Professional Documents
Culture Documents
NO BRASIL
Resumo
O historiador francês Lucien Febvre (1878-1956) foi o responsável pela cunhagem dos
termos determinismo (que já existia) à geografia ratzeliana e possibilismo (termo que Vidal nunca
utilizou) à geografia lablacheana, criando uma polarização que não existia.
Dois fortes motivos levaram a fazê-lo: em primeiro lugar, Febvre, que defendia a
interdisciplinaridade e a ampliação dos temas históricos, queria dialogar com seus
compatriotas e fortalecer a Geografia de seu país em relação à Geografia alemã. Para tanto,
acabou por tentar desmerecer a pujante contribuição de Ratzel, valorizando a Escola
Francesa de Geografia. Em segundo lugar, ao enfatizar a dimensão política, a Geografia
praticada por Ratzel assemelhava-se à História diplomática, militar e política então
hegemônica na França e que Febvre esforçava-se em combatê-la. (RIBEIRO, 2012, p. 02)
Ratzel foi uma das referências intelectuais, com a sua Antropogeografia, para o
estabelecimento da Geografia Humana de Vidal da La Blache (1845-1918). Apesar de algumas
pequenas divergências, os dois convergiam no tratamento dado à região e ao Estado, tanto na defesa
do colonialismo quanto na própria visão geopolítica.
A corrente possibilista chegou a ser majoritária na Geografia e foi transplantada para o
Brasil por ocasião da criação (em 1934) do curso de Geografia e História na Universidade de São
Paulo (USP). Diversos aspectos dessa corrente de pensamento eram diferentes dos propostos por
Vidal; no entanto, identificar regiões passou a ser um trabalho básico e nele se destacavam os
aspectos físicos. Também foram realizadas monografias, como se ele tivesse aconselhado a realizar
daquela maneira. Entretanto, descobriu-se que a visão de Vidal sobre região era mais dinâmica do
que a de seus seguidores; se estes faziam monografias limitadas, isso não era um conselho de La
Blache. Outra questão relevante refere-se ao fato de que ele escreveu textos claramente políticos,
como “A França do Leste” (LA BLACHE, 1994) – onde fez uma análise política da região da
Alsácia e Lorena – e este livro foi ocultado por seguidores.
Integrantes dessa corrente enfatizaram por demais a descrição e nela isolavam os aspectos
físicos entre si, além de separá-los dos chamados aspectos humanos e econômicos. A dicotomia
Física/Humana esteve presente na Geografia implantada no Brasil. Alguns geógrafos se
transformaram em especialistas de partes dessa descrição, fragmentando a realidade e perdendo o
caráter espacial mais globalizante que essa ciência almejava, o que levou à “despolitização” do
discurso geográfico. O método mais utilizado era o indutivo (análogo às ciências da natureza),
similar ao da proposta positivista, limitando a explicação aos elementos visíveis da paisagem e
escondendo a existência de classes sociais, de relações desumanas de trabalho, por ser normalmente
ligada ao Estado, às classes dirigentes, não sendo crítica ao capital e nem demonstrando a ação
depredatória da explotação colonial.
Os geógrafos franceses influenciaram e foram influenciados pela expansão colonial de seu
país. “[...] Vidal de la Blache atua em várias frentes: favorável às pretensões do Comitê da África
Francesa, faz conferências sobre as colônias e sua revista é um espaço privilegiado de atuação em
prol da expansão colonial, [...].” (RIBEIRO, 2009, p. 26) Ele chegou a escrever: “Devemos nos
congratular porque a tarefa da colonização que constitui a glória de nossa época, [...]” (LA
BLACHE, apud SANTOS, 1978, p. 15) Em conferência (LA BLACHE, 1897), defendeu a
importância da imposição da língua francesa nas colônias e a “influência moral” que os franceses
deveriam exercer sobre os nativos, além de destacar a ignorância e os prejulgamentos dos
autóctones em relação aos franceses. Ele sempre reiterou uma visão sobre a possibilidade de
expansão da França. Escreveu em 1910: “Ora, o grande mercado, inesgotável e fecundo em
promessas de futuro, é aberto pelo Oceano.” (LA BLACHE, 2012f, p. 269) Ainda que se
pronunciasse sobre o comércio de países europeus e dos EUA, não deixou clara a possível intenção:
a defesa do colonialismo.
