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Capítulo 2: Eventos privados: o que, como e porque estudar

Introdução:

Para o behaviorismo de Watson, o Metodológico e o Radical, o objeto de


estudo é o mesmo: o comportamento. Contudo, para os dois primeiros, a
natureza dos fenômenos subjetivos era tida como de ordem mental, não sendo
possível estuda-los, pois, por uma ciência do comportamento. O terceiro
compartilhava da ideia de que a natureza dos fenômenos subjetivos era de
ordem comportamental, e esses eventos, tido agora como privados, poderiam
sim ser estudados por uma ciência do comportamento. O Behaviorismo
mediacional, de uma forma mais abrangente, tinha como objetivo de estudo o
comportamento e as cognições, vendo os fenômenos subjetivos como de ordem
mental, e sendo passíveis de estudos.

1. O conceito de comportamento

Numa definição behaviorista radical, comportamento é relação. Ela indica


que referências a eventos isolados não são descrições comportamentais plenas,
e também não se tem uma descrição comportamental quando se afirma que um
indivíduo pensou sobre algo. O comportamento operante, a relação se dá em
três termos: estímulo discriminativo, uma resposta e um estímulo reforçador. (
Sd  R  Sr).

A definição de comportamento como relação ainda não é tudo. Skinner


afirma que a ciência do comportamento estuda as relações do organismo como
um todo, com eventos que lhe são externos. Assim, a análise do comportamento
trabalha com um recorte que é externalista e relacional.

2. Estímulos e comportamentos privados

A subjetividade é abordada aqui como eventos privados, sendo definidos


como estímulos e respostas que ocorrem sob a pele do indivíduo e devendo ser
vistos como constitutivos de relações. Assim, nenhuma condução privada é em
si mesma, um estímulo ou nenhuma ação do indivíduo é suficiente parasse falar
de comportamento privado.

A expressão “sob a pele” de Skinner, ora significa interno, enfatizando as


circunstancias nas quais eventos do próprio organismo afetam seu
comportamento subsequente, ora significa inacessível à observação pública,
enfatizando que um aspecto especial daquele tipo de ocorrência é a
impossibilidade de ser observado de modo direto por outros. Ambas as
definições são problemáticas. Observa-se que nem tudo que é inacessível à
observação pública é interno e nem tudo que é interno é inacessível à
observação pública.

Apontar a noção de inacessibilidade à observação é aceitável, mas


caracterizá-lo como interno não faria sentido. Contudo, se passar-se a falar do
comportamento privado apenas como inacessível à observação, o problema
também não terá sido resolvido, pois incluiria comportamentos que são
inacessíveis à observação pública direta, mas pouco ou nada têm a ver com a
privacidade.

Uma alternativa seria conceitua-los como comportamento que afetam o


próprio indivíduo e que, por envolverem de modo restrito seu aparelho motor,
raramente podem afetar de modo direto outros organismos. Duas lições podem
ser tirada dessa dificuldade de definição. A primeira é que esses conceitos são
propostos para a interpretação dos fenômenos usualmente designados como
subjetivos (sentimentos e pensamentos). A segunda é a de que essas
dificuldades são resultadas de uma insuficiência do aparato conceitual da análise
do comportamento para abarcar esses fenômenos subjetivos.

3. Eventos privados e eventos fisiológicos

Como os eventos privados são constitutivos de relações


comportamentais, eles não se confundem com as condições corporais de um
indivíduo. Para a análise do comportamento, a história ambiental de um
organismo (filogênese e ontogênese) é responsável por dois produtos:
condições anátomo-fisiológicas e um repertório comportamental. Esses produtos
são paralelos, não se confundindo, nem são causa um do outro.

“Por exemplo, se um aluno é submetido a


contingências aversivas dispostas polo professor em sala de
aula, pode-se supor que, como resultado, haverá uma
alteraçao corporal o uma alteração em sua probabilidade de
resposta. O aluno pode até vir a discriminar a condição
corporal e denominá-la de tensão ou medo (adiante, esta
possibilidade será melhor explicada). Entretanto, seu
comportamento de esquiva não se explica pela tensão, mas
pela exposição às contingências aversivas”

Essa distinção é necessária pois é muito comum o leigo identificar


sentimentos com condições corporais específicas. O analista do comportamento
reconhece que todo evento comportamental tem uma base fisiológica, mas ao
reconhecer isso está apontando trata-se de eventos distintos. Ela também é
necessária pois a cultura ocidental tem assistido a iniciativas que tendem a
dissimular os componentes comportamentais e sobrevalorizar os biológicos.
Dando atenção aos componentes fisiológicos, por exemplo, da ansiedade, mas
encobrindo as contingências de reforçamento que produziram tanto a alteração
fisiológica quanto os repertórios de ansiedade.

Assim, se quiser tratar da ansiedade como um evento privado, o objeto


não será o conjunto de alterações fisiológicas do indivíduo, mas a relação de
certos repertórios com um ambiente social.

