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MORFOGÊNESE DO
MESTRE ÁLVARO, SERRA-
ESPÍRITO SANTO-BRASIL
Uma das abordagens, a ambiental, é en- partir do entendimento do arranjo espacial das
contrada em Chorley (1971, apud ABREU, morfologias de relevo, dos materiais superfi-
1982). O autor destaca três formas possíveis ciais rochosos e inconsolidados (elúvios,
de ser empregadas para se avançar em Geo- colúvios, alúvios) e dos processos hidrodinâ-
grafia Física e em Geomorfologia. São elas a micos e erosivos atuais.
construção de modelos, o uso dos recursos e Procura-se, a partir desse objetivo geral,
a análise de sistemas. produzir e testar um mapeamento em que se-
A Geomorfologia, por natureza uma ciên- jam identificados a forma, os materiais e os
cia interdisciplinar e de síntese, busca indicar processos na composição do relevo.
no relevo os sinais de fatos e relações ocorri- Aplicados os princípios do método de
dos na paisagem e sua condição de estabili- abordagem sistêmica à procura do entendi-
dade e instabilidade. mento de sistemas geomórficos, o objetivo
O estudo da relação morfologia de relevo específico é investigar as correspondências de
– estrutura (rochas-estrutura tectônica-cober- aspectos geomorfológicos, geológicos e pe-
tura pedológica) – processos surge na dológicos.
Geomorfologia Moderna, o que pode levar ao Em um determinado momento da pesqui-
diagnóstico e ao prognóstico de caráter geo- sa, aventou-se uma hipótese: aquela que fala
morfológico. de uma correlação expressa espacialmente,
Concebida a unidade de análise básica, um definindo gênese morfológica associada às
compartimento montanhoso costeiro de for- etapas de desenvolvimento do solo, em con-
mato semicircular em planta, o objetivo é re- formidade com uma maior diversidade de ele-
conhecer e interpretar esse relevo, por meio mentos de forma de relevo.
do estudo integrado da morfologia, da estru-
tura e dos processos, e, averiguada sua distri- A UNIDADE DE ANÁLISE
buição espacial, inferir sobre seu desenvolvi-
mento. Representado em quase sua totalidade pela
Em atendimento a essas necessidades, Área de Proteção Ambiental Estadual de Mes-
propõe-se aqui a identificação e a delimita- tre Álvaro, instituída em 1991, anteriormen-
ção do relevo em setores topomorfológicos te Reserva Biológica Estadual de Mestre Ál-
(topo=diferenças altimétricas; morfológico varo e Parque Florestal, o compartimento ge-
=forma), o que concorre para uma caracteri- omorfológico montanhoso Mestre Álvaro, ao
zação genética, com base em relevos com sul da sede do Município de Serra, Estado do
rugosidades distintas percebidas desde o topo Espírito Santo (Figura 1) e distante cerca de
do compartimento geomorfológico Mestre 15 km da capital do Estado, a norte, em linha
Álvaro até a base. reta, representa uma das descontinuidades ur-
O objetivo desta pesquisa, portanto, tam- banas verificadas no contexto da organiza-
bém é desenvolver uma metodologia de ma- ção da Região Metropolitana de Vitória, pos-
peamento geomorfológico associada a uma suindo no seu interior principalmente cober-
condição específica de relevo e, ao mesmo tura vegetal arbórea, arbustiva e rupestre, bem
tempo, identificar seu modelo morfogenético como gramíneas cultivadas. Predomina nes-
por meio da própria carta, que é um instru- sa área atividade pecuária, agricultura e mi-
mento de averiguação dos fatos geomorfoló- neração. Constitui significação particular seja
gicos e de interpretação. pela referência de localização que represen-
A caracterização do relevo constitui o es- ta, destacado na paisagem em decorrência de
copo do trabalho de pesquisa, cujo objetivo é seu isolamento físico, seja pelo atrativo tu-
a interpretação do sistema geomórfico Mes- rístico, educativo e cultural de uso diversifi-
tre Álvaro, estabelecendo-se correlações a cado.