A natureza não estabelece leis nem forma com antecedência os quadros dentro dos quais se
move o destino dos Estados. Assinala as condições e deixa à competição, lei universal dos
seres vivos, o cuidado de obter resultados. [...] Daí surge a necessidade que tem cada povo
de informar-se seriamente dos recursos próprios que ele traz à luta. (In HAESBAERT et
al., 2012, p. 337)
A lei universal de todos os seres vivos seria a competição e, desse modo, também tratava os
Estados: como uma espécie de ser vivo. Além disso, a própria obtenção do status de ciência
universitária na França, vai lhe dar um papel útil na defesa dos interesses da potência colonial
francesa. A criação, em 1892, da cadeira de “Geografia Colonial”, demonstrava a importância dessa
“ciência” na assessoria e na justificativa da obra colonial francesa. Os geógrafos daquele país não
somente foram influenciados pela expansão colonial como também a influenciaram.
Existem reflexões de Vidal sobre a expansão e a manutenção do império colonial francês;
aliás, ele defendeu que a obra da colonização “desperta um interesse tão legítimo”. O geógrafo
Guilherme Ribeiro escreveu que “[...] Vidal de la Blache atua em várias frentes: favorável às
pretensões do Comitê da África Francesa, faz conferências sobre as colônias e sua revista é um
espaço privilegiado de atuação em prol da expansão colonial, [...].” (RIBEIRO, 2009, p. 26)
No Brasil, a geografia realizada em nome de La Blache, compartimentava muito e não
ligava os fatos, além de a maioria das monografias seguirem um mesmo “esquema”. Vidal, na
verdade, era a favor da ligação dos fatos, era contrário à compartimentação que existia em muitos
trabalhos aqui realizados. Em “O princípio da geografia geral” (1896), afirmou que a Terra era um
todo, onde as partes estavam coordenadas e que isso era um princípio de método para a Geografia:
Na verdade, ele não pregou as características das monografias realizadas no Brasil, que
afirmavam serem baseadas nele. “Seria colocar uma venda nos olhos estudar uma região
[‘contrée’] isoladamente, como se ela não fizesse parte de um conjunto” (Ibidem, p. 44), afirmou
ele. E mais: não propunha um modelo fixo, um único modo: “A descrição geográfica deve ser
maleável e variada como seu próprio objeto.” (LA BLACHE, 1985, p. 46) Gomes fez uma
observação importante sobre isso:
[...] a escola vidaliana operou uma forte redução do campo de sua disciplina, depois refutou
como não geográfico tudo o que não entrava no estreito âmbito que ela havia definido. [...]
Para evitar tratar de questões sociais, econômicas, políticas, da luta de classes, das
contradições econômicas, do colonialismo e do imperialismo (entre outras coisas) os
vidalianos reduziram a geografia à caricatura, a ser apenas uma simples ciência dos lugares
(para retomar a definição do próprio Vidal de la Blache). (BOINO, in: RECLUS, 2010, p.
13)
Durante sua vida, Vidal centralizava e influenciava as cátedras universitárias francesas; após
sua morte, seus discípulos mantiveram algumas propostas e modificaram outras. A identificação das
regiões passou a ser um trabalho geográfico básico e, na busca da individualidade das regiões, além
dos elementos da natureza, destacavam-se os aspectos culturais, atitude que aparentemente
valorizava o que chamavam de Geografia Humana.
[...] o autor aprofunda seu interesse sobre as relações entre Geografia e Política. Faz
referências a Friedrich Ratzel (leis e princípios da Geografia), a Paul Vidal de La Blache (o
homem como fator geográfico) e a Delgado de Carvalho (as regiões naturais), assinalando
que a ciência geográfica moderna resulta dos “processos de investigação” apresentados
pelos dois primeiros autores. (VLACH, 2003, p. 05)
Outro autor que sofreu influências da geografia francesa, principalmente no começo de sua
atividade como geógrafo, foi Josué Apolônio de Castro (1908-1973), principalmente a partir da
segunda metade da década de 1930. A busca da compreensão da fome, como uma expressão da
relação entre o biológico e o social, encontrou na proposta geográfica de uma articulação entre a
natureza e a sociedade, que a escola lablacheana dizia realizar, um importante caminho. Em 1937,
com A alimentação brasileira à luz da geografia humana (CASTRO, 1937), a Geografia ocupou,
pela primeira vez, o lugar central em uma obra sua. “A crescente influência da geografia em suas
análises tem como consequência o aprofundamento da compreensão do fenômeno da fome,
enquanto interação entre o homem e a natureza.” (MAGALHÃES, 1997, p. 79)
Os princípios como causalidade e conexão, a possibilidade de realizar sínteses integradoras
capazes de superar a fragmentação das análises empíricas e de ver o fenômeno multifacetado da
alimentação de um modo mais globalizante foram aspectos importantes para a adoção desse
método. A possibilidade de recuperar a articulação entre o natural e o social dava uma
individualidade, entre as ciências, à Geografia. Josué de Castro procurava incorporar a visão
geográfica para compreender a alimentação como uma expressão da interrelação entre solo, clima,
organização econômica, características culturais do grupo etc., e não aceitava algumas
características dessa corrente como, por exemplo, a neutralidade científica.
