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SUMÁRIO
1. A constitucionalização do direito e o fim da dicotomia entre Direito Público e Privado; 1.1. A
constitucionalização do Direito Privado; 1.2. Despatrimonialização ou personalização?; 2. Críticas a
constitucionalização do Direito Privado; 2.1. A globalização, o mercado e as entidades supranacionais:
enfraquecimento da constituição; 2.2. Esvaziamento do Direito Civil e a insegurança jurídica gerada
pela aplicação direita da constituição; 2.3. Conflito entre direitos e garantias fundamentais; 3. A tutela
constitucional do contrato; 4. Breve análise da jurisprudência nacional; Conclusão;
RESUMO
A constitucionalização do direito privado caracteriza-se pela exaltação do ser
humano, significa trazer ao seio do direito privado regras constitucionais, fazendo
aflorar um novo paradigma para as relações privadas. O direito a propriedade, antes
absoluto, passa a ser interpretado pelo viés humanista, fundado em preceitos de
dignidade e justiça social. No Brasil, o artigo 170 da Constituição é claro em dizer que
a ordem econômica e, portanto, os contratos, devem ser regulados por princípios que
destaquem a dignidade da pessoa humana e a justiça social. Apesar das críticas ao
fenômeno, os efeitos da constitucionalização podem ser sentidos na interpretação e nas
decisões judiciais, ponto este que terá destaque no presente trabalho.
1
É mestre em Direito. É advogado, professor de Direito Empresarial na Faculdade Nacional de
Educação e Ensino Superior do Paraná - FANEESP e professor visitante nas Faculdades Santa Cruz -
FARESC. É membro do Comitê Brasileiro de Arbitragem - CBAr, do Instituto Brasileiro de Estudos
de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional - IBRAC, da Associação Brasileira de Direito e
Economia - ABDE e da Câmara Ítalo-Brasileira de Comércio, Indústria e Agricultura - ITALCAM. É
autor de livros e artigos jurídicos, atuando nas áreas de Direito Civil, Direito Empresarial, Direito
Antitruste e Arbitragem.
Constitucionalização do Direito Privado 2
INTRODUÇÃO
2
NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato – novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2006.
3
NEGREIROS, op. cit., p. 49
Constitucionalização do Direito Privado 4
Vale dizer, então, que a Carta Magna era dirigida apenas às relações em que o
Estado estive-se em um dos pólos, ou seja, era a integração ou não do ente estatal que
comandava a utilização de um diploma legal, relacionado ao direito público, ou outro,
relacionado ao direito privado.
Para o indivíduo, servia o texto constitucional apenas como forma de garantir
direitos mínimos; importava, então, para a proteção daquele frente ao poder de império
do Estado.
Na sociedade moderna, especialmente com a hierarquia inerente ao sistema
constitucional, o direito civil passou a ser bombardeado por regras e princípios de
ordem maior, ou seja, a hierarquia constitucional, desde os tempos de Hans KELSEN
reconhecida, passou a influenciar as relações privadas.
Convém lembrar que passou a importar para o direito civil certas regras, valores
e princípios eminentemente de ordem constitucional, independente da participação
concreta do Estado, posto que estava para se garantir a dignidade da pessoa humana.
É o que entende Carlos Martinez de AGUIRRE Y ALDAZ4, quando explica
que a partir desse momento iniciou-se o fenômeno da:
A publicização referida pelo autor deve ser entendida como a atração de regras
de direito público, especialmente as constitucionais, para as relações privadas. Trata-
se, sem dúvida, de fenômeno análogo ao reconhecido no Brasil como o da
constitucionalização do direito privado.
4
AGUIRRE Y ALDAZ, Carlos Martinez de. El derecho civil a finales del siglo XX. Madrid: Tecnos,
1991, p. 128
5
“la utilización por el Derecho civil de mecanismos e instrumentos considerados como más proprios
del Derecho público (fundamentalmente, la limitación del juego de la autonomía de la voluntad,
substituida por la regulación imperativa de la matéria), o que se vem fuertemente influenciados por
valores y principios peocedentes del Derecho público: cabría hablar, entonces, de publificación de las
técnicas civiles (o, simplemente, publificación).” Tradução livre.
