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\ Como filmei Nanook do Norte

Aventuras com os Esquimós para Conseguir Imagens da Sua Vida


Original e Suas Batalhas com a Natureza para Conseguir Comida.
A Luta da Morsa
/ Robert J. Flaherty, [F.R.G.S] (1922)

Em agosto de 1910, Sir William MacKenzie, cuja ferrovia trans-


continental no Canadá setentrional estava nos estágios iniciais de
construção, contratou este escritor para levar a cabo uma expedição
até a costa oriental da Baía de Hudson, para examinar sedimentos de
certas ilhas, nas quais se supunha que poderia jazer minério de ferro.

No total, fiz quatro expedições em nome de Sir William, ao longo de


um período de seis anos, junto à costa oriental da Baía de Hudson,
através das terras estéreis da até então inexplorada península de
Ungava, seguindo a costa ocidental da baía de Ungava e a costa
austral da Terra de Baffin. Este trabalho culminou com a descoberta
do arquipélago da Ilha Belcher na Baía de Hudson — uma massa de
terra que ocupa 5.000 milhas quadradas — massa de terra sobre
a qual foram descobertas extensos sedimentos de minério de
ferro, mas todos de baixa qualidade, embora de futura importância
econômica. Como parte do meu equipamento de exploração nestas
expedições, incluía-se uma aparelhagem para produção de imagens
em movimento. Esperava-se assegurar filmes do Norte e da vida
Esquimó, que, de algum modo, poderia ter valor suficiente para
ajudar a custear algumas das despesas das explorações.

Enquanto invernava na Terra de Baffin, entre 1913 e 1914, foram


feitos filmes do país e dos nativos, assim como na expedição
seguinte, às ilhas Belcher. Na conclusão das sondagens, o filme, num
total de 30.000 pés, foi trazido de volta a salvo, a Toronto, onde,
durante a edição do material, tive o azar de perdê-lo completamente
por causa do fogo. Embora isso, naquele momento, parecesse uma

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tragédia, não estou certo de que não se tratou de uma pequena sorte
que ele tenha se queimado, posto que era bastante amador.

Meu interesse pelos filmes, daí em diante, cresceu.

Novas formas de filme de viagens foram surgindo e o filme da Ilha


Johnson do Mar do Sul pareceu-me particularmente ser uma boa
amostra do que seria feito no Norte. Comecei a crer que um bom
filme, apresentando os Esquimós e sua luta pela existência, no
dramaticamente inóspito Norte, poderia possuir um bom valor. Para
resumir a história, decidi ir para o Norte novamente — desta vez,
completamente devotado ao propósito de fazer filmes.

O Sr. John Revillon e o capitão Thierry Mallet, dos Irmãos Revillon,


ficaram interessados e decidiram financiar meu projeto. Provou-
se ser este um acordo feliz, posto que através do vasto sistema
de entrepostos peleiros dos Irmãos Revillon que se espalham pelo
Canadá setentrional, pude utilizar um destes entrepostos como o
núcleo do meu trabalho. Este entreposto estava situado no Cabo
Dufferin, no nordeste da Baía de Hudson, a aproximadamente 800
milhas ao norte da fronteira ferroviária setentrional de Ontario. A
jornada para lá iniciou-se no dia dezoito de junho de 1920.

De canoa com os índios, segui o Rio Moose até à Feitoria Moose na


Baía James. Daí para norte, uma pequena escuna me conduziu até
meu destino, ao qual cheguei no meio de agosto. Os recursos do
entreposto comercial peleiro dos Irmãos Revillon, no Cabo Dufferin,
estavam à minha disposição. Um dos alojamentos que compunham
o entreposto tornou-se meu, reunindo dormitório e laboratório
cinematográfico.

Meu equipamento incluía 75.000 pés de filme, um gerador e projetor


elétrico Haulberg, duas câmaras Akeley e uma máquina copiadora
para que eu pudesse fazer cópias do filme enquanto ele era exposto,
e projetar as imagens na tela de modo que os esquimós da região
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pudessem enxergar e compreender quaisquer enganos que viessem
a cometer.

Dos esquimós que eram conhecidos no entreposto, para o filme


escolhi, no total, uma dúzia. Destes, Nanook, um personagem famoso
na nação, era meu principal homem. A seu lado, e bem conforme sua
aprovação, escolhi três jovens como ajudantes. Isso incluía também
suas esposas e famílias, cães em número de aproximadamente vinte

cinco, seus trenós, caiaques e apetrechos de caça.

