, e de definir o
seu modo de existência, enquanto não tomou em consideração a sua função distintiva, do mesmo modo é impossível
captar a racionalidade interna do significado se não se procurar saber com que critérios o significado organiza os
dados da experiência. A concepção que se pode ter da polissemia muda radicalmente a partir do momento em que se
tome em consideração o facto de que o signo não é um simples substituto simbólico de uma fracção de universo, mas
uma rubrica no interior de um sistema classificador tal como o fonema não é um simples quadro limitando uma zona de
sons. A língua introduz descontinuidade no contínuo conceptual tal como introduz descontinuidade no contínuo sonoro
pelo sistema fonológico criando deste modo valores. Tal como é impossível conceber uma fonologia sem ter em conta
os sons e a sua infinita variação para estabelecer o ponto de partida entre o que depende da forma e o que pertence à
substância fonética formalizada, também é impossível tratar o significado sem ter em conta que ele é simultaneamente
a sua própria forma (significação) e a sua própria substância (designação). Não se poderia conceber uma forma do
significado vazia de qualquer conteúdo simbólico mas também não é concebível uma substância do significado que
não esteja formalizada pela sua inserção numa rede de relações permitindo-lhe ser captada como conceito. Tal como o
som reenvia para o fonema e o fonema para o som, a significação envia-nos para a designação e vice-versa, as duas
constituindo a inteligibilidade do signo. Tal como o sistema fonológico não se contenta em delimitar os sons
classificando-os segundo critérios de pertinência, o sistema semiológico não se contenta em delimitar os sentidos:
classifica-os segundo as relações de pertença ao sistema ou de pertença ao universo simbólico. A utilização do signo
em contextos diferentes tende a fazê-lo pertencer a lista lexicais diferentes e portanto, na fala, a fazer dele apenas um
puro símbolo esvaziando-o da sua significação. No entanto, captado fora de qualquer contexto, deixará antever todas
as facetas das suas virtualidades semânticas sem no entanto se reduzir a nenhuma. A palavra disco, por exemplo, só
ganha consistência aplicada num contexto: ouvir um disco não é o mesmo que lançar o disco nem o mesmo que
substituir os discos do carro. A constância de uma relação de oposição a outras palavras permite descobrir que o seu
próprio valor só é apreciável em função da relação com as outras palavras. Parece indispensável insistir nesta
distinção para dar conta do modo como é possível passar de um signo de uma língua para um signo de outra língua
sem danos para o conteúdo referencial inicial e sem no entanto negar a resistência estrutural à transposição. Em
qualquer acto de tradução (como em qualquer acto de formulação linguística) muda-se de significação logo que a
passagem de um significado a outro tenha manifestado a possibilidade de originar dois signos equivalentes ao nível do
designado. As únicas palavras da língua que escapam a este tratamento são aquelas que, pela sua natureza ou o seu
uso, são perfeitamente monossémicas e que consequentemente não estão submetidas à estruturação pelo sistema de
significação. Entre elas podem citar-se os números, os nomes próprios e as palavras pertencentes exclusivamente a
um domínio técnico preciso. A sua monossemia faz delas puros símbolos para as quais designação e significação se
confundem. Estas palavras, como o mostra a prática da tradução, são as únicas que podem ser transpostas
directamente, sem referência ao contexto ou à situação, por simples translação do significante. Não se poderá concluir
daqui que «a tradução de uma palavra é impossível» mas verifica-se que num exercício de tradução nunca se deve
procurar transpor a significação de uma palavra mas a sua designação. Se se quiser tentar visualizar as relações
entre os dois pólos complementares do significado, poderá dizer-se que eles não se sobrepõem mas que são
perpendiculares ou seja, se a significação e a designação estão simultaneamente presentes no acto de fala, elas
nunca interferem e a significação não tende a substituir-se ao objectivo da designação que é a finalidade de qualquer
acto semiótico excepto quando há vontade deliberada de efectuar um «jogo de palavras». Os seus domínios são
distintos: a designação, reenviando para uma realidade extrínseca à língua, remete para a definição; a significação,
pertencendo ao sistema, apenas pode ser apreendida por um esforço linguístico consciente e isolado comparando a
palavra com aquelas às quais se opõe. Segundo Merleau Ponty, quando na língua, o encadeamento dos morfemas
procura significar o contrário do que diz, como é o caso da ironia, há uma primeira reflexão pela qual se isola o
significado dos signos mas ela remete para uma segunda reflexão que permite encontrar aquém desta distinção o
funcionamento efectivo da fala.

A língua não se define pela soma dos elementos que a constituem mas é o resultante da configuração que
esses elementos esboçam segundo formas e regras de emprego determinadas.

O campo linguístico de uma pessoa é difícil de determinar com precisão porque falar não é ter à sua disposição
um certo número de signos mas possuir a língua como princípio de distinção qualquer que seja o número de signos
que ele nos permite especificar. A língua nunca diz nada; inventa uma gama de gestos que apresentam entre si
diferenças bastante nítidas para que a conduta da linguagem à medida que se repete, se recorte e se confirme ela
própria, e nos forneça de modo irrecusável os contornos e a impressão de um universo de sentido.

Na fala, habitualmente, a consciência do sujeito situa-se apenas ao nível das designações, a significação
pertencendo ao mecanismo implícito da sua actividade falante. A única actividade linguística onde os dois planos são
susceptíveis de interferir é precisamente a tradução, no momento em que dois sistemas linguísticos se confrontam.

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5.2 Área semântica

Se se encarar a palavra simultaneamente mas distintamente na sua relação à coisa e na sua relação com as
outras palavras do sistema, a intradutibilidade não é um dado tão simples como pareça. Para mostrá-lo é necessário
substituir a noção de polissemia pela de área semântica. A consciência do sujeito falante só apreende a polissemia
diacronicamente ou seja não capta a relação significação/designação mas as relações de derivados entre as
designações das palavras. A referência diacrónica e a passagem para os primeiros sentidos são geralmente o único modo
que possibilitam ao sujeito ligar entre si as acepções de uma palavra. A noção da área semântica não dá totalmente conta
da realidade semiótica por várias razões. Por um lado, deixa supor que o universo a nomear e o modo de nomear se
confundem, por outro lado, a palavra área, como metáfora espacial, deixa pensar que os diferentes sentidos da palavra
constituem um continuum, a descontinuidade só intervindo quando se muda de palavra. Acontece que os conceitos
designados por uma mesma palavra são realmente conceitos diferentes. Em consequência desses dois pontos, pensa-
se que o agrupamento de conceitos operado pela palavra está fundado na realidade extrínseca e não na estruturação
linguística, o signo limitando-se a recortar uma zona mais ou menos vasta no continuum do universo real. Na realidade,
os conceitos que se podem enumerar como constituindo as designações de um mesmo significado só têm razão de ser
porque pertencem ao mesmo critério de classificação. A própria noção de área semântica inclui uma certa concepção
implícita da relação entre os signos e a realidade designada. A metáfora espacial utilizada implica por um lado, um
universo de coisas e por outro, palavras delimitadas por sons deste universo que se oferecem à nossa representação
como um continuum captável fora de todas as descontinuidades introduzidas pelo sistema linguístico. É através deste
continuum que se comparam os signos de duas línguas para determinar as suas áreas semânticas respectivas. O
continuum não existe quando se trata de língua. Toda a língua introduz necessariamente descontinuidade na
representação e é impossível pretender comparar outra coisa que não palavras. A palavra agrupa fragmentos de
universos através dos conceitos designados mas não os agrupa lado a lado como uma luz incidente sobre uma
determinada área espacial. Classifica-os segundo uma lógica própria. São as palavras que criam a sua área semântica. A
noção de área semântica pressupõe de facto, entre o universo das palavras e o das coisas, um terceiro universo que
seria o da semântica ao qual nos poderíamos referir de modo universal e imediato uma vez que a não coincidência entre
o universo das palavras e o universo real revela o universo estrutural da língua. Quando se comparam duas línguas
verifica-se que cada uma delas recorta ou seja introduz descontinuidade em lugares diferentes da outra. Uma língua pode
recortar aquilo que na outra parece impor-se como a representação de um conceito único. As línguas não mudam o
universo apreendido mas conduzem a uma apreensão diferente, por isso não se podem comparar palavras num universo
semântico intermediário. Só existe universo semântico intermediário como resultado da dialéctica estrutura/nomenclatura.
Aquilo que se considera ser um universo intermediário é simplesmente o resultado das interferências devidas à tradução.
A área semântica comum a duas línguas é geralmente apenas uma área de interferência. Só se poderá falar de área
semântica de uma palavra se se insistir sobre o facto desta área semântica só existir como projecção do significado e não
pré-existindo-lhe. Os elementos conceptuais, constituindo esta área, são heterogéneos se forem considerados fora do
traço de significação que os une no interior do significado de uma palavra e a área semântica inclui não só os conceitos
designados mas também a significação do signo.
O facto de todo o significado se encontrar entre os dois pólos da significação e da designação explica que não se
possam trocar os elementos derivados de duas estruturas linguísticas diferentes, mas ao mesmo tempo que se possa
tentar essa troca. Com efeito, é incompreensível que se possa dizer que os signos só se definem no interior de uma
estrutura e que, apesar disso, se possa mostrá-lo comparando elementos oriundos de duas estruturas diferentes. Aquele
que compara duas línguas parte necessariamente de dois elementos considerados como equivalentes em função de um
conteúdo de designação dado, para verificar numa segunda fase que esse conteúdo referencial não esgota o significado
de nenhum dos dois signos e que, apesar de haver pontos de intersecção entre os dois, nem sempre significam a mesma
coisa, e por isso não são susceptíveis de designar a mesma coisa em todos os casos. Cada língua prolonga as
designações possíveis em sentidos diferentes dos pontos de convergência. Por isso, pode-se justificar a noção de
intradutibilidade / instransponibilidade de um signo por outro signo de outra língua, dizendo que, em qualquer caso, não
se pode traduzir todo o significado de um signo: não se pode traduzir a sua significação, apenas se pode traduzir o que
ele designa.