Constitucionalização do Direito Privado 5
...não se pode mais conceber a distinção entre direito público e direito privado como sendo
este o ramo do direito que regra as situações da sociedade e aquele o que regra a atuação
estatal, da mesma forma que não mais se admite pensar que a Constituição Federal é a lei do
Estado, e a lei da sociedade corresponde aos códigos e demais diplomas legais.
6
NEGREIROS, op. cit., p. 56
7
EFING, Antônio Carlos. Direito Constitucional do Consumidor: a dignidade humana como
fundamento da proteção legal. In EFING, Antônio Carlos (coord.). Direito do Consumo. Curitiba:
Juruá, 2002, p. 15/36
8
EFING, op. cit., p. 15
Constitucionalização do Direito Privado 6
pender para o lado do ser humano. Quer se dizer, então, que a exaltação do ser humano
inverte o anterior absolutismo patrimonial, ou seja, é conseqüência da personalização a
despatrimonialização; portanto, os fenômenos não se confundem.
Corroborando o entendimento de que a constitucionalização trouxe a
personalização e essa, como conseqüência, desencadeou o fenômeno da
despatrimonialização, AGUIRRE Y ALDAZ11 complementa esclarecendo que “como
conseqüência da maior importância da pessoa no Direito civil, e do processo de
personalização a que tenho me referido, tem se falado de uma tendência à
despatrimonialização do Direito civil.”12
Esclarecido o ponto de vista sobre a nomenclatura que será utilizada, é
fundamental a qualificação de ambos os fenômenos, para, ao final, trabalhar os
reflexos dos mesmos sobre as relações contratuais.
Por personalização, então, compreende-se a exaltação do ser humano. Esta
funda-se na constatação de que o ser humano deve ser o centro de proteção da
Constituição; vale dizer, desloca-se o homem para o núcleo das garantias
constitucionais.
Já a despatrimonialização, conseqüência da personalização, a doutrina13 entende
que se manifesta sobre dois prismas fundamentais: a) na subordinação institucional
dos mecanismos patrimoniais perante a pessoa humana, já que essas instituições são
meios para o desenvolvimento de qualquer sociedade mediamente evoluída; b) na
atuação do personalismo como fator de correção dos desvios da ótica estritamente
econômica.
Não é demais lembrar que tais ensinamentos colidem frontalmente com a
análise puramente econômica do direito, como rezava a Escola de Chicago; apesar de
se reconhecer que “a economia é um poderoso instrumento para analisar uma vasta
gama de questões jurídicas14”, a análise puramente econômica macula a interpretação
11
AGUIRRE Y ALDAZ, op. cit., p. 150/153
12
“Como consecuencia de la mayor importancia de la persona en el Derecho civil, y del proceso de
personalización a que me he referido, se ha hablado de una tendencia hacia la despatrimonialización
del Derecho civil.” Tradução livre.
13
AGUIRRE Y ALDAZ, op. cit., p. 152
14
POSNER, Richard A.. Economic Analysis of Law. 4. ed. New York: Aspen, 1992, p. 3
Constitucionalização do Direito Privado 8
15
FARAH, Eduardo Teixeira. A disciplina da empresa e o princípio da solidariedade social. In:
MARTINS-COSTA, Judith (coord). A reconstrução do direito privado. São Paulo : RtT, 2002, p.
662/714
16
LORENZETTI, Ricardo Luis. Tratado de los contratos – parte general. Buenos Aires : Rubinzal-
Culzoni, 2004, p. 115/166.
Constitucionalização do Direito Privado 9
daí advinda, assim como a constante problemática da aplicação direita da Carta Magna
às relações entre particulares.
17
NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma difícil relação. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p.
