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Ouro Preto
2017
ROBERTO WAGNER DE CARVALHO JÚNIOR
Ouro Preto
2017
ROBERTO WAGNER DE CARVALHO JÚNIOR
BANCA EXAMINADORA
Reservo este espaço para agradecer à Dra. Flávia Souza Máximo Pereira pelo apoio e exímia
orientação, sem a qual a polidez deste trabalho jamais seria alcançada. Agradeço também aos
meus mentores no Departamento de Filosofia, Dr. Mário Nogueira de Oliveira, pela orientação
sobre o liberalismo e pelas aulas de ética, história da filosofia e filosofia política, e prof.
Desidério Murcho, pelas instruções em lógica. Aos professores Edvaldo Pereira e Fabiano
Guzzo, cujos laços de amizade transcendem à sala de aula. Aos demais professores
Departamento de Direito, em especial a Alexandre Bahia, Amauri Alves, Beatriz Schettini,
Bruno Camilloto, Federico Nunes de Matos, Flaviane de Magalhães Barros e Roberto Pôrto,
cujas lições carregarei para o resto de minha vida.
Agradeço pela disponibilidade dos senhores Prof. Me. Carlos Randel Crepalde Mafra e Prof.
Me. Rômulo Soares Valentini de participar da banca de examinadora, que promoverá a
discussão o aprimoramento deste trabalho.
À Dra. Iara Antunes, que foi capaz de me ENSINAR quando as salas de aula de pouco me
serviam, meu especial carinho e sincero agradecimento.
"Quem sabe apenas sua parte sobre uma questão,
nada sabe sobre ela." (John Stuart Mill)
RESUMO
Este estudo diz respeito ao trabalho humano enquanto ação conformadora da civilização e sua
precarização, em sentido lato e em relação ao Projeto de Lei (PL) 6.787/2016 – Reforma
Trabalhista, convertido na Lei Ordinária 13.467/2017. Pretendemos, aqui, refutar a falácia
economicista de que a diminuição de direitos trabalhistas desonera os custos das pessoas
jurídicas de direito privado e promove, consequentemente, aumento de seus investimentos no
país. Para isso, defenderemos a tese de que o aumento de direitos trabalhistas e a correção das
instituições injustas, como as condições indignas de trabalho, implicam no aumento da
circulação de recursos e no fortalecimento do mercado nacional e que esta é uma estratégia
desejável, tanto do ponto de vista econômico quanto do ponto de vista da ética, que garante
estabilidade e progresso social.
ABSTRACT
This essay concerns human labour as an action that shapes civilization and its precariousness,
in the lato sensu and related to the Law Project (LP) 6.787 / 2016 - Labour Reform, converted
to the Ordinary Law 13.467/2017. We intend to refute the fallacy that the reduction of labour
rights decreases the production cost from legal entities under private law and, consequently,
promotes an increase in its investments in the country. Therefore, we will defend the thesis that
the increase of labour rights and the correction of unjust institutions, such as the unworthy work
conditions, implies in the increase of the circulation of resources and the strengthening of the
national market and that this is a desirable strategy, both from an economic as well from an
ethical point of view, which guarantees stability and social progress.
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 9
2. TRABALHO .................................................................................................................................... 10
2.1. SENTIDO ETIMOLÓGICO DE "TRABALHO" E NOÇÕES INICIAIS .................................... 10
2.2. CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DO TRABALHO ............................................................. 15
2.3. HISTÓRIA E EVOLUÇÃO MUNDIAL ....................................................................................... 16
2.4. O CAPITALISMO E A ERA DAS REVOLUÇÕES .................................................................... 21
3. LIBERALISMO .............................................................................................................................. 24
3.1. LOCKE .......................................................................................................................................... 29
3.1.2. PROPRIEDADE ......................................................................................................................... 29
3.1.3. LIBERDADE E IGUALDADE .................................................................................................. 30
3.2. O ESTADO LIBERAL E OS PRIMÓRDIOS DO LIBERALISMO ECONÔMICO.................... 32
3.2.1. CRISE DO ESTADO LIBERAL ................................................................................................ 36
3.3. NEOLIBERALISMO ECONÔMICO............................................................................................ 37
4. LIBERALISMO IGUALITÁRIO ................................................................................................. 40
4.1. A TEORIA RAWLSIANA ............................................................................................................ 40
4.1.1. LIBERDADE INDIVIDUAL X SOCIEDADE COOPERATIVA ............................................. 40
5. O ARGUMENTO DE HAYEK CONTRA A CONCEPÇÃO DE JUSTIÇA SOCIAL OU
JUSTIÇA DISTRIBUTIVA ............................................................................................................... 41
6. PRECARIZAÇÃO E FLEXIBILIZAÇÃO: RELAÇÃO INDISSOCIÁVEL ........................... 49
7. LEI 13.467/2017 – REFORMA TRABALHISTA ........................................................................ 51
7.1. O ARGUMENTO PRÓ-FLEXIBILIZAÇÃO PROVENIENTE DE PREMISSAS
ESTRUTURADAS NO NEOLIBERALISMO ECONÔMICO ........................................................... 83
7.2. O ARGUMENTO CONTRA A FLEXIBILIZAÇÃO USUALMENTE UTILIZADO PELOS
MARXISTAS E A FUNÇÃO CONCILIATÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO .......................... 91
7.3. O ARGUMENTO DE AMARTYA SEN A FAVOR DA CONCEPÇÃO DE JUSTIÇA SOCIAL
OU JUSTIÇA DISTRIBUTIVA ........................................................................................................... 93
8. A APLICAÇÃO DO ARGUMENTO DE SEN COMO SOLUÇÃO AO PROBLEMA DA
FLEXIBILIZAÇÃO ............................................................................................................................ 97
9. CONCLUSÃO ................................................................................................................................. 98
10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................ 99
9
1. INTRODUÇÃO
2. TRABALHO
2.1. SENTIDO ETIMOLÓGICO DE “TRABALHO” E NOÇÕES INICIAIS
Inicialmente, cumpre estabelecer que o trabalho é algo natural ao homem. Para Hannah
Arendt, existem três atividades humanas fundamentais: (i) o labor, atividade que corresponde
ao processo biológico do corpo humano, cujos crescimento espontâneo, metabolismo e eventual
declínio têm a ver com as necessidades vitais produzidas e introduzidas pelo labor no processo
11
da vida; (ii) o trabalho1, que corresponde ao que é artificial e efêmero à condição humana
(qualquer produção / derivação do meio natural) e (iii) a ação, atividade que se exerce
diretamente entre os homens sem a mediação da matéria, corresponde à condição humana da
pluralidade2.
Não obstante Arendt considerar labor, trabalho e ação como “atividades fundamentais
porque cada uma delas corresponde a uma das condições básicas mediante as quais a vida foi
dada ao homem na Terra”3, dá sobremaneira relevância à ação, na tentativa de resgatar o que
pensa ser um verdadeiro espaço público, plural e autônomo, de deliberação e de iniciativa.
No entanto, para este estudo, consideraremos “labor” e “trabalho” como sinônimos.
Aliás, não só sinônimos, mas conditio sine qua non e conditio per quam da existência humana.
Nos aliamos, assim, a Friedrich Engels, em que “até certo ponto, podemos afirmar que o
trabalho criou o próprio homem”4.
Isso porque, para nós, respeitada a pesquisa e classificação de Arendt, consideraremos
“trabalho” não só como processo biológico (labor na classificação de Arendt), como o corpo
que trabalha, e as atividades artificiais do homem (trabalho, na supra classificação), mas,
também, como atividade intelectiva ou, nos termos de René Descartes, “pensamento”. Algo
inerente e inexorável ao trabalho.
Nos termos de Marx:
Pressupomos o trabalho numa forma em que ele diz respeito unicamente ao homem.
Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e uma abelha envergonha
muitos arquitetos com a estrutura de sua colmeia. Porém, o que desde o início
distingue o pior arquiteto da melhor abelha é o fato de que o primeiro tem a colmeia
em sua mente antes de construí-la com a cera. No final do processo de trabalho,
chega-se a um resultado que já estava presente na representação do trabalhador
no início do processo, portanto, um resultado que já existia idealmente.5
Já que o pensamento pode ser tanto natural e espontâneo como artificial e induzido,
não podemos classificá-lo, por obviedade, como processo biológico puro e simples, e como se
dá tanto na relação individualidade, como demonstrado por Descartes em sua premissa secular
1
Em alguns textos nossa utilização de labor é traduzida como “trabalho” e nossa utilização de trabalho é traduzida
como “obra” ou “fabricação”.
2
ARENDT, Hannah. A condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 15.
3
Ibid.
4
ENGELS, Friedrich. Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem. Tradução: UTL, Edição
eletrônica, Ed. Ridendo Castigat Mores. Disponível em: < http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/macaco.pdf>.
Acesso em: 07 jul. 2017, p. 4.
5
MARX, Karl. Crítica da economia política. Livro I: O processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo,
2014, p. 327. Grifos nossos.
12
cogito ergo sum ou “penso, logo existo”6, como na interação com o meio e na interação
intersubjetiva, não podemos classificá-lo como “ação”, nos termos de Arendt. 7
Por essas razões é que colocamos o trabalho como elemento central do plano social,
pois, acreditamos ser o trabalho razão última das práticas e da (con)formação de nossa
sociedade e do próprio homem.
Assim, mister que compreendamos o conceito de trabalho, que nos dizeres de Evaristo
Moraes Filho “é assunto discutido e obscuro até hoje”8. Para isso, lançaremos mão de suas
raízes etimológicas e históricas.
O trabalho, em sua origem remota, foi concebido como um castigo e como uma dor, por
essa razão um dos termos em grego que significa trabalho πόνος origina-se do mesmo radical
da palavra pena, do latim “Poena” - grego “Poinê” (Ποινή) ou “Poines” (Ποιναί)9.
A força desta associação se justifica, na medida em que a base laborativa da estrutura
econômica grega era o trabalho escravo. Na Grécia, a condição de escravo estava ligada, por
oposição, à ideia de “ócio” – o tempo livre de que o cidadão deveria dispor para participar dos
anseios políticos-administrativos das cidades-estados – e, por origem, principalmente, à guerra
ou às dívidas, sendo a última abolida na Grécia por volta do século V a.C.
Aristóteles defendeu a tese de que a escravidão grega se baseava na “natureza humana”.
Dizia o filósofo que a “ciência política não faz homens, mas têm que aceitá-los tal como vêm
da natureza”10. E, “Desde a hora do nascimento, alguns são destinados à sujeição, e outros ao
comando”11:
6
DESCARTES, René. Discurso do Método. Tradução de Jacob Guinsburg e Bento Prado Jr. 2ª ed. São Paulo:
Abril, 1979, p. 23.
7
Os conceitos trazidos por Hanna Arendt não compreendem a ideia de pensamento, isso porque pensamento não
pode ser pura e simplesmente processo biológico, o cérebro “pensa” e trabalha de forma automática e biológica,
por exemplo quando ele quando ele controla as funções do corpo, ou induzida, sejam por fatores internos ao corpo
humano como os estados físicos e emocionais, seja pela experiência e contato com mundo exterior, como na
relação dialógica entre percepção e a interpretação que dela fazemos. Também o pensamento não pode ser
enquadrado no conceito de trabalho, pois, o trabalho, como argumentamos através da citação “5”, é o resultado do
pensamento, não se confundindo com o mesmo. Por fim, o pensamento pode se dar tanto no trato intersubjetivo,
quanto isoladamente, em filosofia isto pode ser provado pela experiência do cérebro em uma cuba, proposta por
Putnam, um argumento ceticista extremo, que aduz que só podemos ter certeza de que pensamos, logo existimos.
A este respeito, cf. Reason, Truth, and History, chapter 1, pp. 1-21 - Brains in a vat by Hilary Putnam - Cambridge
University Press (1982).
8
MORAES FILHO, Evaristo de. Introdução ao direito do trabalho. 1º vol. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1956,
pp. 59-62.
9
Como observa Hannah Arendt “a língua grega diferencia entre poenin e ergazesthai”, segundo a classificação da
autora poenin estaria para labor, bem como ergazesthai para trabalho. Op. Cit. p. 90.
10
ARISTÓTELES, 1885. Politics. Traduzido por Jowett (1817–1893). Vol. I. London: Oxford at the Clarendon
Press. p. 10.
11
Ibid. I, p.5.
13
Porque aquele que pode prever com a mente é destinado pela natureza a ser senhor e
mestre, e aquele que só pode trabalhar com o corpo é, por natureza um escravo. O
escravo é para o mestre o que o corpo é para a mente; e como o corpo deve ser sujeito
à mente, é melhor, para todos os inferiores, ficar sob o domínio de um senhor. O
escravo é uma ferramenta dotada de vida, a ferramenta é um escravo inanimado.12
A mulher grega era, neste momento histórico, equiparada ao escravo. Para Aristóteles,
“A mulher está para o homem assim como o escravo está para o senhor, o trabalho manual para
o mental, o bárbaro para o grego. A mulher é um homem inacabado, deixada de pé num degrau
inferior da escala de desenvolvimento.”13
A grande maioria dos escravos destinava-se ao trabalho agrário, que é aquele
estritamente manual, sustentáculo das necessidades básicas de alimentação do homem. No
entanto, os escravos realizavam todo o tipo de trabalho, seja nas minas, nas oficinas, nas
residências, etc.
Ademais, ser escravo na pólis significava não poder participar da vida política, ser
excluído de parte das festividades religiosas, ser desprovido de direitos e da educação para
jovens cidadãos - em suma e em regra, restava ao escravo o trabalho manual.
Dado o viés alienador da escravidão da força produtiva, Lucien Febvre, e a maioria dos
filólogos e linguistas14, estabelecem que a origem da palavra trabalho tem como significado
“tortura – tripaliare15, torturar com o tripalium16, máquina de três pontas”17:
12
DURANT, Wil. A história da filosofia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1996. p. 79-80.
13
Ibid. p. 81
14
Além de Febvre, podem ser lembrados, Bloch e Wartburg, Benoist e Goelzer, Larrousse, Dauzat, Grandsaignes
D´hauterive e Magne.
15
Alguns admitem que tripallium teria variado posteriormente para trepallium, sendo possível que no latim vulgar
tenha se desenvolvido o infinitivo tripaliare, depois trapaliare, superando em uso laborare e operare (OLIVEIRA,
José César de. Formação histórica do direito do trabalho. In: BARROS, Alice Monteiro (coord.). Curso de direito
do Trabalho. v. 1, 3. ed. São Paulo: LTr, 1997. p. 30).
16
Tripallium designava um instrumento feito de três paus (tres “três” + palu “pau”) aguçados, algumas vezes
munidos de pontas de ferro, usado pelos agricultores para debulhar as espigas de milho ou de trigo ou para esfiar
o linho. Foi também utilizado, dada sua estrutura, para sujeitar cavalos e controlá-los para a fixação das ferraduras
e como instrumento de tortura.
17
MORAES FILHO, Evaristo de. Introdução ao direito do trabalho. 1º vol. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1956.
p. 59-62
18
Ibid.
14
Paulatinamente, com a diminuição, e, hoje, boa supressão do trabalho escravo, que deixa
de ser a principal força de produção, passando a uma atividade/condição ilegal e desumana, o
conceito de trabalho vem sendo revisitado a partir de um viés utilitarista de pretensão
capitalista, que alça o trabalho a uma ação economicamente desejável e pretende funcionalizá-
lo às necessidades do capitalismo moderno, tendo em vista o homem em razão de sua
capacidade criadora.
Exemplo da mudança pode ser sentida se compararmos a concepção grega e os escritos
contemporâneos, aqui representados por Lygia Cavalcanti. O filósofo grego Aristóteles olhava
o trabalho
com desprezo do alto da filosofia, como próprio de homens sem inteligência, como
indicado apenas para escravos e como apenas preparador de homens para a
escravidão. O trabalho manual, acredita ele, entorpece e deteriora a mente, não
deixando tempo nem energia para a inteligência, para a política.20
Já para Cavalcanti,
o trabalho, como principal atividade cotidiana do homem, desperta o gosto pelo agir
não apenas em razão da contraprestação financeira, mas sobretudo para sentir-se útil,
19
MAGNE, Augusto. Dicionário da Língua Portuguêsa, Rio de Janeiro: INL, 1950. VIII–IX pp. In: MORAES
FILHO, Evaristo de. Introdução ao Direito do Trabalho. V.1. Rio de Janeiro: Forense, 1956. pp. 63-64.
20
DURANT, Wil. A história da filosofia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1996. p. 80.
15
necessário, partícipe de uma obra que está sendo executada individualmente ou por
uma equipe.21
21
CAVALCANTI, Lygia Maria de Godoy Batista. São Paulo: LTr, 2008. p. 22
22
BERGSON, H. L`Évoution Créative, Paris: PUF, 1948. p 297.
23
FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Dicionário de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, 1998. In Ferrari, I.,
Nascimento, A., Martins Filho, I. e Costa, A. História do trabalho, do direito do trabalho e da justiça do trabalho.
3 ed. São Paulo: Editora LTr, 2011. Edição Digital Kindle, posição 189-196.
16
Nada obstante a nosso estudo etimológico, a origem do trabalho se confunde com o surgimento
do próprio homem, por essa razão, os paradigmas de produção do homem ao longo da história
nos servirão de base referencial para definir e orientar nossa digressão sobre a história do
trabalho.
Sendo o trabalho inseparável do homem, da pessoa humana que planeja, pensa, age e
trabalha, êle se confunde com a própria personalidade, em qualquer de suas
manifestações. Pode-se dizer dêle, como já lembrou alguém, a mesma coisa que dizia
BOSSUET da religião em seu aspecto moral: “É o todo do homem”. Identifica-se,
pois, a ciência do trabalho com a própria antropologia, isto é, com o estudo do homem,
encarado como um todo indivisível e inteiriço, como uma mônada de valor.24
24
MORAES FILHO, Evaristo de. Introdução ao Direito do Trabalho. V.1. Rio de Janeiro: Forense, 1956. p. 69.
25
MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Manual esquemático de direito e processo do trabalho. São Paulo:
Saraiva, 2016. p. 22.
17
entre homens e mulheres, mas em geral as relações de trabalho se davam de forma igual,
cooperativa. Tratava-se de uma forma rudimentar de comunitarismo, em que cada indivíduo
exercia um papel fundamental na manutenção do grupo.