No livro (1937), disse procurar não mais tratar o problema da alimentação “[...] em seus
aspectos parciais, mas em seu conjunto, o que só poderia conseguir com um estudo baseado nos
métodos e princípios da geografia humana, capaz de permitir uma visão total do assunto, com as
várias perspectivas que ele encerra.” (CASTRO, 1937, p. 13) Afirmou que seu trabalho não era
uma monografia geográfica e sim que “foi orientado sob a inspiração do espírito geográfico”.
Segundo ele, um dos motivos pelos quais o problema alimentar ainda estava para ser solucionado
decorria da falta de aplicação do método geográfico ao seu estudo, o que levava os interessados pela
questão a estudar aspectos parciais, “projetando uma visão unilateral do problema”.
Reafirmou que o estudo da nutrição precisava ser de acordo com as condições
climatobotânicas e a organização econômica e social, ou seja, do “complexo ambiente cultural – o
meio e o homem”, pois também deveria levar em consideração os hábitos dos moradores. Abordou
também o meio geográfico e nessa abordagem se nota a influência da Escola Regional Francesa,
inclusive em sua visão sobre Ratzel: “[...] contra o cego determinismo geográfico da escola de
Ratzel”. (CASTRO, 1937, p. 109) Ele sempre citou, com destaque, Vidal de La Blache e limitou as
posições de Ratzel a um determinismo tosco. Entretanto, como escreveu Robert de Moraes,
A abordagem da escola francesa se, por um lado, influenciou o conteúdo das primeiras
obras, por outro, mais tarde, tornou-se um obstáculo. Na Geografia, ele encontrou o método de
análise para uma apreensão mais global da fome, para uma aproximação entre o biológico e o
social. Posteriormente, afastou-se da Geografia “oficial”, mas as limitações para o seu trabalho
derivaram muito mais da escola adotada do que da incapacidade da ciência geográfica em ajudar a
explicar os temas por ele abordados. Castro foi além do que propunha a Escola Francesa: estudou
um tema pouco mencionado – a fome –, analisou-o e, por essa razão, superou em muito os
“possibilistas”. Além de outros aspectos, a forte perspectiva regional dessa escola pode ter sido um
fator impedidor para quem buscava uma visão e compreensão da fome como fenômeno mundial.
Importante para mostrar sua mudança posterior, para melhor, é o contato com outros textos
anteriores à Geografia da Fome (1957c), como os contidos em Ensaios de Geografia Humana
(1957b). A primeira parte era voltada para estudantes da disciplina e possuía uma estrutura que
obedecia, com pequenas alterações, ao programa oficial de ensino, fato que permitiu constatar o
conteúdo acadêmico conservador e francês dessa disciplina. Nesse livro, comportou-se como um
autêntico seguidor da Escola Possibilista.
No livro Documentário do Nordeste (1957a) estava o artigo Os preconceitos de raça e de
clima, que se dedicava a combater a visão preconceituosa em relação ao clima tropical e à noção da
existência de raças superiores; isso em razão de nosso passado, no qual parte significativa de nossa
intelectualidade defendia o branqueamento da população como condição para o desenvolvimento.
Notava-se, no texto, a influência da Escola Regional Francesa na noção de gênero de vida, pela
qual, segundo o artigo, percebia-se que das relações entre o homem e o meio, uma das mais tenazes
era o estudo dos meios de nutrição.
No entanto, os que sempre se disseram seguidores de Vidal não seguiram à risca o que o
autor francês propôs; eles pioraram seus preceitos em diversos aspectos. Por exemplo: La Blache,
escrevendo sobre as regiões da França, destacou a região lorena. “A facilidade dos transportes
aquáticos tinha desde cedo criado, entre a vida industrial das cidades e a agricultura, esta aliança
que é um dos traços da civilização moderna.” (LA BLACHE, 2012f, p. 261) Essa ligação entre as
indústrias e o campo não foi realçada por seus seguidores brasileiros. Alguns quase chegaram a
colocar a agricultura como sinônimo de atraso. Sobre o isolamento de determinados aspectos,
demonstrando uma visão de maior totalidade (ainda que distante da mesma) que não era seguida
pelos discípulos, escreveu La Blache em 1896:
Uma necessidade do espírito nos incita a restituir o detalhe isolado, por si mesmo
inexplicável, a um conjunto que o esclarece. Os agrupamentos parciais, por regiões ou
partes do mundo, têm seu sentido e sua razão de ser, mas refletem apenas de modo
imperfeito a única unidade de ordem superior que tem uma existência sem fracionamento
nem restrição. (LA BLACHE, 2012a, p. 64)
Na década de 1950, a apresentação visual dos livros didáticos melhorou. Como nosso tema é
a influência da Escola Possibilista Francesa, destacar-se-á um autor que, além da reverência que
fazia aos franceses (foi um dos maiores admiradores de La Blache e da Escola Regional Francesa),
dominou por um período significativo os livros didáticos: Aroldo Edgard de Azevedo (1910-1974).
Um dos primeiros professores formados na USP, Azevedo escrevia diferentemente em seus textos
didáticos e em seus artigos. Revelava de modo mais claro o que pensava nos artigos, como em “O
império colonial português e o Brasil – um esboço de geografia política” (AZEVEDO, 1944) e “A
geografia a serviço da política” (AZEVEDO, 1955). Presentes a defesa da doutrina liberal, do
imperialismo capitalista, o discurso antirratzeliano, o racismo, o enaltecimento à escola francesa e à
sua (falsa) neutralidade, as vantagens inegáveis do espaço brasileiro e o futuro auspicioso que nos
esperava. Afirmava que, embora ainda não naquele momento, o Brasil precisaria de novos
territórios, pois o futuro nos reservava um papel de destaque, liderando os povos de língua
portuguesa, graças ao trabalho realizado antes por Portugal. A colônia mais importante para nós era
a de Angola, cuja localização parecia convidar o Brasil para o “domínio das costas opostas”. “[...], a
História está repleta de exemplos que confirmam essa tendência dos Estados, que, no caso em
apreço, não seria o produto de uma política imperialista, mas o desejo de uma aproximação maior
entre povos irmãos.” (AZEVEDO, 1944, p. 245). E havia três traços de união entre o Brasil e
Angola: "[...] a identidade de recursos econômicos", "a identidade geológica" e "pontos de contato
sob o ponto de vista étnico" (Ibidem), já que de lá vieram os maiores contingentes de "bantos".
Seus livros foram, na época, os preferidos do magistério nacional, sendo adotados na
maioria das escolas. Por mais de três décadas, ele influenciou na formação de diversas turmas de
professores e de alunos dos antigos ginasial e colegial, nas diversas regiões brasileiras. Ele
considerava a Geografia mais uma ciência da natureza. Em O Mundo em que vivemos (AZEVEDO,
1969a; 1ª edição: 1963), para a 5ª série, compreendia “situação geográfica” como sinônimo de
localização (Ibidem, p. 32-33), vulcões, inundações e furacões como "cataclismas geográficos"
(Ibidem, p. 147) e "meio geográfico" como sinônimo de meio natural. No livro, somente a partir do
capítulo 10 entrava em cena o homem. Um homem que não passava fome, nem fazia guerras e que
não morava em sociedades divididas em classes sociais. Como pregavam alguns lablacheanos. O
papel do clima e da vegetação na "repartição geográfica do efetivo humano" era realçado (Ibidem,
p. 133), chegando a comparar o mecanismo das migrações com "[...] o das massas de ar: das áreas
superpovoadas, de alta pressão demográfica, partem correntes humanas que vão em direção a
regiões de baixa pressão demográfica" (Ibidem, p. 134/135). Mas avisava que era antideterminista.
Retomou a divisão conforme os graus de civilização — selvagens ou primitivos,
semicivilizados ou bárbaros e civilizados — e acrescentou que nestes últimos
[...] a cultura alcança suas altas manifestações. Procuram fortalecer e honrar a instituição da
família. Adotam as religiões mais puras e perfeitas, preocupando-se em difundi-las. [...]
Todavia, em muitas regiões do Mundo e mesmo no interior de nossas fronteiras, milhões de
homens ainda desconhecem, parcial ou totalmente, as mais elevadas manifestações do
espírito humano. Mongóis e árabes da Ásia, esquimós e ameríndios, povos primitivos da
África e da Oceania estão em tal caso. Cumpre levar-lhes nossa civilização e nossa cultura
(AZEVEDO, 1969a, p. 146).
Ou seja, necessitávamos levar aos “selvagens e bárbaros” a nossa religião, o nosso gênero de
vida; a missão civilizatória europeia ainda não terminara. A religião, em outro livro, funcionava
como argumento a favor do monogenismo: "[...] todas as religiões admitem essa unidade do tronco
original. O Cristianismo considera tal fato um ponto inteiramente resolvido, sem possibilidade de
qualquer dúvida" (Idem, 1943, p. 218).
Quando discorreu sobre os alimentos, em Geografia Geral (AZEVEDO, 1943), Azevedo
manteve a visão etnocêntrica europeia, dividindo o mundo em duas grandes áreas alimentares: a do
trigo e a do arroz; garantiu que os mais civilizados consumiam trigo, mas nada disse sobre a fome.
Era essa visão eurocêntrica que fazia com que considerasse como dificuldade de comunicação da
Austrália o fato de ser distante da Europa (Idem, 1959, p. 248). Tratava das habitações (Idem, 1943,
p. 151 a 155) sem relacionar as casas de barrote com a pobreza ou com a presença do barbeiro, sem
mencionar favelas ou mocambos, e comparava as cidades "a um ser vivo: nasce, cresce e pode
morrer" (Ibidem, p. 156). Em Terra Brasileira (1968a), afirmou que os contrastes não nos deviam
impressionar, pois "Somos jovens, estamos em plena formação, não pudemos aproveitar ainda
nossas possibilidades." (AZEVEDO, 1968a, p. 20) E no trato das regiões brasileiras as via de modo
diferente de Vidal. Este, em sua “Aula Inaugural do Curso de Geografia”, dada em 1899, disse:
Efetivamente, as regiões se explicam umas pelas outras. Para dar resultado, a pesquisa
precisa ser feita em um certo número de regiões ao mesmo tempo. [...] Foi na Suécia e na
Groenlândia que encontraram explicações sobre o solo e a hidrografia da planície da
Alemanha do norte. (LA BLACHE, 2012b, p. 72-73)
Para Aroldo, existiam diversas regiões isoladas e também dois Brasis: o Atlântico, povoado,
e o Sertanejo, despovoado. No livro As Regiões Brasileiras (AZEVEDO, 1968b), dedicado à sétima
série, cada uma das regiões tinha sua descrição dividida em a Terra, o Homem e a Economia. Os
contrastes existentes, além de essencialmente naturais, eram os da cor da pele ou de cidades e zonas
rurais, não os de classes sociais, e "todos se orgulham das mesmas tradições históricas". Procurava
"realizar pequenas sínteses geográficas [...] estudando cada uma delas como se fosse um todo"
(Ibidem, p. 20), isolando-as assim das relações internas e externas. A visão que demonstrava era de
que as regiões se constituíam em "pequenos 'mundos' dentro de um verdadeiro 'continente', que é o
nosso país", tão grande que "não precisamos ambicionar terras de outros países" (Ibidem, p. 269).
Ele deveria, antes de escrever isso, ter lido o que escreveu Vidal:
Antes de tudo, podemos nos perguntar se é necessário dividir em regiões o país que
desejamos estudar e se não seria mais simples examinar separada e sucessivamente os
principais aspectos – costas, relevo, hidrografia, cidades etc. É fácil mostrar que tal sistema
iria diretamente contra o objetivo a que se propõe a Geografia. Ela vê nos fenômenos sua
correlação, seu encadeamento, ela procura nesse encadeamento sua explicação: não é
preciso, portanto, começar por isolá-los. (LA BLACHE, 2012e, p. 204-205)
A visão do mestre francês sobre as regiões não as isolava tanto; ele reafirmou em 1917:
“Pois, quando se trata de região, não é preciso procurar muito por limites.” (Idem, 2012g, p. 323)
Por mais que fosse inadequada essa visão lablacheana, ela seria mais útil do que aquela
desenvolvida no país. Pelo menos os alunos poderiam aprender a correlacionar os fatos, a tentar
buscar uma explicação, ainda que superficial e baseada em aspectos físicos, pois poderiam estar
aprendendo a pensar e teriam a ocasião de, mais tarde, concluir coisas diferentes, que não estavam
na proposta.