219
18
NEVES, op. cit., p. 220
19
NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Defesa da Concorrência e Globalização Econômica. São
Paulo: Malheiros, 2002, p. 137/138
Constitucionalização do Direito Privado 10
Joseph Eugene STIGLITZ20, que o “estado-nação, que foi o centro do poder político e
(em grande medida) econômico nos últimos 150 anos, está sendo espremido
atualmente - de um lado, pelas forças da econômica global e, do outro, pelas
exigências políticas de devolução do poder.”
Ora, sendo o mercado a força motriz que rege as relações entre os Estados (ou a
econômica globalizada) cresce a influência de entidades supranacionais, como
empresas que porte global. Essas acabam por ditar as regras de comércio internacional,
podendo até mesmo influenciar, por artifícios legais ou ilegais, a legislação estatal ou
mesmo supranacional (acordos internacionais).
Completa o pensamento Joseph Eugene STIGLITZ21 entendendo que “essas
empresas não são apenas ricas, mas também politicamente poderosas. Se um governo
decide tributá-las ou regulamentá-las de uma maneira que não lhes agrada, elas
ameaçam mudar-se para outro lugar. Há sempre um outro país disposto a receber as
suas receitas tributárias, seus empregos e investimentos.”
Para exemplificar a questão, podem ser citados dois exemplos22 que corroboram
as afirmações até agora feitas: a) a receita da General Motors foi de 191,4 bilhões de
dólares (maior do que o PIB de 150 países); b) o Wal-Mart lucrou 285,2 bilhões de
dólares (maior que o PIB total da África subsaariana).
Melhor dizendo, algumas poucas empresas possuem recursos que somam as
riquezas de vários países; são, portanto, capazes de influenciar não só a economia
global, mas a nacional, inclusive com ingerência política e legislativa direta.
Pelo exposto, prova-se que a globalização e o fortalecimento de grandes
conglomerados empresariais, enaltecidos por um constante crescimento do poder da
econômica e pela mercantilização, enfraquecem o poder estatal, afetando inclusive a
sua soberania e o poder de autodireção.
Nesse sentido, é correto afirmar que o fenômeno da constitucionalização, assim
como a humanização do direito, acaba por ser dirimido pela economia. É certo afirmar,
20
STIGLITZ, Joseph Eugene. Globalização: como dar certo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007,
p. 85
21
STIGLITZ, op. cit., p. 303
22
Idem.
Constitucionalização do Direito Privado 11
porém, assim como afirmou Tereza NEGREIROS23, que “não se pode admitir que a
perspectiva civil-constitucional seja afetada por críticas derivadas de uma concepção
do Direito e de seu operador que esterilizem a reflexão jurídica, reduzindo-a a um
mero apêndice da economia, da sociologia ou da história.”
A conclusão que deve ser retirada do estudo é que a globalização econômica é
inevitável, sendo fato que vai influenciar não só as relações entre Estados, mas o
próprio Estado. Isso não significa dizer que a constitucionalização do direito privado
está fadada ao fracasso, mas sim que o Estado deve buscar na Constituição a proteção
necessária para contornar os efeitos negativos da globalização.
23
NEGREIROS, op. cit., p. 84
24
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição: fundamentos de uma
dogmática constitucional transformadora. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 153
25
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos do Direito Administrativo. Apud BARROSO,
op. cit., p. 153
26
NEGREIROS, op. cit., p. 86
Constitucionalização do Direito Privado 12
Havendo, assim, antinomia entre normas de Direito público e de Direito privado, tudo tende a
se dissipar coma hierarquização de determinado bloco de princípios aplicáveis topicamente,
ou seja, recorrendo-se à diretriz capaz de, no plano mais alto, sobrepujar a antinomia, a qual
não se equaciona apenas no domínio semântico, mas também no campo pragmático,
reconhecidos os princípios como superiores às regras.