Se procurarmos de onde deriva este valor, esta significação, vê-se que apenas depende do facto de pertencer a
um conjunto de signos. Se ele estivesse só, estaria apto a designar tudo. Fora das relações que lhe conferem o seu valor,
o significado já só é captável enquanto facto estritamente linguístico. Se, por exemplo, se tentar definir o significado de
tacho, partindo da única designação presente na expressão "um tacho de arroz": a descrição semântica dissolve-se na
descrição do objecto real designado, com a sua forma, tipo de material e uso. A descrição semântica corresponde
praticamente a um objecto. Todavia, pela sua polissemia, o signo fica preso numa rede de interrelações, baseado em
semelhanças e diferenças. No campo lexical, os signos agrupam-se em função da sua semelhança: por exemplo tacho,
panela, frigideira são objectos de cozinha. Há, portanto, um traço semântico comum que os une. No entanto, enquanto
signos diferentes, opõem-se no campo lexical porque a escolha de um exclui os outros no interior do campo. Definem-se
mutuamente não pela sua semelhança mas pela sua diferença de forma e de funcionalidade. Nenhuma das análises das
diferenças e semelhanças esgota o significado linguístico de um signo deste campo semântico: por um lado, pela não
equivalência entre significação e designação, porque os signos são polissémicos e pertencem, por isso, a outros
conjuntos de relações de semelhança e diferença: por exemplo na frase «ele tem um bom tacho» ou «a panela do carro
furou-se»; por outro lado, e em consequência, o significado de cada um desses signos não se deixa reduzir a nenhuma
das análises que se podem fazer do signo, por semelhança ou diferença, em cada um dos inventários restritos nos quais
se capta. Esse significado contém ainda um valor constante ou significação que recebe precisamente pela sua faculdade
de figurar nos diferentes inventários.

O signo retira este valor constante a que se chama significação da sua diversidade semântica ou seja, da
variedade dos conjuntos conceptuais aos quais pertence, da constância de uma relação ou seja do facto de se opor
sempre do mesmo modo aos outros termos do inventário semântico nos quais é susceptível de entrar. Este fenómeno
é uma manifestação do carácter estrutural do léxico muito mais importante que a simples oposição no interior dos
campos semânticos ou seja pelo facto de «palavras exprimindo ideias vizinhas se limitarem reciprocamente». É por
isso que as tentativas de estudo do significado unicamente no interior de um campo só parcialmente dão conta do
carácter estrutural do léxico. O estudo do valor linguístico das «ideias vizinhas» ao nível da sua designação não é
suficiente para dar conta do grau de estruturação do léxico. A limitação recíproca opera-se num segundo nível de
estruturação no interior dos campos. O significado não substitui o universo real por um universo simbólico com leis
próprias mas faz coabitar um objectivo simbólico e uma análise estrutural.

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5.3 Conotação e denotação

A semântica é a componente da língua que permanentemente estabeleceu a passagem entre a língua e o


mundo e entre o mundo e a língua. A noção de estrutura do léxico é complexa e depende de três níveis: a relação entre
a estrutura semântica e a morfologia (as leis semânticas decorrentes da manipulação do sentido operado pela
prefixação, sufixação, verbalização, género, pessoa, etc.); a análise morfológica nos seus elementos mínimos, de
acordo com o conceito de monema de Martinet, ou os morfemas de Bloomfield que visam detectar os elementos ditos
primitivos da língua; a decomposição em níveis dos monemas e das palavras primitivas através de operações de
definição que isolam as componentes descritivas ou distintivas. A maioria das experiências desenvolvidas nesta área
incidiram sobre listas terminológicas fechadas.

A denotação de um termo é a extensão do conceito, ou seja o conjunto dos objectos dos quais este
conceito é atributo. A conotação do termo é a compreensão do conceito, ou seja o conjunto dos caracteres
pertencendo a este conceito. Bloomfield considera que as variedades de conotações são inumeráveis, impossíveis de
definir e mal separadas da significação denotativa. Todas as conotações (ordinária, familiar, académica, provinciana,
rústica, arcaica, técnica, sábia, estrangeira, irónica, infantil, etc.) acrescentam à definição objectiva de um termo,
valores ligados a certos sentimentos.

Há uma diferença entre os signos compreendidos por definição referencial e os signos compreendidos por
definição linguística: “a definição referencial ou deíctica do signo exige que o utilizador do signo tenha um contacto com
a coisa denotada por esse signo. Com a definição linguística do signo, este é compreendido por referência a outro
conjunto de signos”. Os lógicos consideram denotação a referência do signo à coisa; os lógicos e os semânticos
chamam significação ao conhecimento do signo apenas por referência a outros signos. Por isso, os signos sem
denotação como sereia ou dragão têm uma significação. As conotações não fazem parte da significação porque não
fazem parte da semântica, uma vez que não há relações entre os objectos e os signos. As conotações fazem parte da
pragmática que trata das relações entre os signos e os seus utilizadores.

Bloomfield iniciou um movimento de reflexão que sublinhou a dificuldade em separar os valores denotativos
dos valores conotativos de uma mesma palavra. As conotações estão ligadas às denotações porque fazem parte
integrante da realidade não linguística à qual os signos que as denotam reenviam globalmente. As conotações variam
para cada locutor em função da riqueza das situações. Segundo Bloomfield, a significação é apenas o resultado das
situações em que o locutor ouviu pronunciar a palavra. Isso quer dizer que a significação contribui para a compreensão
global da palavra.

Do ponto de vista pragmático, podem estabelecer-se três tipos de relação entre os utilizadores dos signos
e os signos: as relações tanto podem ser exclusivas entre o locutor e o signo ou exclusivas entre o auditor e o signo ou
recíprocas entre o locutor, o auditor e o signo. Cada um destes três tipos origina uma espécie diferente de conotações.

A aquisição dos significantes processa-se de dois modos diferentes: pelo sistema linguístico, sempre que o
auditor ouve ou utiliza significantes em situação e pelo sistema lógico, pela via das definições, através da escola, das
leituras didácticas, da consulta de dicionários ou de léxicos de toda a espécie. As denotações são, por isso, adquiridas
de um modo maciço num sistema lógico e linguístico mais depressa que as conotações cuja aquisição depende
sempre da experiência natural dos contextos e das situações ocasionais das mensagens. A aprendizagem das
significações faz-se pela via deíctica e situacional onde se mostram as coisas ou se apreendem as situações
correspondendo aos enunciados; pela via linguística onde as significações são apreendidas pelos contextos das outras
palavras; pela via lógica onde as situações se reduzem a contextos especiais mínimos considerados definições com
propriedades particulares. Não pode, por isso, haver uma divisão nítida entre semântica e pragmática porque a relação
entre o utilizador e o signo pode ser um caso de léxico como qualquer outro. A utilização dos conhecimentos
pragmáticos é fundamental para a compreensão das línguas. Graças a estes conhecimentos a comunicação torna-se
mais concisa porque existem muitos pontos comuns aos intervenientes no processo. Não há necessidade de dizer
tudo; as possíveis ambiguidades do discurso são resolvidas por inferência devido à convergência dos falantes em
relação ao tema tratado.

Para traduzir, é importante hierarquizar e distinguir os diferentes tipos de conotações. Deve-se, em primeiro
lugar, isolar as relações entre os utilizadores e os signos que só têm manifestações orais, das relações entre
utilizadores e signos que podem ser escritos ou transcritos. Para os primeiros, a dificuldade coloca-se sobretudo para
os intérpretes enquanto que a tradução clássica sempre soube resolver os segundos. No entanto coloca-se a questão
de saber se se há-de traduzir um calão por outro, um regionalismo por outro etc.. Quaisquer que sejam as suas formas,
existem valores particulares da linguagem que informam sobre o auditor, o locutor, a sua personalidade, o seu grupo
social, a sua origem, o seu estado psicológico. Bloomfield chama-os valores suplementares. Morris considera-os
informações ou propriedades adicionais dos signos. Sörensen chama-os cargas emotivas. A terminologia americana
trata esses valores como emotivos, não cognitivos, expressivos, sugestivos, comunicativos. A teoria da tradução deve
ter em conta os valores notados por Humboldt quando afirmou que “uma troca de palavras e de concepções não é a
transmissão de uma ideia dada por uma pessoa a outra: naquele que assimila como naquele que fala, esta ideia deve
sair da sua própria força interior; tudo o que o primeiro recebe consiste unicamente na excitação harmónica que o
coloca em tal ou tal estado de espírito [...] as palavras, mesmo as mais concretas e mais claras, estão longe de
despertar as ideias, as emoções, as recordações que aquele que fala presume”. A linguística recente preocupou-se em
analisar estas dificuldades. Os seus resultados conduzem a uma situação paradoxal: quanto mais se sabe sobre o
modo como os homens comunicam, mais se conhecem os obstáculos à tradução mas também melhor se aprende a
contorná-los de modo a preservar, na tradução, senão toda, pelo menos, o máximo de informação.
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5.4 Um exemplo particular de recorte do mundo: a cor