No livro sobre as regiões brasileiras, ao analisar a região do "Inferno Verde" onde a natureza
dificultava até a queimada, passava a impressão de que, durante o Ciclo da Borracha (1870-1910),
não houve explotação, servidão, ostentação e dependência. Na parte referente aos aspectos físicos
da região, somente quando se referiu aos campos, com sua vegetação escassa e rasteira, fez
referência aos solos: “Encontram-se em áreas de solos mais pobres, [...].” (AZEVEDO, 1968b, p.
36) A outra referência se encontrava na parte econômica, quando tratou da agricultura: “O
agricultor tem contra si a pobreza dos solos, muito arenosos nos ‘firmes’ e sujeitos às inundações
nas várzeas, quando não encontra a crosta laterítica, dura e estéril, a recobrir as terras aráveis.”
(Ibidem, p. 61) Não deu, em seus livros, destaque à pobreza dos solos tropicais (embora passíveis
de correção). Vidal já havia escrito o seguinte:
Hoje já superamos certas ilusões a propósito da fertilidade dos solos tropicais. Sabe-se que
as superfícies propícias aos cultivos são aí relativamente restritas. No Brasil, como na
África, enquanto há dorsos de planaltos recobertos por silte vermelho, constituindo solos
férteis, onde geralmente se concentram aldeias, há também extensões de areias graníticas,
areias ferruginosas e argilas lateríticas que não permitem a atividade agrícola. A lavagem
intensa e repetida a que está submetido o solo pelas chuvas tropicais tira dele substâncias
fertilizantes, de modo que o esgotamento rápido é a pedra no caminho da agricultura
tropical. (LA BLACHE, 2012d, p. 142-143)
Isso foi publicado em 1911; para a época, uma visão atualizada. Porque diversos livros
didáticos enalteciam todos os solos do Brasil? Quanto de atraso ocorreu por não se ter a visão
correta da realidade pedológica do país? Vidal escreveu na sequência sobre “o uso bárbaro do
cultivo sobre queimadas”, mas pouco se viu, nos livros didáticos até os anos sessenta, uma
condenação explícita ao uso desse método. Azevedo, no livro analisado, só escreveu que a
queimada era “[...] dificultada pelo tamanho dos vegetais e pelas chuvas abundantes e constantes.”
(AZEVEDO, 1968b, p. 61) Ou seja, não criticava o uso dessa técnica.
O fato de a geografia possibilista, feita no Brasil, ficar restrita à descrição descartou o
conhecimento pelas causas, possibilitou a aplicação de leis naturais e invariáveis em análises dos
grupamentos humanos e permitiu a crença da realização de descrições objetivas e neutras. O caráter
de uma ciência que estuda o meio natural e o homem permitiu que se definisse como uma ciência de
síntese; mas sua síntese era uma justaposição de aspectos e não uma integração.
Notadamente na década de 1970, em alguns dos meios acadêmicos e, sobretudo, no IBGE,
ocorreu a presença de um novo paradigma, integrado ao esforço de modernização da área de
planejamento. Para isso, a geografia de inspiração lablacheana, de cunho idiográfico, não era mais
adequada e surgiu uma nova corrente, pretensamente pragmática, voltada para o planejamento,
dizendo-se capaz de abordar grandes problemas nacionais, colaborando para a sua solução: a
chamada Geografia Teorética ou Nova Geografia ou Geografia Quantitativa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
[...], pois os estudos “em fatias”, que se desvinculam uns dos outros, perdem as grandes
possibilidades evocativas dos conjuntos significativos, a forma orgânica e estruturada que
dá sentido a cada pequeno passo de uma atividade. Integração, pois, significa visão
globalizada, compreensão de relações, e garante reversibilidade móvel ao conhecimento.
(Amélia de Castro, apud CASTANHO, 1989, p. 107).
Claro que isso depende muito do "horizonte de visibilidade" (LÖWY, 1988, p. 203), do
ponto de vista de classe, que estabelece os limites do horizonte, as possibilidades de visão. Portanto,
o que se vê depende muito da forma de olhar e do conhecimento que se tem do que é analisado. Por
isso, a visão é muitas vezes “verdadeira”, pois ela é somente parte porque o observador não
consegue ver além dela, não consegue enxergar o que não é visível, mas está presente.
