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(2) Arquitecta, Doutorada em Engenharia do Território, Professora Associada do Instituto Superior Técnico
(IST) da Universidade Técnica de Lisboa (UTL), Instituto de Engenharia de Estruturas, Território e Construção
(ICIST); e-mail:teresa@civil.ist.utl.pt – Av. Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa, Portugal.
Resumo
O artigo aborda o conceito de flexibilidade no quadro da habitação colectiva, i.e., a
capacidade de adaptação do espaço doméstico aos usos praticados pelos moradores, de modo
a responder ao longo do tempo com eficácia e em condições de segurança física, às suas
necessidades e expectativas. Utilizando como campo de investigação a experiência holandesa
no desenvolvimento e aplicação de estratégias de flexibilidade no projecto de habitação
colectiva e com recurso à avaliação pós-ocupação (APO) procura-se identificar: 1) os agentes
incentivadores e condicionantes da flexibilidade; 2) princípios de boas práticas de projecto
para a habitação flexível.
Abstract
The article describes the concept of housing flexibility, i.e., the domestic space ability to
change and adapt to users' needs over time. The aim is: 1) to identify flexibility inductors and
conditioners; 2) producing high-quality design in this area. The approach is based on the
Dutch experience of flexible housing and POE evaluation studies.
Key words: Flexibility; collective housing; strategy; architectural element; auxiliary strategy
INTRODUÇÃO
Com efeito, às formas de promoção de habitação pede-se cada vez mais que sejam projectos
de futuro - social, económica e ambientalmente duráveis - para contextos sócio-culturais
cada vez menos previsíveis. É por isso essencial pensar a habitação como um sistema aberto à
mudança, logo mais adaptável a uma maior diversidade sócio-cultural, mais durável e mais
rentável. Ao procurar dotar o espaço da habitação de capacidade adaptativa à mudança,
está-se a proporcionar uma habitação ajustada a um maior número de pessoas e ao mesmo
tempo a contribuir para optimizar os recursos envolvidos, facultando-lhe um valor acrescido.
A introdução de estratégias de flexibilidade na arquitectura doméstica colectiva pode
constituir uma resposta a esta situação, tanto em termos de diversidade de oferta como de
redução dos custos associados à sua produção e gestão.
A experiência holandesa reflecte o investimento continuado em metodologias de projecto
inovadoras e em processos construtivos flexíveis com recurso a sistemas pré-fabricados e
modulares na concepção de espaços domésticos com capacidade de adaptação no tempo,
bem como a intervenção directa do poder público ao nível do financiamento, das normativas
de construção e da promoção e divulgação de iniciativas relativas a aplicação de estratégias
de flexibilidade no projecto de habitação colectiva.
A influência estatal está patente tanto nas políticas de financiamento para a construção de
habitação a baixos custos como ao nível da publicação de instrumentos normativos
reguladores da qualidade urbana e arquitectónica dos empreendimentos com ênfase no
desenvolvimento e aplicação do conceito de flexibilidade na construção. Os promotores
imobiliários assumem um papel determinante no estímulo de estratégias de flexibilidade na
habitação colectiva. Existe um conjunto de empresas (de construção e de promoção
imobiliária) empenhadas em desenvolver conceitos habitacionais direccionados para os
consumidores e que proporcionam uma maior possibilidade de escolha, seja ao nível das
tipologias como dos materiais de acabamentos (exteriores e interiores).
Este artigo, tendo como base a experiência holandesa, visa identificar os principais agentes
indutores de flexibilidade e de resistência à mudança presentes no projecto de habitação
colectiva nas fases de produção e ocupação. A investigação, desenvolvida no âmbito da
dissertação de mestrado em Construção do Instituto Superior Técnico (Abreu, 2005) centrou-
se na experiência Holandesa e envolveu: 1) a análise do papel da iniciativa pública e privada
na promoção de estratégias de flexibilidade; 2) o levantamento e caracterização de um
conjunto de 24 projectos onde estas estratégias foram aplicadas. O levantamento foi
complementado pela Avaliação Pós-Ocupação de 4 estudos de caso escolhidos entre os
exemplos seleccionados na fase anterior. O artigo está estruturado em três partes. Na
primeira define-se o conceito de flexibilidade espacial e caracterizam-se as diferentes
estratégias que permitem a sua aplicação em projectos de habitação colectiva. Na segunda
abordam-se as estratégias de flexibilidade na habitação colectiva holandesa e descreve-se a
experiência de APO desenvolvida. Identificam-se os diferentes intervenientes no processo de
planeamento / construção / ocupação e analisam-se as estratégias e os procedimentos
adoptados. Na terceira parte referem-se as conclusões.
