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ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO ESCOLAR/ EDUCACIONAL

No final do século XIX e início do século XX, com as mudanças sociais, políticas e
econômicas, foram propagados os ideais do movimento da Escola Nova. Dentro desse
cenário, a criança tornou-se o centro de atenção no processo de ensino-aprendizagem, ao
contrário das concepções da pedagogia tradicional. Nesse contexto, a Psicologia passou a
contribuir com esse novo paradigma (BOCK, 2003). Inicia-se a produção de conhecimentos
na área da educação por meio dos laboratórios de psicologia, sendo que, aos poucos, essa
ciência foi construindo conhecimento e tornou-se uma área de estudos autônoma. De acordo
com Antunes (2008):

Pode-se afirmar que o processo pelo qual a psicologia conquistou sua


autonomia como área de saber e o incremento do debate educacional e
pedagógico nas primeiras décadas do século XX estão intimamente
relacionados, de tal maneira que é possível afirmar que psicologia e
educação são, historicamente, no Brasil, mutuamente constituintes uma
da outra (p. ).

Ao longo do século XX, a Psicologia da Educação constituiu-se como área do


conhecimento, já que passou a ter produção cientifica sistematizada. Em 1940, a prática
profissional era caracterizada pelo modelo clínico de atuação, através das intervenções em
estudantes com queixas escolares (MEIRA; ANTUNES, 2003). A atividade, portanto, era
influenciada por objetivos adaptacionistas, resumindo-se à avaliação psicológica e ao
psicodiagnóstico. Também era marcada pelo paradigma correcional, por meio do qual o
psicólogo se adequava ao modelo médico, utilizando-se de recursos psicométricos para o
ajustamento aos padrões de normalidade.
Entretanto, a aplicação acrítica das teorias psicológicas à área educacional não se
manteve. O emprego dos conhecimentos psicológicos na educação começou a sofrer
julgamentos de profissionais que perceberam que tais práticas descontextualizavam o
indivíduo e direcionavam a culpa para o aluno.
Tradicionalmente, observa-se que existem duas vertentes sólidas a respeito da inserção
da psicologia e formas de atuação nas instituições escolares: a) pesquisadores/docentes; b)
profissionais liberais, graduados em psicologia. A primeira como campo da pesquisa em
psicologia e a segunda enquanto área de prática profissional. De acordo com Souza (2009, p.
179), “essa dicotomia começou a ser questionada por uma perspectiva crítica que considerava
que teoria e prática são elementos indissociáveis na constituição de uma ciência dita humana”.
Del Prette (1999) sugere a superação da dicotomia entre teoria e prática, indicando que
o profissional deveria ultrapassar suas formas habituais de atuação na área escolar, seja ela
intelectual ou técnica. O psicólogo tem o desafio de estender seu campo de atuação e
sistematizar práticas educativas que promovam intervenções nas escolas, considerando o
contexto sócio-histórico-cultural da instituição e de sua clientela.
Desde a década de 80, principalmente a partir da publicação do livro ‘Psicologia e
Ideologia: uma introdução crítica à Psicologia Escolar’, de Maria Helena Souza Patto, em
1984, houve repercussões críticas de atuação para a área de psicologia escolar. Segundo
Souza (2009), as críticas produzidas foram: a) sobre a concepção de ciência da psicologia
centrada na psicometria e na psicologia diferencial; b) acerca da análise das dificuldades de
aprendizagem focadas nos alunos e na teoria da carência cultural; c) a respeito do modelo
clínico, psicoterapêutico e reeducativo no atendimento à queixa escolar.
Podemos considerar, portanto, que grande parte das práticas e conhecimentos
tradicionalmente produzidos desconsideravam o processo de ensino e aprendizagem como
multideterminados por fatores históricos, sociais, políticos, econômicos e culturais
(ANTUNES, 2008). Uma mudança significativa ocorreu após a publicação da Lei de
Diretrizes e Bases (Lei nº 9394/96), visto que a partir do processo de discussões para a
construção desse Código, novas propostas de atuação do psicólogo escolar/educacional
passaram a ser pensadas por estudiosos da área.
De acordo com Checcia e Souza (2003):

Os pressupostos que embasam a ação psicológica em uma abordagem


crítica frente à queixa escolar compreendem os seguintes elementos:
compromisso com a luta por uma escola democrática e com qualidade
social; ruptura epistemológica relativa à visão adaptacionista de
Psicologia e construção de uma práxis psicológica frente à queixa escolar
(p. 126).