A corrente possibilista colaborou para que muitas pessoas considerassem a Geografia como
um estudo de mapas, de aspectos físicos e de simples descrição dos lugares. Ela acabou por
estimular a fragmentação da realidade, o isolamento da Geografia entre as ciências e o desestímulo
à procura de causas na apreensão do todo. Gerou uma indefinição da Geografia ao reforçar a ideia
de ciência-síntese, aglutinadora dos resultados das ciências naturais e “humanas”; era possível até se
conseguir uma síntese de uma região, o que a fazia permanecer fragmentadora da realidade global.
Entretanto, não se pode esquecer que passado, presente e futuro são indissociáveis. Se desejarmos
um futuro melhor para a ciência geográfica, é preciso ver o que se passou, estudar seus clássicos,
colocá-los corretamente em seus contextos históricos e procurar não repetir erros que fizeram.
REFERÊNCIAS
ABREU, Maurício de Almeida. O estudo geográfico da cidade no Brasil: evolução e avaliação. In:
CARLOS, Ana Fani Alessandri (Org.). Os caminhos da reflexão sobre a cidade e o urbano. São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1994, p. 199-322.
ANDRADE, Manuel Correia de. Josué de Castro e uma geografia combatente. In: CASTRO, Anna
Maria de (Org.). Fome, um tema proibido: últimos escritos de Josué de Castro. Petrópolis, RJ:
Vozes, 1983, p. 142-144.
______. Pierre Monbeig e o pensamento geográfico no Brasil. Boletim Paulista de Geografia.
São Paulo: AGB-SP, n. 72, 1994, 63-82.
AZEVEDO, Aroldo de. Geografia Geral - tomo primeiro: Geografia Astronômica. Geografia
Física. Geografia Humana. 3ª ed. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1943 (para a primeira série
ginasial - 1ª ed.: 1942).
________. O Império Colonial Português e o Brasil - um esboço de Geografia Política. In: Anais
do IX Congresso Brasileiro de Geografia. Rio de Janeiro: CNG, 1944, v. V. p. 239-246.
________. A geografia a serviço da política. Boletim Paulista de Geografia. São Paulo: AGB,
outubro de 1955, n. 21, 42-68.
________. Geografia Geral: geografia física e humana dos continentes. 118ª ed. São Paulo: Cia.
Editora Nacional, 1959 (para a segunda série ginasial - 1ª ed.: 1943).
________. Terra Brasileira. 42ª ed. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1968a (1ª ed.: 1963).
________. As regiões brasileiras. 4ª ed. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1968b (1ª ed.: 1964).
________. O mundo em que vivemos. 8ª ed. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1969a (1ª ed.:
1963).
________. A Geografia francesa e a geração dos anos setenta. Boletim Paulista de Geografia. São
Paulo: AGB, nº. 50, março de 1976b, p.7-28.
BRAY, Silvio Carlos. Pierre Monbeig, o patriarca da geografia paulista e nacional. Geografia. Rio
Claro, SP: AGETEO, v. 12, out. 1987, n. 24, p. 119-120.
CAMPOS, Rui Ribeiro de. Breve Histórico do Pensamento Geográfico Brasileiro nos séculos
XIX e XX. Jundiaí (SP): Paco Editorial, 2011.
CARVALHO, Delgado de; CASTRO, Therezinha de. Geografia Humana (política e econômica).
2ª ed. Rio de Janeiro: Conselho Nacional de Geografia, 1967.
CASTRO, Josué de. A alimentação brasileira à luz da Geografia Humana. Porto Alegre:
Livraria do Globo, 1937.
DEFFONTAINES, Pierre. Geografia humana do Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Casa do Estudante
do Brasil, 1952.
GOMES, Paulo Cesar da Costa. Geografia e modernidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.
_______. O conceito de região e sua discussão. In: CASTRO, Iná Elias de et alii (orgs.).
Geografia: conceitos e temas. 15ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012, p.49-76.
HAESBAERT, Rogério; PEREIRA, Sérgio Nunes; RIBEIRO, Guilherme (orgs.). Vidal, Vidais:
textos de Geografia Humana, Regional e Política. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.
LA BLACHE, Vidal de. Princípios de Geografia Humana. 2ª ed. rev. Lisboa (Portugal): Edições
Cosmos, 1954 (1ª ed. original: Paris, 1921).
———. O princípio de geografia geral. In: HAESBAERT, Rogério et alii (org.). Vidal, Vidais:
textos de Geografia Humana, Regional e Política. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012a, p. 47-65
(artigo publicado nos Annales de Géographie, v. V, out. 1895 a set. 1896).