Como se por sorte, o primeiro filme feito foi da caça à morsa. Foi de
Nanook que primeiro ouvi falar da “Ilha da Morsa”, que é uma ilhota
perdida no mar e inacessível aos esquimós durante a estação de
águas abertas, pois é longínqua o bastante para não ser visível da terra.

Na extremidade sul da ilha, em uma praia batida por ondas, havia, no


verão, segundo Nanook, várias morsas, julgando pelos vestígios que
foram vistos no inverno por um grupo de esquimós caçando focas,
os quais, pegos por uma fratura no gelo, foram forçados a morar
lá até a primavera seguinte, ocasião em que eles só conseguiram
alcançar o continente ao construir um umiak de peles de foca e
troncos, escavando as massas de gelo no mar aberto, que ainda
restavam presas à costa. Nanook estava bastante entusiasmado com
minha ida, pois, como ele disse “Há muitas luas que eu não caço a
morsa do verão”.

Quando resolvi fazer a viagem, todo o interior ficou interessado. Já


não havia falta de candidatos para a viagem. Todo mundo me fornecia
alguma razão particular pela qual deveria ser incluído na expedição.
Com um barco de mar aberto de vinte e cinco pés de comprimento
equipado com uma vela Leg-O-Mutton (uma vela triangular, como as
de windsurf), partimos, com uma multidão de esquimós, suas esposas,
crianças e cães aglomerados na praia para nos ver sair. Algumas
milhas a partir do entreposto, alcançamos o mar aberto, quando

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então por três dias tivemos de ficar na costa esperando por tempo
bom o bastante para fazer a travessia. Finalmente alcançamos a ilha
em um dia, ao pôr do sol, e desembarcamos naquilo que nada mais
era que um amontoado de destroços de pedregulhos e rochedos,
de uma milha e meia de comprimento, com espuma de ondas
em toda a borda. Em torno do privilégio de uma fogueira de troncos
a deriva (troncos são raros no continente), ficamos em vigília até
tarde da noite, especulando principalmente sobre as chances de
encontrar polvos.

Como se a sorte chegasse exatamente na hora em que iríamos


nos recolher, de repente veio de Nanook uma exclamação “Iviuk!
Iviuk!” e o ladrar de um cardume de morsas ressoou no ar. Quando,
cedo na manhã seguinte, nos levantamos, dê-mo-nos conta, para
nossa decepção, que a manada de morsas havia retornado ao mar
novamente, mas logo depois, e bem próximos da praia, os líderes
de um grande cardume de morsas lançavam-se sobre o mar, com
suas presas malvadas lampejando no sol. Enquanto estivessem
dentro d’água, não haveria filmes a fazer, e então voltamos ao
acampamento. Nos dois dias seguintes, fizemos quase uma
viagem a cada hora até que finalmente as encontrássemos — uma
manada de vinte — adormecidas, refestelando-se na areia da praia.
Ainda mais afortunadamente, elas jaziam em um lugar no qual,
ao nos aproximarmos, poderiam ser enquadradas de uma visada
ligeiramente elevada acima do solo. Atrás da elevação, montei a
câmara enquanto Nanook passou o fio no seu arpão, começando
a nos esgueirar lentamente sobre o topo. Deste topo até onde elas
jaziam, havia não mais do que cinquenta pés, e, até que Nanook
engatinhasse até metade desta distância na direção delas, nenhuma
das morsas havia se assustado. No resto do caminho, toda vez que
a sentinela da manada erguia lentamente a cabeça para olhar ao
redor, Nanook deitava-se inerte no chão. Então, quando sua cabeça

