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Victor Meirelles e a Construção da
Identidade Brasileira [1]
Teresinha Sueli Franz [2]
FRANZ, Teresinha Sueli. Victor Meirelles e a Construção da
Identidade Brasileira. 19&20, Rio de Janeiro, v. II, n. 3, jul. 2007.
Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/obras/vm_missa.htm>.
* * *
As culturas nacionais também são formadas de
símbolos e representações. Ao construir sentidos
sobre a nação, constroem identidades. Esses sentidos
são contidos nas histórias que são contadas sobre a
nação, memórias que conectam seu presente com o
passado e imagens que dela são construídas.
Stuart Hall
A indiscutível dependência entre o artista e seu tempo é o fio
condutor deste artigo.
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A pintura “Primeira Missa no Brasil”, considerada uma “obra
prima” da história da arte nacional, foi produzida em Paris,
durante a longa viagem de estudos do artista (1853–1861)
como bolsista da Imperial Academia de Belas Artes do Rio de
Janeiro. Humanista ligado ao Romantismo, grande
pesquisador, observador atento, estudioso, dedicado,
disciplinado e indiscutivelmente comprometido com seu
tempo, foi o primeiro brasileiro a expor no Salão Oficial em
Paris, em 1861, onde representou seu país com a pintura
“Primeira Missa no Brasil”.
Cabe destacar que, mesmo estando em Paris, Victor Meirelles
estava em constante comunicação com os professores da
Imperial Academia de Belas Artes no Brasil, principalmente
com Manuel de Araújo Porto Alegre. Victor cumpria assim
uma das exigências do país que sustentava sua estada na
França. Embora estudando com os mestres do Primeiro
Mundo, permanecia sob a tutela e os comandos da Academia
no Brasil, portanto, sujeito também às idéias que esta
articulava com a elite política e cultural do País, entre eles o
Imperador Pedro Segundo e o grupo do IHGB. Sendo assim,
compreendemos que é principalmente a cultura de seu país de
origem que determina sua maneira de pensar e,
conseqüentemente, de pintar.
A “Primeira Missa no Brasil” é o resultado de uma complexa
rede de relações entre as idéias e utopias que se
desenvolveram dentro do chamado “Projeto Civilizatório”,
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López também comenta que foi devido a mudanças políticas
entre Portugal e a França, como parte de uma estratégia de
reaproximação dos dois países, que teria surgido a idéia de
trazer para o Brasil uma Missão Artística Francesa, em 1816,
com a finalidade de institucionalizar o ensino artístico no
Brasil. Este fato se consolidou mais tarde, em 1826, com a
criação da Imperial Academia de Belas Artes do Rio de
Janeiro.
A “Primeira Missa no Brasil”, antes de ser a produção isolada
de um artista, é uma síntese visual do “Projeto Civilizatório”
de cunho nacionalista do Segundo Império. Por isso, para
compreender esta pintura é necessário ir àquele contexto.
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diante do mundo, o que implica, entre outras coisas, a criação,
a ostentação e a ampla divulgação dos ícones que criou.
Cercado de repúblicas, o modelo monárquico brasileiro
contava com obstáculos para seu reconhecimento, seja pelas
demais nações americanas, seja pela difícil comunicação com
os países europeus.
Há que se considerar o esforço interno no sentido de dissociar
a imagem brasileira da idéia de anarquia, associada a um
sistema escravocrata persistente sobre o qual se estruturavam
a sociedade e a economia brasileiras. A pesquisadora acima
citada explica que por essa razão, desde os primeiros anos de
independência, houve evidente esforço em divulgar e efetuar
uma imagem ao mesmo tempo comum e peculiar neste
longínquo império.
A via de entendimento deste período, seguramente, não passa
por respostas simples e rápidas. Podemos buscar elementos de
reflexão na hipótese de que o País buscava se afirmar nos
modelos que já conhecia e tinha consciência de que eram
mais adiantados. Por outro lado, havia uma angustiante
pergunta entre as idéias civilizatórias, pergunta esta que
continua sendo motivadora de movimentos culturais e
artísticos nacionais ao longo da história: afinal, o que é
brasileiro?
O índio brasileiro e o movimento romântico
Foi nos decênios de 50 e 60 do século XIX que, segundo
Schwarcz (1998), o Brasil conheceu a consagração do
Romantismo, cuja manifestação considerada a mais
genuinamente nacional, o indianismo, teve nele o maior
movimento de prestígio, alcançando, além da poesia e do
romance, a música e a pintura. Os indianistas ganhavam
popularidade na representação romântica do índio como
símbolo nacional.