42 GEOGRAFARES, Vitória, no 3, jun. 2002
CARTA GEOMORFOLÓGICA EMORFOGÊNESE DO MESTRE ÁLVARO
Figura 1
Carta de localização da área da unidade de análise: compartimento
geomorfológico Mestre Álvaro e áreas adjacentes
O Mestre Álvaro é um maciço costeiro que tar com dados meteorológicos diários. A tem-
possui formato semicircular em planta, peratura média anual é de 23,4 ºC, e a preci-
estruturado em um corpo de rocha intrusiva pitação pluvial média anual, de 1.052mm; é
granítica. Corresponde à cúpula de um constatada amplitude pluviométrica anual ele-
batólito, parcialmente gnaissificado nas bor- vada e térmica anual pequena; expectativa de
das, individualizado na paisagem como uma período seco, no mês de agosto, e de período
unidade geomorfológica, com claras evidên- úmido de chuvas superiores a 100mm, com
cias de perturbações por estruturas tectônicas valores máximos, no mês de dezembro. Na
e acentuada variação de fácies litológica. definição do balanço hídrico, os meses de ja-
Posicionado a SSO no compartimento ge- neiro a abril e de agosto a outubro constituem
omorfológico, o Posto Meteorológico Fazen- intervalos de tempo caracterizados por con-
da Fonte Limpa é o único nesse relevo a con- sumo de umidade do solo (retirada), podendo
GEOGRAFARES, Vitória, no 3, jun. 2002 43
ANA CHRISTINA WIGNERON GIMENES
Figura 2
Carta de setores topomorfológicos do Mestre Álvaro
8
8
5b 8
4b
8
5a
6b 4a
6a
8 6c 1
3a
8
8
3b
2a
8
8 2b
8 7 8
8
Setores topomorfológicos Mestre Álvaro: 1; 2a; 2b; 3 a; 3b; 4a 4b; 5a; 5b; 6a; 6b; 6c.
Setores Topomorfológicos adjacentes: 7; 8.
Na construção dos mapas, técnicas de fo- 6a; 6b; 6c). Seguiu-se a essa etapa a aplica-
tointerpretação, além de controle de campo, ção de uma simbologia simplificada, composta
foram aplicadas. Com base nelas, foram por números e letras, objetivando dotar as
adotados os critérios de delimitação topográ- manchas mapeadas da idéia de orientações e
fico e morfológico de relevo, e definidos en- seqüências topomorfológicas.
tão os compartimentos inseridos no interior A incorporação dos compartimentos geo-
da unidade de análise Mestre Álvaro, em que morfológicos adjacentes (7 e 8, corresponden-
as diferenças altimétricas foram ressaltadas em tes a colinas e planície) revela os contatos
doze setores (1; 2a; 2b; 3a; 3b; 4a; 4b; 5a; 5b; geomorfológicos e, em particular, associada
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ANA CHRISTINA WIGNERON GIMENES
Figura 3
Seqüência dos setores topomorfológicos 1, 2a e 2b da face sul do
compartimento geomorfológico Mestre Álvaro
limites de setores
topomorfológicos
N escorregamento planar
curso d’água
linha de crista
ruptura de forma
blocos
vertentes retilinizadas
elúvio
material superficial
rochoso
colúvio
colúvio- creep
vertentes vertentes concavizadas
alúvio planície aluvionar
convexizadas
Limite do compartimento Mestre Álvaro e
compartimento geomorfológico de planície 8
8
8
5b 8
4b
8
5a
6b 4a
6a
8 6c 1
3a
8
8
3b
2a
8
8 2b
8 7 8
8
Quadro 2
Correlações da morfologia, morfometria e morfogênese da seqüência
dos setores topomorfológicos 1 - 2a e dos compartimentos adjacentes 7 e 8
MORFOLOGIA MORFOMETRIA
1 Corresponde ao topo da unidade Mestre Álvaro, Retilíneas paralelas separadas por linha de Estreitos. Ausência de 833-500 Predomínio do intervalo > 47
alongado no sentido SO-NE. Cristas aguçadas crista, vertente lateral e vale. Orientadas para depósitos.
longas e curtas paralelas subniveladas ao norte, OSO, apresentam maiores inclinações;
ultrapassando os limites desse setor. Cristas orientadas para ENE, inclinações menores.
curtas, formando colos estreitos, alguns Convexas sem descontinuidades. Vertentes
ligeiramente achatados, outros aguçados. concavizadas de cabeceira de drenagem.
Presença de ressaltos topográficos a montante Predomínio de vertentes rochosas.
de linhas de crista. Associação de topos
convexizados aguçados estreitos, pequenos
subnivelados. Predomínio de elementos de
superfícies rochosas.