Um exemplo muito particular e frequentemente evocado para acentuar a resistência das línguas à tradução é o do
léxico das cores. Verifica-se que nem todas as línguas recortam e classificam do mesmo modo os elementos do campo
semântico das sensações coloridas. Segundo Bloomfield, “os físicos consideram o espectro das cores como uma escala
contínua de ondas luminosas de diferentes comprimentos, indo de 40 a 72 milésimas de milímetro, mas as línguas isolam
diferentes porções desta escala de modo totalmente arbitrário e sem limites precisos, na significação que os nomes de
cores como violeta, azul, amarelo, laranja, vermelho têm e os nomes de cores das diferentes línguas não abarcam as
mesmas gradações.” Para resumir a questão, G.Mounin afirma que “o ponto de partida aceite, mesmo demonstrado, é
que, fisicamente, a luz é a mesma em todo o lado; que o olho humano permanece o mesmo sob todas as latitudes e para
todas as raças. [...] Se a nomeação das cores é tão diferente segundo as raças e as latitudes consoante as línguas, não
poderá ser posta em causa a diversidade das experiências do mundo, nem a do olho: trata-se realmente de um caso
típico, em que línguas diferentes exprimem por estruturas linguísticas diferentes factos físicos idênticos, e prova-se assim
que a estrutura da linguagem não reflecte automaticamente a do universo. A classificação das cores varia com as línguas
ao mesmo tempo que a sua nomeação, e a referência à análise científica das sete cores do arco íris está ausente de
todas as classificações ou sistemas linguísticos dos termos designando as cores. O hebraico parece distinguir nitidamente
o branco, o negro e o vermelho; possui uma palavra que se aplica a coisas verdes e amarelas, a nomeação do azul não é
nítida para nós; com excepção do vermelho, as cores não têm conotações simbólicas afirmadas; a verdadeira
classificação poderia ser uma oposição de base entre escuro e brilhante. O sanscrito, por seu lado, possui uma
classificação explícita que figura no seu dicionário clássico: branco, negro, amarelo, verde, castanho, cores matizadas.
Esta classificação não está ligada ao simbolismo social das cores (branco, vermelho, amarelo, negro). Talvez esteja ligado
a um simbolismo arcaico teológico-intelectual (o baço ligado ao vento, o sombrio ao fogo, o brilhante à água, o branco à
contemplação, o vermelho à acção, etc.) O azul e o negro têm nomeações imbricadas, o amarelo e o verde também. O
grego tem a mesma palavra para um verde amarelo e um vermelho, a mesma palavra para um verde amarelado e para
um castanho acinzentado, outra para azul negro e por vezes escuro, e poucas marcas de valores simbólicos, com
excepção da oposição do vermelho e do branco (fastos) ao negro (nefasto). O latim possui uma oposição simbólica
original entre branco (albus) e branco brilhante (candidus), entre negro (ater) e negro brilhante (niger); purpureus
emprega-se para o arco íris e para a neve. O chinês fornece um exemplo impressionante de estrutura do campo
semântico das cores associadas de modo rígido a estruturas simbólicas, intelectuais e sociais: a classificação das cinco
cores de base (verde, branco, vermelho, negro, amarelo) corresponde termo a termo com a dos cinco elementos
(madeira, metal, fogo, água, terra), dos cinco tons musicais, dos cinco sabores; das quatro estações, dos cinco pontos
cardinais que incluem o zénite. As línguas polinésias oferecem associações simbólicas do mesmo género, o negro com a
morte, o negro baço com a chuva, o verde com a génese, o vermelho com o poder e a virilidade (tal como o negro
brilhante)”. Para fundamentar estas observações é necessário distinguir entre a classificação explícita operada pelos
utilizadores, e a classificação implícita das línguas em questão. Tanto faz que esta classificação explícita seja de ordem
científica ou mitológica, em qualquer caso, assenta numa organização extrínseca ao sistema linguístico e baseia-se em
relações associativas entre conceitos designados por palavras. Estes tipos de classificações que, segundo Mounin,
mostram o modo de concepção do mundo não são muito relevantes para a linguística porque não apresentam a
totalidade dos termos designando as cores e também porque não distinguem entre problemas de tradução propriamente
ditos e problemas de comparação de línguas.

As palavras estudadas são apresentadas segundo o ponto de vista de uma única língua de chegada, como
recortando uma mesma área conceptual, mas estão isoladas do sistema linguístico global e dos contextos onde podem
figurar. Estes exemplos ilustram a dificuldade da tradução de um termo indicando a cor mas não fornecem o meio de
ultrapassar o problema. Um signo pertencente ao campo lexical das cores, será definível, em qualquer língua, em relação
a outros signos nos campos lexicais e contextuais nos quais se realiza. Como todos os outros signos, pode ser
polissémico visto poder pertencer a vários campos lexicais diferentes e a sua extensão depende do número de signos
aos quais se opõe.

Não deve ser confundida polissemia com área semântica no estudo global do signo apesar de certos domínios
conceptuais muito limitados, como o das cores, induzirem a impressão da convergência. O funcionamento dos
automatismos linguísticos é tão inconsciente que exerce um domínio sobre a consciência levando-a a considerar como
idênticas as coisas designadas por termos idênticos. É necessário um esforço consciente para que um falante perceba
que não designa a mesma cor quando diz «uma mulher branca» ou «uma página branca». A identidade da palavra
empregue é mais forte que a sua impressão visual, e o falante tem tendência para pensar que se trata da mesma cor nos
dois casos.
O léxico das cores, ao contrário das aparências, não é um domínio limitado, nem as palavras que formam o léxico
são exclusivamente termos de cor. Na constituição do campo lexical das cores, pensa-se frequentemente em palavras
como azul, verde, amarelo, branco, vermelho, preto, etc., cuja frequência de emprego, no mesmo campo, ultrapassa
bastante a frequência de emprego nos outros campos. O campo é, no entanto, muito mais vasto do que aparentemente
se supõe. Bastaria referir para o exemplificar o nome de cada uma das duzentas e cinquenta e seis cores configuradas
por um computador, mas pode dizer-se que o léxico das cores é quase ilimitado na medida em que a moda, por exemplo,
fornece em cada dia exemplos de emprego de palavras para designar novas matizes coloridas.

Inversamente, não há termos específicos do campo lexical das cores. Os termos como vermelho, verde, amarelo,
etc., cujo coeficiente de frequência é infinitamente mais elevado nos contextos que fazem deles elementos do campo
lexical das cores, surgem noutros contextos criando a impressão de uma especialização. Fala-se por exemplo em
partidos vermelhos, ideias verdes, risos amarelos etc. Há, no entanto, outros termos com frequência de aparecimento tão
elevada no campo das cores como noutros. Por exemplo: rosa tem um coeficiente de frequência tão elevado no campo
das flores, como nas cores ou dos nomes próprios; laranja tanto designa a cor como o fruto. A palavra verde, varia o
sentido consoante o contexto em que se insere: um campo verde remete para a cor mas vinho verde já pertence a outra
área lexical, por oposição a maduro; uma pessoa verde, por oposição a experiente. Pode objectar-se que todos estes
sentidos estão intimamente ligados a um sentido primeiro, no entanto, se isso é verdade quanto ao sistema linguístico,
não é verdade em relação à designação e portanto em relação ao querer-dizer do utilizador para quem a utilização num
contexto dado só evoca o objecto designado e não a significação. O que a palavra conserva de idêntico nestes diferentes
campos conceptuais, e por oposição às outras palavras destes campos, não é o mesmo designado , mas um valor
constante que lhe pertence como elemento do sistema semiológico da língua. É o que Saussure enuncia sem o mostrar
quando diz que “ uma palavra pode exprimir ideias bastante diferentes sem que a sua identidade fique seriamente
comprometida (cf. «adoptar uma moda» e «adoptar uma criança», «a flor da cerejeira» e «a flor da sociedade», etc.)”.

Foi também Saussure quem reparou que “no interior de uma mesma língua, todas as palavras que exprimem
ideias vizinhas limitam-se reciprocamente”. O acento posto sobre a existência puramente diferencial do signo é o princípio
essencial que deve orientar todo o estudo do léxico, qualquer que seja o domínio conceptual onde se aplica. O poder
expressivo de um signo deve-se ao facto de fazer parte de um sistema e de coexistir com outros signos e não ao facto de
ter sido instituído transcendentalmente para designar uma significação. O signo é a pura diferença ao nível da significação
visto ser apenas um elemento de um sistema taxionómico; mas é também diferença em relação a outras palavras na
designação, no lugar onde as palavras de facto se limitam reciprocamente. O problema da delimitação do significado de
um signo consiste em saber a que é que se opõe, ou seja em reconstituir o campo das «ideias vizinhas» de que fala
Saussure e que corresponde apenas àquilo que agora se considera o campo lexical.

No domínio dos termos de cor, como noutros, estes campos lexicais só podem ser evidenciados nos contextos,
porque o campo das «palavras exprimindo ideias vizinhas» por similitude (entre as quais se realiza uma escolha)
estabelece-se e revela-se pelo intermediário das «palavras exprimindo ideias vizinhas» por contiguidade (ou seja, aquelas
que se interpelam e se completam mutuamente no texto), as associações contextuais delimitando e constituindo os
campos contextuais. Apenas deverão ser consideradas as palavras que o locutor teve de excluir ao escolher uma
determinada palavra num contexto dado. Se estes princípios de análise forem aplicados ao léxico dos termos de cor,
verifica-se que o problema da delimitação semântica dos termos de cor e da confrontação de termos de línguas diferentes
não é tão simples como parece. Para explicar as diferenças entre as línguas, talvez não seja necessário recorrer às
diferenças de concepção do mundo visto que basta uma explicação de ordem linguística.

Alguns exemplos mostrarão que os problemas acima levantados se devem à ilusão que os termos de cor se
opõem sempre às mesmas palavras no mesmo campo lexical, e, por consequência deviam recortar sempre a mesma
porção do real designado. Se se afastarem os casos de polissemia manifesta, ou seja os casos em que a mesma palavra
pertence a vários campos lexicais ao mesmo tempo, verificam-se ainda variações consideráveis no registo das cores. A
palavra vermelho, por exemplo, cobre as matizes de cor que ultrapassam largamente a zona do espectro solar
compreendida entre o infravermelho e o laranja. Esta porção do espectro corresponde ao conteúdo da designação de
vermelho num contexto como «ela usava um casaco vermelho» onde vermelho se opõe a verde, preto, azul, etc. A
questão torna-se mais complexa se se considerar o contexto «um aquário com peixes vermelhos» porque, na realidade,
quem observar cuidadosamente essa variedade de peixes verificará que são normalmente cor de laranja, ou amarelo-
alaranjado mas não propriamente vermelhos. No caso de « casaco vermelho », vermelho opõe-se a todas as palavras
designando as cores do arco íris e a muitas outras que recortam de modo mais subtil o espectro colorido. No caso de «
peixes vermelhos » já não acontece o mesmo porque « peixe vermelho» não se opõe a peixe verde, ou peixe azul mas é
um elemento de um campo que só inclui dois termos: os «peixes vermelhos» e todos os outros peixes qualquer que seja
a cor. Não se trata, por isso, de um termo de cor mas de uma palavra designando um tipo particular de peixes em relação
a outros. A palavra não designa a cor em relação a outras, limita-se a desempenhar uma função de diferenciação.

Outro exemplo poderá mostrar como o nome de uma cor pode parecer desempenhar funções semânticas
delicadas pelo facto de aparecerem em campos conceptuais vizinhos mas que não se confundem. A palavra amarelo
surge normalmente no contexto das cores; no entanto, verifica-se que a cor que designa varia bastante consoante os
casos. Se se considerarem quatro expressões: rosa amarela, açúcar amarelo, raça amarela, rosto amarelo verifica-se
que, do ponto de vista da cor, os objectos designados são muito diferentes. Estas diferenças deixam de espantar se
tivermos em conta que o signo é puramente diferencial e se, para cada emprego de amarelo tivermos em conta que o que
confere o conteúdo de designação ao signo, é mais aquilo a que se opõe do que aquilo que designa. Por isso torna-se
vão procurar, para todos estes empregos, uma identidade referencial. A única identidade que existe é o elemento sémico,
por isso a identidade encontra-se ao nível do significante e da significação mas não da designação, daí considerarem-se
estas variações como casos polissémicos.

Cita-se frequentemente como exemplo de palavra intraduzível tanto em francês como em português, o adjectivo
inglês brown. Na prática esta palavra nem sempre se pode traduzir pelo mesmo termo. De acordo com uma lista não
exaustiva, a palavra pode corresponder a castanho, moreno, ruivo, pardo, cinzento, bronzeado. Daqui se poderia concluir
que o recorte realizado pelo português é mais matizado que o do inglês se considerássemos que a tradução se limitava à
substituição de uma grelha de recortes mais largos por outra de malhas mais apertadas. No entanto, verifica-se que
brown não deve ser considerada como uma porção uniformemente recortada no leque global das cores porque assume
valores diferentes em cada campo contextual, por diferença com outras palavras às quais se opõe no campo lexical assim
definido. Em cada um dos exemplos seguintes, brown não se opõe à totalidade do léxico das cores mas a uma lista
específica. No caso de hair, o inglês normalmente só opõe dark, brown, red e fair. É por conseguinte em relação a estas
quatro palavras, que constituem o recorte completo do campo conceptual das cores de cabelo, que o valor de brown deve
ser apreciado, e é em relação a este campo conceptual que um equivalente deve ser procurado. No contexto de shoes, o
caso é mais delicado. É possível, no caso dos sapatos, nomeadamente femininos, encontrar brown integrando o conjunto
lexical green, yellow, red, blue. Mas quando se trata de sapatos masculinos, brown é apreendido como um dos termos de
uma escolha de apenas duas opções: « brown shoes / black shoes». Isso não significa que só haja duas cores de sapatos
masculinos na Inglaterra, nem que os ingleses sejam incapazes de apreender essas cores, mas que qualquer sapato que
não seja preto seja considerado brown qualquer que seja a tonalidade precisa. Trata-se de uma classificação que se
deve, não à própria cor, mas à simbólica social que estes tipos de sapatos representavam. No contexto de sugar, a
oposição também é de dois termos diferentes : brown/white. O mesmo acontece para bread e para paper. Em todos estes
casos, a palavra só é idêntica do ponto de vista do significante e da significação. A tentativa de traduzi-la sempre por um
termo do campo lexical das cores pode ser considerada como uma interferência e por conseguinte como um erro de
tradução porque ao procurar um termo de cor para dar conta de certos contextos, esconde-se o verdadeiro campo
conceptual ao qual pertence a palavra. Apesar da significação ser idêntica a designação pertence a outros campos
conceptuais distintos. Todo o problema da tradução consiste em elucidar esse campo conceptual e em recortá-lo de forma
adequada por um campo lexical da outra língua. A apreensão correcta do valor do termo em cada um dos contextos só
pode basear-se num profundo conhecimento da língua, implicando o reconhecimento implícito do campo lexical no interior
do qual se opõe e fora do qual não é definido. A tradução correcta será aquela que for capaz de reconstituir na outra
língua o campo conceptual no qual se deverá procurar o equivalente de tradução. A tradução desempenha um papel tão
importante nas comparações lexicais que se pode pensar que as conclusões acerca do diferente recorte dos campos
conceptuais se devem de facto a interferências ou erros de tradução. A apreensão e a comparação correctas dos factos
colhidos em diferentes línguas obriga a um conhecimento em profundidade da língua descrita apoiada por rigorosos
critérios de análise.

Se estas duas condições fossem sempre realizadas, a maioria dos problemas linguísticos da cor resumiam-se a
problemas de polissemia onde apenas se deve saber distinguir os campos conceptuais diferentes. Não se trata de
apresentar a problemática da polissemia como a chave de todas as dificuldades nem se deve afirmar que não há
problemas de recorte entre as línguas mas convém mostrar que o que se considera recorte diferente incide sobre os
mesmos dados ou seja sobre o mesmo campo lexical. É evidente que pode haver diferenças de recorte na medida em
que o campo físico da cor não é composta por unidades discretas, mas é um contínuo, no qual cada língua pode
introduzir um recorte mais ou menos fino. A percepção das variações coloridas e a classificação das sensações coloridas
são eminentemente subjectivas, por isso podem ocorrer grandes variações de indivíduo para indivíduo quanto à
nomeação de tal ou tal tom. No entanto, cada língua oferece aos seus utilizadores um registo de recorte, no qual a
totalidade da nomeação das cores se insere de modo mais ou menos preciso. Os termos de base oferecidos por cada
língua podem, por conseguinte, fornecer uma grelha de análise mais ou menos apertada ou mais ou menos larga. De
qualquer modo, o recorte das cores fornecido pelo espectro solar também não é considerado como uma referência
absoluta na análise do léxico. Ao nível da percepção das cores no real, e do recorte feito pelas línguas, estas cores de
base podem não ser os termos de cor de base porque existem cores como o castanho, o rosa que não fazem parte das
cores do arco íris mas ocupam um lugar importante no léxico. Por isso, a comparação dos recortes realizados pelas
diversas línguas, no conjunto das sensações coloridas, é muito mais complexa do que parece. É conveniente distinguir
duas ordens de problemas: o da pluralidade dos subconjuntos lexicais (campos lexicais) nos quais os termos de cor
aparecem, e que lhes conferem uma polissemia; e o do recorte no interior dos campos lexicais assim distintos. Convém
também separar aquilo que se deve às diferenças de recorte de uma mesma realidade daquilo que revela diferenças no
seio da própria realidade.

As conclusões a que a observação do léxico das cores permite chegar podem ser extrapoladas para todas as
outras palavras. Assim, o problema prático da tradução não é o de encontrar o equivalente de um termo de cor na
língua de chegada; é o de encontrar o termo, mesmo que não pertença ao campo conceptual das cores, que designe o
mesmo conceito na outra língua. Tem de ser um termo que pertença a um campo conceptual idêntico àquele que foi
definido pelo contexto para o termo da língua de partida, e que ocupa, no campo lexical, o mesmo lugar em relação
aos outros termos que o compõe.

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6. Limites do estruturalismo

Verifica-se que é difícil introduzir o estruturalismo na lexicografia porque, segundo Buyssens, o valor de um
elemento lexical depende da presença dos outros e acontece que, para uma mesma língua, há locutores cujo léxico
tem dez vezes menos palavras que outros. O vocabulário fundamental de um falante com instrução média é
geralmente muito mais reduzido que o léxico utilizado por falantes de níveis académicos superiores. O mesmo
elemento lexical tem valores diferentes nestes léxicos por se encontrar uma rede com malhas mais largas no primeiro
caso e outra mais apertada no segundo.

Para encontrar uma solução para o problema da linguística estrutural, André Martinet considerou a
existência de dois tipos de inventários: os limitados, constituídos por listas fechadas e os ilimitados, formados por listas
abertas: “ O número de enunciados possíveis em cada língua é teoricamente infinito, por ser ilimitado o número de
monemas sucessivos que um enunciado pode comportar. Com efeito, é uma lista aberta a dos monemas em cada
língua; não se pode determinar com precisão quantos monemas distintos possui uma língua, porque a cada passo
surgem necessidades novas que fazem criar novas designações”. O léxico não se coaduna com a noção de estrutura
porque geralmente a estrutura de um campo lexical de uma ou várias línguas não é determinada de um ponto de vista
único de acordo com uma classificação homogénea mas é dada a partir de pontos de vista diferentes que se
entrecruzam ou são lacunares, segundo uma rede de relações não coordenadas. Qualquer aprofundamento de
estruturas do léxico contribui para uma maior manipulação das significações e, por conseguinte, permite aperfeiçoar
regras de correspondências entre os campos lexicais de uma língua e os campos lexicais de outra.

As teorias fundadas sobre a estrutura do léxico pretendiam isolar as unidades mínimas de sentido. A sua
descoberta seria um grande contributo para a teoria da tradução visto que também a tradução parte do sentido para
efectuar todas as operações de transferência de uma língua para outra. Trier elabora a teoria dos campos semânticos
e Martinet estuda os monemas a partir de formas linguísticas. Hjelmlev, que distinguia substância da expressão de
forma da expressão e substância do conteúdo de forma do conteúdo, considerava as substâncias cientificamente
inacessíveis por haver uma distinção entre o que locutor sabe que diz e a totalidade apreendida pelo auditor. Hjelmslev
interessa-se pelo modo como a linguagem organiza e decompõe a substância informe do conteúdo em unidades
formais e combináveis de conteúdo. Hjelsmlev sugeriu a hipótese da articulação da linguagem no plano do conteúdo
entre unidades de sentido - os morfemas ou monemas e outras subdivisões ainda mais pequenas de significado,
passíveis de serem ainda mais decompostas. Se isso fosse possível, estaria descoberto aquilo que Hjelmlev designou
por princípio de isomorfismo. Segundo Martinet, este princípio implica um total paralelismo dos dois planos do
conteúdo e da expressão; uma organização essencialmente idêntica às duas faces da língua, ou seja o som e o
sentido. Em 1954, Luís J. Prieto pretendeu analisar a organização da substância do conteúdo para chegar à
possibilidade de uma semântica estrutural. Para isso, procurou evidenciar traços pertinentes de significação para
classificar as oposições que eles formariam e encontrar figuras de conteúdo mínimas. Se se isolassem as figuras do
conteúdo de cada língua, e se se salientasse a organização destas estruturas de conteúdo, assim como a constituição
de uma teoria dos significados, seria simples chegar-se a uma teoria da tradução visto que estariam encontrados os
instrumentos permitindo estabelecer a passagem dos significados de uma língua para outra. O problema é que o
sistema fonológico é um conjunto finito que, por isso mesmo, se torna objectivo, ao passo que o sistema lexical,
mesmo reduzido às suas unidades mínimas, acaba por ter limites e contornos mal definidos visto ser constituído por
listas abertas. Verifica-se, por outro lado, que a estrutura dos significados talvez não seja de natureza essencialmente
linguística mas que depende da análise feita ao próprio mundo pelo sujeito falante. Neste caso, a análise da estrutura
dos significados poderia ser de natureza epistemológica ou lógica.

A operação de tradução analisada ao nível de uma única palavra não tem como objectivo transpor uma
significação, encontrar-lhe um equivalente noutro sistema mas encontrar a relação de designação estabelecida entre essa
designação e um conceito. Depois de elucidado o conceito, a segunda parte da operação de tradução consiste em
encontrar na língua de chegada a significação mais correcta para evocar o conceito original. Em nenhum momento desta
operação se pode considerar que as significações do original e da língua de chegada possam entrar em relação. A
operação de tradução consiste de facto em extrair a palavra do sistema ao qual pertence para considerá-la apenas como
elemento de um contexto e por isso como utensílio de designação. Desta forma, evitam-se as transposições literais, os
falsos amigos e os fenómenos de interferência linguística. Enquanto que uma concepção unidimensional do significado
conduz necessariamente ao conceito de intradutibilidade, uma concepção que separe no interior do significado o valor
estrutural (significação) e o valor contextual (designação) dá conta ao mesmo tempo da sua tradutibilidade e da sua
intransponibilidade.