A partir disso, novas reflexões e ações no âmbito da Psicologia Escolar são


construídas e desenvolvidas com “[...] a superação da noção unilateral de adaptação da
criança ao sistema escolar e na atuação do psicólogo enquanto um profissional independente
do corpo administrativo da escola” (CHECCIA; SOUZA, 2003, p. 119). A relação do
psicólogo com a instituição educacional é transformada e emerge uma nova relação de
contrato: o profissional passa a atuar em assessoria ou consultoria frente à equipe escolar, a
partir do estudo da instituição em que está inserido. Dessa forma, realiza visitas domiciliares,
entrevistas, observações, entre outras ações. Assim, consegue ter uma visão abrangente da
realidade e promover o desenvolvimento do aluno.
A atuação profissional do psicólogo em uma perspectiva emergente e crítica considera
os seguintes aspectos, de acordo com Checcia e Souza (2003): atuação participativa com os
diversos sujeitos envolvidos na educação; ampliação da demanda trazida pelos professores,
analisando os aspectos envolvidos no funcionamento da instituição, sem se limitar ao aluno;
reflexão, junto aos professores, sobre o fazer docente; aumento da circulação da palavra por
meio de encontros grupais (momento de expressão de dificuldades, sentimentos e dúvidas);
promoção de parcerias com os pais e responsáveis; elaboração de relatórios finais, com a
descrição do processo de atendimento da criança ou adolescente e seus desdobramentos.
Para Souza (2009), têm-se diversas áreas de atuações emergentes dos psicólogos
escolares e educacionais, tais como: educação inclusiva; direitos humanos; instituições de
ensino; educação e saúde.
Além dos autores já mencionados, outros pesquisadores têm se preocupado em
compreender as atuações tradicionais e emergentes do psicólogo nas instituições, como é o
caso de Martinez (2010). Todavia, em seu enfoque, o conceito ‘tradicional’ simplesmente diz
respeito àquelas ações que usualmente vêm sendo realizadas pelos psicólogos escolares, não
sendo sinônimo de abordagem acrítica e enquadracionista, como menciona a Psicologia
Sócio-Histórica. Para essa autora, as atividades emergentes seriam práticas pouco usuais ou
ainda não consagradas, tanto pelos psicólogos atuantes nas instituições de ensino quanto pela
Academia.
Dentre as formas de atuação tradicional, a autora cita a “Avaliação, diagnóstico,
atendimento e encaminhamento de alunos com dificuldades escolares” (p. 43). Esta representa
provavelmente uma das atuações mais tradicionais do psicólogo no ambiente escolar devido à
sua estreita relação com a abordagem clínica, o que, de certo modo, reforça a representação
social de psicólogo que a maioria das pessoas conhece e aceita.
Martinez (2010) refere que durante muitos anos, a função avaliativa, diagnóstica e
interventiva dos psicólogos da área educacional consistiu unicamente em rotular as
dificuldades escolares tal como elas fossem instâncias estáticas e intervir de modo clínico.
Entretanto, aos poucos essa prática tem sofrido alterações, visando avaliações processuais,
diagnósticos qualitativos e intervenções embasadas na construção e na comunicação entre os
agentes envolvidos. Sob esse prisma, os encaminhamentos só são considerados em casos
excepcionais.
Outra prática tradicional citada por Martinez (2010) é a “Orientação a alunos e pais”
(p. 44). Trata-se de uma modalidade de orientação que difere da psicoterapia na medida que
visa o auxílio integral do aluno com ênfase nas necessidades específicas do desenvolvimento.
Em geral esse trabalho é realizado em equipe interdisciplinar, porém também costuma ser
desenvolvido individualmente.
Também é tradicional o trabalho de “Orientação profissional”, que, segundo a autora,
é uma atuação que ocorre, principalmente, tendo em vista os alunos do Ensino Médio e
costuma basear-se em testes que caracterizam os interesses e as habilidades dos estudantes, no
intuito de ajuda-los a escolher sua carreira profissional. Atualmente, além da abordagem por
testes, outros recursos têm sido amplamente utilizados, como oficinas, gincanas, debates,
entre outros espaços em que se possa promover, em grupo, a reflexão, o autoconhecimento e a
elaboração de planos e projetos profissionais e de vida.
A orientação sexual também pode ser considerada uma atividade tradicional entre os
psicólogos escolares/educacionais, embora jamais tenha sido exclusiva destes profissionais.
Martinez (2010) menciona que uma das contribuições do psicólogo nessa área consiste em
desenvolver recursos subjetivos capazes de desenvolver “um comportamento sexual
responsável e positivamente significativo para os envolvidos” (p. 45). Além disso, a
orientação sexual permite a atribuição de sentidos mais significativos à ideia inicial de
sexualidade trazida pelos alunos, permitindo maior “responsabilidade para com o outro” (p.
45), esclarecimento de dúvidas sobre seus desejos, afetos e promoção de autorreflexão e
autoconhecimento.
O psicólogo escolar/educacional tradicionalmente também tem se engajado nas
atividades de formação e orientação de professores. A autora menciona que basicamente a
intervenção desse profissional consiste em auxiliar os professores na superação das
dificuldades escolares de seus alunos. A contribuição da Psicologia consiste em situar a
“configuração subjetiva do aluno em toda a sua complexidade, e não apenas como uma
dimensão ‘cognitiva’” (p. 46).
Faz parte da esfera de ações tradicionais a “elaboração e coordenação de projetos
educativos específicos (em relação, por exemplo, à violência, ao uso de drogas, à gravidez
precoce, ao preconceito, entre outros)” (MARTINEZ, 2010, p. 46). Essa atividade também
costuma ser realizada em equipe multidisciplinar e cada vez mais vem adquirindo status de
atividade preventiva, embasada nas estratégias e propostas pedagógicas da instituição de
ensino. De um modo geral, essas ações se relacionam com necessidades não-explicitadas da
escola, sendo a proatividade do psicólogo fundamental.
Já em relação as práticas emergentes, a autora relata as atuações em “diagnóstico,
análise e intervenção em nível institucional” (p. 47), que corrobora os dados apontados,
também por Checcia e Souza (2003). Para Martinez (2010), essas ações visam compreender a
subjetividade social da escola, a partir da noção de que os indivíduos que frequentam uma
instituição possuem suas subjetividades delineadas por ela ao mesmo tempo em que a
delineiam. Trata-se de uma via de mão-dupla.
Assim sendo, as principais contribuições do psicólogo escolar e educacional se situam
em torno de desenvolver e coordenar, as seguintes ações: estratégias de intervenção
direcionadas a potencializar o trabalho em equipe, mudar representações cristalizadas e
inadequadas sobre o processo educativo, desenvolver habilidades comunicativas, mediar
conflitos, incentivar a criatividade e a inovação, melhorar a qualidade de vida no trabalho e
outras tantas ações, como contribuição significativa para o aprimoramento do funcionamento
organizacional (MARTINEZ, 2010, p. 48).
As estratégias mencionadas podem ser consideradas preventivas, abarcando tanto as
dimensões psicossociais quanto as psicoeducativas, facilitando a otimização dos processos
educativos que são idealizados, propostos e realizados na instituição de ensino.
O psicólogo também pode, de acordo com a autora, participar da construção,
acompanhamento e avaliação da proposta pedagógica da instituição, apresentando o viés da
Psicologia, no sentido de contribuir para a construção de um projeto pedagógico que vise
“salientar o trabalho coletivo, a reflexão conjunta, os processos de comunicação, a negociação
de interesses e de pontos de vistas diferentes, assim como os processos de mudança,
criatividade e inovação” (MARTINEZ, 2010, p. 48).
Um modo de aprimorar as relações institucionais e o próprio processo educativo das
instituições é a realização regular de pesquisas. Sob esse aspecto, o profissional com formação
em Psicologia pode contribuir, em articulação com outros profissionais de ensino, coletando
dados que subsidiem mudanças, avanços e melhoras na qualidade do ensino ofertado, bem
como das relações entre alunos, professores, pais, servidores e membros da comunidade. São
inúmeras as questões que podem ser investigadas, como por exemplo: “satisfação com
aspectos concretos da vida escolar, concepções, expectativas, motivações, representações,
estilos de aprendizagem, barreiras à criatividade” (MARTINEZ, 2010, p. 52).
Também, faz parte do rol de tarefas emergentes do psicólogo escolar/educacional
auxiliar na implementação de políticas públicas, utilizando para isso referencial crítico,
reflexivo e criativo, disseminando a ideia de que a política deve ser incorporada ao cotidiano
da vida escolar. Dentre as atuações do psicólogo escolar/educacional nesse campo, Martinez
(2010) salienta:

