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Subjetividade e Verdade 
 
Curso ofertado por Foucault entre 1980­1981 no Collège de France   
 
 
Trata­se  em  começar uma pesquisa sobre os modos instituídos do conhecimento de si e sobre sua 
história.  Como  o  tema  foi  estabelecido,  os  diferentes  contextos  institucionais,  como  foi 
construído  como  objeto  de  conhecimento  possível,  desejável  e  indispensável.  Como  a 
experiência  de si mesmo pode ser organizado em certos esquemas, e como esses esquemas foram 
definidos, valorizados, recomendados? O fio condutor para essa pesquisa é constituído por aquilo 
que  chamaríamos  de  técnicas  de  si,  isto  é,  procedimentos  propostos ou prescritos aos indivíduos 
para  fixar  sua  identidade,  a  manter  ou  a  transformar  em  função  de  um  certo  número  de  fins.  O 
que  parece  muito  característico  de  nossa  sociedade  é  o  imperativo  de  conhecer  a  si  mesmo.  A 
obra  Alcebíades  de  Platão  pode  ser  considerada  como  ponto  de  partida  sobre  a  questão  de 
preocupação  de  si.  Um  tal  projeto  de  análise  da  construção  de  si  permite  o  cruzamento  de  dois 
grandes  temas:  uma  história  da  subjetividade  e  uma  análise  das  formas  de  governabilidade.  A 
história  da  governabilidade  opera  na  sociedade  através  de  categorias  como  loucura,  doença, 
deliquência  e  seus  efeitos  sobre  a  constituição  do  sujeito  normal  tomando  os  modos  de 
objetivação  do  sujeito  nos  saberes  como  a  linguagem,  o  trabalho,  a  vida  cotidiana.  Quanto  ao 
estudo  da  governabilidade,  responde  a  um  duplo  objetivo:  fazer  uma  crítica  necessária  aos 
conceitos  atuais  de  poder  (mais  ou  menos  confundido  como  um  sistema  unitário,  organizado ao 
redor  de  um  centro  que  é  ao  mesmo  tempo  recurso  e  portador  de  uma  dinâmica  interna  que  se 
expande sempre), analisar o contrário como um domínio de relações estratégicas entre indivíduos 
e grupos, segundo a época, aos procedimentos e técnicas diversas.  
A  história  da  ‘preocupação  de  si’  seria  uma  maneira  de  desenvolver  a  história  da  subjetividade 
através  da  interação  entre  loucos  e  não  loucos,  doentes  e  não  doentes,  mas  através  das 
transformações da nossa cultura com as ‘relações de si’.  
Segundo  Foucault,  a  história  da  subjetividade  no  Ocidente  inicia  no estudo da cultura helênica e 
romana  desenvolveu  como  ‘técnica  de  si’  ou  ‘técnica  de  existência’  segundo  os  filósofos. Essas 
técnicas  de  si  não consideravam o que  os gregos chamavam de ​
aphrodisia (tradução inadequada 
de  sexualidade).  O  problema  posto  é  como  essas  técnicas  de  si,  essencialmente  filosóficas  e 
medicais,  foram  no  cristianismo  ligadas  e  reguladas  as  práticas  sexuais  (chrêsis  aphrodisiôn). 
Como  e  por  quê  o  desejo  foi  reprimido?  Trata­se  da formação de si através de técnicas de vida e 
não  da  supressão  pela  proibição  e  pela  lei.  Não  se  trata  de  mostrar  como  o  sexo  foi 
marginalizado, mas como foi iniciada essa longa história que liga nossa sociedade ao sexo.  
Segundo  Foucault,  seria  arbitrário  ligar  esse  ou  aquele  momento  histórico  a  emergência  da 
primeira  ‘preocupação  consigo’  relacionado  aos  atos  sexuais.  A  ‘tecnologia  de  si’  ­  reflexão 
sobre  os  modos  de  vida,  as  escolhas  de  existência,  sobre  o  modo  de  regular  sua  conduta,  de  se 
fixar  a  si  mesmo  em  determinados  fins  e  meios­  desenvolveu­se  enormemente  no  período 
helenístico  e  romano  ao  ponto  de  ter  sido  absorvida  na  atividade  filosófica.  Esse 