Outro problema derivado da manipulação semântica é o recurso sistemático ao significante linguístico. Não há
meio de separar o conteúdo semântico do continente que o suporta. Mesmo que se reduza a análise aos elementos
mínimos de significação, estas unidades mínimas serão sempre, segundo Martinet, signos. Estes elementos mínimos
assumem sempre o papel de definições de significados mas são oficialmente considerados como operações
linguísticas do mesmo modo que os terminólogos ou normativistas consideram a sua actividade teórica.

CAPÍTULO I V

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PROBLEMAS ACTUAIS DA TRADUÇÃO

1- A problemática da tradução automática

As ciências e as técnicas desenvolvem-se por vezes apenas porque surgiram condições propícias, de um
modo independente das suas aplicações profissionais ou lúdicas. A história tem mostrado que não basta produzir uma
ferramenta para que seja utilizada de acordo com todas as suas potencialidades. Os chineses, por exemplo,
conheceram a pólvora muito antes de ter surgido a ideia de utilizá-la com fins militares. Conheciam a imprensa desde o
século XI, mas a difusão maciça do livro só ocorreu alguns séculos mais tarde. No entanto, parece que a ideia de
utilizar o computador na tradução linguística é contemporânea do aparecimento dos primeiros computadores. Tal facto
deve-se, talvez, à forte propensão do século XX para encontrar aplicações imediatas para as novas descobertas. Os
dados dos mercados económicos incitam a procura de uma rentabilização cada vez mais rápida. No caso do emprego
do computador para a tradução, assistiu-se, à saída da Segunda Guerra Mundial, à coincidência entre o
desenvolvimento da electrónica e uma tomada de consciência da importância do domínio das línguas e da
comunicação multilinguística.

Desde a grande Guerra, multiplicaram-se organismos internacionais destinados a manter a paz, por um lado,
mas, por outro, permaneceram fortes pressões quanto à partilha e domínio do mundo. A promoção do diálogo e a
competição real entre as nações são dois factores determinantes para o desenvolvimento da tradução automática.

A adopção de uma língua comum a todas as nações poderia ter sido a solução para a comunicação planetária,
mas os povos recusam-se a modificar as suas tradições linguísticas.

O esperanto foi uma língua criada para facilitar a comunicação entre os povos do mundo inteiro. Há mais de
cem anos que procura implantar-se como uma língua viva, capaz de exprimir qualquer nuance do pensamento
humano.

Pretendia-se que não pertencesse a um determinado povo ou país, mas sim a todas as pessoas do mundo
inteiro. Não seria, pois, veículo de qualquer tendência de hegemonia cultural, mas uma forma de estabelecer uma
ponte entre as culturas.
A sua estrutura, extremamente flexível, aliada a um vocabulário internacional contribuiriam para que fosse
muito mais fácil de aprender do que qualquer outra língua. Era a única língua que poderia, eventualmente, ser
unânime, visto que não privilegiava nem dominava nenhuma nação em particular.

No entanto, neste fim de século, desenvolveu-se uma ideologia de protecção às línguas. O respeito pela língua
materna tornou-se um direito inalienável daí que os organismos internacionais sejam obrigados a publicar os seus
trabalhos num certo número de línguas (todas as línguas oficiais da Comunidade Europeia, uma variedade de línguas
para a UNESCO, a ONU etc.). Os partidários do esperanto renunciaram aos objectivos políticos mantendo, no entanto
um ideal de entendimento planetário a nível individual.

No plano industrial, as exportações e as importações conduziram à consciência da necessidade de vender os


produtos na língua do comprador. A tradução das instruções, dos manuais de manutenção, de todas as espécies de
etiquetas tornou-se um sector de actividade muito importante.

Perante o aumento maciço da quantidade de documentos para traduzir, entendeu-se que o computador podia
fornecer uma ajuda preciosa.

Os primeiros utensílios electrónicos criados para facilitar a tarefa dos tradutores foram os dicionários
informatizados. A Comunidade Europeia desenvolveu e continua a aperfeiçoar os dicionários automatizados na base
EURODICAUTOM. Trata-se de um dicionário essencialmente terminológico, com nomenclaturas correspondentes aos
diversos ramos científicos e técnicos tratados pela comunidade : física nuclear, novos materiais, tecnologias de
informação, biologia, medicina, aeronáutica, direito, administração, etc..

Vários fenómenos contribuíram para caracterizar a segunda metade do século XX criando alterações culturais
de grande relevo:

A circulação da informação tornou-se uma prioridade. O seu estatuto deixou de identificar-se apenas com a
utilidade; assumiu-se como necessária. O conhecimento e o poder baseiam-se na posse da informação. Tornou-se
primordial que a informação estivesse disponível muito rapidamente nas línguas desejadas.

Desenvolveu-se aquilo a que se chamou a «cultura do écran», por oposição à «cultura da escrita», as
tecnologias audio consideram-se apenas episódios intermédios. A comunicação tende a passar pelas vias electrónicas
como o atesta o desenvolvimento do e-mail. A informação é efémera ou duradoura segundo as necessidades: tanto se
pode tomar conhecimento da mensagem no monitor como imprimi-la para a tornar palpável e duradoura.

O despoletar das nacionalidades, a exacerbação dos movimentos regionalistas, as reivindicações locais mais
ou menos amplas, o reconhecimento dos particularismos estão a par com o uso das mais variadas línguas oficiais.
Cada grupo linguístico procura uma certa autonomia e um acesso aos documentos na sua própria língua.

As empresas industriais e comerciais funcionam cada vez mais à escala internacional e a circulação de
produtos simplifica-se. A cultura linguística, outrora reservada às elites, está agora acessível a um número maior de
pessoas. Os dicionários, e os seus derivados, as bases de dados terminológicas, lexicógrafas ou documentárias,
tornaram-se produtos à disposição do público para aplicações industriais, comerciais ou administrativas. Estes recursos
linguísticos representam as potencialidades de uma mais valia.

Vive-se, doravante, numa sociedade onde as nações tendem a organizarem-se para melhor colaborar e
apoiarem-se mutuamente. Os grandes organismos públicos ou semi-públicos internacionais ( da ONU a Greenpeace,
Médicos sem Fronteira etc.) desenvolvem as suas acções em todas as latitudes. A multiplicidade das línguas não pode
ser um obstáculo à cooperação e as questões linguísticas devem ser resolvidas para proporcionar uma boa circulação
da informação.

A pesquisa científica apoia-se cada vez mais em instrumentos. A física nuclear teve um grande progresso
graças aos aceleradores de partículas. A astronomia progrediu graças às redes de telescópios do tipo VLA (Very Large
Array) no Novo México e ainda poderá progredir mais com o VLBA (Very Large Base Array) instalado sobre vários
continentes. Cada vez se aperfeiçoam novos instrumentos. A linguística raramente teve ocasião de funcionar em
grande escala, no entanto, no plano científico, a tradução automática coloca-se entre os instrumentos de ponta e
acelera as descrições científicas das línguas.

As ciências humanas e sociais não estão habituadas a grandes investimentos económicos nem técnicos. O
emprego das novas tecnologias encontra ainda algumas resistências nas suas áreas daí que a pesquisa em relação à
tradução se ligue frequentemente à informática e não à linguística, apesar das duas disciplinas colaborarem cada vez
mais.

O desenvolvimento da tradução automática baseia-se, simultaneamente, numa nova possibilidade tecnológica


para explorar e numa necessidade de intercâmbio econômico e político. A sobreposição destes dois fatores não é
evidente. Trata-se de uma aproximação realizada a pouco e pouco numa sucessão de acontecimentos entre os anos
cinqüenta e setenta. A momentos de desilusão quase total, seguiram-se momentos de fé e esperança. Do ponto de
vista teórico, era necessário um entendimento entre literatos e técnicos. Durante muito tempo, considerou-se a
tradução como uma obra literária, no entanto, um estudo do mercado global da tradução mundial mostra que a
tradução literária apenas ocupa cinco por cento do mercado.

A tradução tanto pode ser considerada uma arte como um produto. Aqueles que a consideram como um
produto de mercado, esperam uma rápida rentabilização dos seus investimentos. Aqueles que a consideram como uma
arte admitem dificilmente que uma máquina (um autômato) possa executar o trabalho tão bem como um ser humano.
Para eles, a imaginação, as conotações, a criatividade, a linguagem não poderiam ser fruto da máquina. Mesmo
sabendo que esta máquina foi totalmente definida e programada pelo Homem, não admitem que ela possa efetuar a
mesma tarefa que eles. Encontram-se na Internet opiniões de tradutores de renome que estimam que a tradução
automática não pode ajudar os processos de tradução, podendo mesmo prejudicá-los. Qualquer que seja o seu
progresso, consideram que os tradutores terão um papel cada vez maior a desempenhar porque as empresas de
tradução automática apenas oferecem um esboço do texto de chegada. Além disso, o tradutor deve possuir um
conhecimento profundo dos temas que constituem o texto de partida sobretudo quando a tradução incide sobre um
domínio especializado onde a exatidão e a qualidade são essenciais. Só a partir de uma total compreensão do texto de
partida é que o tradutor poderá atingir os objetivos pretendidos, depois de despistar os erros.

Trata-se, apesar de tudo, de uma questão de mentalidade porque a tradução automática abre, para o lingüista,
perspectivas de reflexão absolutamente novas, pondo em causa as modalidades do ensino das línguas e da tradução e
a filosofia da tradução. Poderá alterar as mentalidades a propósito da percepção da língua.

Receia-se que o aperfeiçoamento da técnica possa contribuir para o empobrecimento das línguas quando
forem tratadas automaticamente. Existem muitas teorias a apoiar as idéias da intraduzibilidade das línguas, mas
apesar das contrariedades teóricas, é importante que a técnica siga o seu rumo para benefício da humanidade. São
sobretudo tradutores humanos que vêem o perigo nas máquinas e lutam pela «pureza» da língua. Recusam-se a
aceitar que a comunicação oral e pessoal possa ser automatizada e que o discurso com marcas literárias, poéticas,
psicológicas ou sociais possa ser submetido ao tratamento sistemático da máquina. Aceitam, no entanto, que os textos
dos domínios técnicos específicos, em relação aos quais o respeito de certa forma de estilo não é primordial, possam e
devam ser tratados maquinalmente. Trata-se dos textos cuja leitura é importante porque contêm informação útil e
devem ser traduzidos porque a Lei a isso obriga. É uma situação de plurilinguismo institucional que produziu sistemas
eficazes no Canadá, na Suíça, no Luxemburgo, etc..

