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O DUC DE L'OMELETTE

(Edgar Allan Poe)

Kats foi vítima de uma crítica. Quem morreu por causa de


"Andromache"? (1) Almas ignóbeis! De L'Omelette pereceu devido a uma
hortulana. (2) L'histoire en est brève. Valei-me Espírito de Apício!

O pequeno vagabundo alado, enamorado, lânguido, indolente, foi transportado


numa gaiola dourada de seu lar distante, no Peru, para a 'Chaussée D'Antin'. De sua
propriedade real, La Bellissima, o afortunado pássaro foi levado, por seis pares do
império, ao Duc De L'Omelette.

Aquela noite, o duque devia cear sozinho. Na intimidade de seu gabinete,


recostou-se lânguidamente na otomana pela qual sacrificara sua lealdade ao rei,
fazendo um lance maior que o do soberano – aquela notável otomana do Cadêt.

Mergulha o rosto na almofada. Soam horas no relógio. Incapaz de refrear seus


sentimentos, Sua Excelência mete na boca uma azeitona. Nesse momento, a porta
abre-se delicadamente ao som da suave música, e eis que o mais delicado dos
pássaros surge ante os olhos do mais apaixonado dos homens! Mas que
consternação inexprimível é essa que então ensombrece a fisionomia do
duque? Horreur!... chien!...Baptiste!...l'oiseau!... ah, bom Dieu... cet l'oiseau
modeste que tu as désabillé de ses plumes, et que tu as servi sans
papier! Não preciso dizer mais: o duque expirou num paroxismo de náusea.

***

– Ah! Ah! Ah!, riu Sua excelência, três dias depois de sua morte.

– Ih!, ih!, ih!, fez o Diabo, baixinho, adotando um ar de hauteur.

– Certamente, o senhor não está falando a sério, retorquiu De L'Omelette. Eu


pequei, c'est wrai, mas meu bom senhor, pense bem!... Não creio que seja sua
intenção por em prática essas... essas ameaças bárbaras.

– Não, hem? Exclamou o Diabo. Vamos, meu senhor, dispa-se!

– Despir-me? Ora essa!... Não, senhor, não o farei. Quem é o senhor, diga-me,
para fazer com que eu, Duc De L'Omelette, Príncipe de Foie-Gras, já maior de
idade, autor da “Mazurkiad” e membro da Academia, deva depojar-me, a seu
pedido, dos mais suaves calções jamais feitos por Bourdon, do mais elegante robe-
de-cambre jamais confeccionado por Rombêrt... isso sem me referir ao trabalho
que me daria descalçar as luvas e tirar os papelotes de meus cabelos?

– Quem sou eu?... Ah, é verdade! Sou Belzebu, Príncipe das Moscas. Acabo de
retirá-lo de um ataúde de jacarandá tauxiado de marfim. O senhor estava
curiosamente perfumado e rotulado, como uma mercadoria a ser despachada. Foi
Belial quem o mandou – o meu Inspetor de Cemitérios. Os calções que, segundo
diz, foram feitos por Bourdon, são, com efeito, excelentes, e o seu robe-de-
cambre uma mortalha bastante ampla.

– Senhor! Exclamou o duque. Não consinto que me insultem impunemente! Na


primeira oportunidade vingar-me-ei dessa ofensa!... O senhor receberá notícias
minhas! Entrementes, 'au revoir!'

Com uma curvatura, o duque ia-se afastando da presença do Satanás, quando


seus passos foram interceptados por um par do reino, que o troxe de volta. Aí,
então, Sua Excelência esfregou os olhos, bocejou, deu de ombros e refletiu.
Satisfeito com a sua identidade, lançou o olhar em torno.

O apartamento era soberbo. Mesmo De L'Omelette não poude deixar de


considerá-lo bien comme il faut. Não se tratava apenas do seu comprimento ou de
sua largura, mas de sua altura!... Ah, esta era espantosa!... Não havia, certamente,
teto, mas uma turbilhonante massa de nuvens cor de fogo. Ao olhar para cima, Sua
Excelência sentiu uma vertigem. Pendendo do alto, havia uma corrente de metal
desconhecido e cor de sangue, cuja extremidade superior se perdia, como a cidade
de Boston, parmi les nues. Em sua extremidade inferior, oscilava uma grande luz. O
duque sabia que era um rubi, mas irradiava um brilho tão intenso, tão fixo, tão
terrível, como a Pérsia jamais adorara... como Gheber jamais imaginara... como um
mulçumano jamais sonhara quando, embriagado de ópio, cambaleava para um leito
de papoulas, as costas voltadas para as flores e a face para o deus Apolo. O duque
murmurou uma blasfêmia, de decidida aprovação.