Este conceito tem vindo a ser interpretado de forma variada, por vários autores, associado a
diferentes modos de adaptação do espaço arquitectónico. Tendo presente as dificuldades
inerentes à própria viabilização do conceito de flexibilidade quando aplicado no quadro da
produção de habitação colectiva, considera-se que a condição adaptativa do espaço físico da
habitação resulta da aplicação de estratégias projectuais, tanto ao nível da organização
espacial, como dos processos construtivos, sendo possível identificar cinco tipos distintos de
estratégias de flexibilidade: 1) Conversão (por alteração na configuração espacial do fogo); 2)
Polivalência – (sem alteração na configuração espacial do fogo) ; 3) Expansão (por alteração
dos limites do fogo, seja no sentido vertical ou horizontal, com aumento da área); 4)
Multifuncionalidade (por adaptação do espaço a várias usos (habitação, comércio,
escritórios), podendo ocorrer ou não alterações na configuração espacial; 5) Diversidade (pela
variedade tipológica conjugada num edifício).
A concepção das redes técnicas (água e esgotos, gás, luz, electricidade, telefone, TV,
Internet) dos equipamentos (ar condicionado, caldeiras, etc.) e dos serviços (cozinha e
instalações sanitárias) é de grande relevância em todas as estratégias de flexibilidade, uma
vez que estes são ainda, na maior parte dos casos, os elementos fixos do espaço.
As estratégias auxiliares mais utilizadas em relação aos serviços são: agrupamento dos
serviços em blocos ou bandas; instalação estratégica de redes em pavimentos, tectos ou
paredes de fácil acesso e possibilidade de alteração, ou numa área que não interfira com as
possíveis alterações; localização estratégica de condutas verticais; ausência de redes técnicas
nas paredes ou elementos que podem ser alterados.
2. A EXPERIÊNCIA HOLANDESA
A análise da experiência holandesa foi feita com base em estudos de caso seleccionados
através de um inquérito preliminar a 30 escritórios de arquitectura envolvidos em projectos
de habitação colectiva. Com este questionário procurou-se identificar quais os arquitectos
interessados no tema da flexibilidade na habitação, aqueles que o exploravam no seu trabalho
e quais as estratégias seguidas.
Foi também elaborada uma pesquisa bibliográfica de modo a fazer uma selecção de vários
projectos de habitação colectiva construídos na Holanda, durante o século XX, em que
tivessem havido preocupações no âmbito da flexibilidade, para contextualizar os exemplos
escolhidos.
Os projectos apresentam uma organização espacial que faz a distinção entre os elementos
fixos e os flexíveis, no sentido de estes últimos estarem “abertos” à modificação. É clara
também a tendência para o agrupamento dos serviços e dos acessos nas várias estratégias.
Por outro lado, observa-se que as estratégias de flexibilidade que não implicam alterações: a
polivalência e a diversidade, são aquelas que reflectem uma menor ocorrência de estratégias
auxiliares nos elementos arquitectónicos. Constata-se também a importância dos sistemas
construtivos utilizados no desempenho das estratégias de flexibilidade, uma vez que são estes
os agentes que vão permitir a flexibilidade dos elementos arquitectónicos: invólucro exterior,
serviços e configuração espacial.
A data de construção não foi determinante na selecção dos estudos de caso uma vez que as
alterações ou escolhas feitas pelos primeiros moradores foram consideradas de igual
importância às realizadas ao longo do tempo, pelos mesmos ou por outros, que não os
primeiros. Para não prejudicar os resultados da análise, considerou-se que os edifícios deviam
evidenciar processos construtivos actuais e encontrar-se em bom estado de conservação.
Após uma pré-selecção de projectos que seriam apropriados para uma APO foi feita uma
entrevista aos projectistas destes edifícios. Pretendeu-se conhecer o processo do projecto
desde a sua concepção até à sua finalização, identificar os vários intervenientes e qual ou
quais foram determinantes para o desenvolvimento de uma tipologia flexível e ainda os
problemas encontrados para a sua realização.
A metodologia utilizada para a caracterização dos estudos de caso foi estabelecida de modo a
abranger as várias fases de desenvolvimento do projecto: planeamento/concepção;
construção e ocupação. A informação foi recolhida a partir de fontes documentais (projectos
e processos de obra), entrevistas com os agentes promotores e com os técnicos projectistas,
inquéritos a residentes e observações directas (visitas/inspecções técnicas).
Esta tarefa foi desenvolvida com base em informação de arquivo: documentação bibliográfica;
documentação fotográfica; documentação escrita e desenhada dos projectos de arquitectura;
fontes vivas – recolha de depoimentos e entrevistas aos diferentes intervenientes no processo
de planeamento/concepção – arquitecto e promotor; inquéritos aos arquitectos.
A análise da fase de construção teve como objectivo caracterizar as alterações (no caso de
terem ocorrido) ao projecto de arquitectura, durante a fase da construção, tanto ao nível do
edifício como dos fogos. Esta tarefa foi desenvolvida com base em documentação escrita e
desenhada dos projectos de arquitectura; fontes vivas – recolha de depoimentos e entrevistas
ao diferentes intervenientes no processo de construção – arquitecto e promotor.