A aplicação de programas de tradução tem-se sempre revelado falível porque a língua é uma espécie de
organismo vivo que nunca se reproduz exatamente do mesmo modo e deixa sempre um lugar para uma certa
criatividade. Mesmo em estruturas fixas ou estereotipadas, a língua manifesta traços difíceis de captar. Existe, todavia
uma margem de características estáveis e descritíveis para que o tratamento seja possível mas permanece sempre
uma margem para o erro.

Se considerarmos que os campos contextuais se encaixam perfeitamente nas descrições fenomenológicas e


lingüísticas que se fizerem, eles podem ser considerados como dados permanentes do «código». Por isso, são
formalizáveis e, por conseguinte, acessíveis ao computador. A maioria dos programas de tradução utilizam a codificação
dos campos. A exploração do contexto faz parte, explícita ou implicitamente do trabalho das máquinas de tradução da
segunda geração. A concretização de programas que permitem à máquina proceder a tal exploração não levanta nenhum
problema de princípio. As redes de relações que constituem os campos contextuais são, no entanto, infinitamente vastas,
e a simulação pela máquina das operações de seleção efetuada pelo cérebro choca muito mais com problemas de ordem
quantitativas do que qualitativas: como fornecer uma descrição destas redes de signos, para cada «entrada», e,
principalmente, como gerir este número considerável de dados no interior de um programa? Por isso, a maioria dos
programas só tomam em consideração um pequeno número de dados contextuais permitindo estabelecer as
discriminações mais indispensáveis no interior da polissemia. No entanto, nada impede que o campo desta exploração se
estenda progressivamente, à medida que aumentar a capacidade de domínio de um número cada vez maior de
operações.

A adaptação das novas tecnologias à tradução contribui para alterar o perfil do tradutor. Ele deixa de ser visto
como «escritor imitador», um redator que se molda a outro, um «recriador». É concebido, pelo menos nos domínios
técnicos e científicos, como um técnico que pratica transcodificação. Para isso, tem à sua disposição um certo número
de ferramentas, cada vez mais precisas, adaptadas, rápidas, à medida que as tecnologias informáticas evoluem. É o
fornecedor de um produto cujo valor entra em competição com o dos outros fornecedores. Está colocado num certo
mercado de tipo industrial onde a rapidez e a qualidade do trabalho são essenciais.

Com a tradução automática, a era da arte é ultrapassada e substituída pelo espírito de produção e difusão de
massas. A tradução deixa de ser uma disciplina literária para se tornar numa disciplina técnico-científica. Na óptica da
tradução automática, o tradutor é definido como um produtor que integra o consumidor na definição do seu produto.
Em termos de produção e de consumo, é essencial ter uma ideia da rentabilidade da atividade. O tempo de trabalho
mede-se e remunera-se. Passa a falar-se em «indústria da língua». Todo o tratamento automático passa em geral do
estádio experimental para o estádio de comercialização. Como há reprodutibilidade, há «massificação» da produção e
dos serviços prestados e, por conseguinte, consumo de massas dos produtos. As milhares de páginas traduzidas por
dia em cada organização internacional, tal como a Comissão das Comunidades Européias, a Organização Mundial de
Saúde, ou a Organização das Nações Unidas mostram que, para além da obrigação legal de traduzir a maioria dos
documentos, há também necessidade de consumir esses textos, esses relatórios, atas das comissões, inquéritos, e
toda a espécie de trabalhos. Proliferam simultaneamente os documentos postos a circular e as suas traduções. O
tradutor é um empreendedor que necessita de produzir cada vez mais, por isso adapta-se tecnologicamente.
Atualmente são os tradutores que fazem a pós-edição das traduções brutas. Se o recurso à tradução automática se
desenvolver, é provável que a pós- edição se torne uma profissão diferente da tradução. A Comissão das Comunidades
Européias apóia um projeto de formação nessa área. Para trabalhar eficazmente em pós-edição, é conveniente ter
estudado e refletido sobre a tipologia de erros sistematicamente cometidos pela máquina. Além disso, o pós-editor
deve dominar as técnicas lingüísticas adequadas.

A reflexão sobre o estilo é um elemento importante na formação dos futuros tradutores ou pós-editores. Deve-
se banir a idéia de que, ao lado do estilo grosseiro, há uma «linguagem bela» e aceitar a concepção de estilos
diferentes adaptados a diferentes situações para diferentes usos. O estilo deve ser adaptado às necessidades
específicas da comunicação nas várias circunstâncias. A tradução automática obriga a trabalhar em situações e casos
concretos de comunicação ao contrário da tradução literária que estabelece uma situação de comunicação mais
abstrata.

Tem de haver consciência da gradação entre o mínimo requerido de tradução correta, que em certos casos
pode ser suficiente, e o máximo, que é o intraduzível pela máquina, o texto de Direito, ou o texto jornalístico de opinião
onde uma boa parte da significação permanece nas alusões e nas entrelinhas. Entre os dois extremos, estende-se a
franja dos documentos especializados que suportam o automatismo sob certas condições. É necessária uma
aprendizagem particular para admitir aproximações estilísticas e variedades retóricas pouco usuais. O analista deve
interpretar o pensamento do leitor habituado a procurar uma informação lendo um texto na diagonal.

A reflexão sobre o estilo é essencial porque é em função dele que se decide a priori se uma tradução é boa ou
não, na ausência do original. A procura de estilo é uma aprendizagem de manipulação da língua. A língua pode ser
considerada como um puzzle, um jogo com peças maiores ou menores (das palavras às locuções), mais ou menos
numerosas (variantes possíveis, sinônimos possíveis ...) mais ou menos coloridas (níveis de língua, gírias, etc.). A
prática da pós-edição rápida fomenta o sentido da hierarquização dos erros, afina o sentido da necessidade e do
possível, do possível e do supérfluo e promove a eficácia.

Numa situação dada, o estilo adequado é aquele que não perturba a comunicação ou a transmissão da
mensagem. O estilo deve ser transparente, ao contrário dos textos literários onde cada autor é identificado por um
estilo próprio. No entanto, o estilo dos textos técnicos não é neutro, adapta-se à função dos textos traduzidos.
Toda a produção lingüística está baseada em modelos. Aparentemente a norma impõe-se como se se tratasse
de um conjunto de regras universais. Em todas as línguas há modelos gramaticais. Fala-se em formas gramaticais e
formas agramaticais porque a gramática se apóia em regras absolutas. No entanto, não se fala em formas alexicais; os
modelos lexicais são mais difíceis de respeitar; não têm contornos definidos. Trata-se de escolher «a palavra certa»,
um sinônimo, ou reformular. Apesar de só haver uma resposta, estão sempre presentes várias possibilidades lexicais.
Os modelos estilísticos também são difíceis de explicitar. Ao lado dos modelos literários clássicos encontram-se os
modelos epistolares, jornalísticos, dialógicos, etc. O tradutor clássico considera geralmente a tradução automática má
porque os seus enunciados não correspondem à norma ou pelo menos à sua imagem de norma. O utilizador, por seu
lado, vai julgar a compreensão, a adequação e a acessibilidade da tradução à sua necessidade de informação. O
lingüista ajuíza em função da sua grelha de análise e dos seus interesses. Procura descrever certo tipo de produção
inventaria as regras de constituição desse tipo de discurso. Para o lingüista há uma clara oposição entre norma e uso,
fundada na distinção entre língua e fala. Há, por um lado, o que existe em teoria, a língua como realidade virtual, e, por
outro, o que efetivamente se produz, se realiza, se observa. A língua é elaborada a partir de numerosos usos
observados. É claro que, nas sociedades educativas atuais, o vai e vem constante entre língua e fala é cada vez mais
controlado não se deixando a língua e a fala evoluir livremente. Por outro lado, a escrita também exerce um enorme
travão na evolução da língua porque há uma penalização social através da recriminação do erro, e das ameaças de
insucesso escolar. Diz-se que a língua é viva e livre, no entanto a sua cristalização em gramáticas, dicionários e livros
envolve-a numa rede de regras de onde não pode escapar. Nesta óptica, deviam ser os usos a determinar as regras e
não as regras a impor os usos. Quem diz regra diz obrigação, mas, por outro lado, também diz exceção, desvio
afastamento, ou seja, liberdade de utilização. É o que acontece em todas as línguas onde a liberdade individual cria
estilos próprios. É um paradoxo lingüístico que se intensifica com a tradução automática. Será concebível que uma
máquina possa agir com «liberdade» ou respeitar a liberdade do autor que trata?

A noção de erro é importante para avaliar as produções computacionais. A noção de erro implica uma idéia de
Bem e Mal, Bom e Mau regida por uma idéia mais ou menos transcendente a partir de um referente mais ou menos
conhecido, mais ou menos explicitado. O erro tem conotações éticas porque se entende na sociedade ocidental que a
desobediência é má. A divisão maniqueísta depende, em certas condições, de uma norma integrada psicologicamente,
mas não explicitada. O desvio é freqüentemente fonte de incompreensão. Só em certos registros tais como a poesia é
que eles são valorizados. Mas a poesia está nos antípodas do discurso técnico que interessa à tradução automática.
Por isso, a tradução automática não deveria sofrer desvios à norma, à regra do bem escrever, à lei lingüística. O
discurso científico está intimamente ligado às normas, ao contrário do discurso literário onde a aproximação é sempre
possível. Cada época reinterpreta as obras do passado, o que permite o aparecimento de traduções tão diversas do
mesmo original ao longo dos tempos. Nos campos onde a exatidão é essencial, não se pode interpretar, deve-se
verter a designação exata, por isso se desenvolvem cada vez mais dicionários terminológicos que se atualizam
constantemente. Não pode haver dicotomia entre os dados factuais, cifrados e a «roupagem lingüística» para respeitar
a clareza do texto.

As análises de erros depois da tradução automática servem para melhorar a capacidade dos sistemas.
Também são importantes para o lingüista porque lhe permitem observar fenômenos de que não teria suspeitado a
«olho nu». Neste sentido, a tradução automática aparece como um instrumento de observação dos discursos e da
língua.