a) analisar criticamente as políticas a serem implantadas [...];


b) analisar as experiências na implantação de políticas similares ou da mesma
política em outros contextos [...];
c) identificar os pontos que possam constituir empecilhos para os processos
de mudanças e delinear estratégias para neutralizá-los;
d) favorecer formas abertas de comunicação e de gestão participativa [...];
e) favorecer a coesão da equipe pedagógica e potencializar a receptividade
da comunidade educativa às mudanças;
f) contribuir para a difusão de conhecimentos que possam favorecer a
criatividade e a inovação;
g) contribuir para enfrentar e negociar os conflitos [...];
h) favorecer a criação de sistemas de estímulos e de premiação dos resultados
positivos alcançados (p. 53).

Assim explicitadas, percebemos que as ações emergentes coexistem e se articulam


com as ações tradicionais, fato que pode ser considerado positivo, na medida que amplia o
leque de possibilidades de intervenção do psicólogo escolar/educacional. Além disso, uma
maior variedade de práticas que fazem uso do conhecimento da Psicologia enriquece as
instituições de ensino que acolhem esse tipo de profissional numa equipe de trabalho
multiprofissional.
Importante destacar que as práticas do psicólogo escolar/educacional continuam em
construção, sendo fundamentais os espaços de discussão e reflexão que permitam tanto a
disseminação das emergentes, quanto o resgate e reconstrução daquelas que já são
consagradas, mas precisam se adequar à realidade vigente, sem perder de vista o compromisso
histórico, político e social de nossa profissão.

REFERÊNCIAS
ANTUNES, M. A. M. A. Psicologia e educação no Brasil: um olhar histórico-crítico. In:
MEIRA, M. E. M.; ANTUNES, M. A. M. A. (Orgs.) Psicologia Escolar: teorias críticas. São
Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. p. 139-168.

BOCK, A. M. B. Psicologia da educação: cumplicidade ideológica. In: MEIRA, M. E. M.;


ANTUNES, M. A. M. A. (Orgs.) Psicologia Escolar: teorias críticas. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 2003. p. 79-103.

DEL PRETTE, Z. A. P. Psicologia, educação e LDB: novos desafios para velhas questões? In:
GUZZO, R. L. (Org.) Psicologia escolar e a nova conjuntura educacional brasileira.
Campinas: Átomo, 1999.
MARTINEZ, A. M. O que pode fazer o psicólogo na escola?. Em aberto, Brasília, v. 83, n.
23, pp. 39-56, 2010.

SOUZA, M. P. R.; CHECCHIA, A. K. A. Queixa escolar e atuação profissional:


apontamentos para formação de psicólogos. In: MEIRA, M. E. M.; ANTUNES, M. A. M. A.
(Orgs.) Psicologia Escolar: teorias críticas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. p. 105-137.

SOUZA, M. P. R. Psicologia Escolar e Educacional: em busca de novas perspectivas. Revista


Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, v. 13, n. 1, pp.
179-182, 2009.

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