Deixa o trabalho, desde os tempos primitivos, desde a formação dos primeiros grupos
humanos, de ser um esfôrço meramente individual e auto-suficiente. Todo o trabalho
humano é desde o início e por definição um fato coletivo, sendo a cooperação a sua
nota característica e essencial. Uns dependem dos outros, as tarefas se realizam através
da armação de um mosaico, fragmentário a princípio. Esta dependência pode ser direta
ou indireta, mas todos se encontram no mesmo estado de precisão de trabalho alheio,
levado a efeito em outros lugares e em outros tempos. 27
26
MORAES FILHO, Evaristo. Tratado Elementar de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1960.
pp. 231-234.
27
MORAES FILHO, Evaristo de. Introdução ao Direito do Trabalho. V.1. Rio de Janeiro: Forense, 1956. pp.76.
18
28
VALERI, R. Fome In: ROMANO, R. Enciclopédia Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1989.
v. 16, p. 169-190 In: GONÇALVES, José Henrique Rollo. O surgimento da escravidão: notas críticas sobre um
modelo biossociológico de explicação histórica. Revista Acta Scientiarum, 2013. Vol. 35, nº 2. pp. 237-247.
29
A leitura deve ser feita como “a escravidão”; a tradução possivelmente considerou servidão como gênero que
comporta a servidão a alguém (o que consideramos escravidão), sendo a servidão em sentido estrito aquela ligada
ao vínculo com a terra.
30
LENGELLÉ, M. Esclavitud. Barcelona, 1971. In: ROMEUF, J. (Dir.). Diccionario de ciencias económicas.
Barcelona: Labor, 1966a. p. 415-416. APUD GONÇALVES, José Henrique Rollo. O surgimento da escravidão:
notas críticas sobre um modelo biossociológico de explicação histórica. Revista Acta Scientiarum, 2013. Vol. 35,
nº 2. pp. 237-247. Grifos nossos.
31
BARROS, José D'Assunção. Escravidão Clássica e Escravidão Moderna. Desigualdade e Diferença no
pensamento Escravista: uma comparação entre os antigos e os modernos. Ágora, AVEIRO (PORTUGAL), n. 15,
pp. 171-194, out. 2012. Disponível em: <http://revistas.ua.pt/index.php/agora/article/view/2232>. Acesso em: 05
jul. 2017.
32
Ibid.
19
escravidão, de toda a sorte, é uma forma de violência extrema à dignidade da pessoa humana,
independentemente de suas formas ou possíveis abrandamentos.
A distinção clássica entre a escravidão antiga e a escravidão moderna é que a primeira
se constituiu ou como modo de dominação de vencidos nas guerras ou como forma de
pagamento pelas dívidas. A escravidão antiga era, ainda, base laborativo-econômica daquelas
sociedades, por isso a chamamos, aqui, de modo de produção. Não se tinha neste primeiro
momento a noção de superioridade racial como legitimador da escravidão, nem a incipiência
do sistema capitalista. E, justamente, estas são as grandes características da escravidão
moderna. Os antigos já tinham contato com populações fenotipicamente diversas, inclusive, as
campanhas no norte da África já os haviam colocado frente aos negros, mas sua escravidão
corria independentemente da cor da pele do homem.
Antes, porém, de adentrarmos à escravidão moderna, é necessário que perpassemos,
brevemente, pelo seu sistema de transição, a servidão, modelo de produção utilizado nas
sociedades pré-modernas ou feudais.33
Instituto fundamental do feudalismo, a servidão tem sua origem associada ao instituto
romano chamado “colonato”, uma forma de trabalho compulsório onde o colono arrenda uma
porção de terra sob a condição de assegurar parte de sua produção ao pagamento do proprietário
e parte a sua subsistência. Em Roma, o colonato fora implementado por volta do século III, por
conta da escassez da mão de obra escrava. Grandes proprietários arrendavam faixas de terras a
pessoas pobres e alguns escravos eram convertidos à condição de colono, porque seus
proprietários não mais podiam “sustentá-los”.
O trabalho servil era uma derivação do trabalho escravo mudando apenas o eixo do
domínio, eis que enquanto no trabalho escravo era o senhor seu dono, no trabalho servil, o
trabalhador era o servo da gleba34.
O panorama de crise do império romano paulatinamente se agrava, de modo que a lógica
dos colonatos se repete e vêm a substituir e subverter a regra da escravidão. Esse processo, nos
33
Importante destacar que na América Latina tais formas de controle do trabalho não emergiram nesta sequência
histórica unilinear. A escravidão foi estabelecida como mercadoria para produzir para o mercado mundial,
simultaneamente com a servidão indígena e a produção mercantil independente. Assim, todas essas formas de
trabalho na América Latina não só atuavam concomitantemente, mas também foram todas articuladas em torno do
eixo do capital e do mercado mundial. Além de serem simultâneas, tais formas de trabalho na América Latina
foram associadas à ideia de raça para outorgar legitimidade às relações de dominação entre colonizador e
colonizado, assim como para a naturalização das funções superiores e inferiores na divisão do trabalho. Desse
modo, impôs-se uma sistemática divisão racial do trabalho, em que índios foram confinados na estrutura da
servidão e os negros foram reduzidos à escravidão. Os espanhóis e os portugueses, como raça branca dominante,
podiam receber salários, ser comerciantes, artesãos e agricultores independentes
34
Ferrari, I., Nascimento, A., Martins Filho, I. and Costa, A. (2011). História do trabalho, do direito do trabalho e
da justiça do trabalho. 3rd ed. São Paulo: Editora LTr. Edição Digital Kindle, posição 634.
20
leva à predominância da servidão desde esta época até todo o período conhecido como
feudalismo.
A partir do século XV, as expansões marítimas e o mercantilismo reaquecem a
economia mundial, que volta a se valer dos escravos. Entretanto, as sucessivas condenações
desta prática pela Igreja Católica limitavam cada vez mais os grupos de pessoas a quem se podia
escravizar:
Nas diversas épocas da história, sempre os pensadores da Igreja abordaram a questão
social com um alto espírito de humanidade e, em todos eles, quer em Santo Agostinho,
São Gregório Magno ou São Tomás, as doutrinas expostas continham valiosos
ensinamentos. Se a encíclica do Papa Leão XIII, conhecida com o nome ‘Rerum
Novarum’, marca o ponto culminante da participação da Igreja na solução do
problema social, é certo, entretanto, que em todo o século XIX, através das figuras
mais representativas, o catolicismo cuidou do interesse do proletariado.35 36
De acordo com Adam Smith, os encargos com o escravo são mais dispendiosos que
os com o servo livre, posto que enquanto aquele é administrado por um “patrão
negligente ou um capataz desleixado”, este se auto-administra. Assim sendo, “os
desregramentos que geralmente se verificam na administração dos ricos, introduzem-
se na gestão dos primeiros; a estrita frugalidade e parcimônia dos pobres refletem-se
de modo igualmente natural nos segundos”.37Ao comparar os diferentes graus de
despesas com trabalhadores livres e escravos, Adam Smith concluiu que a
“experiência de todas as épocas (mostra que é) mais barato o trabalho realizado por
homens livres que o realizado por escravos”. A abrangência desta conclusão é de tal
ordem que assume o caráter de um princípio, adequado a qualquer circunstância
histórica, que contém a primeira objeção de Adam Smith à escravidão; sua enunciação
é bastante clara: em consequência da maneira pela qual é administrado, onde quer que
o trabalho escravo seja empregado, ele é mais caro que o trabalho livre. 38
O gradual desmonte da escravidão moderna, faz com que o trabalhado assalariado ganhe
destaque no mercado de força de trabalho e propulsiona o sistema que predomina até os dias de
35
SEGADAS VIANA, José de et al. Instituições de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1999. pp. 97-98.
36
Há divergência quanto à efetiva participação da Igreja Católica neste processo, entretanto esta é a posição
majoritariamente adotada dentro de nosso referencial teórico, talvez pela grande influência que a doutrina católica
exerceu no mundo ocidental.
37
Adam Smith - Riqueza das Nações (1776). Lisboa, Fundação Calouste Gulbekian, 1981, v.1, p. 199. In:
ROCHA, Antonio Penalves. A Escravidão em "A Riqueza das Nações" de Adam Smith. CLIO: Revista de
Pesquisa Histórica, Pernambuco, v. 1, n. 14, pp. 173-185, jul. 1993. Disponível em:
<http://www.revista.ufpe.br/revistaclio/index.php/revista/article/viewFile/829/677>. Acesso em: 05 jul. 2017.
38
ROCHA, Antonio Penalves. A Escravidão em "A Riqueza das Nações" de Adam Smith. CLIO: Revista de
Pesquisa Histórica, Pernambuco, v. 1, n. 14, pp. 173-185, jul. 1993. Disponível em:
<http://www.revista.ufpe.br/revistaclio/index.php/revista/article/viewFile/829/677>. Acesso em: 05 jul. 2017.
21
Somente algumas áreas levaram o desenvolvimento agrário mais adiante, rumo a uma
agricultura puramente capitalista. A Inglaterra era a principal delas. Lá a propriedade
de terras era extremamente concentrada, mas o agricultor típico era o arrendatário com
um empreendimento comercial médio, operado por mão-de-obra contratada. Uma
grande quantidade de pequenos proprietários, aldeões, etc. ainda obscurecia esse fato.
Mas quando tudo se tornou claro, aproximadamente entre 1760 e 1830, o que apareceu
não foi uma agricultura camponesa, mas sim uma classe de empresários agrícolas, os
fazendeiros, e um enorme proletariado rural.42
39
RUSSELL, Bertrand, 1872-1970. História do pensamento ocidental. Tradução Laura Alves e Aurélio Rebello.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 2013. p. 404.
40
The enclosures created a new organization of classes. The peasant with rights and a status, with a share in the
fortunes and government of his village, standing in rags, but standing on his feet, makes way for the labourer with
no corporate rights to defend, no corporate power to invoke, no property to cherish, no ambition to pursue, bent
beneath the fear of his masters, and the weight of a future without hope. No class in the world has so beaten and
crouching a history
41
HAMMOND, J. L. and HAMMOND, Barbara. The Village Labourer. London: Longmans, Green and Co., 1920.
p. 81, tradução nossa.
42
HOBSBAWM, Eric J. A Era das revoluções: Europa 1789-1848. São Paulo: Paz e Terra S.A., 1997. p. 33.
23
O Estado Liberal é uma forma de Estado de Direito estruturado a partir das teses
políticas e econômicas liberais clássicas, uma tentativa de limitação da intervenção estatal na
vida privada, que preconizava grande abrangência às liberdades individuais, à propriedade
privada, à ordem espontânea através do livre mercado (laissez faire, laissez aller, laissez passer)
e à igualdade formal, ou negativa. Esta configuração, ou paradigma, de Estado, eleva o sentido
jurídico destas liberdades negativas e do contrato, manifesto absoluto da “legítima” vontade das
partes, que são, não obstante suas diferenças de fato, tratadas como iguais em condição e
capacidade.
43
HOBSBAWM, Eric J. A Era das revoluções: Europa 1789-1848. São Paulo: Paz e Terra S.A., 1997. p. 36.
44
BRIEFS, Goetz. Le Prolétariat Industriel, trad. Yves Simon. Paris: Desclée de Brouwer et Cie (La Lumière
ouvrière), 1936. pp. 2-3.
45
Observe-se a tradução foi infeliz quanto a verdadeira amplitude das palavras, já que por “completa liberdade
pessoal” e “completa igualdade política”, no contexto do Estado Liberal, quer-se referir à liberdade e igualdade no
sentido liberal clássico, ou seja liberdade individual e igualdade formal.
24
3. LIBERALISMO
46
REIS, Daniela Muradas. O princípio da vedação do retrocesso no direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2010. p.
26.
47
THÉBAUD-MONY, Annie; DRUCK, Graça. Terceirização: A erosão dos direitos dos trabalhadores na França
e no Brasil. In: DRUKE, Graça; FRANCO, Tânia (Org.). A perda da razão social do trabalho. São Paulo:
Boitempo, 2012. cap. 2. p. 23-58.
48
La durée journalière du travail varie selon l'espèce de manufactures et même un peu selon les localités.À
Mulhouse, à Dornach, etc., les filatures et les tissages mécaniques s'ouvrent généralement le matin à cinq heures,
et se ferment le soir à huit, quelquefois à neuf. En hiver, l'entrée en est fréquemment retardée jusqu'au jour, mais
les ouvriers n'y gagnent pas pour cela une minute. Ainsi, leur journée est au moins de quinze heures. Sur ce temps,
ils ont une demiheure pour le déjeuner et une heure pour le dîner; c'est là tout le repos qu'on leur accorde. Par
conséquent, ils ne fournissent jamais moins de treize heures et demie de travail par jour.
49
VILLERMÉ, Louis-René. Tableau de l’état physique et moral des ouvriers employés dans les manufactures de
coton, de laine et de soie. Textes choisis et présentés par Yves TYL. Paris: Union générale d'Éditions, 1971, p. 32
Collection: 10-18, n° 582, tradução nossa.
25
oferta de mão de obra, o que reduziu seu valor e possibilitou um dos períodos de maior
precariedade, na verdade, um dos maiores períodos de exploração do homem pelo homem.
Na ânsia de lucrar por lucrar, num mundo onde as coisas ficam defasadas muito
rapidamente, o industrial acaba gerando, em direção diametralmente oposta, um excedente de
produtos, uma superprodução, que não será plenamente absorvida pelo mercado e dá origem a
uma nova crise, agora generalizada.
E aqui, neste momento, alcançamos o Direito do Trabalho, que surge como uma
tentativa de amenização deste terrível problema, que coloca em perigo a paz social e vida das
pessoas. O Direito do Trabalho busca amenizar a submissão extrema do trabalho ao capital. No
entanto, ao mesmo tempo, o Direito do Trabalho efetua uma conciliação entre trabalho e capital,
50
LAFARGUE, Paul. O Direito à Preguiça e Outros Textos. Lisboa: Estampa/São Paulo: Mandacaru, 1977. pp.
26-27.
26
51
MORAES FILHO, Evaristo de. Introdução ao direito do trabalho. 1º vol. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1956.
p. 346.
27
As ideias liberais clássicas e as teses sociais devem encontrar um equilíbrio que preserve
as conquistas sociais que se consolidaram historicamente e carregam o peso do sangue de tantos
indivíduos, que sofreram ante aos anseios capitalistas. Temos a responsabilidade jurídica e
humana de pôr às claras as premissas de um capitalismo selvagem, que busca o lucro pelo lucro,
e rechaçá-las. Para isso, devemos dar maior valor normativo ao princípio da dignidade da pessoa
humana, que sempre deve ser observado para estabelecermos um standart, ou seja, o que é o
mínimo para a preservação de uma vida humana digna. Para isso, será necessário, inclusive,
dividir-se a responsabilidade social pelas crises mundiais também com os ricos. Se nenhuma
nação sujeitar a dignidade de seus cidadãos aos anseios precarizantes do capitalista, não haverá
oferta de trabalho precário, de trabalho indigno.
Como bem observa Hobsbawn,
52
ALVES, Amauri Cesar. Direito do trabalho essencial: doutrina, legislação, jurisprudência, exercícios. 1. ed. São
Paulo: LTr, 2012. p. 22.
53
HOBSBAWM, Eric J. A Era das revoluções: Europa 1789-1848. São Paulo: Paz e Terra S.A., 1997. pp. 224-
225.
29
No primeiro tratado, refutou a doutrina do direito divino dos reis e do absolutismo régio
tal como apresentada no livro de Robert Filmer, Patriarcha. No segundo, desenvolveu as
teorias que se consolidaram como base da filosofia política e social durante gerações. Locke é,
por isso, marco da tradição que hoje conhecemos por liberalismo, e forneceu a tríade de direitos
individuais centralmente basilares a essa corrente: Liberdade, Igualdade e Propriedade.
Da tensão essencial e do espectro de abrangência desses três direitos surgem os vários
tipos de liberalismo. E, a partir desse ponto, trataremos o liberalismo segundo essa tríade.
3.1.2. PROPRIEDADE
Partindo da premissa de que o homem é seu próprio proprietário, Locke conclui que
aquilo que o homem trabalhou é também sua propriedade. Mais especificamente, o fundamento
da propriedade está no próprio homem, em sua capacidade de transformar em seu benefício o
mundo externo com sua energia pessoal (trabalho).
30
o trabalho de seu corpo e a obra produzida por suas mãos são propriedade sua. Sempre
que ele tira um objeto do estado em que a natureza o colocou e deixou, mistura nisso
o seu trabalho e a isso acrescenta algo que lhe pertence, por isso o tornando sua
propriedade. Ao remover este objeto do estado comum em que a natureza o colocou,
através do seu trabalho adiciona-lhe algo que excluiu o direito comum dos outros
homens. Sendo este trabalho uma propriedade inquestionável do trabalhador, nenhum
homem, exceto ele, pode ter o direito ao que o trabalho lhe acrescentou, pelo menos
quando o que resta é suficiente aos outros, em quantidade e em qualidade.54 O
trabalho, então, cria a propriedade, e o mesmo princípio se aplica à terra e aos bens
móveis; a terra se torna propriedade de um homem quando ele a cercou e a cultivou.
Além disso, o trabalho “estabelece a diferença de valor em tudo”: a diferença no valor
entre um acre de terra cultivada e um acre “em comum e sem qualquer cultivo” é
devida quase inteiramente à melhoria realizada pelo trabalho.55
O argumento de Locke é digno de objeções, já que o ponto que lhe preocupava era
propriedade no “estado de natureza”. O homem primitivo poderia apropriar-se da forma descrita
por Locke, mas isso não estabelece um direito de propriedade. O cerne do conceito de
propriedade aqui é que ela é um direito natural, ou seja, já existia no estado de natureza. Para
Locke a natureza é um “bem comum” e o trabalho causa seu fracionamento para o desígnio de
um bem particular, de uma propriedade. Assim, tratava-se de um direito absoluto e oponível a
todos os homens, que deveria ser garantido contra a expropriação arbitrária, seja de qualquer
outro homem, seja do soberano (ao contrário do que era defendido por Thomas Hobbes).