______. L’éducation des indigènes. Revue scientific (Revue rose), n. 12, tome VII, mars 1897, p.
353-360.
_______. Aula Inaugural do Curso de Geografia. In: HAESBAERT, Rogério et alii. (org.). Vidal,
Vidais: textos de Geografia Humana, Regional e Política. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012b, p.
67-83 (Original publicado nos Annales de Géographie, em 1899).
_______. As condições geográficas dos fatos sociais. In: HAESBAERT, Rogério et alii. (org.).
Vidal, Vidais: textos de Geografia Humana, Regional e Política. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
2012c, p. 85-98 (Original publicado em Annales de Géographie, em 1902).
______. Os Gêneros de Vida na Geografia Humana – Primeiro Artigo. In: HAESBAERT, Rogério
et alii. (org.). Vidal, Vidais: textos de Geografia Humana, Regional e Política. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2012d, p. 131-158 (Original publicado em Annales de Géographie, em 1911).
______. As Divisões Fundamentais do Território Francês. In: HAESBAERT, Rogério et alii (org.).
Vidal, Vidais: textos de Geografia Humana, Regional e Política. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
2012e, p. 203-212. (publicado no Bulletin Littéraire, out-nov. 1888)
______. As regiões francesas. In: HAESBAERT, Rogério et alii. (org.). Vidal, Vidais: textos de
Geografia Humana, Regional e Política. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012f, p. 245-275
(Original publicado na Revue de Paris, em 1910)
______. A renovação da vida regional. In: HAESBAERT, Rogério et alii (org.). Vidal, Vidais:
textos de Geografia Humana, Regional e Política. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012g, p. 315-
333 (original publicado em Foi et Vie, Les questions du temps présent, Cahier B, n. 9, maio, 1917)
_______. La France de l’est (Lorraine-Alsace). Paris: La Découverte, 1994 (1ª edição: 1917).
MAGALHÃES, Rosana. Fome: uma (re)leitura de Josué de Castro. Rio de Janeiro: FIOCRUZ,
1997.
MONBEIG, Pierre. O estudo geográfico das cidades. Boletim Geográfico. Rio de Janeiro, DF:
Conselho Nacional de Geografia, a. I, n. 7, p. 07-29, out. de 1943.
MORAES, Antonio Carlos R. Geografia: pequena história crítica. São Paulo: HUCITEC, 1981.
_______. Ideologias geográficas: espaço, cultura e política no Brasil. São Paulo: HUCITEC,
1988.
MOREIRA, Ruy. O que é geografia. São Paulo: Brasiliense, 1981 (c. Primeiros passos, 48).
_______. O pensamento geográfico brasileiro, vol. 1: as matrizes clássicas originárias. São Paulo:
Contexto, 2008.
QUAINI, Massimo. A Construção da Geografia Humana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
_______. Paul Vidal de La Blache: uma interpretação Ou para que serve a história do pensamento
geográfico. III Encontro Nacional de História do Pensamento Geográfico – I Encontro
Nacional de Geografia Histórica. Rio de Janeiro: Programa de Pós Graduação em Geografia da
UFRJ e da UFF; Rede Brasileira de História da Geografia e Geografia Histórica, Grupo de
Trabalho: Matrizes do Pensamento Geográfico, 2012, 15 p.
SANTOS, Milton. Por uma geografia nova: da crítica da geografia a uma geografia crítica. São
Paulo: HUCITEC: EDUSP, 1978.
SANTOS, Wilson dos. A obra de Aroldo de Azevedo: uma avaliação. 1984. 94f. Dissertação
(Mestrado em Geografia). Instituto de Geociências e Ciências Exatas, UNESP, Rio Claro.
SILVA, Tânia Elias Magno da. Josué de Castro para uma poética da fome. 1998. 596f. Tese
(Doutorado em Ciências Sociais) - Pontifícia Universidade Católica, São Paulo.
VLACH, Vânia Rúbia Farias. Estudo preliminar acerca dos geopolíticos militares brasileiros. Terra
Brasilis (Nova Série) [Online]. São Paulo (SP), Rede Brasileira de História da Geografia e
Geografia Histórica, 4-5, 2003. URL: http://terrabrasilis.revues.org/359. Acessado em 05/03/2014.
WALLERSTEIN, Immanuel et alii. Para abrir as Ciências Sociais. Comissão Gulbenkian para a
Reestruturação das Ciências Sociais. São Paulo: Cortez Editora, 1996.