4. Eventos privados e linguagem

Uma condição corporal pode participar do controle de uma resposta,


podendo ser um estímulo privado. Skinner destaca a importância da linguagem,
afirmando que quando o individuo interage com contingência dispostas pela
comunidade verbal, pode aprendera responder sob controle de condições
corporais. Ou seja, o indivíduo depende da sociedade para conhecer a si mesmo.
Essa dependência resulta da impossibilidade de o individuo reforçar
diferencialmente suas respostas discriminativas.

A resposta “estou cansado” corresponde a uma condição interna se essa


condição estiver consistente àqueles comportamentos que orientam a ação da
comunidade. Não se pode dizer que a resposta ficou sob controle de uma
condição interna precisa, uma vez que um sujeito cansado pode apresentar uma
condição interna bastante diferente de outro que também se diz cansado. O que
importa, aí, está em saber que a condição interna de cada um está associada a
padrões comportamentais a partir dos quais todos atribuem cansaço a alguém.
Nenhuma condição corporal tem autonomia para controlar discriminativamente
uma resposta.

5. Por que estudar eventos privados?

Por três motivos:

O primeiro é a relevância do tema para definição do campo da psicologia.


Analisar os fatores históricos pode auxiliar na compreensão das contingências
culturais que favorecem praticas relacionadas a sentimentos e pensamentos.

O segundo motivo é que, muitas vezes, a autodescrição está parcialmente


sob controle de eventos privados. Assim, o componente privado torna-se
relevante para a compreensão da autodescrição, do ponto de vista de sua
gênese e de suas funções.

Por fim, algumas situações contemporaneamente privilegiadas de


aplicação e análise do comportamento são situações que requerem uma
intervenção que não pode prescindir da análise dos eventos privados. Caberá à
análise do comportamento encontrar formas de responder às demandas
culturais sem reproduzir o mentalismo que lhe é característico, promovendo
práticas culturais que favoreçam com maior eficácia a solução dos problemas
humanos.

6. O estudo de eventos privados

Como tornar os eventos privados como objeto de estudo para uma ciência
do comportamento? Um grupo de pesquisa no curso de mestrado em Psicologia
da Universidade Federal do Pará tem procurado estudar os eventos privados
integrando trabalhos que serão aqui designados de: análise teórico-conceituais;
modelos interpretativos na terapia comportamental; e estudos descritivos ou
experimentais.

O primeiro tenta circunscrever o estágio atual de de elaboração do tema


dos eventos privados na análise do comportamento, identificando lacunas ou
inconsistências desta elaboração, propondo definições conceituais mais
precisas ou consistentes.
O segundo, modelos interpretativos, visam demarcar o alcance de
sistemas que orientam teoricamente a intervenção clínica de terapeutas
comportamentais e sua conformidade com os princípios da análise do
comportamento.

O terceiro, estudos descritivos ou experimentais, consiste numa tentativa


de investigação empírica de problemas que envolvem eventos privados.

Para ilustrar a diversidade da área, cumpro citar pelo menos dois tipos
diferentes de pesquisa que abarcam a problemática dos eventos privados. O
primeiro é na área de equivalência de estímulos, que se baseia em trabalhos
experimentais para esclarecer como eventos internos podem vir a controlar
certas respostas públicas. Um outro exemplo é a pesquisa desenvolvida por
Malerbi, que consiste no uso de um procedimento de treino para discriminação
de variações nas taxas de glicemia dos sujeitos.

7. Análise do comportamento e eventos privados

A análise do comportamento pode avançar nesse tema com a


interlocução de sistemas teóricos diversos, que partilhem uma concepção
externalista e relacional do comportamento humano, enfrentando o tema dos
eventos subjetivos sem transitar para o internalismo. Já foi apontado que o
Behaviorismo de Watson, O metodológico e o Mediacional não cumprem
aqueles requisitos. Contudo, o Molar de Howard Rachlin e o interbehaviorismo
de Kantor ilustram essa possibilidade, preservando o externalismo.

Considerações finais

Em síntese, o tema dos eventos privados envolve as seguintes


preposições:

1- As emoções enquanto problemas "psicológicos" dizem respeito às


relações sociais relações do organismo inteiro com o meio social. A unidade de
análise continua sendo o comportamento compreendido como relação do
organismo com variáveis que lhe são externas

2- A referência a estímulos internos cumpre apenas a função de


reconhecer que algumas respostas podem ficar parcial e circunstancialmente
sob controle de uma condição corporal
3- A proposta externalista de análise do comportamento afasta tanto
explicações mentalistas quanto explicações baseadas num apelo à
(neuro)fisiologia do organismo. Contudo, explicações fisiológicas não substituem
explicações comportamentais.

4- Outras modalidades do behaviorismo podem contribuir para o


desenvolvimento do projeto externalista do Behaviorismo Radical

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