Quanto à liberdade e à igualdade, Locke defende a tese de que os seres humanos são
naturalmente livres e iguais. A igualdade deriva de todos sermos filhos de um mesmo criador e
a liberdade não se trata de um bem outorgado, mas decorrente de sua relação com o poder.
À medida que se amplia o poder de um indivíduo, diminui-se a liberdade de outros. Ou
seja, todos são iguais na condição em que ninguém se sujeita a qualquer poder e jurisdição, sem
subordinação ou sujeição56. Desse modo, na ausência de governo reinam a liberdade e a
igualdade, pois a lei da natureza é extensiva a todos os seres humanos.
Somente quando se deixa de observar esta lei, a saber, quando os homens comportam-
se contra os próprios “ditames da razão”, violam-se igualdade e liberdade.
54
LOCK, John, 1632-1704. Segundo tratado sobre o governo civil: ensaio sobre a origem, os limites e os fins
verdadeiros do governo civil / John Locke; introdução de J.W. Gough; tradução de Magda Lopes e Marisa Lobo
da Costa. – Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. p. 98. – (Coleção clássicos do pensamento político).
55
LOCK, John, 1632-1704. Segundo tratado sobre o governo civil: ensaio sobre a origem, os limites e os fins
verdadeiros do governo civil / John Locke; introdução de J.W. Gough; tradução de Magda Lopes e Marisa Lobo
da Costa. – Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. p.19. – (Coleção clássicos do pensamento político).
56
Ibid. p. 83.
31
Esta forma de divisão do trabalho ficou bem caracterizada na estrutura dos ofícios da
Idade Média. Os artesãos organizados nas guildas, ou corporações de artífices,
constituíam uma unidade de produção, de capacitação para o ofício e de
comercialização dos produtos. Apesar de existir, entre mestres-companheiros-
aprendizes, divisão do trabalho, hierarquia e também atividades de coordenação e
gerenciamento do processo de produção, estas eram diferentes da divisão parcelar do
trabalho e da hierarquia verificada na emergência das fábricas e do modo de produção
capitalista. No artesanato, os produtores eram donos dos instrumentos necessários ao
seu trabalho, tinham domínio sobre o processo de produção, sobre o ritmo do trabalho
e sobre o produto, e também, quase certamente, havia ascensão a companheiro e muito
provavelmente a mestre.57
57
MARGLIN, Stephen. Origem e funções do parcelamento das tarefas. Para que servem os patrões? In: GORZ,
André (Org.). Crítica da divisão do trabalho. São Paulo: Martins Fontes, 1996. pp. 37-77.
32
Ademais disso, John Locke é considerado o primeiro filósofo iluminista. Além dele,
Voltaire58 (1694-1778), Jean-Jacques Rousseau59 (1712-1778), e Montesquieu60 (1689-1755),
influenciaram enormemente o pensamento político daquela época (Séculos XVII e XVIII).
Assim, ainda no século XVIII, ganha força, por influência liberalismo político, o liberalismo
econômico, não tão substancialmente e diretamente desenvolvido por aqueles autores quanto o
fez Adam Smith.
Smith, pode ser considerado pioneiro do que tecnicamente conhecemos como
liberalismo econômico. A grande influência de suas ideias, em um processo de industrialização
que se desenvolvia, firmaram de forma definitiva os pilares liberais clássicos do liberalismo
político e econômico na Europa, e fizeram com que os regimes absolutistas e os modos de
produção antigos, definitivamente, fossem caindo um a um.
58
Voltaire, pseudônimo de François Marie Arouet, Rousseau e Montesquieu foram, somados a Locke, os grandes
propulsores do Iluminismo. Voltaire condenava o Absolutismo, mas defendia uma Monarquia centralizada em
que o monarca seria assessorado pelos filósofos, um resgate da ideia de Platão sobre um governo dos filósofos,
condenava intolerância religiosa e abraçava a liberdade de opinião e demais liberdades civis.
59
Rousseau, por seu turno, cria uma terceira via ao estado de natureza, propondo o Contrato Social como resultado
de uma vontade geral, que representa os interesses comuns (consensos) que, aqui, se confundirão com o interesse
público e representarão a soberania do povo, neste sentido um Estado Soberano é aquele que atua conforme a
vontade do povo.
60
Charles-Louis de Secondat, barão de La Brède e de Montesquieu, famoso por ter escrito “O Espírito das Leis”
(L'Esprit des lois, 1748), muito influenciado por Locke, propõe a teoria da separação dos poderes do Estado e
defende a supremacia do princípio da legalidade através da tese de que o juiz é a boca da lei (bouche de la loi).
33
indivíduos, seja entre nações. Já ao entender a liberdade como ausência de coerção intencional
por terceiros, ou seja, considerando-se que tanto mais livre é um indivíduo quanto menor for a
interferência de terceiros na sua esfera de decisão, abandona-o frente suas profundas
desigualdades contingenciais.
Do ponto de vista político, a ideia de liberdade em seu viés negativo supõe a existência
de um Estado limitado, que acaba por abster-se de legislar sobre muitos domínios, em especial
os das instituições que poderiam promover justiça social, sob o pretexto de garantir que a
liberdade de uns não interfira na liberdade de outros.
Durante muito tempo, o Estado sustentou ou foi omisso diante de tal realidade. Ao
Estado não cabia intervir nas relações entre particulares e, portanto, nas relações de
trabalho. Assim, cabia ao contratante da força produtiva ditar as regras do trabalho e
ao trabalhador o seu estrito cumprimento. Havia uma falsa e cruel relação de igualdade
na pactuação, posto que o trabalhador era (e ainda é) a parte mais fraca na relação
capital-trabalho.61
61
ALVES, Amauri Cesar. Direito do trabalho essencial: doutrina, legislação, jurisprudência, exercícios. 1. ed. São
Paulo: LTr, 2012. p. 23.
34
Todo homem é rico ou pobre, de acordo com o grau em que consegue desfrutar das
coisas necessárias, das coisas convenientes e dos prazeres da vida. Todavia, uma vez
implantada plenamente a divisão do trabalho, são muito poucas as necessidades que
o homem consegue atender com o produto de seu próprio trabalho. A maior parte
delas deverá ser atendida com o produto do trabalho de outros, e o homem será então
rico ou pobre, conforme a quantidade de serviço alheio que está em condições de
encomendar ou comprar. Portanto, o valor de qualquer mercadoria, para a pessoa que
a possui, mas não tenciona usá-la ou consumi-la ela própria, senão trocá-la por outros
bens, é igual à quantidade de trabalho que essa mercadoria lhe dá condições de
comprar ou comandar. Conseqüentemente, o trabalho é a medida real do valor de troca
de todas as mercadorias.62
Esse maior poder de compra ou de comando deriva do fato de um indivíduo produzir mais
do que outro e, portanto, ter mais produtos excedentes, o que lhe possibilita mais troca e, assim,
mais riqueza.
Não há, entretanto, diferenças inatas para Smith: ao nascerem, os seres humanos são
iguais. Os hábitos e a educação determinarão, posteriormente, os talentos de cada um que serão
desenvolvidos em maior ou menor grau segundo o interesse e a dedicação pessoal.
Adam Smith aceita que o desenvolvimento dos talentos individuais e da capacidade de
produzir estejam vinculados não apenas à educação, mas também ao cultivo e ao
aperfeiçoamento pessoal de uma habilidade específica na divisão do trabalho.
O pensamento liberal-econômico de Smith limita-se, sobremaneira, às fronteiras da
individualidade, apontando como responsabilidade subjetiva as causas das desigualdades
socioeconômicas.
É o indivíduo que é concretamente “sujeito” do aperfeiçoamento dos talentos que a
educação lhe creditou e, portanto, o responsável por sua riqueza ou pobreza. Alguém é rico
porque consegue, devido a seus talentos, produzir mais e melhores produtos para trocar.
Assim, escreveu Smith:
cada homem terá então maior interesse em cultivar aquele talento que sua educação e seu
hábito lhe conferiram, aplicando-o do melhor modo possível, posto que quanto mais consiga
produzir, graças a seu gênio, mais excedentes terá para trocar por outras coisas que necessite
para a subsistência.63
62
SMITH, Adam. A riqueza das nações. Livro 1 – 1ª parte; Trad. Márcio Pugliese Global Editora: São
Paulo, 1980. p. 87. (Coleções Base – Economia 25).
63
SMITH, Adam. A riqueza das nações. Livro 1 – 1ª parte; Trad. Márcio Pugliese Global Editora: São
Paulo, 1980. p. 17. (Coleções Base – Economia 25).
35
Isso é determinado pela força das trocas, ou seja, pela extensão do comércio. Assim, ao
contrário dos núcleos rurais, as grandes cidades, localizadas à beira do mar ou de rios, tiveram
grande desenvolvimento industrial devido ao forte comércio. Além de mais populosos, a maior
produtividade desses centros se deve principalmente à facilidade de escoamento de seus
produtos para mercados mais distantes, pelas vantajosas e econômicas vias marítimas ou
fluviais.
Por isso, assevera Smith, segundo fontes dignas de crédito da história mundial, as nações
que primeiro atingiram um estágio que pode ser chamado civilizado, foram as que circundavam
o Mar Mediterrâneo.64 E, continua:
[Entretanto] todas as regiões interiores da África e toda parte da Ásia que fica a uma
considerável distância do Mar Cáspio, a antiga Scytia, a moderna Tartária e a Sibéria,
parecem ter, em todas as idades do mundo se mantido no mesmo estado bárbaro e
incivilizado no qual se encontram ainda hoje.65
64
Ibid. p. 22.
65
Ibid. p. 23.
36
O breve percurso feito pelo pensamento liberal-econômico parece suficiente para seu
propósito: demonstrar os fundamentos do sentido liberal dado ao valor ético-político da
liberdade e de como dele decorre, necessariamente, um significado específico do valor
igualdade.
Este é o mesmo argumento hoje utilizado para justificar as limitações em direitos
sociais, especialmente os trabalhistas e previdenciários. Transfere-se a responsabilidade pelas
grandes retiradas de capital que promovem o desequilíbrio do mercado, pela crise política, pela
desigualdade e pela suposta crise da previdência para o sujeito mais vulnerável na história,
nomeadamente, o trabalhador, enquanto destinatário da responsabilidade individual. O gestor
de mão de obra é louvado, mas sobre sua responsabilidade, nos momentos críticos, responde:
os direitos do trabalhador nos custam muito caro. Ou seja, mais uma vez as classes menos
valorizadas na divisão do trabalho arcam com rombos que não criaram.
Em síntese, para a vertente liberalismo clássico e econômico, a realidade é observada
unicamente do ponto de vista do indivíduo; a liberdade é um direito natural e individual de
expressão, autodeterminação, associação; e igualdade implica acesso de todos aos direitos civis
e políticos e por isso nunca devem ser limitados para propiciar maior justiça econômica.
Entretanto, para quantas pessoas essa liberdade e essa igualdade valem?
Por certo, a vivência prática das ideias basilares do paradigma do Estado liberal, em que
o exercício das liberdades e igualdades traduzia-se apenas na esfera formal para a maioria dos
indivíduos, bem como a prevalência ultra abrangente do direito à propriedade e da auto-
regulamentação do mercado, culminaram na fundamentação de ideias e práticas sociais que
caracterizaram um dos maiores períodos históricos de exploração do homem pelo homem.
Assim, se por um lado, o homem alcançou um ideal de liberdade que nem as
arbitrariedades do Estado poderiam tocar, por outro, essa garantia reduzia-se ao campo
meramente formal, negativo, já que, não obstante a decadência dos estratos sociais, a condição
humana não melhorou muito em relação à noção pré-moderna.
A ordem liberal é posta em xeque com o surgimento de ideias socialistas, comunistas e
anarquistas, que a um só tempo erguem movimentos de massas e neles travam a luta pelos
direitos coletivos e sociais. Assim, o sistema liberal sofre diversas transformações numa
tentativa de se ajustar às novas exigências sociais. No âmbito laborativo, estes movimentos
fazem surgir os primeiros direitos trabalhistas.
37
66
ALVES, Amauri Cesar. Direito do trabalho essencial: doutrina, legislação, jurisprudência, exercícios. 1. ed. São
Paulo: LTr, 2012. p. 23.
67
Doutrina econômica consolidada pelo economista inglês John Maynard Keynes, em “General Theory of
Employment, Interest and Money” (1936), traduzido pelas editoras brasileiras como “Teoria Geral do Emprego,
do Juro e da Moeda”, que propôs uma nova abordagem para a determinação do nível de atividade economica, dos
38
problemas do emprego e das causas da inflação, opondo-se ao liberalismo econômico, e postulando que a
intervenção estatal na vida econômica poderia conduzi-la a um regime de pleno emprego.
39
Direito estabeleceria as “regras do jogo” em que as ações do governo seriam regidas por normas
previamente estabelecidas, fato que garantiria não só a estabilidade do governo, mas também
uma segurança jurídica que possibilitasse a cada um planejar, com factibilidade, seu “projeto
de vida”.
Mas, podemos afirmar categoricamente que mesmo com todas essas condições ideais
para empreendedores, a lógica do lucro pelo lucro promoveria barganha de direitos trabalhistas
com a perspectiva de que um menor custo de produção traz mais lucro. Haveria uma barganha
generalizada por mixarias, em que as nações competiriam para ver quem está mais inclinado a
se submeter aos desejos do empreendedor. E, nessa disputa, quem estiver disposto a sangrar e
sofrer mais, será escolhida (explorada).
Por essa razão, a lógica da acumulação pela acumulação não faz sentido. Nesta
perspectiva de mercado, são produzidos mais produtos que o mercado pode absorver o que,
além de uma contradição à eficiência e eficácia da administração da produção, causa um
desequilíbrio econômico por excedente de produtos.
Em A condição da classe trabalhadora na Inglaterra, Engels argumenta que, não
obstante conhecer quanto cada país necessita de um produto, o capitalista não pode precisar
quanto existe em estoque e quanto seus concorrentes ofertarão. Assim, cada capitalista procura
tirar vantagem de situações favoráveis, fato que leva à saturação do mercado. No começo, essas
crises se limitavam a alguns ramos, mas à medida em que a centralização de capitais foi se
generalizando em todos os ramos, essas crises parciais foram se tornando crises recorrentes68:
Essas crises reaparecem a cada cinco anos após um breve período de prosperidade; o
mercado doméstico, assim como os mercados externos, fica saturado de produtos
ingleses, que não podem ser absorvidos senão muito lentamente; o movimento
industrial estanca em quase todos os ramos.69
Por esta razão, defendemos que os modos de produção devam atender à função social
de promover desenvolvimento social global e se atinar para a diminuição de desigualdades ao
invés de trabalhar o acúmulo de capital como fim em si mesmo.
68
CIPOLLA, Francisco Paulo. A evolução da teoria da crise de superprodução na obra econômica de Marx. Crítica
Marxista, São Paulo, Brasiliense, n. 37. pp. 67-90, out. 2013. Disponível em: <
https://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/artigo298Artigo4.pdf>. Acesso em: 05 jul.
2017.
69
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Collected Works. New York: International Publishers, 1975, v.4. p. 382. (A
condição da classe trabalhadora na Inglaterra)
40
4. LIBERALISMO IGUALITÁRIO
O debate em torno do liberalismo ganha nova dimensão em 1971, quando John Rawls
publica Uma Teoria da Justiça e defende a adoção da justiça como equidade enquanto norte da
estrutura básica da sociedade. Ao tratar da justiça social ou distributiva e do pluralismo de
valores, visa um ideal positivo que possibilite condições socioeconômicas para que os
indivíduos desfrutem efetivamente dos benefícios de uma sociedade cooperativa, na qual
ninguém possa auferir benefício que piore a situação dos que já estão em uma situação
inferior.
Na vertente contratualista, Rawls, inova tentando conciliar dois conceitos dificilmente
compatíveis: liberdade individual e justiça social (ou distributiva). Trazendo ao debate uma
nova perspectiva para avaliarmos as instituições sociais onde uma sociedade bem ordenada
compartilha de uma concepção pública de justiça que regule sua estrutura básica.
Podemos dividir a teoria rawlsiana em três partes. Na primeira, Rawls defende a ideia
de “justiça como equidade” (justice as fairness) e argumenta sobre os princípios de justiça que
seriam escolhidos pelos indivíduos na “posição original” (situação em que desconhecem qual
“papel” assumiriam na sociedade, isto é, suas características físicas, psíquicas, intelectuais e
socioeconômicas). Na segunda parte, disserta sobre a necessidade da democracia constitucional
como pano de fundo que possibilite a aplicação das ideias apresentadas na primeira parte. Na
terceira, estabelece uma relação entre a teoria da justiça, os valores da sociedade e o bem
comum.
Frequentemente se pensa que a fórmula clássica segundo a qual o objetivo das normas
de conduta justa é atribuir a cada um o que lhe é devido (suum cuique íribuere)
significa que o direito por si mesmo atribui a cada indivíduo determinadas coisas.
Obviamente isso não é verdade. O direito simplesmente fornece normas pelas quais é
possível averiguar, a partir de fatos particulares, a quem pertencem determinadas
coisas. Não tem por objetivo estipular as pessoas a quem deverão pertencer coisas
específicas; pretende apenas tornar possível averiguar os limites que foram fixados
pelas ações praticadas pelos indivíduos no âmbito demarcado pelas normas jurídicas,
mas que, em seus conteúdos particulares, resultam de muitas outras circunstâncias.
Tampouco se deve considerar, como às vezes ocorre, que a fórmula clássica se refere
à chamada 'justiça distributiva' ou que visa a uma condição ou distribuição de bens
que, independentemente de como tenha sido produzida, pode ser qualificada de justa
ou injusta. O objetivo das normas jurídicas é simplesmente impedir tanto quanto
70
HAYEK, Friedrich August von. Direito, legislação e liberdade: uma nova formulação dos princípios liberais de
justiça e economia política. Vol. II A Miragem da Justiça Social. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Editora
Visão: São Paulo, 1985. p. 97.
42
possível, traçando limites, que as ações de diferentes indivíduos interfiram umas nas
outras; elas por si mesmas não podem determinar o resultado que diferentes
indivíduos obterão, e portanto tampouco o podem ter por objeto. 71
A esse tipo de pensamento Hayek chama “primitivo” porque tende a considerar que
processos regulares que são resultados da ordem espontânea do mercado sejam interpretados
como se fossem dirigidos por uma mente racional, ou como se os benefícios ou os danos
particulares que pessoas diversas recebiam dessa ordem fossem determinados por atos de
vontade e, portanto, pudessem ser guiados por regras morais. Ou seja, seria um erro primitivo
aplicar regras éticas que interfiram nos resultados do mercado econômico. Isso aponta para uma
distinção crucial entre a posição ética e política do neoliberalismo econômico e as teorias de
justiça do igualitarismo político que sustentam princípios políticos que possuem uma
formalidade ética razoavelmente impeditiva para práticas de injustiça.
Para Hayek, conceber a “justiça social” como resultante de um processo que ordena a si
próprio é, pois, um “sinal da nossa imaturidade” uma vez que tentamos “adaptar os preceitos
morais que os homens desenvolveram como orientação de suas ações individuais” para algo
que extrapola a esfera da liberdade individual.72 Portanto, associar explicitamente “justiça
social e distributiva”73 ao “tratamento” que a sociedade dá aos indivíduos, evidencia, com muito
mais clareza, a diferença para a “simples justiça” (que é a garantia das liberdades individuais)
e, ao mesmo tempo, leva à vagueza do conceito. A exigência de “justiça social” não é
endereçada ao indivíduo, mas à sociedade – assim, a sociedade em sentido restrito (ou seja,
distinta do aparato governamental) fica incapaz de agir por um objetivo específico; logo a
exigência de “justiça social” torna-se um pretexto imposto aos membros da sociedade para que
se organizem de modo a poder atribuir cotas específicas da produção social aos vários
indivíduos ou grupos.
71
HAYEK, Friedrich August von. Direito, legislação e liberdade: uma nova formulação dos princípios liberais de
justiça e economia política. Vol. I Normas e Ordem. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Editora Visão:
São Paulo, 1985. p. 244.
72
HAYEK, Friedrich August von. Direito, legislação e liberdade: uma nova formulação dos princípios liberais de
justiça e economia política. Vol. I Normas e Ordem. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Editora Visão:
São Paulo, 1985. p. 231.
73
Hayek atribui a Stuart Mill o uso da expressão “justiça social” como sinônimo de “justiça distributiva” e acusa
John Rawls, referencial maior do liberalismo político igualitarista, que exerceu enorme influência em Amartya
Sen, de fazer o mesmo. Mill denomina de “justiça social” ou “justiça distributiva” o tratamento igualitário a todos
os indivíduos que o merecem, e para o bom sucesso deste “tratamento igualitário”, na leitura que Hayek faz de
Stuart Mill, a sociedade deveria convergir os esforços de todos os cidadãos virtuosos. HAYEK, Friedrich August
von. Direito, legislação e liberdade: uma nova formulação dos princípios liberais de justiça e economia política.
Vol. II A Miragem da Justiça Social. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Editora Visão: São Paulo, 1985.
p. 97.
43
74
HAYEK, Friedrich August von. Direito, legislação e liberdade: uma nova formulação dos princípios liberais de
justiça e economia política. Vol. II A Miragem da Justiça Social. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Editora
Visão: São Paulo, 1985. p. 98.
75
Ibid. p. 99.
76
Ibid. p. 101.
44
77
Ibid.
78
Ibid.
79
Ibid. p. 102
80
Ibid.
81
Ibid.
45
Hayek expressa seu desejo de ver a “justiça social” reconhecida como um fogo fátuo 82,
que levou os homens a abandonar muitos dos valores que, no passado, promoveram o
desenvolvimento da civilização – “justiça social” é uma tentativa de satisfazer um anseio
herdado das tradições do pequeno grupo, que é, no entanto, desprovida de significado na Grande
Sociedade de homens livres83. O equivocado desejo por “justiça social ou distributiva”, que se
tornou um dos vínculos mais fortes que incita as pessoas de boa vontade à ação, seria não apenas
frustrante, mas, como a maior parte das tentativas para alcançar uma meta – inacessível. O
esforço em favor da “justiça social” também produziria, inevitavelmente, outras consequências
indesejadas e, sobretudo, levaria à destruição daquele ambiente que é indispensável para o
desenvolvimento dos valores morais tradicionais, ou seja, a liberdade pessoal84.
Hayek estabelece uma distinção entre dois problemas diferentes que emergem de uma
ordem de mercado onde há exigências de “justiça social”. (i) O primeiro é visualizar, de modo
criterioso, se há, dentro de uma ordem econômica baseada no mercado, no conceito de “justiça
social”, um significado ou, apenas, um conteúdo qualquer. (ii) O segundo é estabelecer se é
possível manter uma ordem de mercado consoante à imposição (em nome da “justiça social”
ou de qualquer outro pretexto) de um modelo de remuneração baseado numa avaliação dos
resultados e nas necessidades dos vários indivíduos ou grupos por parte de uma autoridade que
tenha o poder de fazer com que esse modelo seja aplicado.85
A resposta de Hayek a cada uma dessas questões é negativa. Todavia, acrescenta ele, a
crença errônea e já comum da validade do conceito de “justiça social” leva todas as sociedades
contemporâneas a esforços cada vez maiores do segundo tipo onde surge uma tendência
particular a auto aceleração: quanto mais se verifica que a posição dos indivíduos ou grupos se
torna dependente das ações do governo, tanto mais eles insistirão em que os governos visem a
algum esquema reconhecível de justiça distributiva 86. Quanto mais aqueles que governam
buscam realizar modelos predeterminados de distribuição desejável, tanto mais eles devem
sujeitar ao próprio controle a posição dos vários indivíduos ou grupos. Enquanto o credo na
“justiça social” governar a ação política, esse processo deverá conduzir progressivamente a um
sistema totalitário.
Hayek argumenta que, antes de tudo, devemos nos concentrar no problema da falta de
significado da expressão “justiça social”, e somente mais adiante considerar os efeitos que os
82
Ibid. p. 136.
83
Ibid. p. 103.
84
Ibid. p. 112.
85
Ibid. p. 103-104
86
Ibid. p. 104.
46
esforços envidados para impor um modelo qualquer de distribuição predeterminado devem ter
sobre a estrutura da sociedade. A opinião de que, numa sociedade de homens livres (distinta de
toda organização obrigatória), o conceito de justiça social é vazio e sem sentido parecerá
totalmente inacreditável para a maior parte das pessoas. Por acaso não é perturbador ver que a
vida trata injustamente tantas pessoas, ver sofrer as que são merecedoras e prosperar as que são
indignas? E será que não se tem a sensação de que as coisas são apropriadas, bem como um
sentimento de satisfação, quando se reconhece que uma determinada recompensa corresponde
a um esforço ou a um sacrifício?
Aquilo que, desde a primeira abordagem, deveria enfraquecer essa certeza é o fato de
termos os mesmos sentimentos inclusive em relação às diferenças que ocorrem entre os vários
destinos do homem na vida socioeconômica, para os quais, obviamente, não há nenhum agente
humano responsável, e que, portanto, seria absurdo definir como injustos. Apesar disso,
protesta-se contra a injustiça quando uma série de calamidades atinge uma família, enquanto
outra prospera, ou quando um esforço merecedor é frustrado por um incidente imprevisível e,
particularmente, se dentre tantas pessoas, cujos esforços parecem da mesma importância,
algumas têm um brilhante êxito enquanto outras, um completo fracasso. Esse ponto é
extremamente contrastante com a abordagem de Amartya Sen. Os dois pensadores
possuem perspectivas fortemente antagônicas quando tratam especificamente destes itens que
envolvem sucesso e fracasso não merecidos.
Para Hayek, assim como é trágico assistir ao fracasso dos esforços mais merecedores
dos pais para criar os próprios filhos, ou de jovens para construir a própria carreira, ou de um
explorador ou de um cientista na tentativa de realizar uma ideia brilhante - e se protesta diante
de semelhante destino, embora não se conheça o culpado e não seja possível evitar tais
desilusões - assim também ocorre em relação ao sentimento geral de injustiça no caso da
distribuição de bens materiais numa sociedade de homens livres87. Mesmo que, nesse caso, não
estejamos tão prontos para admiti-lo,
nossas queixas de que o resultado do mercado é injusto não implicam realmente que
alguém tenha sido injusto; e não há resposta para a questão de saber quem foi injusto.
A sociedade simplesmente tornou-se a nova deusa a quem nos queixamos e clamamos
por reparação, se ela não satisfaz as expectativas que criou. Não há um indivíduo nem
um grupo organizado de pessoas contra os quais o sofredor teria uma queixa justa, e
não há normas concebíveis de conduta individual justa capazes, ao mesmo tempo, de
assegurar uma ordem viável e de evitar tais frustrações. 88
87
Ibid. p. 105.
88
Ibid.
47
Segundo o autor, a única acusação implícita nessas queixas é que toleramos um sistema
em que a cada um é permitido escolher a própria ocupação, e, portanto, ninguém pode ter o
poder e o dever de verificar que os resultados correspondem aos nossos desejos:
Num tal sistema, em que todos têm o direito de usar seu conhecimento com vistas a
seus propósitos, o conceito de 'justiça social' é necessariamente vazio e sem
significado porque nele nenhuma vontade é capaz de determinar as rendas relativas
das diferentes pessoas ou impedir que elas dependam, em parte, do acaso.89
Portanto, para Hayek, pode-se dar um significado à expressão “justiça social” somente
no caso de uma economia administrada ou submetida a “comandos” (como no exército), em
que se ordena aos indivíduos o que devem fazer. Uma concepção qualquer de “justiça social”
só pode ser realizada num sistema centralizado desse tipo. Tudo isso pressupõe que as pessoas
sejam orientadas por ordens específicas, e não por normas de mera conduta individual. Assim,
nenhum sistema de normas de mera conduta individual e, portanto, nenhuma ação livre dos
indivíduos poderia produzir resultados que correspondessem a qualquer princípio de justiça
distributiva.90
Hayek, como mestre do pensamento político neoliberal, afirma que não é incorreta a
percepção segundo a qual os efeitos dos processos de uma sociedade livre sobre os destinos dos
indivíduos não são distribuídos conforme princípios de justiça que possam ser individualizados.
No entanto, seria incorreto se, a partir disso, concluíssemos que são injustos e que alguém deve
ser criticado por isso. Para ele, numa sociedade livre na qual a posição dos vários indivíduos e
grupos não é o resultado da vontade consciente de ninguém (ou não poderia ser alterada de
acordo com um princípio genericamente aplicável) as diferenças de remuneração não podem
ser significativamente definidas como justas ou injustas. E conclui que, embora haja muitos
tipos de ações individuais que visam a condicionar remunerações específicas e que poderiam
ser definidos como justos ou injustos, não existem princípios de conduta individual capazes de
produzir um modelo de distribuição que, como tal, pudesse ser definido como justo, tampouco
alguma possibilidade para que o indivíduo soubesse o que deveria fazer para garantir a justa
remuneração dos seus semelhantes.
Entretanto, das premissas de que não existem princípios de conduta individual capazes
de produzir um modelo justo de distribuição e de que não existe possibilidade de que o
indivíduo soubesse o que deveria fazer para garantir a justa remuneração dos seus semelhantes,
89
Ibid.
90
Ibid.
48
não decorre que não se deve buscar a justiça social ou distributiva. Hayek parece incorrer em
uma argumentação em Reductio ad Absurdum, isto é, tenta inferir de uma conclusão que, para
ele, é inaceitável um esquema argumentativo formal que independe da plausibilidade do
conteúdo de suas premissas.
Isso porque, Hayek, ao entender a justiça como um conceito moral, uma forma de
garantia das liberdades individuais, e ao reduzir o sentido do Direito, ao defini-lo como meio
pelo qual é possível averiguar-se a quem pertence determinadas coisas e que objetiva, apenas,
impedir que as ações de determinados indivíduos interfiram umas nas outras, assume uma visão
de que o direito apenas tem validade enquanto ferramenta de manutenção de um status quo
ante, o que, em nosso entender, não é plausível.
Se os benefícios ou danos particulares que as pessoas recebem do mercado fossem
determinadas por atos de vontade, o mercado seria injusto no sentido moral, o que nos levaria
a uma imputação de condutas individuas decorrentes de costumes sociais. Entretanto, os
princípios de conduta individual capazes de produzir um modelo justo de distribuição não
decorrem da moral, mas do direito, mesmo que haja uma lacuna entre o positivado e o de fato
praticado. Também as desigualdades provenientes da ordem mercadológica são injustas do
ponto de vista jurídico, não moral.
O assento constitucional do dever de promover justiça distributiva não decorre de nossa
imaturidade política, mas de um amadurecimento histórico capaz de sentir e observar um
tratamento desumano conferido a determinados tipos de humanos – que tiveram sua vida, sua
saúde, sua liberdade e sua dignidade violadas por interesses puramente econômicos – que foi
positivado para que isso não mais ocorresse. Assim, o objetivo da “justiça social” não é
simplesmente atribuir cotas da produção social a vários indivíduos ou grupos, mas promover
igualdade e a dignidade, não em sentido moral, mas em sentido jurídico, como sinal de nossa
maturidade evolutiva do humano para com o humano, de forma que um justo modelo de
distribuição, que informa princípios individuas de condutas justas, só poderá advir validamente
de um ordenamento jurídico, e só poderá evoluir, validamente, em comparações objetivas entre
os sucessivos diplomas jurídicos que os informam.
49
91
CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira. 1997. p. 629.
92
Trabalhadores “pejotizados” são aqueles que são obrigados pelas empresas a criarem uma pessoa jurídica para
efetuar prestação laboral, mesmo que todos requisitos para o reconhecimento de vínculo de emprego estejam
presentes. Desse modo, trata-se de uma fraude com o intuito de burlar o adimplemento de direitos trabalhistas
relacionados à relação de emprego, em que os trabalhadores são coagidos a criar uma pessoa jurídica.
93
URIARTE, Oscar Ermida. A Flexibilização no Direito do Trabalho - A Experiência Latino-Americana. In:
TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO (Org.). Flexibilização no direito do trabalho. 2. ed. São Paulo: IOB
Thomson, 2004. p. 217-252.
50
94
SILVA, Antônio Álvares da – Flexibilização das relações de trabalho – São Paulo: Ltr, 2002. p. 55.
51
viu satisfeito com estes instrumentos flexibilizadores e quis aumentá-los, sob aquele falacioso
pretexto de retomada do crescimento econômico e geração de empregos. Assim, enviou um
Projeto de Lei, de número 6.787/2016 ao Congresso Nacional, que pretendia diminuir o patamar
mínimo existencial dos trabalhadores. Este projeto ficou conhecido como Reforma Trabalhista,
hoje convertido na Lei 13.467/2017.
Ao falarmos aqui sobre reforma trabalhista estamos nos referindo àquele projeto de lei
de nº 6.787/2016, de inciativa do executivo, que se converteu na Lei 13.467/2017, sancionada
pelo presidente Michel Temer, aos 13 dias de julho de 2017, com vacatio legis de 120 dias,
contada do dia 14 de julho de 2017, data de sua publicação no Diário Oficial da União (DOU
Seção I - pág. 00001 e 00007), que traz diversas alterações à CLT.
De início, cumpre salientar que a supracitada lei carrega consigo vícios insanáveis de
inconstitucionalidade, formal e material, que serão adiante discutidos. Do ponto de vista
material, a novel legislação ofende o princípio constitucional da vedação do retrocesso, em que
não pode ser considerada juridicamente válida norma tendente a reduzir as dimensões dos
direitos sociais. Sendo os direitos trabalhistas direitos sociais, não pode ser considerada válida
a supramencionada legislação, seja pela interpretação usual do princípio, na qual o conjunto
normativo trazido pela lei 13.467/2017 é, em geral, prejudicial aos trabalhadores em relação à
CLT, seja na interpretação mais generalizada que demos a ele, na qual a ofensa mínima a
direitos sociais maculam de inconstitucionalidade uma determinada norma.
Ademais, a novel legislação fere princípios específicos do Direito do Trabalho como
como o princípio da proteção, da norma mais favorável e da hipossuficiência do empregado
frente ao empregador.
Nada obstante, há também violações formais ao processo legislativo, especialmente no
concerne às seguintes normas constitucionais:
No que concerne ao art. 64, não houve requerimento de urgência feito pelo presidente
no projeto de lei, que iniciou-se na Câmara dos Deputados em 23/12/2016. Entretanto, a
tramitação em regime de urgência foi apresentada em plenário, em 18/04/2017, por 21
deputados, com base no art. 15596 do regimento interno daquela casa.
Um projeto de lei pode tramitar de forma urgente de duas maneiras: ou nos termos do
art. 151 do Regimento da Câmara dos Deputados, o que não era possível, pois não se
enquadrava nas hipóteses de cabimento, que estão dispostas no capítulo IV, inciso I do
supracitado artigo. Havendo determinação expressa no inciso II, alínea “a”, do artigo 151 que,
quanto à natureza de tramitação, são, os projetos de iniciativa do Poder Executivo, prioritários.
Ou por requerimento de urgência (artigo 153 e seguintes do regimento) aprovado pelo plenário.
Como dissemos, aos 18 dias de abril de 2017, tal requerimento foi apresentado em
plenário e rejeitado por 230 votos contra 163 votos contrários à rejeição e uma abstenção,
totalizando 394 votos.
Entretanto, um dia após a rejeição, aos 19 dias de abril do mesmo ano, em uma manobra
ilegal efetuada pelo presidente da Câmara Rodrigo Maia, que ademais segurou a sessão por
mais de duas horas para obter quórum, o Requerimento de Urgência foi novamente apresentado
e apreciado, sendo aprovado por 287 votos a favor, 30 a mais que o mínimo necessário, contra
144 votos contrários, em frontal violação ao processo legislativo.
Na sequência, Comissão Especial destinada a avaliar o então Projeto de Lei nº 6787,
deu parecer pela constitucionalidade, pela juridicidade e pela boa técnica legislativa do projeto.
Justificando que o projeto “visava aprimorar as relações do trabalho no Brasil, por meio da
valorização da negociação coletiva entre trabalhadores e empregadores, atualizar os
mecanismos de combate à informalidade da mão-de-obra no país. ” 97 Aprovada a redação final
no dia 26 de abril de 2017, o projeto foi remetido ao Senado Federal que não aprovou nenhuma
95
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, 5 out. 1988.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 27 jun. 2017.
96
Art. 155. Poderá ser incluída automaticamente na Ordem do Dia para discussão e votação imediata, ainda que
iniciada a sessão em que for apresentada, proposição que verse sobre matéria de relevante e inadiável interesse
nacional, a requerimento da maioria absoluta da composição da Câmara, ou de Líderes que representem esse
número, aprovado pela maioria absoluta dos Deputados, sem a restrição contida no § 2º do artigo antecedente.
97
Relatório da Comissão Especial destinada a proferir parecer ao Projeto de Lei nº 6.787, de 2016, do Poder
Executivo, que “altera o Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 – Consolidação das Leis do Trabalho, e a Lei
nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974, para dispor sobre eleições de representantes dos trabalhadores no local de
trabalho e sobre trabalho temporário, e dá outras providências”. p. 2. Disponível em: <
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1544961&filename=Tramitacao-
PL+6787/2016>. Acesso em: 16/07/2017.
53
emenda, já que, para evitar mudanças, o Planalto comprometeu-se a editar uma medida
provisória com as modificações na legislação trabalhista sugeridas pelos senadores, o que nos
parece nova violação constitucional ao sistema de freios e contrapesos (Checks and Balances)
O Ministério Público do Trabalho, em documento assinado pelo seu Procurador Geral,
Ronaldo Fleury, aponta algumas outras questões que tornam a norma materialmente
inconstitucional.
Segundo a posição do MPT,
1-
Art. 2º - §2º: Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas,
personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de
outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo
econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da
relação de emprego. § 3º Não caracteriza grupo econômico a mera identidade de
sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse
98
Nota técnica nº 1, de 23 de janeiro de 2017, da Secretaria de Relações Institucionais do Ministério Público do
Trabalho (MPT). Disponível em: < http://portal.mpt.mp.br/wps/wcm/connect/portal_mpt/894c860b-46fc-4d9b-
9854-41de3a8683af/Nota+T%C3%A9cnica+n%C2%BA+1-2017+-+PLS+218-2016+-
+Jornada+Intermitente.pdf?MOD=AJPERES&attachment=true&id=1485293121151>. Acesso em: 17 de julho de
2017.
54
2-
Art. 4º ................................................................
§ 1º Computar-se-ão, na contagem de tempo de serviço, para efeito de indenização e
estabilidade, os períodos em que o empregado estiver afastado do trabalho prestando
serviço militar e por motivo de acidente do trabalho.
§ 2º Por não se considerar tempo à disposição do empregador, não será computado
como período extraordinário o que exceder a jornada normal, ainda que ultrapasse o
limite de cinco minutos previsto no § 1º do art. 58 desta Consolidação, quando o
empregado, por escolha própria, buscar proteção pessoal, em caso de insegurança nas
vias públicas ou más condições climáticas, bem como adentrar ou permanecer nas
dependências da empresa para exercer atividades particulares, entre outras:
I - práticas religiosas;
II - descanso;
III - lazer;
IV - estudo;
V - alimentação;
VI - atividades de relacionamento social;
99
BRASIL. Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017. Diário Oficial da União, 14 jul. 2017. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13467.htm>. Acesso em: 17 jun. 2017.
55
No caso do art. 4º, a redação anterior do parágrafo único foi transportada para o § 1º e a
redação do § 2º traz uma exceção ao caput do art. 4º, que assevera:
Até então, era pacífico que o tempo que excedesse os 5 minutos consignados no § 1º do
art. 58 da CLT seria considerado tempo à disposição, denominados minutos residuais. A
redação conferida ao § 2º, em leitura combinada com o caput, informa que as disposições
especiais expressamente consignadas, que excluem a presunção de tempo à disposição, devem
ser as do supracitado parágrafo. Como o ônus probandi é do empregador, já que o art. 4º
estabeleceu uma presunção relativa de tempo à disposição, exceto no caso da alimentação,
higiene pessoal e troca de roupa, que de fato são incisos em prejuízo do empregado, na prática
será forçoso concluir que nas demais hipóteses, o empregado permanece na empresa por
vontade própria, senão por imposição explícita ou implícita do empregador.
Questões relevantes surgirão no que tange ao acidente de trabalho. Parece-nos que o
empregador estaria isento de responsabilidade em um acidente que ocorresse na empresa
enquanto o empregado está em sua circunscrição, mas não está à disposição do empregador. Já
quanto à possibilidade de o empregador chamar o empregado, que está na empresa, mas não
está à disposição, a serviço por necessidade excepcional, segundo a sistemática da reforma,
seria possível. Em todo o caso, acreditamos que se o empregado é forçado a continuar
uniformizado, podendo ser chamado a serviço, deve-se criar uma presunção de tempo à
disposição, com base no princípio da proteção, mesmo que na prática ele nunca tenha sido
chamado.
3-
Art. 8º .................................................................
§ 1º O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho.
§ 2º Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior
do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos
legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei.
100
Ibid.
101
BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452 de 01 de maio de 1943. Diário Oficial da União, 09 ago. 1943. Disponível em:
< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 17 jun. 2017.
56
No caso do art. 8º, o caput permanece com a redação original, dispondo que:
O antigo parágrafo único, foi transportado para o § 1º, com a supressão da expressão
“naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste”104.
No entanto, normas gerais do direito comum não podem prevalecer sobre as normas
especiais do Direito do Trabalho e, os princípios são, como as regras, normas jurídicas.
Contudo, a nova redação revela o escuso interesse de diminuir-se a importância do Direito do
Trabalho, especialmente quando lidos os demais parágrafos.
O parágrafo 2º, em latente inconstitucionalidade, retira por completo a função das
súmulas, que deveriam servir para uniformizar a jurisprudência dos tribunais e dar interpretação
constitucional aos artigos. A própria redação do parágrafo é contraditória, uma vez que
determina que a súmula não poderia ser usada para restringir direitos (o que seria ótimo para o
empregado), mas, na sequência, estabelece que não pode criar obrigação não prevista em lei.
Parece uma tentativa malfeita de aplicação da pirâmide kelsiana no Direito do Trabalho, pois,
se a súmula é uma orientação interpretativa, ela necessariamente criará uma obrigação que
poderia não se depreender da redação da lei (texto legal). O legislador parece não saber
exatamente a diferença entre a redação de um artigo e a norma que dela se extrai.
Por fim, a redação do § 3º parece querer afastar o princípio da hipossuficiência. A
alteração do parágrafo 3º é inconstitucional e bem mais complexa, pois ao tentar estabelecer
como único parâmetro de validade da negociação coletiva os requisitos do Direito Civil, este
dispositivo legitima a negociação coletiva flexibilizadora, que não é pautada em valores éticos
e não é compatível com a realidade assimétrica das partes no Direito do Trabalho. Desse modo,
102
BRASIL. Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017. Diário Oficial da União, 14 jul. 2017. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13467.htm>. Acesso em: 17 jun. 2017.
103
Ibid.
104
BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452 de 01 de maio de 1943. Diário Oficial da União, 09 ago. 1943. Disponível em:
< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 17 jun. 2017.
57
4-
Art. 10-A. O sócio retirante responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas
da sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, somente em ações
ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, observada a
seguinte ordem de preferência:
I - a empresa devedora;
II - os sócios atuais; e
III - os sócios retirantes.
Parágrafo único. O sócio retirante responderá solidariamente com os demais quando
ficar comprovada fraude na alteração societária decorrente da modificação do
contrato. Faltou referência bibliográfica
Art. 11. A pretensão quanto a créditos resultantes das relações de trabalho prescreve
em cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a
extinção do contrato de trabalho.
I - (revogado);
II - (revogado). 105
105
BRASIL. Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017. Diário Oficial da União, 14 jul. 2017. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13467.htm>. Acesso em: 17 jun. 2017.
106
Cf. BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região. Agravo de Petição n.50080.006/00.0. Quarta
Turma. Juiz Hugo Carlos Scheuermann, julgado em 20.06.2001. Disponível na Internet: https://www.trt4.gov.br.
Acesso em: 05 de maio de 2007.
107
BRASIL. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União, 11 jan. 2002. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 17 jun. 2017.
58
5-
Houve ainda a inserção dos parágrafos 2º e 3º no artigo 11, estabelecendo que os pedidos
que envolvam prestações sucessivas, não decorrentes da lei, relativas a alteração ou
descumprimento do que foi pactuado, prescrevem integralmente. Ou seja, o início da prescrição
não corre de cada parcela, mas da primeira que foi alterada ou descumprida. Este era o
entendimento do TST, súmula 294, em prejuízo do trabalhador, agora, positivado.
O artigo 11-A, por sua vez, foi inserido para pôr fim a uma polêmica gigantesca – a
suposta contradição entre a súmula 114109 do TST e a súmula 327110 do STF. O atual
entendimento do TST é de que não há prescrição intercorrente (prescrição que ocorre durante
o curso do processo judicial) no Direito do Trabalho, exceto quando a execução é paralisada
por omissão ou descaso da própria parte interessada. Entretanto, havendo prescrição
intercorrente, a matéria era regida pela Súmula 150 do STF, que dizia “prescreve a execução
108
BRASIL. Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017. Diário Oficial da União, 14 jul. 2017. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13467.htm>. Acesso em: 17 jun. 2017.
109
Súmula nº 114 do TST. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003.
É inaplicável na Justiça do Trabalho a prescrição intercorrente.
110
Súmula nº 327 do STF. TRABALHISTA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. ADMISSIBILIDADE NO
DIREITO TRABALHISTA. CLT, arts. 11, 765 e 791. O direito trabalhista admite a prescrição intercorrente.
59
no mesmo prazo de prescrição da ação”, ou seja, se ação foi ajuizada no curso do contrato de
trabalho ou emprego, 5 anos, se fosse ajuizada findo o contrato, 2 anos (art. 7º, XXIX, da
CRFB). A nova regra fixa prazo único de 2 anos e o § 1º estabelece o marco da fluência do
prazo, o que representa mais um retrocesso social para o trabalhador.
6-
Art. 47. O empregador que mantiver empregado não registrado nos termos do art. 41
desta Consolidação ficará sujeito a multa no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) por
empregado não registrado, acrescido de igual valor em cada reincidência. § 1º
Especificamente quanto à infração a que se refere o caput deste artigo, o valor final
da multa aplicada será de R$ 800,00 (oitocentos reais) por empregado não registrado,
quando se tratar de microempresa ou empresa de pequeno porte. § 2º A infração de
que trata o caput deste artigo constitui exceção ao critério da dupla visita. 111
A multa que hoje é de um salário mínimo por empregado, acrescido de igual valor para
cada reincidência, sobe para R$ 3.000,00 por empregado, acrescido de igual valor em cada
reincidência, exceto para a microempresa e empresa de pequeno porte, para quem o valor
estabelecido é de R$ 800,00. Excepcionou-se também o critério da dupla visita, inclusive para
a primeira visita nos estabelecimentos ou dos locais de trabalho, recentemente inaugurados ou
empreendidos para esta infração. Entretanto, a redação aprovada é prejudicial em relação à
redação original do projeto: A penalidade prevista no projeto original era de R$6.000,00, valor
obtido após profundos estudos apresentados pelos representantes do Ministério do Trabalho e
Emprego.
7-
Art. 47-A. Na hipótese de não serem informados os dados a que se refere o parágrafo
único do art. 41 desta Consolidação, o empregador ficará sujeito à multa de R$ 600,00
(seiscentos reais) por empregado prejudicado.112
Esta norma estava contida no parágrafo único do art. 47 da CLT, a multa anterior era de
meio salário mínimo, dobrado na reincidência, ou seja, houve leve aumento da penalidade para
a primeira infração e um abrandamento em relação à reincidência, que não contempla a dobra.
8-
Art. 58. ................................................................
§ 2º O tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva
ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio
111
BRASIL. Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017. Diário Oficial da União, 14 jul. 2017. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13467.htm>. Acesso em: 17 jun. 2017.
112
Ibid.
60
O tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por
qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de trabalho, salvo
quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte
público, o empregador fornecer a condução.114
Com a redação atual, mesmo que o empregador forneça a condução, não se considera o
deslocamento como tempo à disposição (norma obviamente prejudicial).
9-
Art. 58-A. Considera-se trabalho em regime de tempo parcial aquele cuja duração
não exceda a trinta horas semanais, sem a possibilidade de horas suplementares
semanais, ou, ainda, aquele cuja duração não exceda a vinte e seis horas semanais,
com a possibilidade de acréscimo de até seis horas suplementares semanais. § 3º As
horas suplementares à duração do trabalho semanal normal serão pagas com o
acréscimo de 50% (cinquenta por cento) sobre o salário-hora normal. § 4º Na hipótese
de o contrato de trabalho em regime de tempo parcial ser estabelecido em número
inferior a vinte e seis horas semanais, as horas suplementares a este quantitativo serão
consideradas horas extras para fins do pagamento estipulado no § 3º , estando
também limitadas a seis horas suplementares semanais. § 5º As horas suplementares
da jornada de trabalho normal poderão ser compensadas diretamente até a semana
imediatamente posterior à da sua execução, devendo ser feita a sua quitação na folha
de pagamento do mês subsequente, caso não sejam compensadas. § 6º É facultado ao
empregado contratado sob regime de tempo parcial converter um terço do período de
férias a que tiver direito em abono pecuniário. § 7º As férias do regime de tempo
parcial são regidas pelo disposto no art. 130 desta Consolidação.115
Atualmente o trabalho a tempo parcial é aquele que não excede 25 horas semanais (art.
58-A, caput, CLT). A Reforma aumenta este teto para 30 horas, sem a possibilidade de horas
extraordinárias ou 26 horas com eventual exigência de até 6 horas extraordinárias, que serão
acrescidas em 50% sobre o salário-hora normal, consolidando a expansão precária de contratos
atípicos, que são mais vulneráveis em termos de proteção social.
Interessante a observação da Professora Vólia Bonfim: “A autorização de trabalho extra
de até 6 horas por semana pode, na prática, permitir que um empregado trabalhe 8 horas + 6
113
Ibid.
114
BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452 de 01 de maio de 1943. Diário Oficial da União, 09 ago. 1943. Disponível em:
< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 17 jun. 2017. Grifos nossos.
115
BRASIL. Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017. Diário Oficial da União, 14 jul. 2017. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13467.htm>. Acesso em: 17 jun. 2017.
61
horas em um único dia. É comum garçons contratados para trabalharem apenas sábados e
domingos, sendo o sábado o dia mais intenso. Imaginem, então, um garçom contratado para 16
horas semanais. No sábado ele poderia trabalhar 8 horas mais 6horas extras = 14 horas? A
medida é absurda, pois leva à exaustão. Daí a necessidade de que se limite ao máximo de 2
horas extras ao dia”.116
O bizarro parágrafo 5º autoriza, ainda, a compensação das horas extras no contrato a
tempo parcial. Transformando o supracitado artigo em um completo instituto jurídico
flexibilizador, que impõe jornadas mais longas aos empregados, prejudicando a saúde do
obreiro e seus projetos de vida. O parágrafo 6º autoriza o empregado a vender 1/3 de suas férias,
o que era permitido apenas ao empregado de tempo integral e o parágrafo 7º é uma inovação
mais benéfica que equipara os períodos de férias ao do empregado por tempo integral.
10-
Art. 59. A duração diária do trabalho poderá ser acrescida de horas extras, em número
não excedente de duas, por acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo
de trabalho. § 1º A remuneração da hora extra será, pelo menos, 50% (cinquenta por
cento) superior à da hora normal.§ 3º Na hipótese de rescisão do contrato de trabalho
sem que tenha havido a compensação integral da jornada extraordinária, na forma dos
§§ 2º e 5º deste artigo, o trabalhador terá direito ao pagamento das horas extras não
compensadas, calculadas sobre o valor da remuneração na data da rescisão. § 4º
(Revogado). § 5º O banco de horas de que trata o § 2º deste artigo poderá ser
pactuado por acordo individual escrito, desde que a compensação ocorra no período
máximo de seis meses. § 6º É lícito o regime de compensação de jornada estabelecido
por acordo individual, tácito ou escrito, para a compensação no mesmo mês. 117
No caput do art. 59, há uma mudança na redação para o implemento de horas extras pelo
acordo coletivo de trabalho. Em verdade, a expressão “contrato coletivo” já era interpretada por
parte da doutrina como gênero, que englobava o acordo coletivo e convenção coletiva, ou seja:
a alteração fixou apenas uma atualização na terminologia. No entanto, é importante ressaltar
que a expansão das horas extras é sempre um retrocesso. Horas extras são sempre prejudiciais
à saúde e à vida social do empregado.
Mantido o banco de horas no parágrafo 2º, o parágrafo 3º trouxe apenas mudanças na
redação, já o § 4º, que impedia os empregados a tempo parcial de prestar horas extras, foi
revogado, o que desconfigura a essência do contrato a tempo parcial.
116
BOMFIM, Vólia Cassar. REFORMA TRABALHISTA: COMENTÁRIOS AO SUBSTITUTIVO DO
PROJETO DE LEI 6787/16. Rio de Janeiro: Revista eletônica da OAB. 2017. p. 11. Disponível em: <
http://revistaeletronica.oabrj.org.br/wp-content/uploads/2017/05/V%C3%B3lia-Bomfim-Cassar.pdf>. Acesso
em: 30 de julho de 2017.
117
Ibid.
62
11-
Art. 59-A. Em exceção ao disposto no art. 59 desta Consolidação, é facultado às
partes, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de
trabalho, estabelecer horário de trabalho de doze horas seguidas por trinta e seis horas
ininterruptas de descanso, observados ou indenizados os intervalos para repouso e
alimentação. Parágrafo único. A remuneração mensal pactuada pelo horário previsto
no caput deste artigo abrange os pagamentos devidos pelo descanso semanal
remunerado e pelo descanso em feriados, e serão considerados compensados os
feriados e as prorrogações de trabalho noturno, quando houver, de que tratam o art.
70 e o § 5º do art. 73 desta Consolidação.118
12 -
Art. 59-B. O não atendimento das exigências legais para compensação de jornada,
inclusive quando estabelecida mediante acordo tácito, não implica a repetição do
pagamento das horas excedentes à jornada normal diária se não ultrapassada a duração
máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional.
Parágrafo único. A prestação de horas extras habituais não descaracteriza o acordo
de compensação de jornada e o banco de horas. 119
Basicamente o artigo estabelece que a hora extra exigida em um dia, quando o cômputo
total de horas não excede a jornada máxima semanal do empregado, não deve ser paga duas
vezes. Apenas há o pagamento do adicional referente àquela hora que foi exigida naquele
determinado dia. Ou seja, se a jornada do empregado é, por exemplo 8 horas por dia e 40h
semanais, caso ele trabalhe 9 horas na segunda-feira e 7 horas na sexta-feira, por não se ter
excedido a jornada de 40h semanas só haverá o pagamento de 50% do valor da hora excedida
na segunda-feira e não da hora inteira mais 50%. A súmula 85 do TST já previa este
118
Ibid.
119
Ibid.
63
13-
14-
Art. 61. .................................................................
§ 1º O excesso, nos casos deste artigo, pode ser exigido independentemente de
convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.121
15-
Art. 62. .................................................................
III - os empregados em regime de teletrabalho.122
120
Ibid.
121
Ibid.
122
Ibid.
64
16-
Art. 71. .................................................................
§ 4º A não concessão ou a concessão parcial do intervalo intrajornada mínimo, para
repouso e alimentação, a empregados urbanos e rurais, implica o pagamento, de
natureza indenizatória, apenas do período suprimido, com acréscimo de 50%
(cinquenta por cento) sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho. 123
17-
TÍTULO II
CAPÍTULO II-A
DO TELETRABALHO
Arts. 75-A a 134. 124
O título que trata do teletrabalho em seu artigo 75-D permite que, por ajuste, possam ser
transferidos ao empregado os gastos/riscos com a aquisição e fornecimento de equipamento e
material de trabalho, violando o princípio da alteridade, além da exclusão feita pelo art. 62, III,
das normativas sobre jornada de trabalho o que, na prática, permitirá jornadas de longa duração
sem a corresponde remuneração ao empregado em regime de teletrabalho.
18-
TÍTULO II-A
DO DANO EXTRAPATRIMONIAL
123
Ibid.
124
Ibid.
65
O título sobre o dano extrapatrimonial, se alguns outros podem ser definidos como
bizarros, é, em si, bizarríssimo. A proposta aprovada é inconstitucional. O legislador, aqui,
supondo saber medir a dor do ofendido, cria uma tarifação de sua dor através do artigo 223-G,
§1º, conforme a remuneração do empregado. Logo, se o empregado recebe menos, sua honra e
dignidade também são subalternas. Ressaltamos que o artigo 5º da CRFB de 1988, em seus
incisos V e X, assegura a indenização por dano material e moral sem prever a possibilidade de
qualquer limitação. Ademais, a reforma, ao estabelecer parâmetros para que o juiz avalie a
extensão do dano, retira seu livre convencimento motivado e impede a análise que deve ser feita
no caso concreto sobre a extensão do dano experimentado.
Além disso, o artigo 233-A propõe que o dano extrapatrimonial seja exclusivamente
regulado por esse Título da CLT, o que significa a exclusão das regras da Constituição e do
Código Civil e com isso, a possibilidade de exclusão da responsabilidade objetiva ou a
decorrente da atividade de risco. Além de inconstitucional, porque exclui a aplicação da
Constituição, a medida trata de forma diferente a reparação de danos de natureza civil da
reparação trabalhista.
19-
Art. 394-A. Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de
insalubridade, a empregada deverá ser afastada de: I - atividades consideradas
insalubres em grau máximo, enquanto durar a gestação; II - atividades consideradas
insalubres em grau médio ou mínimo, quando apresentar atestado de saúde, emitido
por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a gestação;
III - atividades consideradas insalubres em qualquer grau, quando apresentar atestado
de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento
durante a lactação. § 1º ...................................................................... § 2º Cabe à
empresa pagar o adicional de insalubridade à gestante ou à lactante, efetivando-se a
compensação, observado o disposto no art. 248 da Constituição Federal, por ocasião
do recolhimento das contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais
rendimentos pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste
serviço.§ 3º Quando não for possível que a gestante ou a lactante afastada nos termos
do caput deste artigo exerça suas atividades em local salubre na empresa, a hipótese
será considerada como gravidez de risco e ensejará a percepção de salário-
maternidade, nos termos da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, durante todo o
período de afastamento.126
A nova redação do art. 394-A, tem pontos positivos para a empregada gestante, como o
não prejuízo à remuneração, mas isto já era garantido por doutrina e jurisprudência, e pontos
negativos, já que se exige atestado de saúde emitido por médico que recomende o afastamento
125
Ibid.
126
Ibid.
66
para atividades insalubres de grau médio e mínimo. Ou seja, o legislador considera que a
gestante, a princípio, pode passar toda a sua gestação exposta a graus médios e mínimos de
insalubridade.
20-
Art. 396. .............................................................
§ 1o .......................................................................
§ 2o Os horários dos descansos previstos no caput deste artigo deverão ser definidos
em acordo individual entre a mulher e o empregador.127
21-
Art. 442-B. A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades
legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de
empregado prevista no art. 3º desta Consolidação. 128
Subversão do princípio da primazia da realidade sobre a forma, o art. 442-B vem criar
a presunção de que a contratação do autônomo afasta a qualidade de empregado, restringindo
legalmente as possibilidades expansivas de subordinação já previstas pela doutrina e
jurisprudência (subordinação reticular, integrativa e estrutural). No entanto, como forma de
resistência a este dispositivo flexibilizatório, o empregado e o magistrado podem sempre alegar
fraude trabalhista prevista pelo art. 9º129 da CLT.
22-
Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou
expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado,
ou para prestação de trabalho intermitente.§ 3º Considera-se como intermitente o
contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é
127
Ibid.
128
Ibid.
129
Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a
aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação. BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452 de 01 de maio de 1943.
Diário Oficial da União, 09 ago. 1943. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/Del5452.htm>. Acesso em: 17 jun. 2017.
67
23-
Art. 444. ...........................................................
Parágrafo único. A livre estipulação a que se refere o caput deste artigo aplica-se às
hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e
preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de
diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes
o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.131
O tema será tratado no tópico do artigo 611-A, que mitiga o princípio da norma mais
favorável e faz preponderar o negociado sobre o legislado. O artigo 444 ressalta que a
disposição é aplicável para o empregado portador de diploma de nível superior e que perceba
salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral
de Previdência Social. Os direitos trabalhistas previstos em lei são indisponíveis, isto é, são
irrenunciáveis e intransacionáveis pela sua característica de direitos fundamentais. O valor do
salário recebido pelo empregado não altera a natureza jurídica do direito. Entender que os
empregados que recebem mais podem livremente dispor sobre os direitos trabalhistas
relacionados no artigo 611-A é negar a vulnerabilidade do trabalhador, que depende do emprego
130
BRASIL. Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017. Diário Oficial da União, 14 jul. 2017. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13467.htm>. Acesso em: 17 jun. 2017.
131
Ibid.
68
para sobreviver e será submetido a qualquer ajuste para manutenção do emprego. O valor do
salário do empregado não exclui a relação de emprego e não diminui a subordinação. O estado
de vulnerabilidade permanece independentemente do valor auferido.
24-
Art. 448-A. Caracterizada a sucessão empresarial ou de empregadores prevista nos
arts. 10 e 448 desta Consolidação, as obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas
à época em que os empregados trabalhavam para a empresa sucedida, são de
responsabilidade do sucessor. Parágrafo único. A empresa sucedida responderá
solidariamente com a sucessora quando ficar comprovada fraude na transferência. 132
O artigo 448-A é uma norma mais favorável, tem uma redação mais abrangente
estabelecendo a responsabilidade solidária entre sucedida e sucessora.
25-
26-
Art. 457. ...........................................................
§ 1º Integram o salário a importância fixa estipulada, as gratificações legais e as
comissões pagas pelo empregador. § 2º As importâncias, ainda que habituais, pagas
a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, vedado seu pagamento em dinheiro,
diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado,
não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de
qualquer encargo trabalhista e previdenciário.§ 4º Consideram-se prêmios as
132
Ibid.
133
Ibid.
69
27-
Art. 458. ...........................................................
§ 5º O valor relativo à assistência prestada por serviço médico ou odontológico,
próprio ou não, inclusive o reembolso de despesas com medicamentos, óculos,
aparelhos ortopédicos, próteses, órteses, despesas médico-hospitalares e outras
similares, mesmo quando concedido em diferentes modalidades de planos e
coberturas, não integram o salário do empregado para qualquer efeito nem o salário
de contribuição, para efeitos do previsto na alínea q do § 9º do art. 28 da Lei no 8.212,
de 24 de julho de 1991.135
28-
Art. 461. Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo
empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem
distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade. § 1º Trabalho de igual valor, para os
fins deste Capítulo, será o que for feito com igual produtividade e com a mesma
perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço para o mesmo
empregador não seja superior a quatro anos e a diferença de tempo na função não seja
superior a dois anos. § 2º Os dispositivos deste artigo não prevalecerão quando o
empregador tiver pessoal organizado em quadro de carreira ou adotar, por meio de
norma interna da empresa ou de negociação coletiva, plano de cargos e salários,
dispensada qualquer forma de homologação ou registro em órgão público. § 3º No
caso do § 2º deste artigo, as promoções poderão ser feitas por merecimento e por
antiguidade, ou por apenas um destes critérios, dentro de cada categoria profissional.
§5ºA equiparação salarial só será possível entre empregados contemporâneos no cargo
ou na função, ficando vedada a indicação de paradigmas remotos, ainda que o
paradigma contemporâneo tenha obtido a vantagem em ação judicial própria. § 6º No
caso de comprovada discriminação por motivo de sexo ou etnia, o juízo determinará,
além do pagamento das diferenças salariais devidas, multa, em favor do empregado
discriminado, no valor de 50% (cinquenta por cento) do limite máximo dos benefícios
do Regime Geral de Previdência Social.136
O artigo 461 representa outro retrocesso, pois, o tempo de serviço mínimo no emprego
não era exigido, nos termos da súmula 6 do TST, para efeito de equiparação. Era apenas exigido
134
Ibid.
135
Ibid.
136
Ibid.
70
o tempo de serviço na função, logo a nova exigência dificultará a equiparação. Além disso, o
texto proposto pretende que a equiparação salarial fique limitada aos empregados do mesmo
estabelecimento, ou seja, da mesma unidade técnica produtiva, alterando a CLT que prevê a
possibilidade de equiparação para a mesma localidade (município ou região metropolitana).
O parágrafo 2º passa a dispensar o empregador do registro e homologação do plano de
cargos e salários em órgão público. A súmula 6 do TST exigia a homologação no Ministério do
Trabalho, excluindo-se, apenas, o quadro de carreira das entidades de direito público da
administração direta, autárquica e fundacional aprovado por ato administrativo da autoridade
competente. Uma facilidade para o empregador, que dificultará a possiblidade de equiparação,
já que na existência de plano de cargos e salários não pode haver equiparação.
O parágrafo 3º estabelece que as promoções podem ser feitas, alternativamente, por
antiguidade ou por merecimento e não, necessariamente, por ambos, cumulativamente.
O parágrafo 5º restringe hipóteses de equiparação salarial que eram previstas pelos
incisos IV da súmula 6 do TST (“É desnecessário que, ao tempo da reclamação sobre
equiparação salarial, reclamante e paradigma estejam a serviço do estabelecimento, desde que
o pedido se relacione com situação pretérita”), assim pelo inciso VI:
Por fim, o parágrafo 6º do novo artigo 461 da CLT traz uma multa em benefício do
empregado que é tarifada, com o objetivo de reduzir o escopo do dano moral causado pela
discriminação experimentada.
29-
Art. 468. .............................................................
§ 1º .......................................................................
§ 2º A alteração de que trata o § 1º deste artigo, com ou sem justo motivo, não
assegura ao empregado o direito à manutenção do pagamento da gratificação
137
Súmula nº 6 do TST. EQUIPARAÇÃO SALARIAL. ART. 461 DA CLT (redação do item VI alterada) – Res.
198/2015, republicada em razão de erro material – DEJT divulgado em 12, 15 e 16.06.2015. Disponível em: <
http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_1_50.html#SUM-6>
71
30-
Art. 477. Na extinção do contrato de trabalho, o empregador deverá proceder à
anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, comunicar a dispensa aos
órgãos competentes e realizar o pagamento das verbas rescisórias no prazo e na forma
estabelecidos neste artigo.139
31-
Art. 477-A. As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-
se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade
sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para
sua efetivação.140
138
BRASIL. Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017. Diário Oficial da União, 14 jul. 2017. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13467.htm>. Acesso em: 17 jun. 2017.
139
Ibid.
140
Ibid.
141
A convenção 158 da OIT, que dispõe sobre o término da relação de trabalho por iniciativa do empregador, foi
ratificada no Brasil pelo decreto legislativo no 68 de 1992. A Convenção estabelece em seu art. 4º a vedação da
72
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social:
I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos
termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros
direitos.142
32-
O art. 477-B estabelece a cláusula de quitação geral irrevogável para a dispensa feita
por Plano de Demissão Voluntária ou Incentivada (PDVI). Este dispositivo é um retrocesso em
face do ordenamento jurídico atual, vez que a Seção de Dissídios Individuais (Subseção I) do
TST, por meio de Orientação Jurisprudencial de nº 270, entendia que “A transação extrajudicial
que importa rescisão do contrato de trabalho ante a adesão do empregado a plano de demissão
voluntária implica quitação exclusivamente das parcelas e valores constantes do recibo. ”
33-
Art. 482. .............................................................
m) perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da
profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado.144
Nova hipótese para dispensa por justa causa. Como a justa causa é a punição mais grave
que um empregador pode dar ao empregado, onde aquele isenta-se de dar a este aviso prévio,
só ficando a seu encargo o pagamento de saldo de salário e férias vencidas, ampliar sua hipótese
de incidência é um prejuízo ao trabalhador.
dispensa sem justa causa pelo empregador, exigindo para tal conduta uma causa justificada relacionada com o
comportamento do empregado ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou
serviço, fundadas em motivo técnico, econômico, estrutural ou análogo (art. 14). A referida Convenção
regulamentava o art. 7º, I da Constituição de 88, que preza pela proteção da relação de emprego contra despedida
arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que nunca foi editada. Contudo, a Convenção foi
denunciada mediante decreto presidencial no 2100 de 1996, de constitucionalidade questionável, uma vez que a
competência relacionada a apreciação de tratados internacionais é exclusiva do Congresso Nacional, nos termos
do art. 49, I da Constituição. Além disso, a própria Convenção 158 OIT, em seu art. 17, I, estabelece que a denúncia
somente será permitida após dez anos da sua entrada em vigor no país signatário, o que não ocorreu no Brasil.
Aguarda-se o julgamento da Ação Direita de Inconstitucionalidade no 1625/97, que visa declarar inconstitucional
o decreto presidencial no 2100 de 1996, que denunciou a Convenção 158 da OIT no Brasil
142
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, 5 out. 1988.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 17 jun. 2017.
143
BRASIL. Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017. Diário Oficial da União, 14 jul. 2017. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13467.htm>. Acesso em: 17 jun. 2017.
144
Ibid.
73
34-
Art. 484-A. O contrato de trabalho poderá ser extinto por acordo entre empregado e
empregador, caso em que serão devidas as seguintes verbas trabalhistas:
I - por metade:
a) o aviso prévio, se indenizado; e
b) a indenização sobre o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, prevista
no § 1º do art. 18 da Lei no 8.036, de 11 de maio de 1990;
II - na integralidade, as demais verbas trabalhistas.
§ 1º A extinção do contrato prevista no caput deste artigo permite a movimentação
da conta vinculada do trabalhador no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço na
forma do inciso I-A do art. 20 da Lei no 8.036, de 11 de maio de 1990, limitada até
80% (oitenta por cento) do valor dos depósitos.
§ 2º A extinção do contrato por acordo prevista no caput deste artigo não autoriza o
ingresso no Programa de Seguro-Desemprego.145
35-
Art. 507-A. Nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a
duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de
Previdência Social, poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem,
desde que por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa, nos
termos previstos na Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996.146
36-
Art. 507-B. É facultado a empregados e empregadores, na vigência ou não do contrato
de emprego, firmar o termo de quitação anual de obrigações trabalhistas, perante o
sindicato dos empregados da categoria.Parágrafo único. O termo discriminará as
obrigações de dar e fazer cumpridas mensalmente e dele constará a quitação anual
dada pelo empregado, com eficácia liberatória das parcelas nele especificadas. 147
145
Ibid.
146
Ibid.
147
Ibid.
74
37-
TÍTULO IV-A
DA REPRESENTAÇÃO DOS EMPREGADOS
Art. 510-A. Nas empresas com mais de duzentos empregados, é assegurada a eleição
de uma comissão para representá-los, com a finalidade de promover-lhes o
entendimento direto com os empregadores.148
Neste primeiro artigo sobre representação, fica evidente a desconstrução dos sindicatos,
já que o legislador desconsidera a hipossuficiência do trabalhador e coloca-o para entender-se
diretamente com seu empregador. Importante ressaltar que este dispositivo é flagrantemente
inconstitucional, pois o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que toda e qualquer
comissão de trabalhadores organizada dentro da empresa deve contar com participação das
entidades sindicais (MC/ADI 1861).
Ademais disso, estabelece um intervalo para entre um mandato e outro de 2 anos, sendo
que o período de garantia provisória é de apenas um ano após o término do mandato. Ou seja,
se o empregado eleito lutar demais pelos seus direitos e os direitos dos colegas só ficará na
empresa por mais um ano e poderá ser dispensado (o que já ocorre com o dirigente sindical). O
ponto mais crítico é a possibilidade de dispensa do representante dos trabalhadores por motivo
“disciplinar, técnico, econômico ou financeiro” (art. 510-D, parágrafo terceiro). Ou seja, o
projeto de reforma cria uma representação sindical falaciosa e não lhe confere qualquer poder
efetivo de barganha, deslegitimando a representação sindical oficial.
38-
Art. 579. O desconto da contribuição sindical está condicionado à autorização prévia
e expressa dos que participarem de uma determinada categoria econômica ou
profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo da
mesma categoria ou profissão ou, inexistindo este, na conformidade do disposto no
art. 591 desta Consolidação.149
148
Ibid.