A “Primeira Missa no Brasil”
Imagem simbólica da cultura brasileira, a “Primeira Missa no
Brasil”, assim como seus numerosos estudos preparatórios,
hoje fazem parte das coleções do Museu Nacional de Belas
Artes do Rio de Janeiro sob o tombo nº 901. Foi produzida
durante o Império de D. Pedro II, na França, entre 1859 e
1860, chegando ao Brasil em 1861. É este entorno que
pretendo começar a reconstruir, consciente de que
compreender o espírito do Brasil no Segundo Império não é
fácil.
Onde buscar a presença de elementos comuns que justifiquem
o nascimento de um repertório de imagens e ícones como o da
“Primeira Missa no Brasil”, dentro deste contexto?
A “Primeira Missa no Brasil”, um destes ícones, é sem dúvida
uma das mais importantes obrasprimas da pintura brasileira
de todos os tempos! As obrasprimas, segundo Parsons
(1992), condensam as sensibilidades de uma época e
exprimem plenamente suas tendências e seus ideais. Ao
mesmo tempo em que encarnam os valores de uma
comunidade, são inconcebíveis sem esta comunidade. Nela o
artista fez mais do que qualquer pessoa isolada poderia fazer:
serviuse das intuições e das realizações dos outros,
conjugandoos de uma nova forma, o que lhe permitiu falar
em nome de toda uma geração.
É importante destacar também o papel da “Primeira Missa no
Brasil” na construção de uma representação sobre o
“Descobrimento” e sobre a identidade brasileira vinculada ao
catolicismo e ao sentido de conversão que a navegação
portuguesa trouxe consigo, o que amplia a importância desta
pintura na construção do nosso imaginário cultural.
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Academia Imperial de Belas Artes
Para a Imperial Academia de Belas Artes eram encaminhadas
as vocações artísticas das províncias do Brasil, como Manuel
de Araújo Porto Alegre, do Rio Grande do Sul; Victor
Meirelles de Lima, de Santa Catarina; Pedro Américo de
Figueiredo e Melo, da Paraíba, José Ferraz de Almeida
Júnior, de São Paulo, entre outros. As obras destes artistas
espelham o espírito acadêmico de então, voltadas para o
idealismo clássico e para os mestres consagrados pelas
academias de Roma e de Paris.
Schwarcz (1998) chama a atenção para a relação direta que o
Imperador Pedro II mantinha com a Imperial Academia de
Belas Artes durante o seu longo Reinado. Empreendendo uma
política semelhante ao IHGB, o Imperador passou a distribuir
prêmios, medalhas, bolsas para o exterior e financiamentos,
assim como participou com assiduidade das Exposições
Gerais de Belas Artes, promovidas anualmente, ou entregou
insígnias das Ordens de Cristo e da Rosa aos artistas de maior
destaque. Em 1845, D. Pedro passou a custear o Prêmio de
Viagem, aberto anualmente, que financiava estudos de alunos
da Academia no Exterior.
O Imperador recebeu o título de Fundador e Protetor Perpétuo
da Academia Imperial; proteger a Academia e os artistas era
também uma forma de garantir a produção da iconografia
oficial. Da Academia e de seus artistas, além da pintura
“Primeira Missa no Brasil”, saíram os inúmeros retratos, as
cenas familiares e de poder da Família Real que até hoje
ilustram nossa história. A pintura histórica era o gênero mais
valorizado na Academia em meados do século XIX. Como
bem explicita Jorge Coli (1998: 117)
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Segundo pesquisa publicada em Franz (2003), antes de Victor
Meirelles a Academia enviou outros artistas para a Europa,
através do sistema de bolsas de estudos, mas eles produziram
pouco e voltaram logo. O primeiro que realmente se vê nos
documentos e que tinha noção do que estava acontecendo é o
pintor catarinense. Ele foi para a Europa e atendeu às
exigências da Imperial Academia no Brasil nas obrigações
dele esperadas. Enquanto os outros artistas mandavam um
desenho ou dois, Victor Meirelles mandava dez ou vinte.
Então o Imperador e os intelectuais da Academia sentiram
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Uma vez feito o primeiro esboço da “Missa”, Victor Meirelles
enviouo para a Academia no Brasil. A elite cultural queria
criar esse tipo de imagem para ficar na memória cultural do
País. Por isso, uma vez aceito o esboço da “Primeira Missa no
Brasil”, o pintor de Desterro ganhou o financiamento para
mais dois anos de estada na França e para as despesas da
execução da obra.
Em Paris foi auxiliado por Ferdinand Denis, um homem que
tinha vivido no Brasil no tempo de D. João VI, que adorou
morar aqui e ficou sendo brasilianista pelo resto da vida. Ele
era então o diretor da Biblioteca de Santa Genoviève, que
existe até hoje em Paris. Foi nesta biblioteca que Victor
Meirelles analisou a documentação sobre o índio e sobre o
Brasil, e onde também encontrou a carta de Caminha, que
tinham descoberto um pouco antes. Estudou a carta com
afinco para representar a missa descrita por Caminha.