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inclinava-se de volta e caia no sono, outra vez Nanook minhocava
seu caminho lentamente. Devo também acrescentar aqui que as
morsas têm, em terra, uma visão limitada. Pois, para se proteger, ela
depende do seu nariz e, uma vez que o vento seja favorável, pode
ser seguida bem de perto. Quando estava quase entre elas, Nanook
divisou o maior macho, levantou-se rapidamente e com toda força
lançou seu arpão. O macho ferido urrou de fúria, com sua enorme
massa mergulhando e rebentando no mar (ele pesava mais de 2.000
libras), os gritos dos homens arriscando suas vidas na tentativa
de segurá-lo, os berros de combate da manada nos rodeando,
companheiros do macho ferido que enxameavam ao redor, presas
travadas, numa tentativa de resgate — foi a maior briga que eu já
havia visto. Por um longo tempo, ficou-se em um perde-ganha – a
equipe repetidamente pedindo-me que usasse a pistola –, mas como
a manivela da câmara era então o meu único interesse, fingi que não
entendia. Finalmente, Nanook empenhou-se na querela, e foi puxado
em direção à rebentação, onde ele era batido pelos pesados mares,
incapaz de lograr vantagens na água. Por pelo menos vinte minutos,
ficou-se neste cabo-de-guerra. Eu afirmo que eram vinte minutos
com segurança, posto que arranquei dali 1.200 pés de filme.

Em nosso barco, carregado de carne de morsa e marfim — foi uma


tripulação feliz que me trouxe de volta ao entreposto, no qual
Nanook e seus amigos foram saudados com fervor. Não perdi tempo
para revelar e copiar o filme. A luta da morsa foi o primeiro filme que
estes esquimós jamais haviam visto e, na linguagem dos negócios,
foi um “nocaute”.

A audiência — que se amontoava na cozinha do entreposto quase


a ponto de se sufocar, esqueceu-se completamente da imagem –
para eles a morsa era real e viva. As mulheres e crianças, nas suas
vozes agudas estridentes, juntaram-se aos homens na gritaria de
admoestações, avisos e conselhos a Nanook e a sua equipe, à medida

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que o filme se desdobrava na tela. A fama deste filme espalhou-se
por todo o território. E por todo o ano em que eu lá permaneci, cada
família que passava pelo entreposto me suplicava para que lhe fosse
exibido o Iviuk Aggie.

Depois disso, não demorou para que meus esquimós vissem o


aspecto prático dos filmes, de modo que logo abandonaram a sua
atitude inicial de riso e troça em relação ao Angecak, isto é, ao Mestre
Branco que queria imagens deles — os mais comuns objetos de todo
mundo! Daquele momento em diante, estavam todos do meu lado.
Quando, em dezembro, a neve começou a cair pesadamente no solo,
os Esquimós abandonaram seus topecks de pele de foca e a vila de
iglus de neve ergueu-se ao redor do meu entreposto de invernada.
Eles cercaram de neve minha pequena cabana até o ocaso com
espessos blocos de neve. Ele ficou tão espessamente murado quanto
uma fortaleza. Minha cozinha tornou-se seu salão de encontros —
havia sempre um balde de cinco galões de chá pousado no fogão, e
bolachas-do-mar no barril.

Também o meu pequeno gramofone era propriedade comunal.


Caruso Farrar, Ricardo-Martin e McCormick alternavam-se com as
orquestras de Harry Lauder, Al Jolson e Jazz King. O prólogo de
Caruso no Pagliacci, com sua trágica conclusão, era para eles a
gravação mais cômica do conjunto. Levava-os a rebentar de rir até
rolar no chão.

As dificuldades para revelar e copiar o filme durante o inverno eram


muitas. A conveniência da civilização da qual mais senti falta era a
água corrente. Por exemplo, a lavagem do filme, requeria três barris
de água para cada cem pés. O buraco de água, então de oito pés de
gelo, tinha de ser mantido aberto durante todo o inverno e a água,
coagulada em partículas de gelo, precisava ser retirada, um barril de
cada vez, de uma distância de mais de um quarto de milha. Quando

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digo que mais de 50.000 pés de filme foram revelados durante o
inverno, sem nenhuma ajuda além da dos meus Esquimós, e na
lenta taxa de oitocentos metros por dia, pode-se de algum modo
compreender o volume de tempo e de labuta envolvidos.

A caça da morsa mostrou-se de tal sucesso que Nanook passou


a aspirar coisas maiores. A primeira das coisas maiores iria ser
uma caça ao urso no Cabo Sir Thomas Smith, que jaz em torno de
duzentas milhas ao norte de nós. “Aqui”, disse Nanook, “é onde a
ursa hiberna no inverno. Eu sei, porque já as cacei lá, e me parece
que lá poderíamos ter a grande, grande aggle (imagem).”

Ele passou então a descrever como, no início de dezembro, a ursa


hiberna em vastos aterros de neve à deriva. Não há nada que indique
o refúgio, exceto a pequena ventarola ou buraco de ar que é derretido
pelo calor corporal do animal. Ele passou então a avisar que ninguém
deve andar por ali, pois poderia cair dentro, situação na qual a ursa
ficaria furiosa! Seus companheiros permaneceriam junto de mim,
cada um de um lado, rifles nas mãos, enquanto eu filmasse (ele
estaria, ao menos, garantindo a minha segurança neste negócio).
Ele, com sua faca de neve, abriria o refúgio bloco por bloco. Os cães,
neste meio-tempo, seriam todos soltos e, como uma alcateia de
lobos rodeando a presa, juntar-se-iam ao redor dela, uivando para
os céus. Com a porta do refúgio da Senhora Ursa aberto, Nanook,
com nada além do seu arpão, estaria preparado e esperando.

Os cães acossando a mina — alguns deles arremessados pelo ar


por patadas-relâmpago da ursa — Nanook dançando lá e cá (ele
encenava a cena no chão da minha cabana usando o arco do meu
violino como arpão) esperando para lançar um arremesso de curta
distância — este, ele tinha certeza, seria uma grande, grande imagem
(aggie peerualluk). Concordei com ele. Depois de duas semanas de
preparação, partimos. Nanook, com três companheiros, dois trenós

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pesadamente carregados e dois times de uma dúzia de cães. Meu
suprimento alimentar compreendia cem libras de porco com feijão,
que havia sido cozido em enormes caldeiras no meu entreposto, e
então colocados em um saco de lona e congelados. Estes feijões,
arrancados com um machado da massa congelada, junto com frutas
secas, bolachas-do-mar e chá, compraziam minha provisão de
comida.

A dieta de Nanook e de seus companheiros era foca e morsa,


acrescidas de chá e de açúcar do meu suprimento e, o mais
importante de tudo, de tabaco, aquele mais valorizado tesouro do
homem branco. Nós partimos em um dia de frio cortante — o dia 17
de janeiro —, com cada contorno de paisagem borrado pelo vento
nevado. Por dois dias fizemos um bom progresso, pois o solo em
que viajamos estava duro e bem batido pelo vento. Depois deste
período, porém, um poderoso vendaval com precipitação de neve
arruinou nosso bom curso. Dia após dia, seguimos lentamente nossa
jornada. Dez milhas, ou menos, era a média diária de deslocamento.
Havíamos esperado cobrir as 200 milhas até Cabo Smith em oito dias,
mas depois de passados doze deles, descobrimos que estávamos
apenas a meio caminho. Ficamos desencorajados, com todos os cães
completamente exaustos e, para piorar ainda, com as provisões de
foca e comida para os cães próximas do ponto de esgotamento.

A baixa linha costeira a partir da qual havíamos viajado por dias


revelou-se, no final, uma miragem enganadora, pendurada no céu, de
modo que Nanook não conhecia sua própria localização, e tampouco
a nossa posição em relação ao Cabo Smith. Constantemente, à
medida que caminhávamos ao longo da monotonia dos dias, nossa
proximidade do Cabo Smith tornava-se o assunto supremo de
nossas mentes. “Quão próximos estamos?”, a pergunta que vinha de
hora em hora, tornou-se o suplício da pobre existência de Nanook.
Nas poucas vezes em que ele tentou prever, estava invariavelmente

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errado. Finalmente, viajamos até um ponto onde o Cabo, Nanook
estava certo, se encontrava a não mais do que alguns dias de jornada,
pois ele estava certo que o havia divisado através da névoa e geada
o antigo território de caça de anos anteriores. Durante o dia, seus
companheiros acharam que ele estava outra vez enganado. Eles não
podiam conter sua impaciência e irritação. O pobre Nanook ficou
indignado e, à medida que continuávamos, ele mantinha sua cabeça
erguida, recusando-se firmemente a olhar novamente para aquele
continente enganador.

