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04/06/2018 A Lei de Redenção da Cidadania - Migalhas de Peso

CADASTRE-SE FALE CONOSCO

Segunda-feira, 4 de junho de 2018

A Lei de Redenção da Cidadania


Marçal Justen Filho

As normas do diploma são aplicáveis a todas as esferas de Federação, compreendem a administração direta e indireta e abrangem
os serviços públicos "em geral".

sexta-feira, 20 de abril de 2018

Em junho deste ano, entrará em vigor nas grandes cidades brasileiras a lei 13.460,
de 26.6.2017, que bem poderia ser qualificada como a Lei de Redenção da
Cidadania. O diploma reconhece o protagonismo do cidadão como sujeito
fundamental das relações de direito público. Torna ilícita a concepção herdada do
autoritarismo de que o cidadão é um "administrado", um "subordinado", um
"entrave" ao desenvolvimento das atividades estatais. Reconduz a administração
pública ao conceito fundamental de "serviço público". Enfim, é um diploma que
todos nós, cidadãos do Brasil, necessitamos conhecer e bem caberia que dele tivéssemos uma cópia no bolso
permanentemente.

A lei 13.460, regulamenta o art. 37, § 3º, inc. I, da CF/88, cuja redação é a seguinte:

"§ 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta,
regulando especialmente

I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de


serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços; ...".

As normas do diploma são aplicáveis a todas as esferas de Federação, compreendem a administração direta e
indireta e abrangem os serviços públicos "em geral". Ou seja, dispõem não apenas sobre os serviços públicos
em sentido técnico-jurídico (aqueles do art. 175 da CF/88). Compreendem todas as atuações da administração
pública em face do cidadão.

Como definido no art. 2º, inc. I, usuário é a "pessoa física ou jurídica que se beneficia ou utiliza, efetiva ou
potencialmente, de serviço público". E serviço público é definido no inc. II do mesmo art. 2º como "atividade
administrativa ou de prestação direta ou indireta de bens ou serviços à população, exercida por órgão ou
entidade da administração pública". Ou seja, a lei 13.460 aplica-se inclusive nas hipóteses de atuação
puramente administrativa, mas também nas hipóteses de delegação de serviço público propriamente dito (tal
como previsto no § 3º do art. 1º). Logo, as suas normas dispõem amplamente sobre os relacionamentos entre
particular e Administração.

Uma regra fundamental consta do art. 4º, impondo a forma adequada na prestação do serviço público e no
atendimento ao usuário. Isso significa "regularidade, continuidade, efetividade, segurança, atualidade,
generalidade, transparência e cortesia". Disciplina similar constou da lei 8.987/95 (Lei Geral das Concessões
de Serviço Público, art. 6º, § 1º). Mas o absurdo é que a administração pública reputava que esse regime se
aplicava apenas às hipóteses de delegação de serviço público à iniciativa privada. A lei 13.460 elimina esse
argumento. Como é óbvio, a atuação direta da administração pública também se subordina a essas
determinações.

É essencial o elenco de direitos básicos (e deveres) dos usuários (art. 5º). As determinações são dotadas de
grande obviedade, mas a sua afirmação formal é indispensável em vista de sua contínua denegação na
atividade administrativa concreta.

Assim, está prevista a presunção de boa-fé do usuário (inc. II) e a obrigatoriedade do "cumprimento de prazos
e normas procedimentais" (inc. VI). É exigida a "definição, publicidade e observância de horários e normas
compatíveis com o bom atendimento ao usuário" (inc. VII).

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Mas há algumas inovações de grande relevo, que envolvem manifestações do princípio da proporcionalidade.
Assim, é um direito do usuário "adequação entre meios e fins, vedada a imposição de exigências, obrigações,
restrições e sanções não previstas na legislação" (inc. IV) e a "eliminação de formalidades e de exigências
cujo custo econômico ou social seja superior ao risco envolvido" (inc. XI). Essas duas determinações são
suficientes para reduzir drasticamente a irracionalidade da burocracia administrativa.

Outra previsão legal impondo a "aplicação de soluções tecnológicas que visem a simplificar processos e
procedimentos de atendimento ao usuário e a propiciar melhores condições para o compartilhamento das
informações" (inc. XIII). Esse dispositivo destina-se a colocar um fim no descaso da administração pública
quanto aos procedimentos eletrônicos. É dramático comparecer nas repartições públicas e deparar-se com
soluções praticadas no século passado.