Nos inquéritos realizados aos residentes foi utilizada uma ficha base distribuída aos moradores
e posteriormente recolhida. Sempre que possível as perguntas foram concebidas para uma
resposta fechada. As perguntas de opinião foram subdivididas em resposta fechada (sim ou
não) e aberta (justificação do sim ou não), nas de apreciação a pergunta foi o mais específica
possível (aspecto mais positivo, aspecto mais negativo e o que lhe falta no fogo) mas achou-se
apropriado o uso de resposta aberta para não condicionar de forma alguma a opinião dos
residentes. Em situações pontuais foi preenchida em colaboração directa com o inquiridor o
que facilitou a observação directa da habitação.
Os Estudos de caso 1, 2 e 3 (EC1, EC2 e EC3) pertencem ao sector de renda social e o Estudo
de caso 4 (EC4) ao sector privado.
Estudo de caso 1: conjunto habitacional, da autoria de Frans Van Der Werf, situado em
Lunetten – Utrecht – e concluído em Agosto de 1982 e integrado no movimento OB. Perfaz um
total de 431 habitações com diferentes tipologias e dimensões. As plantas base são apenas
definidas pelos limites exteriores do fogo e pela conduta central de onde derivam as várias
redes técnicas e instalações.
Estudo de caso 2: 12 edifícios de habitação colectiva (84 fogos) projectados por Liesbeth Van
Der Pol, situado em Twiske West, na periferia norte de Amesterdão, e concluído em 1993.
Cada edifício, de forma circular, é constituído por 7 fogos que se desenvolvem em três pisos
desfasados, com áreas equivalentes e que podem ser subdivididos, ou não, em dois espaços
autónomos.
Estudo de caso 1 – Frans Van Der Werf, Conjunto habitacional Lunetten, 1982. Plantas das
várias possibilidades de compartimentação interior e vista exterior de um dos edifícios.
Estudo de caso 3 - Liesbeth Van Der Pol, Edifício de habitação na Pieter Vlamingstraat, 1992.
Planta do piso tipo e vista exterior do edifício.
Estudo de caso 4 – DKV, Edifício de habitação em Kop van Havendiep, 2003. Vista exterior do
edifício e planta do piso tipo.
Fig: 04: Estudos de caso 3 e 4
A flexibilidade das tipologias em análise é comprovada pela opinião positiva dos residentes
em relação à capacidade de adaptação do espaço da habitação aos usos e às alterações do
agregado familiar e confirmada pela variedade observada na compartimentação interior dos
fogos e na organização espacial das funções domésticas.
Nos restantes estudos de caso (EC2 e EC3), factores como as dimensões dos espaços, a
orientação do fogo ou a sua configuração, sugerem a organização espacial das funções
domésticas, embora não condicionem outro tipo de utilização. O EC2 é aquele em que se
observa mais variedade na organização espacial dos sectores funcionais. A estratégia de
Conversão é limitada mas proporciona bastante diversidade – 8 variações na
compartimentação interior e uma amplitude de 3 a 6 divisões. O EC3, que apresenta o mesmo
tipo de flexibilidade, é menos versátil, possibilita apenas 4 variações na compartimentação
interior com uma amplitude de 1 a 4 divisões.
A flexibilidade destas tipologias (EC2 e EC3) é mais limitativa em relação ao gosto pessoal dos
residentes mas tem como vantagem um conjunto de possibilidades para a compartimentação
interior que implicam alterações reduzidas.
Conclui-se que a Conversão pode limitar uma apropriação mais personalizada do espaço
doméstico, apresentar várias amplitudes de desempenho e implicar alterações de maior ou
menor envergadura. Por estas razões, o seu grau de flexibilidade deve ser medido em relação
à: 1) amplitude das possibilidades de compartimentação interior; 2) amplitude de
possibilidades de organização espacial dos sectores funcionais; 3) facilidade com que se
operam as alterações, como consequência do sistema construtivo utilizado.
Nos estudos de caso seleccionados, através da análise das suas tipologias base, observou-se
que o seu desempenho incidiu nos seguintes pontos: flexibilidade nas possibilidades da
configuração espacial: EC1 e EC4; flexibilidade nas possibilidades de organização espacial dos
sectores funcionais: EC2 e EC1; flexibilidade em relação à facilidade das alterações: EC1 e
EC3.
Espaço – área útil: Evidencia-se a importância da área útil do fogo tanto como factor de
satisfação em relação à habitação, como justificação da sua boa adaptabilidade. As
estratégias de flexibilidade utilizadas foram limitadas pela reduzida área útil do fogo, dada a
impossibilidade da sua expansão. Conclui-se por isso ser necessário aliar áreas razoáveis à
Conversão ou a sua conjugação com a estratégia de Polivalência ou Expansão. Nestes
exemplos transparece também a necessidade de dotar as habitações de espaços de
arrumação.
3. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS