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RESUMO
Ainda hoje percebemos que apenas uma pequena minoria dos professores realiza
atividades experimentais com seus alunos nas aulas de física do ensino médio. Apesar
da importância da atividade experimental na educação científica, a ciência continua
sendo apresentada, na maior parte das vezes, apenas através de fórmulas, definições e
exercícios padronizados.
Como instrumento de coleta de dados optamos por usar questionários e diários escritos
pelos professores. Realizamos uma tabulação a partir dos questionários e analisamos os
discursos dos professores expressos nos diários levantando elementos relacionados aos
nossos parâmetros de análise.
Com um olhar crítico sobre o ensino de ciências, é possível perceber algumas falhas e
deficiências, principalmente no que diz respeito a lacunas na formação dos professores e também a
sub-utilização da infra-estrutura escolar, particularmente no que diz respeito ao uso de atividades
experimentais. O ensino de ciências continua sendo uma caricatura muito pobre daquilo que o
conhecimento científico poderia significar na formação dos estudantes. A educação científica sofre
hoje com a falta de investimento em infra-estrutura escolar, com a precária formação de professores
e com o resultado de anos de influência de livros didáticos derivados de apostilas de cursinhos pré-
vestibulares que ajudou a produzir um currículo baseado em jargões, fórmulas e definições
desvinculados das necessidades de formação dos estudantes e de conhecimentos científicos
relevantes (Piassi, 1995).
A grande maioria das escolas públicas de São Paulo possui espaços físicos destinados a
atividades experimentais, mas invariavelmente, estes acabam funcionando como salas de aula
comuns, quando não como depósitos. Por outro lado uma série de experiências e atividades práticas
que poderiam perfeitamente ser realizadas dentro das salas de aula, é deixada de lado pelos
professores que acreditam necessitar de salas especiais para esse fim (Axt e Moreira, 1991).
Por que será que os laboratórios das escolas estão tão esquecidos? A origem disso passa pelo
tipo de relação que os professores tiveram com as atividades experimentais durante a sua formação.
Se considerarmos que a maioria dos professores de Física não é licenciada, mas sim habilitada (com
licenciatura em Matemática ou Biologia, etc.) na disciplina, já sabemos que o laboratório de Física
não deve ter sido uma das prioridades no seu curso de formação inicial. É isso que constata
Barbieri, 1993:
É sabido que a formação inicial do professor da área de ciências, seja ela voltada para o
ensino fundamental, seja para o ensino médio, não atende as necessidades para um ensino dito “de
qualidade”. Este termo – “ensino de qualidade” – com sua aparência subjetiva ganha contornos
nítidos quando constatamos uma ampla maioria de professores ensinando “óptica sem lentes” e
“botânica sem plantas”, para ficar em dois exemplos. Em um dos cursos que ministramos, levamos
alguns termômetros comuns de laboratório, que algumas pessoas chamam de “termômetro
químico”, com marcações de –10°C a 150°C. Pretendíamos fazer um levantamento do uso deste
instrumento pelos professores. Começamos com uma pergunta muito simples: “quem de vocês já
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viu este tipo de termômetro?”. No grupo de 35 professores apenas dois deles declararam ter visto
alguma vez o instrumento. Os demais não haviam entrado em contato com o instrumento sequer na
faculdade.
Está claro para nós que o professor quer conhecer o termômetro, quer aprender a usá-lo e
quer poder refletir sobre seu uso, suas aplicações e as conseqüências daí advindas. Um grande
esforço de investimento em educação pode comprar 10 milhões de termômetros, mas isso não
resolve o problema se temos 10 milhões de professores que não sabem usá-lo. Ter acesso ao
material didático é fundamental, conhecê-lo e saber manipulá-lo também. Mas isso está longe de
encerrar a questão. Durante muito tempo se entendeu que a formação do professor consistia
basicamente em treinamento no uso de materiais didáticos elaborados, selecionados e produzidos
em âmbito universitário e governamental, dentro daquela visão designada por Schön (1997) e outros
autores como racionalismo técnico.
Além disso, mesmo os que durante sua formação vivenciaram atividades experimentais,
quase sempre trabalharam apenas com materiais sofisticados e em salas especiais. Isso os leva a
acreditar na impossibilidade de se ter um laboratório eficiente com os recursos disponíveis em sua
escola. É necessário corrigir essa falha na formação de professores, e acreditamos que esse seja um
dos objetivos dos programas de formação continuada.
• Levar a ciência às escolas, e ao público em geral, através do ensino não formal, por
exemplo, utilizando-se de exposições e museus participativos.
• Escrever um texto destinado à Instrumentação para o Ensino de Física.
Esse projeto, com pólos espalhados por várias regiões do país em convênios com várias
universidades e escolas públicas, por exemplo, o Projeto Oficina da prefeitura de São Paulo
multiplicaram e disseminaram as propostas de ensino com ênfase no experimental lúdico e de baixo
custo. Infelizmente o financiamento da CAPES-PADCT ao Projeto RIPE acabou em 1998.
É preciso um outro olhar sobre a questão do recurso didático, principalmente hoje quando
anda muito em voga o discurso de que as novas tecnologias irão “revolucionar” a educação,
discurso esse renovado, como alerta Lion (1997), sempre que uma nova tecnologia de comunicação
é disseminada. É preciso entender o recurso didático como o elemento que irá mediar a relação do
aluno com o conteúdo e que essa mediação deve se dar a partir do planejamento consciente por
parte do professor – baseado nos objetivos que se quer atingir. É preciso entender que a seleção dos
conteúdos é concomitante e indissociável da seleção dos recursos. Particularmente, sobre as
chamadas “novas tecnologias”, Libâneo (2002, p.41) aponta:
Isso que é tão claro no caso das chamadas mídias também se aplica à experimentação.
Vejamos o fenômeno da “botânica sem plantas”. Suponhamos um professor A de biologia que tem
um conhecimento razoável de sua área e desenvolve com seus alunos conceitos de botânica - por
exemplo, angiospermas e gimnospermas - com um bom grau de detalhamento, como certamente
fazem vários professores. E que apesar disso, desenvolve o tema sem jamais levar os alunos a terem
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contato com as plantas em si. Será que esse professor tem consciência de que o conteúdo que ele
está desenvolvendo é completamente diverso do que o desenvolvido por um professor B que, ao
tratar do mesmo tema, propõe uma investigação direta das plantas? Provavelmente, os dois
professores conhecidos A e B, ao se encontrarem na esquina vão se perguntar: - Olá, A, você já
“deu” gimnospermas? Ah, já, e você, B? Também. Mas o conteúdo das aulas foi completamente
diverso. Quantas habilidades podem ser desenvolvidas com a simples investigação das plantas e que
foram suprimidas do conteúdo do primeiro professor? Além de habilidades, conteúdos ainda mais
sutis, no plano atitudinal, afetivo, motor e assim por diante. Isso sem contar a pura e simples
construção de conceitos.
Shulman e Tamir (apud Blosser, 1988), levantam como objetivos da atividade experimental
de ensino, a formação de:
Schön (1997, pp. 84 e 89-90) dá exemplos de como o contato do sujeito com situações e
materiais diversificados suscita o surgimento de questões e dúvidas sobre o objeto de conhecimento
permitindo ao professor atento compreender e descobrir novas formas de pensamento e relação dos
estudantes para com o objeto. O professor precisa colocar o aluno diante de situações práticas que
permitam o surgimento de questões, do processo de reflexão na ação e para isso ele mesmo deve
fazer esse processo na sua prática diária e nos momentos de formação. Além disso, deve conduzir
este contato para que ele se torne significativo ou, nas palavras de Carvalho e Gil-Pérez (1993), um
problema. Não um “probleminha” artificial de livro didático, mas algo que faz o aluno – e o
professor – pensar e, principalmente, querer solucionar, ter prazer em solucionar.
Um dos desafios é fazer os professores perceberem que os possíveis recursos didáticos são
muito mais variados e disponíveis do que normalmente se supõe e que o uso de cada recurso
possibilita vivências diferentes que são em si, conteúdo. O professor precisa dominar as várias
mídias disponíveis - sejam elas computadores, jornais ou bolinhas de gude – mas também ganhar
autonomia na transformação dessas mídias em recursos didáticos, planejando e executando sua aula
a partir delas. Cabe refletir em que medida um programa de formação continuada de professores
proporciona esta instrumentalização e que fatores precisam ser levados em conta para que ela se
manifeste concretamente no âmbito da sala de aula.
Segundo vários autores como, Lopes (2001), Axt e Guimarães (1985) é natural
encontrarmos entre nossos alunos do ensino médio indivíduos ainda no estágio das operações
concretas, definido por Piaget como aquele em que o indivíduo ainda não é capaz de abstrações
necessárias para compreensão da Física que lhes é ensinada na escola. Conceitos como os de força
ou energia exigem um grau de abstração que o nossos aluno do ensino médio em geral ainda não
atingiram.
Assim, as atividades experimentais são uma maneira de aproximar esses alunos da Física de
forma mais concreta. Ainda para os alunos que já atingiram o estágio das operações formais, as
atividades experimentais, se não são imprescindíveis, é justamente e somente nessa fase que elas se
apresentam como possibilidade de exercício completo. Logo, são importantes para todos os
estudantes.
A experimentação, dissociada de uma estratégia de ensino mais ampla e adequada, não seria
suficiente para produzir o desenvolvimento intelectual do educando, mas ainda assim, seria uma
contribuição significativa uma vez que lhe permitiria a possibilidade de manipulação de coisas e
aparelhos além de incentivar o hábito da observação crítica de fenômenos. Concordamos com
Carrasco (1991) quando este diz que
começa quando se tem uma questão não resolvida. A partir daí deve-se levantar hipóteses e só então
testar essas hipóteses através da experimentação.
As atividades experimentais são a nosso ver uma estratégia adequada ajudar nessa mudança
desde que a abordagem desse laboratório seja diferente da tradicional. Por exemplo, nas atividades
de laboratório aberto (Carvalho et al, 1999) o objetivo mais geral é mobilizar os alunos para a
solução de um problema científico e, partir daí, levá-los a utilizar-se da metodologia científica para
chegar à solução e às implicações e conclusões dela advindas.
Ferreira (1979), Violin (1979), e muitos outros autores nas últimas décadas propõem que o
professor busque alternativas à ausência de laboratórios bem equipados através da utilização de
material de baixo custo ou de custo algum. A utilização destes materiais, em geral, permite que se
realizem experimentos físicos sem a necessidade de ambientes especiais (laboratórios). Além disso,
os fenômenos não ficam escondidos pela “caixa-preta” de equipamentos que o estudante não sabe
exatamente como funciona. É interessante frisar que a utilização de materiais de baixo custo, para
nós, é uma opção didática, em concordância com o que dizia Ribeiro (1955) há cinqüenta anos e
que, lamentavelmente até hoje ainda parece ser uma idéia revolucionária:
Hoje isso é ainda muito mais importante. A sociedade de consumo nos fornece todas as
coisas prontas. As crianças não são mais estimuladas a usar a imaginação para construir seus
brinquedos, todas as novidades são compradas e logo esquecidas, pois não lhe interessam mais
quando deixam de ser novidade. Quando os brinquedos eram construídos pelas próprias crianças
estes tinham para aquelas um maior valor. Da mesma maneira, num laboratório, o aluno se sente
muito mais envolvido se ele mesmo constrói o experimento. Kaptisa, prêmio Nobel de Física, assim
se manifesta a esse respeito:
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A utilização de um instrumento após a sua construção fará com que o aluno aja de uma
maneira mais racional, pois ele terá uma idéia clara, a respeito do funcionamento e as limitações do
instrumento. Assim sua atuação será menos mecânica e sua aprendizagem, provavelmente, mais
eficiente. E isso está diretamente relacionado com a abordagem que o professor utilizará para
conduzir a atividade.
A proposta de se lidar com materiais simples, portanto, não advém apenas do fator custo,
mas da necessidade de que o aluno possa dominar todo o processo de conhecimento, através da
construção, por seus próprios meios, dos aparatos que servirão de objeto de estudo. A familiaridade
com os materiais utilizados aproxima o aluno do conhecimento científico, porque mostra que a
ciência física se aplica ao mundo real, que está a sua volta. Mais do que isso, permite a ele testar
hipóteses de forma criativa, a partir das propriedades conhecidas ou supostas dos materiais e dos
testes realizados com eles.
• desenvolvimento cognitivo
• ou, ainda, contribuir para a formação de uma espécie de massa crítica para
aprendizagem futura, devido à familiarização do sujeito com este objeto ou
idéia.”
Como podemos ver não se trata apenas de o aluno gostar da atividade, mas sim desenvolver
seus conhecimentos através dessa relação mais amigável. No ensino de Física a importância do
lúdico está na possibilidade de aproximar, de uma forma prazerosa os alunos dos conceitos físicos
abstratos que podem ser discutidos através de brinquedo e jogos. Para um estudante adolescente não
existe o menor sentido analisar o deslocamento de um “ponto material numa trajetória retilínea”
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(será que existe para alguém?), mas a coisa muda de figura quando tratamos do movimento de um
carrinho de brinquedo que vai correr numa pista montada no meio da sala de aula. E o que dizer de
uma corrida para estudar os conceitos da cinemática vetorial e da dinâmica?
Em um dos cursos que ministramos pelo programa PROCIÊNCIAS foi realizada uma
pesquisa, que resultou na dissertação de mestrado de um dos autores do presente trabalho (Santos,
2003). O curso, intitulado “O Ensino de Mecânica através de Atividades de Laboratório de Baixo
Custo, Informática e outros Recursos Didáticos”, teve uma carga horária de 120 horas, tendo sido
ministrado durante o segundo semestre de 2001 em encontros semanais.
A escolha do tema de mecânica foi motivada pelo fato de ser um conteúdo abordado por
todos os professores de Física em seus cursos e em geral na primeira série do ensino médio. Assim
pretendíamos dar subsídios para que os professores se preocupassem mais com o primeiro contato
dos alunos com a disciplina de Física.
No que se refere ao uso de experimentos em sala de aula, que pretendíamos do curso não
era simplesmente apresentar aos professores atividades experimentais e pedir que eles as usassem
em suas aulas. Nossa expectativa era que eles percebessem que a atividade experimental é
fundamental no processo de aprendizagem, e que a introdução deste recurso em sala de aula não
apresenta tantos obstáculos como normalmente se imagina, seja em relação ao custo dos materiais,
seja em relação à infra-estrutura da escola (laboratórios, equipamentos, etc.) Além disso, o
professor deveria adquirir segurança e autonomia em relação ao uso de atividades experimentais,
construindo seu próprio material, realizando adaptações, projetando novos experimentos e
imaginando novas possibilidades de uso dos materiais apresentados no curso. Em relação ao
processo pedagógico, pretendíamos proporcionar ao professor uma reflexão sobre o papel do
interesse e da participação ativa do aluno nas aulas e de como o material experimental lúdico e de
baixo custo poderia atuar neste âmbito.
Nosso trabalho pode ser caracterizado como uma pesquisa qualitativa, segundo os critérios
estabelecidos por André (1995), isto é, tem grande quantidade de dados baseados na relação entre o
pesquisador e a comunidade objeto da pesquisa, no nosso caso o grupo de professores.
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Sem dúvida, a pesquisa qualitativa mostrou-se como uma estratégia pertinente para nosso
estudo, na medida que valoriza os aspectos dinâmicos e interacionais, presentes nas relações de sala
de aula. Assim, buscamos nesse trabalho indícios de reflexões dos professores sobre os aspectos
ligados ao desenvolvimento de atividades experimentais, e sua relação com o desenvolvimento da
autonomia. Procuramos reconhecer essas idéias no discurso dos professores.
Para acompanhar mais de perto a evolução dos professores, nos valemos de vários
instrumentos de avaliação contínua como questionários, relatórios de experimentos, elaboração de
planos de aula além de diários reflexivos desenvolvidos individualmente pelos professores durante
todo o curso. Espécie de “diário de bordo”, nestes os professores registravam suas impressões e
reflexões sobre o desenvolvimento do curso.
Além de servir como instrumento de avaliação do curso, elegemos esses diários como um
dos nossos instrumentos de coleta de dados para essa pesquisa, com o consentimento dos
professores participantes do curso. Nossa idéia foi comparar o discurso dos professores nesses
diários com suas respostas ao questionário inicial além de identificar reflexões sobre temas que
julgamos importantes para a formação continuada desses professores.
Cada professor recebeu um caderno no qual deveria registrar as suas impressões dos
encontros e das atividades desenvolvidas e os relatos contidos nesses diários acabaram tornando-se
uma valiosa fonte de dados. Pudemos extrair informações relevantes a respeito das impressões dos
professores sobre o curso e do desenvolvimento de suas idéias a respeito das questões de nosso
interesse. A importância do ato de escrever um diário, como uma forma de reflexão sobre a prática
profissional é muito bem fundamentada se considerarmos as quatro característica do ato de escrever
apontadas por Yinger (apud Zabalza, 1994: p. 93-94):
Assim, o professor pode refletir sobre suas ações, o que leva também a uma reflexão na
própria ação (Schön, 1997). Por meio dessas reflexões os professores constroem saberes que
contribuem para a sua formação já que esta está diretamente ligada a essas reflexões, como nos
diz Pena (1999):
“... pode-se dizer que a formação docente se dá também por meio das
experiências que vivencia, nas quais constrói um saber específico em seu trabalho
cotidiano que fundamenta suas práticas e ações no desenvolvimento do seu trabalho
pedagógico. Considerar a formação como um processo mais amplo, no qual a própria
experiência profissional destaca-se como um de seus elementos, implica ter em conta o
desenvolvimento dos processos de reflexão sobre a prática pedagógica, uma vez que
através dessa reflexão os/as professores/as podem compreender melhor o significado e
as repercussões de sua prática cotidiana e, portanto, ter maior controle sobre seu
ofício”.
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Nosso objetivo nessa análise foi reconhecer no discurso dos professores, extraído de suas
anotações nos respectivos diários e em respostas ao questionário inicial, reflexões sobre os vários
temas, neste trabalho nos restringiremos à discussão de três deles:
• A autonomia do professor
Dos trinta e um professores que participaram do curso conseguimos recolher, ao final, vinte
e dois diários, mas constatamos que boa parte deles foram usados apenas como caderno de
anotações não trazendo elementos relevantes para nossa pesquisa. Após uma leitura cuidadosa de
todos eles, resolvemos selecionar relatos que julgamos interessantes para o nosso trabalho. Desses
diários procuramos extrair algumas das principais idéias desses professores a respeito do curso.
Utilizaremos também as respostas dos mesmos professores ao questionário inicial. Para que
possamos identificar de onde foi tirada cada citação acrescentaremos à identificação do professor
responsável pelo depoimento os símbolos D (para citações extraídas dos diários) ou Q-X (para
resposta à questão X do questionário inicial).
Aqui fazemos uma breve descrição da formação, experiência e situação funcional dos
professores que tiveram seus diários analisados.
A seguir analisamos esses relatos tentando evidenciar as contribuições do nosso curso para
uma mudança de postura dos professores diante desses temas e das dificuldades encontradas por
eles em sua prática de sala de aula. Para nortear essa análise utilizaremos o conceito de
reconhecimento de idéias proposto por Gonçalves (1997) em sua tese de doutorado. Nesse trabalho
ela fez um levantamento bibliográfico das pesquisas realizadas com professores de ciências na
década de noventa. A partir daí classificou esse trabalhos em três categorias: A, pesquisas sobre o
comportamento dos bons professores; B diretamente ligadas à análise do planejamento de cursos e
C, pesquisas voltadas para a compreensão do pensamento do professor. Nosso enfoque estará
baseado principalmente na categoria B já que pretendemos avaliar o reconhecimento pelos
professores das idéias desenvolvidas no curso.
Reconhecendo as idéias dos professores sobre cada questão podemos inferir a influência do
desenvolvimento do nosso curso nas concepções desses professores a respeito desses assuntos.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Esta foi uma das questões mais discutidas tanto no curso quanto nas reflexões dos
professores e não temos dúvida que os professores têm consciência de sua importância. Isso fica
explícito nas respostas a esta questão específica que fizemos no questionário inicial, como por
exemplo:
Mas então por que será que as atividades experimentais não fazem parte do dia-a-dia de
nossas escolas? Para esta questão encontramos diferentes respostas, alguns professores
responsabilizam os vestibulares.
“... os alunos estão acostumados com fórmulas e “decoreba”, o que não leva à
interpretação do fenômeno”. (professora F.D. - Q7)
Outro obstáculo é o fato de o professor durante a sua formação não ter tido muito contato
com atividades experimentais. Lembramos que a maior parte dos professores participantes do curso
é formada em matemática e em faculdade particulares e sabemos que nesses cursos, nas aulas de
laboratório de Física, se tiveram contato com atividades experimentais, utilizaram equipamentos
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sofisticados (para a realidade das nossas escolas) os quais ele não pode ter na escola. São essas as
dificuldades que sentem os professores. Podemos constatar isso pelas justificativas dadas no início
do curso, com respeito à não utilização de atividades experimentais.
Alguns professores chegaram a explicitar que era isso o que buscavam no curso:
A questão do custo era uma preocupação dos professores no início do curso como podemos
observar:
“Como eu comecei a lecionar neste ano não tive muito contato com laboratório,
mas quando dou experimentos em sala de aula, a maior dificuldade está sendo o
custo do material”. (professor J.B-.Q7)
“A construção do suporte foi uma idéia muito boa, pois o material é realmente de
baixo-custo e podemos utilizar ele em outras aulas, e até outros professores
podem usar”. (professor J.B. - D)
“... quando o aluno vê onde a física pode ser aplicada, fica muito mais fácil e, se
tiver um lugar separado da sala de aula para essas atividades, melhor ainda.”.
(professor J.B. - Q9)
Nas aulas finais do curso, pudemos perceber uma mudança no discurso deste professor, não
só por ter abandonado a idéia de super importância do laboratório, mas também percebemos que
está motivado a buscar soluções para as suas dificuldades.
Outros professores também parecem ter incorporado a idéia de que não precisam ter
materiais específicos para realizar experimentos.
Neste último relato, além de notarmos que a professora está disposta a improvisar,
notamos também a preocupação com o dinamismo e ludicidade de suas aulas, o que é
possível justamente devido à familiaridade e domínio do aluno em relação ao material:
“O carrinho desperta o lado criança deles e eles gostam muito disso e geralmente
querem repetir a experiência duas ou três vezes... ” (professora A.R.- D)
Nestas falas, fica claro que os professores foram percebendo que o custo não é a
única questão importante no uso dos materiais simples. Alguns apontaram a importância da
relação que se cria entre o aluno e o material, descrevendo esta relação através de categorias
do domínio afetivo como “motivação”, “lúdico”, “lado criança”. Além disso, reconheceram
esta dimensão como parte fundamental do processo ensino-aprendizagem: o aluno se sente à
vontade e motivado ao perceber que compreende o funcionamento dos materiais, o que o
torna capaz de controlar o experimento e observar os fenômenos envolvidos.
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A autonomia do professor.
“Tenho salas com apenas uma aula por semana. É possível desenvolver um
trabalho como esse? Não sei, no momento tenho minhas dúvidas.” (professor
U.C.- D)
Aqui percebemos que o professor ainda tem dúvidas se não vai “perder” o pouco
tempo que tem fazendo atividades experimentais, talvez por receio de não conseguir cumprir
o programa. Depois de um mês o mesmo professor escreve:
bem aceitas pelos alunos e trazem resultado é um passo significativo na direção da formação
de um profissional reflexivo.
CONCLUSÕES
Por meio dessa pesquisa conseguimos, pelo menos em nível introdutório, fazer um
levantamento das reflexões dos professores sobre os temas abordados e sobre a proposta da
Ludoteca para o ensino de Física. Pudemos verificar também importantes indícios do
reconhecimento das idéias desenvolvidas no curso.
Observamos através da análise dos resultados que houve uma mudança significativa
nos professores devido ao trabalho desenvolvido. Essa mudança não foi apenas conceitual,
mas também metodológica. Uma parte expressiva do grupo passou a se preocupar mais com
a preparação das aulas, com o pensar e elaborar objetivos para seus cursos além de tentar
inserir quase que imediatamente as idéias e práticas abordadas nos encontros referentes ao
laboratório de baixo-custo.
Vale ainda ressaltar que nossas conclusões foram baseadas nos relatos dos
professores e em nossas próprias observações ao longo do curso. Não tivemos dados sobre a
prática desses professores em suas escolas, que não seus próprios discursos. Mesmo assim,
os resultados nos parecem favoráveis já que estávamos interessados na mudança de
concepções dos professores a respeito de suas práticas pedagógicas. Sabemos que mudança
de concepções é apenas o primeiro passo para uma efetiva renovação da escola já que lá o
professor enfrenta diversos fatores limitantes de caráter institucional. Mas é um passo
importante.
REFERÊNCIAS B IBLIOGRÁFICAS
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LIBÂNEO, José Carlos. Adeus professor, adeus professora?: novas exigências educacionais e
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SÈRÈ, M.G; COELHO, S.M; NUNES, A.D. “O papel da experimentação no ensino de física”. Cad.
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