Explicou o autor muito bem que o conflito pode ser resolvido pela
hierarquização, inclusive reconhecendo a prevalência dos princípios quando colidentes
com as leis infraconstitucionais.
Porém, como novamente se afirmou, a aplicação direta deve ser evitada quando
há lei que regulamente a matéria; como se verá em tópico destinado à análise da
jurisprudência nacional, a aplicação direta pode sim ocasionar insegurança jurídica e a
diminuição ou esvaziamento das regras de direito privado.
Conclui-se, na esteira de Tereza NEGREIROS28, que “a insegurança gerada
pela aplicação dos princípios reside não tanto no caráter inovador do conteúdo, mas
sim da indeterminação do que seja, afinal, este conteúdo.”
27
FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p.
230
28
NEGREIROS, op. cit., p. 88
Constitucionalização do Direito Privado 13
...a aplicação dos direitos fundamentais previstos na Constituição no âmbito das relações
interprivadas, quando prescinde da intermediação de normas infraconstitucionais, gera um tipo
de conflito não solucionável pelo direito civil (âmbito de composição espontânea),
comprometendo, nesta medida, a sua identidade, ao fazer com que tais relações acabem por
ser subtraídas à regulação civilística.
29
NEGREIROS, op. cit., p. 98
30
HESSE, Konrad. Derecho Constitucional y Derecho Privado. Apud: NEGREIROS, op. cit., p. 102
31
NEVES, op. cit., p. 168
Constitucionalização do Direito Privado 14
32
RIBEIRO, Joaquim de Sousa. Direitos dos contratos - estudos. Coimbra: Coimbra, 2007, p. 35
33
RIBEIRO, Luciana Antonini. A Nova Pluralidade de Sujeitos e Vínculos Contratuais: contratos
conexos e grupos contratuais. In: MARQUES, Cláudia Lima (coord.). A Nova Crise do Contrato:
estudos sobre a nova teoria contratual. São Paulo: RT, 2007, p. 430
Constitucionalização do Direito Privado 15
34
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. III vol. Rio de Janeiro: Forense.
2007, p. 11.
35
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2008, p.4.
36
LORENZETTI, op. cit., p. 116
37
“Existe um proceso de constitucionalización del Derecho Civil y uma comunicación creciente de la
esferas de lo público y lo privado, y dentro de este fenómeno hay uma clara relación entre
Constitución y contrato.” Tradução livre.
38
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem
por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios:
Constitucionalização do Direito Privado 16
...o contrato não pode mais ser observado como fenômeno autônomo e independente, de
interesse e com impactos somente em relação às partes contratantes. Considerando-se haver
uma solidariedade orgânica entre os membros da sociedade, compreende-se que a visão de
contrato não pode mais ser individualista, devendo considerar os reflexos de cada contrato na
sociedade, na vida econômica da comunidade.
...deve-se imaginar que o contrato tem uma finalidade em relação ao meio que o cerca e,
portanto, com ele deve ser analisado. Se um contrato for ruim para as partes, também o será,
de forma indireta, ruim para a sociedade, pois não atende à sua finalidade social. De forma
inversa, um contrato que é ruim para a sociedade também o é para as partes contratantes, em
regra. Isso porque os elementos parte-sociedade não podem ser concebidos isoladamente, mas
analisados como um todo.
39
BESTER, Gisela. Cadernos de Direito Constitucional: direito positivo constitucional. Porto
Alegra: Síntese, 1999, p. 216
40
RIBEIRO, op. cit., p. 435
41
TARTUCE, Flávio. Função Social dos Contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código
Civil de 2002. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2007. p. 249
Constitucionalização do Direito Privado 17
(terceiros), e não apenas no campo das relações entre as partes que o estipulam
(contratantes).”42
A função social do contrato busca, com a sua existência, restringir a liberdade
de contratar, propiciando um equilíbrio nas relações contratuais, aproximando-as da
finalidade última do direito, que é a justiça, por meio da concretização do princípio da
dignidade humana.