Para além das produções lingüísticas, pelo novo prisma que impõe, a tradução automática permite colocar de
modo novo questões antigas mas ainda insolúveis. Quer se fale de tempos verbais, de formas de enunciação, de
estruturas sintáticas, de norma ou de estilo, a tendência é sair da abstração para considerar os fenômenos no quadro
concreto de uma situação de comunicação real cujo objetivo é ser eficaz. A reflexão epistemológica encontra nos
corpus constituídos pelas traduções automáticas um campo aberto para a análise da linguagem.

A tradução automática continua a ser objeto de uma recusa sistemática. Esta recusa tem como origem um
duplo receio: por um lado, o mito da superioridade da máquina sobre o homem e, por conseguinte, do seu domínio, por
outro lado a perda de qualidade das produções, qualidade vivida não só como características dos textos mas como
componente da intimidade e da subjetividade pessoal.

Outro argumento contra a utilização da máquina na indústria da linguagem encontra-se no instinto vital que, de
um modo mais ou menos consciente, se manifesta no receio da perda dos postos de trabalho. Este tem sido um
debate associado a todas as tecnologias de informação. A experiência tem mostrado que as máquinas apenas auxiliam
o Homem, libertando-o para outras tarefas; não o substituem.
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2. O multilingüismo institucional

A comunidade Européia define-se como multilíngüe, porque assenta no respeito pela diversidade cultural e
lingüística das nações que a compõem. Todos os seus membros são cidadãos com direito a serem informados e a
exprimirem-se na sua própria língua.

Só o multilinguismo pode assegurar a transparência, nos planos político, jurídico, econômico e social, do pleno
exercício da democracia, da construção da Europa, do acesso ao mercado único e da circulação de trabalhadores e
bens culturais.

O princípio do multilinguismo está consagrado, mas as necessidades de comunicação ultrapassam o quadro


institucional presente onde é cada vez mais difícil de aplicar devido às novas adesões que implicam um aumento do
número de línguas faladas no espaço europeu. Por isso foram criados o Serviço Comum de Interpretação de
Conferências e os serviços de tradução escrita em cada instituição da União Européia (Comissão Européia,
Parlamento Europeu, Conselho da UE, Comitê Econômico e social, Tribunal de Justiça, Tribunal de Contas, Nato,
OCDE e Conselho da Europa).

Apesar da sua instituição, o multilinguismo sofre várias ameaças: a sociedade global de informação implica
globalização da cultura centrada em torno de uma única língua: o inglês; a evolução da comunidade: de 6 países com
4 línguas passou-se para 15 países e 11 línguas. Como conseqüência, retomaram-se as conversas polêmica da
primeira metade do século: que língua falar? (tratado SAGA de 1952). Concluiu-se que nenhuma língua deveria
sobrepor-se a outra, daí a promoção do multilinguismo apesar de racionalmente a língua única ter menos custos (um
terço do orçamento da União Européia vai para o serviço de tradução). A solução seria o aparecimento, no futuro, de
uma linguagem eurocrática.

Torna-se imprescindível encorajar a aprendizagem das línguas. A tradução não pode ser um fator de
abrandamento, mas deve modernizar-se para que se torne a ferramenta útil a este novo espaço multilíngüe. É
necessário encontrar um meio para evitar o fracasso do multilinguismo e uma das soluções passa pelas novas
tecnologias ao serviço da tradução.

A primeira fase para a modernização consiste na uniformização técnica dentro da comissão: mesmo sistema,
mesma formatação, correio eletrônico, modem para normalização de textos etc...). O software mais importante é
aquele que recupera tudo o que já tiver sido traduzido. O programa propõe a tradução mas será sempre o homem a
decidir. Os recursos humanos são canalizados para tarefas mais criativas e menos mecânicas.

O segundo passo consiste no trabalho dos tradutores nomeadamente na constituição de bancos de dados
terminológicos.

Graças à tecnologia, é também possível um trabalho à distância. As primeiras experiências realizaram-se com
grupos de tradutores: um terço dos tradutores encontra-se no Luxemburgo; a possibilidade de tradução entre o
Luxemburgo e Bruxelas funciona devido à telemática.

O tipo de documentos traduzidos nos serviços comunitários são de caráter vinculativo diretamente aplicáveis
nos Estados-Membros; muitos são textos que constituem legislação nacional e não podem, rigorosamente, ser
designados por traduções. Assim sendo, é fundamental, nestes textos, o uso de uma terminologia correta, precisa, sem
inexatidões nem ambigüidades que possam vir a causar problemas de interpretação jurídica uma vez que o cidadão
comunitário tem não só o direito como o dever de tomar conhecimento das normas que o regem.

A política das nove línguas oficiais é, na prática, a política de «nove originais» o que significa que o tradutor ao
serviço das instituições comunitárias não se limita à simples tradução de textos legislativos mas também à sua
redação.

É enorme a variedade e a diversidade de textos: discursos, questões parlamentares, relatórios financeiros,


guiões e diálogos de filmes, correspondência oficial e publicações destinadas ao público.
Nos textos legislativos é utilizada uma terminologia comunitária, o conhecido «jargão comunitário» que, uma
vez fixado, é quase imutável. Os textos administrativos, ao contrário utilizam uma terminologia mais livre. Mas o
tradutor ainda se depara com outros problemas como, por exemplo, o encontro de duas terminologias e linguagens:
nacionais e comunitárias ou casos onde as terminologias e expressões nacionais que, por corresponderem a
realidades por vezes muito diferentes, não são diretamente traduzíveis sem o recurso a perífrases como, por exemplo,
no caso do domínio da Segurança Social, em que não há harmonização, mas coordenação entre os sistemas dos
vários Estados-Membros, cada um com a sua realidade social, os seus hábitos e as suas tradições, com conseqüentes
estruturas e prestações de natureza muito diversificada. Para agravar a situação, o mundo científico e tecnológico
(informática, ciência da informação, biotecnologia etc...) está permanentemente em mudança, ou seja, é um mundo da
criação permanente onde proliferam os neologismos: a cada descoberta ou inovação terá de corresponder uma nova
designação. Nestes casos, predominam, na tradução, os decalques ou mesmo a transposição de termos da língua em
que foi criado o primeiro neologismo. Isto seria evitado se houvesse uma colaboração do lingüista e do terminólogo
desde o início, ou seja, na própria criação da terminologia e não apenas na fase de tradução.

Se as novas tecnologias facilitam o trabalho do tradutor também se espera que elas venham a ser úteis para o
intérprete e que venha a haver uma cooperação entre os serviços de tradução e os de interpretação. O caráter
instantâneo da interpretação dificulta a tarefa de transmitir conceitos de culturas diferentes. Para além da palavra, o
contacto visual, a atitude do orador e o ambiente fornecem ao intérprete pistas que lhe facilitam a compreensão. Daí o
caráter humano da tradução ser sempre preferível ao da tecnologia.

A tarefa do intérprete torna-se mais árdua porque quando começa a falar ainda não conhece o conteúdo final
da mensagem, o ritmo e o tom em que vai ser proferida essa mensagem (cólera, humor, decepção, etc.)

Antes de cada reunião, o intérprete deverá ter acesso a toda a informação através de enciclopédias de temas
específicos para essa reunião, base de dados terminológicos, glossários especializados etc.

Durante a sessão de trabalho, poderá consultar rapidamente essas informações no seu disco rígido, em CD-
ROM, na Internet, Intranet ou redes locais. Depois da reunião deverá explorar todos os dados recolhidos e preparar o
dossiê para o encontro seguinte. Um dos trunfos da Europa não é falar uma só língua, mas várias. É necessário
desconfiar de um regresso do imperialismo econômico ou cultural de pensamento único.

CONCLUSÃO

A globalização da cultura tornou as traduções necessárias como meio de acesso aos textos de autores das
mais variadíssimas partes do globo.

Teoricamente, a tradução é impossível, mas a atividade do tradutor parece defrontar-se com um paradoxo
insolúvel: a prática mostra a existência de traduções ao mesmo tempo em que a teoria aponta para a sua
impossibilidade. É comum serem os tradutores os primeiros a apontar tal dificuldade nos prefácios das obras que de
fato publicam. A negação teórica manifesta no prefácio é anulada pelo texto apresentado.

O estudo do aparecimento e desenvolvimento da linguagem, tanto do ponto de vista filogenético como em


relação ao processo ontogênico, denuncia um conjunto de características invariáveis independentes das línguas
particulares. No entanto, a aquisição da língua pressupõe uma seleção no vasto leque das possibilidades humanas. A
formalização desta redução constitui-se como código da língua. Uma vez realizada a escolha, e recalcadas as outras
hipóteses possíveis, a língua individualiza-se. Enquanto que a língua materna é um processo natural, a passagem para
outra língua torna-se artificial e dependente de uma aprendizagem.

Cada língua estrutura a realidade à sua maneira organizando os seus próprios elementos. Essa estruturação e
os seus elementos nunca são totalmente idênticos de língua para língua: não copiam a realidade; são apenas a
concretização lingüística de um ponto de vista que deriva de uma matriz estrutural única e definida, assente num
sistema de comparações, oposições e distinções. As categorias e os tipos que se recortam do mundo dos fenômenos
não são vistos da mesma forma por todos os observadores; pelo contrário, o mundo é representado como um conjunto
de impressões que têm de ser organizadas pelos sujeitos falantes de acordo com os seus sistemas lingüísticos. A
natureza é recortada e organizada em conceitos que recebem significações segundo os padrões de cada língua
segundo uma forma implícita e indeterminada ou arbitrária, mas, uma vez instituída, os seus termos são absolutamente
obrigatórios. Para falar é necessário subscrever a organização e a classificação dos dados decretados pela gramática
da língua.

Traduzir não consiste em comutar sistemas lingüísticos de uns para outros, mas em transcender as
divergências de sistemas para comunicar um «dizer» singular que não pertence à língua que o formaliza, mas que se
serve dele. O funcionamento da linguagem mostra que ela exprime tanto pelo que está entre as palavras como pelas
próprias palavras. O significado encontra-se tanto no que ela não diz como no que diz; daí que traduzir para outra
língua seja um fenômeno muito mais complexo do que as práticas parecem mostrá-lo. Os obstáculos à possibilidade
de traduzir não devem ser procurados na convergência ou na divergência das línguas, mas na possibilidade ou na
impossibilidade de encontrar formulações equivalentes aos sentidos de mensagens particulares. Os únicos limites que
podem ser atribuídos à tradutibilidade são os da universalidade do espírito humano e da universalidade do mundo
conceptual mediatizado pela linguagem.