149
Ibid.
75
O artigo 579 torna a contribuição sindical facultativa, algumas pessoas defendem tratar-
se de mudança positiva, na medida em que o sindicato que quiser a contribuição terá que
oferecer um serviço decente ao empregado, mas, por outro lado, a ausência deste custeio poderá
desestruturá-los completamente.
39-
Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência
sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:
I - pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais;
II - banco de horas anual;
III - intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas
superiores a seis horas;
IV - adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei no 13.189, de 19
de novembro de 2015;
V - plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do
empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de
confiança;
VI - regulamento empresarial;
VII - representante dos trabalhadores no local de trabalho;
VIII - teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente;
IX - remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado,
e remuneração por desempenho individual;
X - modalidade de registro de jornada de trabalho;
XI - troca do dia de feriado;
XII - enquadramento do grau de insalubridade;
XIII - prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das
autoridades competentes do Ministério do Trabalho;
XIV - prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em
programas de incentivo;
XV - participação nos lucros ou resultados da empresa.
§ 1º No exame da convenção coletiva ou do acordo coletivo de trabalho, a Justiça do
Trabalho observará o disposto no § 3º do art. 8º desta Consolidação.
§ 2º A inexistência de expressa indicação de contrapartidas recíprocas em convenção
coletiva ou acordo coletivo de trabalho não ensejará sua nulidade por não caracterizar
um vício do negócio jurídico.
§ 3º Se for pactuada cláusula que reduza o salário ou a jornada, a convenção coletiva
ou o acordo coletivo de trabalho deverão prever a proteção dos empregados contra
dispensa imotivada durante o prazo de vigência do instrumento coletivo.
§ 4º Na hipótese de procedência de ação anulatória de cláusula de convenção coletiva
ou de acordo coletivo de trabalho, quando houver a cláusula compensatória, esta
deverá ser igualmente anulada, sem repetição do indébito.
§ 5º Os sindicatos subscritores de convenção coletiva ou de acordo coletivo de
trabalho deverão participar, como litisconsortes necessários, em ação individual ou
coletiva, que tenha como objeto a anulação de cláusulas desses instrumentos. 150
150
Ibid.
76
qualquer hipótese ali elencada. Qualquer conjunto legislativo mais benéfico na proteção de
qualquer dos institutos ali elencados não poderá prevalecer, para efeito de norma mais
favorável, em face do negociado.
40-
Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de
trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos:
XXX - as disposições previstas nos arts. 373-A, 390, 392, 392-A, 394, 394-A, 395,
396 e 400 desta Consolidação.
Parágrafo único. Regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas
como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste
artigo.151
O artigo estabelece proteções a direitos que foram violados pela própria reforma. Será
que o legislador consegue estabelecer um standart de direitos ainda menor?
41-
Art. 614. .............................................................
§ 3o Não será permitido estipular duração de convenção coletiva ou acordo coletivo
de trabalho superior a dois anos, sendo vedada a ultratividade.152
A partir de setembro de 2012, o TST deu novo entendimento à súmula 277, na qual
previa-se que as normas dos acordos coletivos e das convenções coletivas integravam o contrato
de trabalho e só poderiam ser alteradas ou suprimidas mediante negociação coletiva posterior.
Agora, o trabalhador fica novamente desamparado, já que as disposições coletivas não mais
terão eficácia após seu prazo de duração.
42-
Art. 620. As condições estabelecidas em acordo coletivo de trabalho sempre
prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva de trabalho.153
Mais uma vez podemos observar a caducidade do princípio da norma mais favorável.
Os acordos coletivos prevalecerão sobre as convenções coletivas, que prevalecerão sobre a lei,
deturpando-se a estrutura normativa baseada no princípio da proteção e da norma mais
favorável, que constituem o núcleo axiológico do Direito do Trabalho.
43-
Art. 634. .............................................................
§ 1º ......................................................................
§ 2º Os valores das multas administrativas expressos em moeda corrente serão
reajustados anualmente pela Taxa Referencial (TR), divulgada pelo Banco Central do
Brasil, ou pelo índice que vier a substituí-lo. (NR)154
O art. 634, parágrafo 2º, traz um fator de correção (Taxa Referencial) declarado
inconstitucional pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), em 4 de agosto de 2015 (processo
151
Ibid.
152
Ibid.
153
Ibid.
154
Ibid.
78
44-
Art. 652. Compete às Varas do Trabalho:
f) decidir quanto à homologação de acordo extrajudicial em matéria de competência
da Justiça do Trabalho. (NR)155
O artigo 652 substitui a antiga redação da CLT que falava em “Juntas de Conciliação e
Julgamento” e dá competência à Justiça do Trabalho para a homologação de acordo
extrajudicial em matérias de sua competência. Antes, os juízes do trabalho denegavam o pedido
por falta de competência. Agora, a homologação fará do acordo extrajudicial título executivo
judicial. Tal modificação incentiva e legitima a resolução extrajudicial de conflitos, atraindo a
Justiça do Trabalho para participar, institucionalmente, de acordos que podem representar uma
verdadeira renúncia de direitos laborais em razão da falta de autonomia da vontade do
empregado em face do empregador como consequência da desigualdade inerente das relações
de trabalho.
45-
155
Ibid.
156
Ibid.
79
O artigo cria uma burocracia adicional para a edição de súmulas e outros enunciados de
uniformização da jurisprudência, observação importante de Jorge Luiz Souto Maior é no
sentido de que o artigo:
tenta evitar a elaboração de súmulas e isso pode até parecer benéfico, para facilitar a
atuação jurisdicional de primeiro grau. A questão é que as alterações propostas, todas
elas, representam o acolhimento da jurisprudência vencida no âmbito do próprio do
TST. Assim, o que se quer é que essa jurisprudência vencida, uma vez integrada à lei,
não possa ser novamente alterada pelo próprio TST. É clara aqui a tentativa de
cristalização dos entendimentos, muitos deles minoritários, que foram construídos
pela jurisprudência e agora estão sendo incorporados ao texto de lei. A tentativa de
controle da criação judicial que se dá por meio de súmulas pode até ser válida, mas
certamente não ocorrerá por decreto, por inclusão de uma regra como esta, em texto
de lei. O que impressiona, porém, é que aqui sequer se trata efetivamente de tentar
combater um ativismo lesivo. Trata-se de esvaziar a função da Justiça do Trabalho,
por meio de uma tentativa - destinada ao fracasso - de mitigar o seu poder de
interpretação das normas legais.157
46-
Art. 775. Os prazos estabelecidos neste Título serão contados em dias úteis, com
exclusão do dia do começo e inclusão do dia do vencimento.
§ 1º Os prazos podem ser prorrogados, pelo tempo estritamente necessário, nas
seguintes hipóteses:
I - quando o juízo entender necessário;
II - em virtude de força maior, devidamente comprovada.
§ 2º Ao juízo incumbe dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção
dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir
maior efetividade à tutela do direito.158
157
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. SEVERO, Valdete Souto. Os 201 ataques da "reforma" aos trabalhadores. 2017.
Disponível em: <http://www.jorgesoutomaior.com/blog/os-201-ataques-da-reforma-aos-trabalhadores>
158
BRASIL. Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017. Diário Oficial da União, 14 jul. 2017. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13467.htm>. Acesso em: 17 jun. 2017.
80
48-
Art. 790. .............................................................
§ 3o É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho
de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça
gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário
igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do
Regime Geral de Previdência Social.
§ 4o O benefício da justiça gratuita será concedido à parte que comprovar
insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo.160
49-
Art. 790-B. A responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte
sucumbente na pretensão objeto da perícia, ainda que beneficiária da justiça gratuita.
§ 1º Ao fixar o valor dos honorários periciais, o juízo deverá respeitar o limite
máximo estabelecido pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho.
§ 2º O juízo poderá deferir parcelamento dos honorários periciais.
§ 3º O juízo não poderá exigir adiantamento de valores para realização de perícias.
§ 4º Somente no caso em que o beneficiário da justiça gratuita não tenha obtido em
juízo créditos capazes de suportar a despesa referida no caput, ainda que em outro
processo, a União responderá pelo encargo.161
Aqui, mais um abuso do legislador. Uma contradição ao art. 9º da lei 1.060/1950, que
estabelece que “Os benefícios da assistência judiciária compreendem todos os atos do processo
até decisão final do litígio, em todas as instâncias”162. Mais um prejuízo ao trabalhador que
159
Ibid.
160
Ibid.
161
Ibid.
162
BRASIL. Lei nº 1.060 de 05 de fevereiro de 1950. Diário Oficial da União, 13 fev. 1950. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L1060.htm>. Acesso em: 17 jun. 2017.
81
inclusive terá que arcar com honorários periciais, mesmo quando beneficiário de assistência
judiciária, nas perícias que sucumbir. Pretenso desestímulo ao pedido de prova pericial.
50-
Art. 791-A. Ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários
de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15%
(quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito
econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da
causa.§ 1º Os honorários são devidos também nas ações contra a Fazenda Pública e
nas ações em que a parte estiver assistida ou substituída pelo sindicato de sua
categoria.§ 2º Ao fixar os honorários, o juízo observará:I - o grau de zelo do
profissional;II - o lugar de prestação do serviço;III - a natureza e a importância da
causa;IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
§ 3º Na hipótese de procedência parcial, o juízo arbitrará honorários de sucumbência
recíproca, vedada a compensação entre os honorários.§ 4º Vencido o beneficiário da
justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo,
créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência
ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas
se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o
credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que
justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais
obrigações do beneficiário.§ 5º São devidos honorários de sucumbência na
reconvenção.163
A norma traz disposições sobre honorários de sucumbência, que agora serão plenamente
regulados pelo supracitado artigo. Anteriormente, a matéria era regulamentada pela súmula
219164 do TST, em que as hipóteses de cabimento dos honorários sucumbenciais eram limitadas.
Também o beneficiário da gratuidade da justiça terá que pagar honorários sucumbenciais,
ressalvada condição suspensiva e extinção da obrigação se no prazo de dois anos após o transito
163
BRASIL. Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017. Diário Oficial da União, 14 jul. 2017. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13467.htm>. Acesso em: 17 jun. 2017.
164
Súmula nº 219 do TST. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CABIMENTO (alterada a redação do item I e
acrescidos os itens IV a VI em decorrência do CPC de 2015) - Res. 204/2016, DEJT divulgado em 17, 18 e
21.03.2016.
I - Na Justiça do Trabalho, a condenação ao pagamento de honorários advocatícios não decorre pura e
simplesmente da sucumbência, devendo a parte, concomitantemente: a) estar assistida por sindicato da categoria
profissional; b) comprovar a percepção de salário inferior ao dobro do salário mínimo ou encontrar-se em situação
econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família. (art.14,§1º,
da Lei nº 5.584/1970). (ex-OJ nº 305da SBDI-I).
II - É cabível a condenação ao pagamento de honorários advocatícios em ação rescisória no processo trabalhista.
III – São devidos os honorários advocatícios nas causas em que o ente sindical figure como substituto processual
e nas lides que não derivem da relação de emprego.
IV – Na ação rescisória e nas lides que não derivem de relação de emprego, a responsabilidade pelo pagamento
dos honorários advocatícios da sucumbência submete-se à disciplina do Código de Processo Civil (arts. 85, 86, 87
e 90).
V - Em caso de assistência judiciária sindical ou de substituição processual sindical, excetuados os processos em
que a Fazenda Pública for parte, os honorários advocatícios são devidos entre o mínimo de dez e o máximo de
vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo,
sobre o valor atualizado da causa (CPC de 2015, art. 85, § 2º).
VI - Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, aplicar-se-ão os percentuais específicos de honorários
advocatícios contemplados no Código de Processo Civil.
82
51-
Sobre este último tema, a principal alteração da reforma é a do artigo 4º-A, da Lei nº
6.019, de 3 de janeiro de 1974, que passa a permitir a terceirização de quaisquer atividades,
inclusive da atividade fim. A legislação pátria não mencionou a possibilidade de terceirização
geral da atividade fim, a interpretação que deve ser dada ao tema é aquela à luz do princípio da
proteção, do in dubio pro misero e da vedação do retrocesso social, ou seja: não é possível a
terceirização da atividade-fim das relações de trabalho em geral. Além disso, a lei 6.019/74,
quando quis, afirmou expressamente a possibilidade de terceirização da atividade-fim no caso
do trabalhador temporário e não o fez para as relações de trabalho em geral, e leis não contêm
palavras inúteis e a terceirização de atividade fim representa grande retrocesso social, que afasta
cada vez mais o empregado do tomador de serviços.
165
Ibid.
83
Argumentar não se trata apenas de falar por falar, mas de uma demonstração do porquê
uma ideia deve ceder em detrimento de outra ideia, que parece mais adequada.
Na lógica filosófica, trabalhamos com premissas, que podem ser verdadeiras ou falsas.
Premissas verdadeiras que nos levam a conclusões verdadeiras são também válidas. Se, ainda,
as premissas são mais plausíveis que a conclusão, temos um argumento cogente.
Assim, a arte de argumentar não é só um jogo de dizer e desdizer e as premissas não
são, em regra (ressalva que registro em prol da técnica em lógica), verdadeiras a priori.
Devemos, pois, demonstrar o seu valor de verdade.
166
Segundo um axioma da tradição liberal, a coerção de indivíduos só é permissível quando necessária à
consecução do bem-estar geral ou do bem comum. HAYEK, Friedrich August von. Direito, legislação e liberdade:
uma nova formulação dos princípios liberais de justiça e economia política. Vol. II A Miragem da Justiça Social.
Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Editora Visão: São Paulo, 1985. p. 24.
84
167
Cf. Simon Deakin y Aristea Koukiadaki, “The sovereign debt crisis and the evolution of labour law in Europe”,
IN Nicola Countouris e Mark Freedland, eds., Resocialising Europe in a Time of Crisis (Cambridge: Cambridge
University Press, 2013), págs. 163 a 188.
168
Labour-related austerity policies have been openly pushed by a number of oficial key creditors, including the
World Bank and the International Monetary Fund (IMF), together, more recently, with the European Commission
and the European Central Bank — the so-called Troika. Especially since the late 1980s, labour-related
conditionality has featured prominently in IMF financial assistance programmes. Indeed, around 50 per cent of all
lending programmes have involved one or more labour-related conditions over the period from 1994 to 2007.
Since then, the number of IMF programmes with labour conditionalities appears to have fallen, but still, between
25 to 40 per cent of IMF programmes adopted until 2014 contained labour-related conditions relating to the public
or the private sector.
169
United Nations. Report of the Independent Expert on the effects of foreign debt and other related international
financial obligations of States on the full enjoyment of all human rights, particularly economic, social and cultural
rights. Human Rights Council. 2017. p. 5, tradução nossa.
85
171
Os países da zona do euro afetados pela crise que precisaram de algum financiamento,
sob a influência do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, tiveram que
aprovar medidas para reduzir os gastos econômicos para dispensa trabalhadores, como a
redução das verbas indenizatórias, redução do tempo de aviso prévio, aumento de tipos legais
que motivam a dispensa por justa causa e flexibilização das normas de dispensa coletiva,
conforme dados demonstrados na tabela abaixo:
170
KUGELMAS, Eduardo. O fundo monetário aos sessenta anos: em busca de um novo papel? Economia Política
Internacional: Análise Estratégica, Campinas, n. 6, p. 26, jul.-set. 2005. Disponível em: <
http://www.eco.unicamp.br/docprod/downarq.php?id=83&tp=a>. Acesso em: 15 jul. 2017.
171
Ibid. p. 6.
86
172
172
Ibid. p. 7-8.
87
Outro estudo feito por Adascalitei e Morano173 mostra que um total de 642 mudanças
na regulamentação do trabalho foram aprovadas em 110 países estudados entre 2008 e 2014 e
que o desemprego, a mudança de governo e as crises propulsionaram essas reformas. Em 2008
haviam 62 intervenções aprovadas por ano, e este número cresceu para 147 intervenções por
ano em 2012. A partir de 2012, esses números tiveram uma baixa acompanhando as taxas de
desemprego. A maioria das reformas foi aprovada nos contratos por tempo indeterminado
(30%) e negociação coletiva (27%), seguidas de reformas nos contratos de trabalho temporário
(13%) e jornada de trabalho (12%). Enquanto as economias desenvolvidas se preocuparam
principalmente com a legislação em matéria do contrato por tempo indeterminado, a maioria
dos países em desenvolvimento se preocupava com reformas na negociação coletiva. Em
tempos de crise (contração da economia), os governos que implementaram reformas do
mercado de trabalho visando desregulamentar a proteção do trabalho tiveram um efeito
negativo a curto prazo.
As reformas vistas na zona do euro precarizaram as relações de trabalho e emprego e
diminuíram consideravelmente a capacidade dos sindicatos de proteger os trabalhadores e
empregados.
Além disso, a o argumento de que a proteção trabalhista prejudica o desenvolvimento
econômico pode ser refutada a nível teórico, bem como empiricamente. Isso porque há
pouquíssimos indícios de que as reformas trabalhistas, que piorem as condições do trabalho e
do trabalhador, contribuam para a recuperação de um país.
A ideia de que a redução dos direitos trabalhistas pode retirar uma nação de uma crise
econômica tem sido refutada por várias frentes. Economistas têm indicado que a legislação
173
ADASCALITEI, Dragos; Morano, Clemente Pignatti. Drivers and effects of labour Market reforms: Evidence
from a novel policy compendium. IZA Journal of Labor Policy. 2016.
174
Evidence that austerity-related labour market reforms have contributed to economic recovery after debt-related
economic crises is weak. Sometimes it appears that debt crises have rather provided a pretext to push through
labour market reforms favouring business interests rather than addressing economic problems. It is therefore not
surprising that debt crises frequently exacerbate economic inequality.
175
Ibid. p. 14, tradução nossa.