Conclui-se que a constitucionalização do direito privado trouxe como principal
alteração nas relações contratuais uma gama de princípios que visam asseguram a
todos uma existência justa e digna.
A função social do contrato, sendo efeito da constitucionalização, é o principal
instrumento para a concretização dos anseios constitucionais, sendo deveras
importante analisar, como ponto final do estudo, a forma com que a jurisprudência
vem assegurando o cumprimento dessas garantias fundamentais, já que cumpre
também ao Poder Judiciário a defesa da Constituição.
A doutrina corrobora esse ponto, entendendo Alberto G. SPOTA43 que “a
jurisprudência é o meio para aperfeiçoar nossos códigos e leis, para que não padeçam
do processo nefasto da cristalização legislativa, ou seja, a fim de que o direito não se
transforme no círculo rígido que oprime a sociedade e impede de desenvolver-se em
procura do bem comum.”
Passa-se, finalmente, para a análise da jurisprudência nacional, trazendo bases
concretas aos preceitos até agora trazidos.
42
THEODORO JÚNIOR, Humberto. O Contrato e sua Função Social. Rio de Janeiro: Forense,
2003, p. 29.
43
SPOTA, Alberto G. O juiz, o advogado e a formação do direito através da jurisprudência. Porto
Alegre: Fabris, 1987, p. 31
Constitucionalização do Direito Privado 18
44
PARANÁ. Tribunal de Justiça. 16ª Câmara Cível. Apelação Cível n.º 0452296-77. Rel. Des. Paulo
Cezar Bellio. Unânime. Julgado em 19.03.2008. Disponível em <www.tj.pr.gov.br> Acesso em 12 de
dezembro de 2008.
Constitucionalização do Direito Privado 19
Cinge-se a questão em verificar se o bem de família do fiador de contrato de locação pode ser
penhorado. Pois bem. O art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009/90, introduzido pela Lei nº 8.245/91,
veda a oposição da impenhorabilidade do bem de família em processo movido por obrigação
decorrente de fiança concedida em contrato de locação. Dessa forma, de acordo com o teor da
referida disposição normativa, não pode o fiador de contrato de locação (no caso, o espólio do
fiador), com êxito, opor a impenhorabilidade do bem de família, pois dito imóvel não se
encontra coberto pela garantia legal de insuscetibilidade da penhora. De outro lado, quanto ao
reconhecimento constitucional da moradia como um direito social fundamental, a Emenda
Constitucional nº 26/2000 inseriu a moradia entre os direitos sociais previstos no art. 6º da
CF/88, e, desde então, surgiram novas interpretações dessa norma, afirmando alguns ter
havido modificação na questão da penhora sobre os bens do fiador em contrato de locação.
Porém, a mera inclusão da moradia entre os chamados direitos sociais não tem o efeito de
convertê-los em direito individual, alcançando os locadores particulares e impedindo-os de
executar seus créditos locatícios com a penhora do imóvel residencial do fiador. Porque, o
direito à moradia, contemplado na Constituição Federal, tem a função de estabelecer diretriz
ao Poder Público na implementação de políticas, como norma programática que é. Não de ser
invocada para situação concreta.
45
PARANÁ. Tribunal de Justiça. 11ª Câmara Cível. Apelação Cível n.º 0504187-8. Rel. Fernando
Wolff Bodziak. Julgado em 25 de junho de 2008. Disponível em <www.tj.pr.gov.br> Acesso em 10 de
dezembro de 2008.
Constitucionalização do Direito Privado 20
46
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal,
previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
(...)
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
47
BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas: limites e
possibilidades da Constituição brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1993, p. 111
48
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Primeira Turma. Recurso Especial n.º 611.240/SC. Rel. Min.
José Delgado. Julgado em 04/03/2004. Disponível em <www.stj.jus.br> Acesso em 12 de dezembro
de 2008.