A tradução procura expandir o alcance que cada obra tem, como se cada novo texto tivesse como intenção
subjacente retomar os anteriores e levá-los mais longe. A lingüística moderna destruiu a velha noção do léxico como
repertório graças ao estudo das relações entre o sentido e a visão do mundo de cada civilização. O léxico é encarado
como uma estrutura ou como um conjunto de estruturas com base na idéia de campo semântico. A fala não é
constituída pelo agrupamento das palavras preexistentes, mas, pelo contrário, as palavras resultam da totalidade da
fala.

A lingüística estabelece uma distinção entre inventários limitados e inventários ilimitados. Os inventários
limitados, por exemplo, da fonologia, e da morfologia, mostram claramente de que modo a língua é um sistema
específico que procura dizer o máximo com o mínimo de recursos e o mínimo de desvios possíveis. Não seria difícil
estabelecerem-se correspondências lingüísticas se as línguas fossem constituídas só por inventários limitados. No
entanto, os inventários ilimitados revelam a distinção entre a lingüística como sistema de formas e os significados
dessas formas, a distinção entre as estruturas limitadas do código lingüístico e as estruturas ilimitadas da nossa
experiência e domínio do mundo. Os inventários ilimitados mostram a tensão existente entre as formas e o mundo da
experiência humana.

A comparação de duas línguas revela que cada uma delas recorta a realidade designada em lugares diferentes
da outra. Uma língua pode separar aquilo que na outra parece impor-se como a representação de um conceito único.
As línguas não mudam o universo apreendido, mas conduzem a uma apreensão diferente. Como as línguas exprimem
por estruturas lingüísticas diferentes fatos físicos idênticos, verifica-se que a estrutura da linguagem não reflete
automaticamente a do universo.

A lingüística recente preocupou-se em analisar estas dificuldades. Os seus resultados conduzem a uma
situação paradoxal: quanto mais se sabe sobre o modo como os homens comunicam, mais se conhecem os
obstáculos à tradução mas também melhor se aprende a contorná-los de modo a preservar, na tradução, senão toda,
pelo menos, o máximo de informação.

O ponto fraco da lingüística reside na impossibilidade de concretizar uma descrição exaustiva das significações
dos enunciados. De acordo com tal limite, não existe possibilidade de cientificamente legitimar a tradução porque não
se pode ter a certeza da captação da totalidade do sentido.

O lingüista que, para estudar o valor dos fonemas ou das categorias morfológicas, possui métodos de análise
cientificamente comprovados, sente dificuldades logo que se trate de isolar as relações existentes entre «as idéias
vizinhas» porque a apreensão da estruturação do léxico pode ser interpretada de modos diferentes em função dos
tipos de relação existentes entre os signos.

A situação complica-se ainda mais quando se trata de mostrar as resistências à tradução porque não se
comparam apenas palavras de um sistema no interior de listas, mas listas de palavras oriundas de dois sistemas
lingüísticos diferentes. Todo o problema lingüístico de tradução consiste em designar os mesmos conceitos por meio de
palavras pertencendo a línguas diferentes de modo que a campos conceptuais idênticos possam corresponder campos
lexicais diferentes.

As interdependências lexicais ampliam-se sempre que a aprendizagem aumenta no sentido de uma


diferenciação de cada uma das malhas da rede lingüística que recobre a mesma área conceptual. À medida que o
vocabulário aumenta, criam-se novas malhas, mas como a área conceptual não aumenta, a rede deve reajustar-se no
sistema de oposições e diferenciações que não existiam antes. Como as listas vocabulares podem ser distintas de
pessoa para pessoa e de língua para língua, torna-se difícil fazer coincidir os elementos de campos semânticos em
línguas diferentes.

O problema teórico mais genérico da tradução é, por conseguinte, o da convergência dos campos lexicais. Há
perdas semânticas sempre que as palavras constituintes de um campo alargado numa língua corresponderem a
palavras de campos mais restritos na outra. Para atenuar as diferenças conceptuais, o tradutor terá de procurar saber
com que critérios se organizam os dados da experiência de modo a captar a racionalidade interna do significado. É a
relação de oposição a outras palavras que permite apreciar o seu próprio valor. Parece indispensável insistir nesta
distinção para dar conta do modo como é possível passar de um signo de uma língua para um signo de outra língua
sem danos para o conteúdo referencial inicial e sem, no entanto, negar a resistência estrutural à transposição.

O problema da tradução consiste, por conseguinte, em apreender o campo conceptual e recortá-lo de forma
adequada a um campo lexical da outra língua. A definição correta do valor do termo em cada um dos contextos é
indissociável de um profundo conhecimento das línguas e culturas em causa. Para que um termo pertença a um
campo conceptual idêntico àquele que foi definido pelo contexto, a tradução deve reconstituir o campo conceptual
equivalente ocupando, no campo lexical da língua de chegada, o mesmo lugar em relação aos outros termos que o
compõe.

A atividade tradutora é, por conseguinte, paradoxal. Por um lado, trai, na medida em que realiza uma
aculturação do original; mas por outro não será também um fator de democratização, visto que se expande a vida do
texto, fazendo-o crescer no seio de outras culturas?

A era da comunicação caracteriza-se pela transparência do Homem em relação à sociedade e a si próprio. O


desenvolvimento da eletrônica e a tomada de consciência da importância das línguas e da comunicação
multilinguística contribuem para aproximar os povos. O respeito pela língua materna tornou-se um direito inalienável
daí que os organismos internacionais se empenhem na divulgação dos documentos de trabalho em várias línguas
considerando que o plurilinguismo não pode ser um obstáculo à cooperação, ao desenvolvimento e à circulação da
informação. Como o conhecimento e o poder se baseiam na posse da informação, tornou-se primordial que a
informação estivesse disponível muito rapidamente nas línguas desejadas.

Perante o aumento maciço da quantidade de documentos para traduzir, entendeu-se que o computador podia
fornecer uma ajuda preciosa colocando a tradução automática entre os instrumentos de ponta e acelerando as
descrições científicas das línguas.

Modifica-se o perfil do tradutor que passa também a ser considerado, pelo menos nos domínios técnicos e
científicos, como um técnico que pratica transcodificação. A evolução das tecnologias informáticas coloca à sua
disposição certo número de ferramentas, cada vez mais precisas, adaptadas e rápidas permitindo-lhe produzir cada
vez mais. Como a máquina não substitui o Homem, apenas o auxilia, o tradutor realiza tarefas imprescindíveis de pós-
edição. Na realidade, não se deveria falar em tradução automática mas em tradução humana assistida por computador.

Os corpus constituídos por traduções automáticas permitem uma análise dos discursos e da língua conduzindo
à reflexão epistemológica centrada na tipologia dos erros cometidos.

Apesar de todas as deficiências teóricas apontadas, a tradução permanece um mal necessário. Para atenuar
os seus efeitos negativos, torna-se imprescindível encorajar a aprendizagem das línguas porque nada substitui o
original.

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ÍNDICE ONOMÁSTICO

A E

Appel - 38 Egger - 48

Aristóteles - 19 Einstein - 74

B Eliot - 54

Benjamin - 52, 56, 57 Esquines - 47

Benveniste - 19,68 Even-Kohar - 53

Bloomfield - 37, 78, 79, 80, 81, 106, G

107, 108, 109 Gilliéron - 96

Bocaccio - 61 Goethe - 51, 54


Borgström - 36 Greenberg - 65

Bréal - 96 Greimas - 95

Bruni - 61 Grosjean - 39

Buyssens - 118 H

C Hakuta - 39

Cantineau - 95 Harris - 32, 78, 81, 85

Cartagena - 61 Hegel - 31

Cassirer - 72 Herder - 72

Chomsky - 76, 85 Hoffmann - 39

Cícero - 46, 47, 50, 61 Hjemslev - 78, 79, 81, 83, 119

Croce - 53, 54 Holmes - 54, 55

D Homero - 48, 49, 60

Dacier - 48 Huet - 48

Dalgarno - 65 Humboldt - 18, 32, 33, 35, 36, 51,

Dante - 50, 54, 61 52, 54, 72, 78, 108

D. Duarte - 61 Husserl - 30, 65, 66

Delacroix - 8 L

De la Valterie - 48 La Motte-Hondar - 48

De Lisle - 49 Leibniz - 65

Demóstenes - 47 Levý - 52

Descartes - 51,65 Littré - 50

Dryden - 48 Locke - 51

Du Bellay - 46, 61 Lucena - 61

Du Man - 48 Lutero - 47
M S

Mackey - 39 Sapir - 7, 52, 54, 71, 72, 74, 75

Martinet - 19, 33, 67, 78, 80, 81, Sartre - 32

106,118, 119, 120 Saussure - 20, 42, 75, 77, 78, 79, 81,

Merleau-Ponty - 7, 11, 12, 13, 28, 31, 84, 91, 92, 96, 112, 113

33, 43, 66, 85, 101 Schiler - 51


Meschonic - 54 Schlegel - 51

Morris - 108 Shakespeare - 54

Mounin - 45, 46, 49, 60, 61, 86, S. Jerónimo - 35, 47

88, 90, 109, 111 Sörensen - 109

Muysken - 38 S. Tomás de Aquino - 60

N T

Nida - 34 Trier - 72, 73, 86, 95, 119

O Tytler - 50, 51

Ortega y Gasset - 52, 56 U

P Ullmann - 96

Paradis - 44 V

Paulhan - 18 Valéry - 55

Paz - 55 Vendryès - 60

Petrarca - 61 Vogt - 95

Piaget - 71 W

Platão - 77 Weinreich - 39, 40, 43

Ponge - 32 Whorf - 18, 33, 52, 71, 72, 73, 74, 75

Pottier - 95 Wilkins - 65

Prieto - 119

Rener - 50, 51

Richards - 43, 44

Romaine - 41

Roubakine - 36

Ruhlen - 64

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Benveniste, Émile, O homem na linguagem

André Martinet, Elementos de Línguística Geral

F. Saussure, Curso de Linguística Geral

M. Merleau Ponty, La Prose du Monde, p 58

M. Merleau Ponty, La Prose du Monde, p 187

M. Merleau Ponty, La Prose du Monde, p 194

M. Merleau Ponty, La Prose du Monde, p 200

M. Merleau Ponty, La Prose du Monde, p189-190

M. Merleau Ponty, Signos, pp. 77-79

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Théoriques de la traduction. P. 170

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Théoriques de la traduction. P. 171

Borgström, C. Hj., A problem of method in linguistic science: the meaning of its technical terms cit Georges
Mounin, Problèmes Théoriques de la traduction. P. 175

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M. Merleau Ponty, La Prose du Monde, p 56

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Richards, Towards a theory of translation, p.251, citado por G.Mounin, Les problèmes théoriques de la traduction, p.187

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