Em termos de combate à burocracia, a lei reitera a previsão da "autenticação de documentos pelo próprio
agente público, à vista dos originais apresentados pelo usuário, vedada a exigência de reconhecimento de
firma, salvo em caso de dúvida de autenticidade" (inc. IX). E determina a "vedação da exigência de nova prova
sobre fato já comprovado em documentação válida apresentada" (inc. XV).

Essa última regra deve ser interpretada não apenas restritivamente a cada repartição pública. Deve ser
aplicada na acepção trazida por outro diploma fundamental, o Decreto Federal 9.094 (de 17.7.2017) – que
regulamentou a lei 13.460 no âmbito da administração pública federal. No seu art. 2º, esse Decreto estabelece
que "Salvo disposição legal em contrário, os órgãos e as entidades do Poder Executivo federal que
necessitarem de documentos comprobatórios da regularidade da situação de usuários dos serviços públicos,
de atestados, de certidões ou de outros documentos comprobatórios que constem em base de dados oficial da
administração pública federal deverão obtê-los diretamente do órgão ou da entidade responsável pela base de
dados, nos termos do Decreto 8.789, de 29 de junho de 2016, e não poderão exigi-los dos usuários dos
serviços públicos".

Aliás, o Decreto Federal 9.094 consagrou uma regra que deve ser reputada como inerente à proteção da
dignidade do cidadão. Fixou que "As exigências necessárias para o requerimento serão feitas desde logo e de
uma só vez ao interessado, justificando-se exigência posterior apenas em caso de dúvida superveniente" (art.
6º). A ausência formal dessa previsão na lei 13.460 é lamentável, eis que dá oportunidade a despropósitos
frequentes. É evidente que a ausência de manifestação exaustiva da autoridade administrativa viola os
princípios da República, da eficiência e do respeito ao cidadão. A ausência de sua inscrição formal em algum
documento normativo é invocada como fundamento para práticas claramente reprováveis.

A lei 13.460 determinou a elaboração de Carta de Serviços ao usuário, destinada a consolidar todas as
soluções a serem observadas. Em última análise, esse documento consolidará normas de direito material, mas
especialmente disporá sobre a procedimentalização a ser adotada para assegurar um serviço público
adequado.

Outra inovação consiste na disciplina das ouvidorias, destinadas a servir de canal de comunicação direta entre
o usuário e o poder público. Mas se previu que a ouvidoria se prestará inclusive a promover a mediação entre
usuário e o órgão público (art. 13, inc. VII). As ouvidorias também dispõem de atribuição de controle da
eficiência na gestão administrativa. Cabe-lhes identificar os principais problemas apontados pelos usuários e
“apontar falhas e sugerir melhorias na prestação de serviços públicos” (art. 14, inc. II).

Outra inovação consiste no Conselho de Usuários, órgãos consultivos de acompanhamento, avaliação e


aperfeiçoamento dos serviços. O Conselho será composto segundo critérios de representatividade e
pluralidade dos interessados.

Se não bastasse, consagrou-se a exigência formal de avaliação continuada dos serviços públicos (art. 23). Há
um dever de os órgãos e entidades administrativas realizarem, de modo ininterrupto, a avaliação da satisfação
dos usuários, da qualidade do atendimento e do atingimento dos objetivos predeterminados, daí sendo
extraídas providências para aperfeiçoamento dos serviços. É obrigatória a realização anualmente de pesquisa
de satisfação. Um dispositivo muito interessante é a previsão de uma classificação das entidades conforme a
incidência de reclamações dos usuários.

A lei 13.460 previu a sua entrada em vigor em 360 dias para a União, estados, Distrito Federal e municípios
com mais de 500 mil habitantes. A sua publicação ocorreu em 27.6.2017 (uma terça-feira). Portanto, a sua
entrada em vigor para tais entidades ocorrerá em 22.6.2018.

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Para os municípios com população entre 100 mil e 500 mil habitantes, o prazo da vacatio legis é de 540 dias.
Portanto, o início da vigência ocorrerá em 19.12.2018.

Enfim, o prazo para os municípios com menos de 100 mil habitantes é de 720 dias, o que significa início de
vigência a partir de 17.6.2019.

Há uma questão remanescente e que não quer calar: quais as providências que estão sendo adotadas pelos
estados, Distrito Federal e municípios para dar aplicação à lei 13.460? A União já regulamentou a lei. Há
proposta de regulamentação proveniente da Rede de Ouvidorias. Mas a generalidade dos entes federativos
parece dar ao diploma a mesma importância que costuma dedicar aos cidadãos até o presente.

__________

*Marçal Justen Filho é advogado mestre e doutor em Direito pela PUC/SP e advogado do
escritório Justen, Pereira, Oliveira & Talamini Advogados Associados.

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