Constitucionalização do Direito Privado 21
extensão, devendo ser assumida pelos vários segmentos da sociedade, em colaboração mútua
na busca de soluções, eis que a habitação é elemento necessário à própria dignidade da pessoa
humana, encontrando-se erigida em princípio fundamental da CF/1988 (art. 1º, III).
49
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma. Recurso Extraordinário n.º 439003. Rel.
Min. Eros Grau. Julgado em 06/02/2007. Disponível em <www.stf.jus.br> Acesso em 08 de dezembro
de 2008.
Constitucionalização do Direito Privado 22
Nos instrumentos de confissão de dívida, admite-se a análise e discussão das cláusulas que
originaram o título, com impugnação dos lançamentos desde sua origem.
Por fim, apesar para colocar um ponto final na visão do princípio pelos
Tribunais, cita-se a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça52:
50
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. 9ª Câmara Cível. Apelação Cível n° 70004256533.
Rel. Nereu José Giacomolli. Julgado em 17/09/2003. Disponível em <www.tr.rs.gov.br> Acesso em
10 de dezembro de 2008.
51
PARANÁ. Tribunal de Justiça. Enunciado n.º 7. Disponível em <www.tj.pr.gov.br> Acesso em 11
de dezembro de 2008.
52
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Quarta Turma. Habeas Corpus n.º 12.547/DF. Rel. Min. Ruy
Rosado de Aguiar. Julgado em 01/06/2000. Disponível em <www.stj.jus.br> Acesso em 13 de
dezembro de 2008.
Constitucionalização do Direito Privado 23
soluções diversas para casos semelhantes, ou seja, a crítica em relação a amplitude dos
princípios acaba por ser confirmada pelos julgados que foram colacionados.
Ainda assim, não se pode descartar a validade do fenômeno enquanto opção
para a garantia dos princípios constitucionais, especialmente para a concretização de
uma sociedade digna e justa.
CONCLUSÃO
Baseado em tudo que foi exposto, algumas são as conclusões possíveis, dentre
elas, tem-se que o fenômeno da constitucionalização é admitido pela doutrina pátria,
apesar das críticas realizadas.
Por isto, deve ser dito que não mais subsistem as relações de direito privado
focadas exclusivamente na autonomia da vontade, posto que a constitucionalização e a
personalização (e não a despatrimonialização, que é conseqüência da personalização)
do direito trouxeram bases Constitucionais às relações privadas. Portanto, é de
fundamental importância que sejam respeitados os princípios constitucionais
fundamentais para que a vida em sociedade seja calcada em premissas de dignidade e
justiça social.
Viu-se que mesmo nas relações contratuais, há irradiação desses preceitos de
dignidade e justiça social, refletidos por importantes princípios, dentre eles, cresce em
prestígio o princípio da função social.
Ao final, pôde-se observar que a jurisprudência, apesar de reconhecer a
importância da Constituição, vez ou outra ignora a aplicabilidade imediata de seus
preceitos. Ou seja, apesar de haver concretamente influência dos princípios
constitucionais, há oscilação em sua aplicação; certo, portanto, que é possível se
entender como parcialmente procedente a crítica de parte da doutrina sobre a
insegurança jurídica causada pelo fenômeno.
Da mesma forma, entendendo que a jurisprudência é parte da manifestação do
Poder do Estado, ousa-se dizer que a constitucionalização pode acabar por atrair a
ingerência indevida nas relações entre particulares, mesmo que para a garantia de um
princípio fundamental; sendo igualmente procedente, portanto, a crítica apresentada.
Constitucionalização do Direito Privado 24
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGUIRRE Y ALDAZ, Carlos Martinez de. El derecho civil a finales del siglo XX.
Madrid: Tecnos, 1991.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2008.
NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma difícil relação. São Paulo: Martins
Fontes, 2008.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. III vol. Rio de Janeiro:
Forense. 2007.
Constitucionalização do Direito Privado 26
POSNER, Richard A.. Economic Analysis of Law. 4. ed. New York: Aspen, 1992.