2a Cristas aguçadas longas subparalelas. Cristas Retilíneas paralelas, apresentam comprimento Estreitos. 500-280 Predomínio do intervalo > 47
curtas e convexizadas subparalelas. Topos maior aquelas orientadas para E, na porção
convexos desnivelados alinhados no sentido oeste e central do setor; a E do setor, possuem
SE-NO. Cristas rochosas e não rochosas. comprimentos similares. Concavidade
subparalela às cristas avança sobre esse setor.
Quadro 3
Correlação entre etapas de desenvolvimento do relevo e etapas de
desenvolvimento do solo
ST 1º. 2a 2b 3a 3b 4a 4b 5a 5b 6a 6b 6c
EDR I II III; IV; II III; IV; II III; IV; II; III; II; III; II; III; III; IV; III; IV;
V V V IV IV; V IV V V
EDS 1º. 1º.; 2º. 1º.; 1º.;2º. 1º.; 1º.; 2º. 1º.; 1º.; 1º.; 1º.; 1º.; 1º.;
2º.; 3º. 2º.; 3º. 2º.; 3º. 2º.; 3º. 2º.; 3º. 2º.; 3º. 2º.; 3º. 2º.; 3º.
REFERÊNCIAS
RESUMO ABSTRACT
Relativamente à definição de sistema geomórfico, Relatively to the definition of geomorphic system,
fundamentada na proposição conceitual de Ab’Saber founded on Ab’Saber (1969) conceptual propositi-
(1969), é ele composto pela morfologia do relevo, on, it is composed by the landform morphology,
estrutura e processos, concebido como uma unidade structures and process, conceived as a dynamic and
dialética dinâmica e descontínua. Aplicados os prin- discontinuous dialectics unit. Applied the principles
cípios do método de abordagem sistêmica, ênfase é of the method of systemic approach, emphasis is gi-
dada à investigação do sistema geomórfico nos li- ven to the investigation of the geomorphic system
mites de um compartimento geomorfológico mon- within the limits of a mountainous coastal geomor-
tanhoso costeiro de formato semicircular em planta, phic compartment, of semicircular format in plant,
Mestre Álvaro (Serra, ES, Brasil), onde a morfologia Mestre Álvaro (Serra, ES, Brazil), where the lan-
do relevo, os materiais superficiais rochosos e os dform morphology, the rocky and unconsolidated
inconsolidados (elúvios, colúvios, alúvios) bem surface materials (elluvium, colluvium, alluvium)
como os processos atuais são considerados. O obje- and current processes are considered. The objective
tivo é reconhecer o arranjo espacial desse sistema is to recognize the space arrangement of that geo-
geomórfico, a começar pela identificação das for- morphic system, to begin with the identification of
mas e, averiguada sua distribuição, inferir sobre seu the form. And, verified its distribution, infer on its
desenvolvimento. As diferenças demonstradas pela development. The differences shown by the landform
morfologia de relevo em diferentes setores morphology in different topomorphological sections
topomorfológicos e faces de orientação são and orientation faces are investigated and from them
investigadas, resultando delas um mapeamento sin- a synthetic and normative mapping of geomorphic
tético e normativo de conteúdo geomorfológico. Os content is result. The geomorphic processes show a
processos geomórficos apresentam uma nítida clear relationship among their dispositions and the
relação entre suas disposições e os condicionantes lito-structural, morphologic, biological, pedologic
lito-estruturais, morfológicos, biológicos, pedológi- and antropic conditionings that determine them.
cos e antrópicos que os determinam. Além disso, a Besides that, the space expression of the hydric flu-
expressão espacial dos fluxos hídricos, o principal xes, which are the main erosive agent of the lan-
agente modelador das formas de relevo, é importan- dform morphology, is important for this considera-
te para essa consideração. As evidências nas tion. The evidences in the landform morphologies,
morfologias indicam a existência de etapas de de- indicate the existence of stages of the relief develo-
senvolvimento do relevo seqüenciais e não lineares. pment, which are sequential and no linear.
PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS
Morfogênese; Geomorfologia estrutural; Mapeamen- Morphogenesis; Structural geomorphology;
to geomorfológico; Relação solo-relevo. Geomorphologic mapping; Relationship soil- relief.