Antes de ser produto da mente isolada de um artista, a
“Primeira Missa no Brasil” é uma síntese visual do projeto
civilizatório de cunho nacionalista do Segundo Império
brasileiro, e Victor Meirelles de Lima foi o homem que
concretizou em forma de pintura as idéias deste projeto.
Se, por um lado, o artista pintou idéias do corpo político e
cultural do Brasil de meados do século XIX concretizadas
pelo rigor das técnicas artísticas aprendidas nas academias de
arte, por onde passou e pela fidelidade a pintura histórica em
si, por outro lado, teve “ajudas” que, de tão próximas,
podemos chamálas de “outras mãos”. Entre estas a principal
foi a de Manoel de Araújo Porto Alegre. Nacionalista, foi
também aluno de Debret, na Imperial Academia, no período
que antecede a Independência do Brasil. Foi professor e
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Como pensionistas do Estado, os artistas contemplados com o
Prêmio Viagem ficavam submetidos a rígida legislação, pela
qual lhes eram cobradas uma série de tarefas e obrigações,
garantido assim o sucesso e a manutenção da bolsa. Entre
essas tarefas estava a remessa regular de obras realizadas no
exterior. A feitura destes trabalhos artísticos era determinada
pela Congregação da Escola no Brasil. Para garantir a
manutenção deste campo simbólico, nenhum desvio desta
linha doutrinária era permitido, sob pena de ser
imediatamente suspenso o custeio de sua permanência fora do
País (BAEZ, 1986).
Vernet intitulase “Première messe en Kabyli” (1853) [Figura
3], lembrando que o procedimento por citação é
absolutamente legítimo dentro do gênero Pintura Histórica.
O desconhecimento das regras da pintura histórica pela crítica
de arte nacional causou grande polêmica quando a pintura
chegou ao Brasil, e Victor Meirelles inclusive foi acusado de
plagiário.
Há ainda a hipótese de que o tema da missa era então
recorrente. No Museu Granet, na Provença, França,
encontramos outra missa intitulada “Une messe au Louvre
pendant la Terreur”, datada de 1847, de autoria de Marius
Granet (1775–1849) [Figura 4]. O altar no centro, com um
padre levantando a hóstia, e outro de joelhos segurando suas
vestes lembram a cena principal da “Missa” de Victor
Meirelles. Este procedimento também teria sido legítimo
dentro do contexto cultural estético das academias de arte do
século XIX.
Chamados pelo historiador Jorge Coli de “a forma justa” para
atingir o poder de permanência que a obra possui, os meios
formais adequados só poderiam resultar da Pintura Histórica.
As origens deste gênero devem ser vinculadas ao sistema de
ensino da pintura das Academias de Arte. Sobre estes
aspectos afirma Reyero (1989:16):
Referências bibliográficas
BAEZ, Elizabeth, Carbonel. A academia e seus modelos. In:
Academicismo: projeto Arte Brasileira. Rio de Janeiro:
Fundarte, 1986, p. 716.
COLI, Jorge. “Primeira Missa” e invenção da descoberta. In:
NOVAIS, Adauto (Org.) A descoberta do homem e do
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mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 107121.
FRANZ, Teresinha Sueli. Educação para uma compreensão
crítica da arte. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2003.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pósmodernidade.
Rio de Janeiro, DP&A, 2002.
RUBENS, Carlos. Victor Meirelles: sua vida e sua obra. Rio
de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945.
SOUZA, Alcídio Mafra. “O Pintor de uma Rua de Desterro”.
In: ROSA, A. P. (org). Victor Meirelles de Lima 1832 –
1903. Pp. 137. Rio de Janeiro: Pinakoteke, 1982.
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[1] Este artigo foi publicado na Revista do Instituto Histórico e
Geográfico de Santa Catarina, Nº 22 em 2003, ano de centenário da
morte de Victor Meirelles.
[2] Dra. em Belas Artes pela Universidade de Barcelona – Espanha onde
defendeu tese de doutorado em torno da pintura Primeira Missa no Brasil
(1860) de Victor Meirelles de Lima (Desterro, 1832 – RJ, 1903). É
professora de ensino das Artes Visuais na graduação e no mestrado em
Artes Visuais do Centro de Artes da UDESC – Florianópolis –SC. Autora
dos livros: “Educação para a compreensão da arte: Museu Victor
Meirelles”. Fpolis: Insular, 2001 e “Educação para uma compreensão
crítica da arte”. Fpolis: Letras Contemporâneas, 2003. Email:
terefranz@hotmail.br
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