Estávamos já no limite do nosso feijão quando finalmente alcançamos


o Cabo Smith. Nossa cadela líder, de couro marrom, que estivemos
nos três dias anteriores carregando em cima do trenó na tentativa
de salvá-la, estava morrendo de inanição. Nanook sacrificou-a com
seu arpão e, enquanto lançava longe a carcaça, disse: “Acabou-se
a comida para os cães”. Bem, de todo modo, havia focas no Cabo,
disso estávamos seguros, e além do mais teríamos que permanecer
ali durante o dia, de modo que continuamos otimistas o suficiente.
A grande massa de terra do Cabo, elevando-se a meros 1.800 pés,
postava-se desafiadoramente diante de nós. Pelo cair da noite,
alcançamos nossa terra preciosa de ursos e focas e abundância.
Estacamos ante a elevação de um antigo terreno de acampamento
de Nanook e, abandonando trenós e cães, subimos ansiosamente
até um mirante, em busca de uma vista de boas-vindas dos terrenos
de foca. Apreciamos lá um momento ou mais, antes de percebermos
que o terreno de focas que havíamos procurado era exatamente
igual a todo o terreno atravancado pelo qual havíamos viajado —
um sólido campo branco, e em nenhum lugar uma pista de caça de
águas abertas. Esquecemos sobre a caça ao urso; por duas semanas
e meia, buscamos por focas vagando dia após dia seguindo o sopé
de gelo quebrado do Cabo. Neste intervalo, duas pequenas focas
foram mortas e elas eram exatamente o suficiente para manter os

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cães vivos. Por quatro dias, certa feita, ficamos sem óleo de foca e
nosso iglu ficou mergulhado na escuridão. Os cães estavam no limite
do cansaço, dormindo no túnel do iglu. Sempre que eu quisesse
engatinhar porta afora, tinha que levantá-los de lado como se fossem
sacas de farinha, pois estavam demasiado cansados e indiferentes
para se afastar. A ironia disso tudo é que ursos, havia por toda parte,
certa noite, quatro deles passaram a uma centena de pés de nosso
iglu, mas os cães estavam fracos demais para uivar para eles ou
para detê-los. O meu estoque de comida estava se aproximando das
raspas. Por alguns dias estive partilhando-o com os homens.

Jamais esquecerei uma manhã amarga, na qual Nanook e seus


homens começavam a sair para um dia de caça nos campos de gelo
marinhos. Descobri, de repente, que nenhum deles havia tocado
minha comida na hora do desjejum. Quando protestei com Nanook,
ele respondeu que ele temia que eu ficasse sem! Todavia, nossa sorte
mudou no cair da noite, quando Nanook engatinhou para dentro do
iglu exibindo um sorriso de orelha a orelha, enquanto gritava as
bem-vindas palavras “Ojuk! Ojuk!” (a grande foca). Ele havia abatido
uma foca adulta, que era “muito, muito grande” e suficiente para que
nós e os cães fizéssemos a jornada, de volta ao sul. Que banquete
estes homens fizeram, ao longo daquela noite memorável! Quando
acabou, Nanook disse em profundo contentamento, “Agora, estamos
fortes de novo e quentes. A comida do homem branco nos deixou
muito fracos e frios”. A carne de foca é certamente fonte de calorias
no mais alto grau. Quando eu acordei na manhã seguinte, estavam
todos ainda adormecidos, com os corpos cobertos de cristais de
gelo, com uma camada de vapor flutuando sobre eles no frio ar do iglu.

Muito embora o problema do suprimento de comida tivesse sido


por ora solucionado, ainda não éramos capazes de viajar, posto que
os cães necessitavam serem alimentados. Neste ínterim, caçamos

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por sinais de tocas de urso, seguindo os gigantescos flancos do
cabo. Havia rastros em toda parte, mas de tocas, apenas uma, e
ainda assim, abandonada. Tivéssemos tempo sobrando, seria
apenas questão de dias antes que encontrássemos uma, mas eu
tinha uma grande quantidade de filme para fazer no meu entreposto
de inverno, e como não houvesse mais tempo para desperdiçar,
bastante relutantemente, então, deixamos o Cabo e começamos a
trilhar a viagem para casa. Chegamos lá no décimo dia de março
e assim terminaram as seiscentas milhas e cinquenta e cinco dias
da jornada da “grande imagem” do nosso Nanook. Mas de maneira
nenhuma ela foi perdida: eu estava mais rico de um conhecimento
mais pleno das excelentes qualidades dos meus valiosos amigos, os
esquimós.

Tradução: Bráulio de Britto Neves

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