Os cantos do aposento eram cercados de nichos. Três deles continham estátuas


de proporções gigantescas. Sua beleza era grega, sua deformidade egípcia, seu tout
ensemble, francês. No quarto nicho a estátua estava velada, e não era colossal. Mas
via-se um tornozelo delicado e um pé calçado com sandália. De L'Omelette levou a
mão ao coração, fechou os olhos, ergueu-os e, enrubescendo, deparou com o
Príncipe das Trevas.

Mas as pinturas! Krupis! Astarte! Astoreth! E Rafael as contemplara! Sim, Rafael


estivera ali, pois não fora ele quem pintou o----? E não fora ele condenado por isso?
As pinturas!... oh, as pinturas! Que suntuosidade! Que amor! Quem é que,
contemplando aquelas belezas proibidas, teria olhos para os delicados adornos das
douradas molduras que pontilhavam, como estrelas, os muros de jacintos e de
pórfiro?

O duque, porém, sente o coração desfalecer no peito. Contudo, não se acha,


como se poderia supor, perturbado com aquela magnificiência, nem tem a
respiração suspensa devido a todos aqueles inumeráveis incensórios. C'est vrais
que de toutes ces choses il a pensé beaucoup... mas, na verdade, o Duc De
L'Omelette está paralisado de terror: em meio da sombria paisagem descortinada
através da única janela que se achava aberta, eis que divisa os clarões da mais
medonha de todas as fogueiras!

Le pauvre Duc! O duque não poude deixar de imaginar as magníficas, as


voluptuosas, as incessantes melodias que penetravam no salão, depois de filtradas e
transmudadas pela alquimia das vidraças encantadas, eram de lamentos e os uivos
desesperados dos condenados! E ali, também, sobre aquela otomana, quem
poderia ele ser?... ele, o petit-maître – não, uma Deidade – sentado, imóvel, como
se talhado em mármore, 'et qui sourit', com o seu pálido rosto,si amèrement ?

Mais il faut agir, isto é, um francês jamais fraqueja de todo. Ademais, Sua
Excelência detestava cenas... De L'Omelette recobra sua personalidade. Havia
alguns floretes sobre a mesa... E o duque aprendera esgrima com B-; il avait tué ses
six hommes. Ora, assim sendo, il peut s'échapper. Examina os dois floretes e, com
graça inimitável, concede a escolha ao Príncipe das Trevas. Horreur! Sua Alteza não
sabe esguimir!

Mais il joue!... Que lembrança feliz! Sua Excelência, porém, sempre tivera
ótima memória. “Depenara” no jogo o “Diable” do Abade Gualtier. Consta-se, a
respeito, que le Diable n'ose pas refuser un jeu d'écarté.

E as probabilidades... as probalidades? Péssimas, sem dúvida – mas não piores


do que a situação em que se encontrava o duque. Além disso, não era ele o senhor
do segredo? Acaso não tirara a pele de Pére Le Brun? Não era sócio do “Club Vingt-
un”? Si je perds – pensou – je serai deux fois perdu... estarei duplamente
perdido... voilà tout! (Aqui, Sua Excelência deu de ombros.) Si je gagne, je
reviendrai a mes ortolans... Que les cartes soient préparées!

Sua Excelência revelava, em sua atitude, o máximo cuidado, a máxima atenção;


Sua Alteza, a máxima desconfiança. Um espectador teria pensado em Francisco e
Carlos. Sua Excelência pensava em seu jogo. Sua Alteza não pensava: embaralhava
as cartas. O duque cortou.

São dadas as cartas. O trunfo é virado... É... é... o rei! Não... é a rainha. Sua
Alteza, o Príncipe das Trevas, lançou uma imprecação ante suas vestes masculinas.
De L'Omelette levou a mão ao coração.
Jogam. O duque enumera as cartas. Sua Alteza pesadamente, faz o mesmo,
enquanto toma vinho. O duque tira furtivamente uma carta.

– C'est à faire, diz Sua Alteza, cortando.

Sua Excelência faz uma curvatura, dá as cartas e levanta-se da mesa en


présentant le Roi.

Sua Alteza mostra-se contrariado.

Se Alexandre não fosse Alexandre, teria gostado de ser Diógenes – e o duque


assegurou ao seu adversário, ao partir, que s'il n'eût pas De L'Omelette il n'aurait
point d'objection d'etre le Diable.

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