desenvolvimento  não  pode  ser  dissociado  do  crescimento  urbano,  das  novas  distribuições  de 
poder  político  e  nem  da  importância  da  aristocracia  a  serviço  do  império  romano.  Torna­se 
importante  destacar  que  a  pedagogia,  a  preocupação  de  si  e  a  saúde  acabam  por  constituir 
numerosas trocas e que seria impensável separá­las como três domínios distintos.  
Essa  arte  de  governar  a  si  mesmo  tal  qual  foi  desenvolvida  no  período  helenístico  e  romano  é 
importante  para  a  ética  dos  atos  sexuais  e  por  sua  história.  Foi  lá  e  não  no  cristianismo  que  se 
formularam  os  princípios  do  esquema  conjugal  cuja  história  teve  longa  duração:  a  exclusão  de 
toda  atividade  sexual  fora  da  relação  matrimonial,  destinação  procriadora  desses  atos,  função 
afetiva da relação sexual na ligação conjugal, mas essas questões estão longe de ter a importância 
que elas terão dentro da problemática cristã.  
Foucault  destaca  quatro  exemplos  de  técnicas  de  si  em  sua relação com o regime de Aphrodisia. 
O  primeiro  exemplo  é  a  interpretação  dos  sonhos.  A  Onirocrítica  de  Artemidoro,  nos  capítulos 
78­80,  do  livro  I,  constituem  o  documento  fundamental.  A  questão  que  se  coloca  não  é 
exatamente  sobre  a  questão  sexual,  mas  como  elas  são  seguidamente  representadas  nos  sonhos. 
Nessa  obra revela um jogo de significações e correlações entre vida sexual e a vida social a partir 
de  um  sistema  de  hierarquização  de  atos  sexuais.  O  segundo  exemplo  encontra­se  nos  regimes 
medicais  ao  propor  fixar  os  atos  sexuais uma ‘medida’, mas essa medida não está relacionada ao 
ato sexual em si, mas a sua frequência e ao seu momento. 
O  estudo  do  grande  edifício  teórico  de  Galeno  mostra  bem  a  ligação  estabelecida  entre 
pensamento  médico e filosofia, entre os atos sexuais e a morte dos indivíduos. O estudo de Rufus 
de  Éfeso,  Galeno  e  Soranos  mostra  através  de  infinitas  precauções  a  complexidade  e  tenuidade 
das  relações  estabelecidas entre as práticas sexuais e a vida do indivíduo: a extrema sensibilidade 
do  ato  sexual  em  todas  as  circunstâncias,  a  imensa  extensão  dos efeitos sobre as partes do corpo 
a  cada  ato  sexual.  O  terceiro  exemplo  é  a  vida  matrimonial.  Os  tratados  relacionados  ao 
casamento  foram  diversos  no  período  estudado  (  período  helenístico  e  romano).  Algumas  obras 
como  de  Musonius  Rufus,  de  Hiérocles  e  de  Plutarco  que  mostravam  não  apenas  a  valorização 
do  casamento,  mas  uma  nova  concepção  da  relação  matrimonial:  dos  princípios  tradicionais  de 
complementaridade  dos  dois  sexos  necessários  para  a  ordem  da  ‘casa’  acrescenta­se  o  ideal  de 
uma  relação  dual,  envolvendo  todos  os  aspectos  da  vida  dos  cônjuges.  Eles  devem  obedecer  a 
procriação,  pois  esse  é  o  fim  dado  pela  natureza  ao  casamento.  O  quarto  exemplo  é  a  escolha 
amorosa.  A  comparação  clássica  entre  os  homens  e  mulheres  deixou  dois  textos  importantes:  O 
Diálogo  sobre  o  Amor  de  Plutarco  e  Os  Amores  de  Pseudo  Luciano  (​
Luciano  de  Samοsata).  A 
análise  desses  dois  textos  testemunham  a  permanência  de  um  problema  do  período  clássico:  a 
dificuldade  de  dar  um  status  e  justificativa  as  relações  sexuais  homoafetivas.  O  diálogo  de 
Pseudo  Luciano  termina  ironicamente  lembrando  que  os  atos  eróticos  entre  rapazes  acaba  por 
eliminar a amizade e a virtude entre eles.       

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