88
No mesmo sentido:
No que diz respeito aos países em desenvolvimento, parecem fracas as evidencias que
apontam que normas trabalhistas têm um impacto negativo no desempenho
econômico de um país. Embora os dados relevantes sobre os países em
desenvolvimento sejam escassos, estudos sobre a Argentina, por exemplo, sugerem
que a desregulamentação do mercado de trabalho parece haver reducido a oferta de
emprego ao invés de aumentá-las. Enquanto isso, há evidencias de que no Chile “a re-
introdução gradual da regulação do mercado de trabalho apresentava um aparente
crescimento continuado do emprego, que durou até a eclosão da crise financeira
asiática” no final dos anos 90. Um estudo que analisou os dados de diversos países,
entre 1985 e 1994, apontou que padrões laborais mais elevados correlacionavam-se
com menores níveis de corrupção, dentre outros efeitos positivos. Por fim, um estudo
realizado sobre o BRICS - Brasil, Federação Russa, Índia, China e África do Sul -
indicou que as leis sobre greve não tiveram efeitos significativos no desemprego,
176
DEAKIN, Simon. “Labour law and development in the long run”, IN MARSHALL, Shelley e FENWICK,
Colin, eds., Labour Regulation and Development. Socio-Legal Perspectives (Cheltenham (UK), Edward Elgar,
2016), p. 41.
177
Cf. Alan Hyde, “What is labour law?” In Guy Davidov and Brian Langille, eds., Boundaries and Frontiers of
Labour Law: Goals and Means in the Regulation of Work (Oxford and Portland, Oregon, Hart Publishing, 2006),
pp. 54-60.
178
Other studies have identified positive effects of labour standards on productivity and employment. There is a
positive long-term relationship of labour legislation, including regulation protecting workers against dismissal
with productivity.Also, fewer working hours per day reportedly correlates with higher productivity per hour. There
have been similar findings regarding the impact of certain labour laws on innovation. An analysis of four OECD
countries between 1970 and 2002 found that higher dismissal protection standards had a positive effect on
innovations realized by employees.
179
United Nations. Report of the Independent Expert on the effects of foreign debt and other related international
financial obligations of States on the full enjoyment of all human rights, particularly economic, social and cultural
rights. Human Rights Council. 2017. p. 16, tradução nossa.
89
enquanto que as leis mais protetivas sobre a representação dos empregados guardava
relação, às vezes negativa, com o desemprego.180 181
Por fim, ressalte-se que em 2006 a OCDE182 realizou um estudo em que indicou que
não se observa “nenhuma incidência notável da legislação de proteção do emprego no
desemprego agregado” e que, ao contrário, “os sistemas de negociação salarial coletiva
altamente centralizados e/ou coordenados” apresentaram um índice de desemprego mais
baixo183.
Mas, enquanto os grandes financiadores mundiais como o FMI e o Banco Mundial
subordinarem seus acordos de financiamento a políticas que visem a flexibilização das
condições de trabalho, por acreditarem o crescimento econômico é uma consequência da
flexibilização dos direitos trabalhistas, forçando quem precisa de financiamento a diminuir
direitos dos trabalhadores não se promoverá desenvolvimento social nem econômico, pois
como pode um trabalhador que labora por longas jornadas e tem menos direitos ser mais
eficiente e promover a economia e o mercado de empregos? Como a desmotivação geral e o
stress congênito promoverão maior produtividade e estimularão a economia?
Parece-nos que estes grandes agentes econômicos, que representam a vontade dos países
de primeiro mundo, têm interesses escusos em que as diversas nações que deles se socorrem
permaneçam em crise para que dependam cada vez mais de seus financiamentos e fiquem
permanentemente endividadas; um cenário perfeito para que os grandes países se desenvolvam
ainda mais pela exploração da produção dos menos desenvolvidos e que os países em
desenvolvimento continuem em eterno desenvolvimento, através de crises econômicas e da
promoção do mercado de emprego, do mercado de emprego precário.
Como apontam com acerto Aglietta e Moatti (2000), o FMI torna-se um dos principais
gestores da crise, conjuntamente com o Tesouro americano e o Bank of International
Settlements (BIS). Assume então o papel de catalisador dos capitais privados e passa
180
With regard to developing countries, evidence of a negative impact of labour standards on a country’s economic
performance appears to be weak. While relevant data on developing countries is scarce, research on Argentina, for
example, suggests that labour market deregulation seems to have reduced employment elasticities instead of
increasing them. Meanwhile, evidence on Chile shows that “gradual re-regulation of the labour market was
consistent with continued employment growth up to the Asian Financial Crisis” in the late 1990s. A study
analysing data on various countries from 1985 to 1994 found that higher labour standards correlated with lower
levels of corruption, among other positive effects. Finally, a study on BRICS — Brazil, Russian Federation, India,
China and South Africa — suggested that relevant strike laws had no significant effects on unemployment, while
more protective employee representation laws were, in part, even negatively correlated with unemployment.
181
Ibid., tradução nossa.
182
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
183
Andrea Bassanini and Romain Duval. The determinants of unemployment across OECD countries: reassessing
the role of policies and institutions”, OECD Economic Studies, No. 42, 2006/1 (2006), p. 46.
90
a fazer empréstimos vultosos aos países em dificuldades, sendo o mediador entre estes
e os credores.184
A política adotada pelo FMI e pelo Banco mundial expressa toda a essência do
neoliberalismo. Eles sabem que um país que está em permanente crise pela adoção das ideias
liberais clássicas se endividará e ficará a mercê de seu crédito. Por essa razão:
Ao longo dos últimos anos, o FMI atravessou um período caracterizado por fortes
questionamentos a suas diretrizes e, ao mesmo tempo, por uma tímida e ainda
incipiente busca de redefinição de seu papel. Como já foi dito muitas vezes, a sucessão
de crises financeiras-Ásia (1997), Rússia (1998), Brasil (1998/1999), Turquia (2001)
e, coroando o processo, a Argentina a partir de 2001 abalou profundamente a imagem
da instituição. Sua abordagem foi questionada por economistas de distintas
orientações, seu logo se cristalizou como o alvo predileto dos movimentos críticos à
globalização, e sua reforma profunda foi colocada como condição indispensável nas
muitas propostas de reforma da arquitetura financeira internacional. 185
184
KUGELMAS, Eduardo. O fundo monetário aos sessenta anos: em busca de um novo papel? Economia Política
Internacional: Análise Estratégica, Campinas, n. 6, p. 25, jul.-set. 2005. Disponível em: <
http://www.eco.unicamp.br/docprod/downarq.php?id=83&tp=a>. Acesso em: 15 jul. 2017.
185
KUGELMAS, Eduardo. O fundo monetário aos sessenta anos: em busca de um novo papel? Economia Política
Internacional: Análise Estratégica, Campinas, n. 6, p. 24, jul.-set. 2005. Disponível em: <
http://www.eco.unicamp.br/docprod/downarq.php?id=83&tp=a>. Acesso em: 15 jul. 2017.
91
Compra (PPC), para que haja uma representação verossimilhante das diferenças de
prosperidade social e material entre os países, este cálculo usa o dólar como moeda
referencial.186 Entretanto, “Testes econométricos têm apresentado grandes divergências quanto
à validade do modelo de paridade de poder de compra em sua forma original ou no contexto de
um modelo monetário”187, de forma que, especialmente por este critério, e por tratar-se de uma
média, o IDH mascara a desigualdade na distribuição do desenvolvimento humano entre a
população “no nível de país”. Por essa razão, deve ser lido em complementação com o IDHAD
(Índice de Desenvolvimento Humano Ajustado à Desigualdade), que leva em consideração a
desigualdade em todas as três dimensões do IDH “descontando” o valor médio de cada
dimensão de acordo com seu nível de desigualdade188. Ou seja, pelas considerações acerca do
IDH e do IDHAD, haverá diminuição do desenvolvimento social no sentido de que a
flexibilização e a precarização ampliam substancialmente o nível de desigualdade por
imputarem os ônus pelo insucesso do mercado apenas à classe trabalhadora.
186
Cf.: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento no Brasil. O que é IDH? Disponível em:<
http://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/idh0/conceitos/o-que-e-o-idh.html>
187
Holland, Márcio; Pedro L. Valls Pereira. Taxa de Câmbio Real e Paridade de Poder de Compra no Brasil. Rio
de Janeiro: RBE nº 53, jul.-set. 1999. p. 259. Disponível em: <
http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rbe/article/viewFile/758/8111> Acesso em: 29 de julho de 2017.
188
Cf.: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento no Brasil. O que é IDH? Disponível em:<
http://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/idh0/conceitos/o-que-e-o-idh.html>
92
189
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6. Ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 407.
190
Salários mais elevados induzidos pela proteção do emprego estimulam processos de substituição de capital em
que os aumentos de produtividade compensam o benefício salarial (tradução nossa). BACCARO, Luca; REI,
Diego. Institutional Determinants of Unemployment in OECD Countries: Does the Deregulatory View Hold
Water? International Organization, Fall 2007. p. 36. Disponível em: <https://www.unige.ch/sciences-
societe/socio/files/7414/0533/6295/unemployment-11-06.pdf> Acesso em 15 de jul. 2017.
191
A esse respeito veja-se a liberação de contas inativas do FGTS feita no governo Temer como medida de
impulsionar-se a economia.
93
192
Cf. SANDEL, Michael. O liberalismo e os limites da justiça. Trad. Carlos Pacheco do Amaral. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 2005, p. 101.
94
ter as mesmas possibilidades de sucesso, sem que o seu lugar inicial no sistema social seja
determinante, ou seja, independentemente do rendimento auferido pela classe social em que
nasceram. Em todos os setores da sociedade deve haver aproximadamente as mesmas
possibilidades de cultura e de sucesso para todos aqueles que têm motivações e capacidades
semelhantes.193
Contudo, Rawls, como antecedente de Amartya Sen nos estudos sobre justiça e
equidade, alerta que o princípio da igualdade liberal é um ataque ainda fraco ao caráter arbitrário
da sorte (sorte de ter nascido em uma família rica ou sorte de ter nascido em um local com
saneamento básico, com boas escolas públicas, com bom serviço de saúde pública, com pais
formalmente educados, ou outros itens que podemos inserir como fazendo parte da “loteria do
nascimento”). Ações advindas desse princípio como uma educação compensatória e outras
reformas não podem suprir por completo, ou até mesmo de modo aproximado, as carências
sociais e culturais.
Rawls busca, então, um princípio para as ações políticas que anule os efeitos das
contingências (naturais e sociais), ao mesmo tempo em que reconhece sua inevitabilidade.
Chama a esse princípio de princípio da igualdade democrática e, em sua obra, apresenta-o como
o princípio da diferença.
Tal princípio não constitui uma mera versão aprimorada do princípio de igualdade de
oportunidades, já que ataca o problema da arbitrariedade de um modo fundamentalmente
diferente. Ao invés de transformar as condições nas quais exerço meus talentos, o princípio da
diferença transforma o fundamento moral com base no qual eu reivindico os benefícios que
dele decorrem. Deixo de ser considerado o único proprietário dos meus recursos, ou o
beneficiário privilegiado das vantagens que me trazem. O princípio da diferença representa um
acordo no sentido de se encarar a distribuição dos talentos naturais como um bem comum,
e de partilhar os benefícios dessa distribuição, qualquer que ela venha a ser. Deste modo, o
princípio da diferença reconhece o caráter arbitrário da sorte quando afirma que eu não sou
exatamente o proprietário, mas apenas o guardião ou o depositário, dos talentos e das
capacidades que venham a residir na minha pessoa e, como tal, não possuo qualquer direito
moral especial sobre os frutos do seu exercício.
Amartya Sen endossa a concepção democrática de justiça distributiva de Rawls e
também usa os conceitos de capacidade e exercício dessas capacidades (“funcionamentos”) nas
suas obras. Mas ele ressalta a diferença entre as duas teses. Para Sen, uma teoria da justiça que
193
Cf. Op. Cit. p. 102.
95
possa servir como base da argumentação racional no domínio prático precisa incluir modos de
julgar como reduzir a injustiça e promover a justiça, em vez de objetivar apenas a
caracterização das sociedades mais justas – exercício que marca, de forma bastante dominante,
muitas das teorias de justiça na filosofia política atual, como os trabalhos de Rawls e Dworkin.
As duas formas de implementar a justiça social, a saber, a identificação de arranjos
sociais perfeitamente justos como fazem os mencionados filósofos John Rawls e Ronald
Dworkin e a proposta de Sen para determinar se uma mudança social específica, melhoraria a
justiça, de fato têm conexões motivacionais, embora sejam analiticamente desconectadas. O
trabalho de Sen objetiva exatamente a questão das mudanças sociais que removem as injustiças
e, segundo ele, isso é central para que decisões sejam tomadas sobre as instituições, o
comportamento e outros determinantes da justiça.
Especificamente o modo como essas decisões são derivadas é crucial para uma teoria
da justiça que objetiva guiar a argumentação racional no domínio prático a respeito do que pode
ser feito. Ou seja, Sen aproxima-se mais de uma abordagem empiricista e afasta-se do
deontologismo ao modo kantiano. Ele não é motivado pela percepção de que o mundo está
longe de ser completamente justo, mas pelo fortalecimento da concepção de que somos
movidos por injustiças claramente remediáveis ao nosso redor que queremos eliminar, daí
sua total adesão à concepção de justiça social.
De início, Sen aceita a ideia do igualitarismo liberal de Rawls, mas discorda do modo
como a justiça distributiva Rawlsiana é realizada porque, para Sen, a distribuição de bens
primários leva a um novo problema: a conversão desses bens em liberdades e capacidades para
os cidadãos. Segundo Sen, a igual distribuição de bens primários não garante necessariamente
que as pessoas convertam os bens recebidos em liberdade real e efetiva, que são meios para que
consigam alcançar os projetos de vida que consideram bons.
Esses projetos de vida considerados bons são concretizados através da capacitação
(capacidades/capabilities) dos indivíduos de modo que possam “funcionar” coletivamente bem
(funcionamentos/functionings) e tornarem-se autônomos e possuidores de direitos
(entitelments). Assim, passam a viver em uma liberdade que antes da capacitação e da possessão
dos direitos não conheciam. A “ausência dessa liberdade” (unfreedom) é a marca da injustiça e
como tal deve ser removida por ações individuais e, principalmente, por políticas públicas.
A liberdade efetiva (freedom) é a finalidade buscada pela tese de Sen (conhecida como
abordagem das capacidades/capabilities approach). Essa liberdade é vista como o fim ao qual
a distribuição justa de riqueza em um arranjo político deve buscar realizar. A liberdade
“capacitante” propicia as condições para que o indivíduo possa escolher e traçar o plano de vida
96
que considera o melhor para si, e possibilita que ele tenha recursos pessoais, contextuais e
materiais para que possa de fato alcançá-lo. Ou seja, Sen considera a possibilidade de conversão
de bens em liberdade “capacitante” para o bom funcionamento social.
A conversão dos bens primários pode trazer problemas advindos das diferenças entre as
pessoas e suas diversas escolhas sobre o que deve ser feito em relação aos seus bens. De acordo
com Sen, uma teoria que busque ser justa deve ser sensível às condições nas quais a pessoa vive
no momento em que faz suas escolhas na vida: em uma sociedade justa, é preciso que cada
cidadão seja o único responsável por suas escolhas, e para isto, ele deve estar livre de fatores
arbitrários impostos pelos aspectos natural e social que limitam suas opções e suas
oportunidades.
Sen sustenta que devemos enfrentar os fatores arbitrários, que podem ser de ordem
natural, como certas restrições impostas pela natureza (que pode ser algo que obste a liberdade
do indivíduo, como ter nascido com doenças congênitas, ser nascido em regiões onde se está
sujeito a catástrofes naturais, endemias, por exemplo). Tampouco os fatores arbitrários
causados pelos fatos sociais podem ser negligenciados, tal como acasos que ocorrem desde o
nascimento: se alguém tiver a má sorte de nascer em uma família muito pobre, não terá muitas
chances de realizar uma vida que possa ser considerada boa, pois as condições básicas para o
desenvolvimento da sua liberdade estará obstado ou dificultado pelas privações que sofre desde
o útero materno (como, por exemplo, má nutrição da mãe durante a gestação. Mencionamos
isso anteriormente quando falamos da “loteria do nascimento”).
De modo diferente, uma pessoa que nasce em uma família abastada terá muitas
oportunidades para se desenvolver e se tornar responsável por suas próprias escolhas já que terá
diante de si os meios para que possa efetivamente escolher o que fizer em sua vida. No ponto
em que Hayek afirma que não há a quem recorrer em tal situação, Amartya Sen argumenta que
remover esse tipo de injustiça através de ações e políticas públicas que possam melhorar
a vida daquele que nasceu em um contexto que o coloca em posição muito menos
privilegiada é um dever do Estado.
Sen afirma que os bens primários de Rawls (que para este são os fatores que levam a
equidade) são somente meios para se alcançar a liberdade. Para Sen o que importa é enfocar a
liberdade como um fim em si mesmo, e que esta seja a finalidade buscada pela distribuição da
riqueza em um arranjo político. Desse modo, Sen muda a perspectiva da justiça distributiva: do
enfoque em bens, passa-se ao enfoque em pessoas e suas condições de vida. Sen trabalha com
as capacidades das pessoas em transformar os bens em liberdade efetiva para se buscar e se
concretizar sua própria concepção de vida boa.
97
Em sua obra, Sen aborda a perspectiva da capacidade sobre dois aspectos: o bem-estar
e a liberdade para realizar ou buscar o bem-estar.
No que diz respeito ao primeiro aspecto, Sen argumenta que o bem estar de uma pessoa
está ligado aos seus funcionamentos. E tais funcionamentos podem ser tanto mais simples como
estar nutrido adequadamente, gozar de boa saúde, estar livre de doenças que podem ser evitadas
e da morte prematura, até realizações mais complexas, tais como ser feliz, ter respeito próprio,
tomar parte na vida da comunidade, e assim por diante. Para que uma pessoa esteja apta a
realizar sua própria concepção de vida boa, é preciso que ela esteja funcionando bem em suas
mais variadas formas. Ela deve ter a capacidade de realizar os funcionamentos que achar
necessário em busca de seu bem-estar. Uma concepção justa da distribuição dos bens da
sociedade deve ser sensível a tais aspectos.
Sen argumenta que todas as pessoas devem ser capazes de ter liberdade efetiva para
escolher qual tipo de vida boa merece ser buscada e vivida. Quanto mais capacidade uma pessoa
possuir para realizar os mais diversos funcionamentos possíveis, maior será sua liberdade
efetiva de escolher como deve funcionar socialmente. As “capacidades básicas” devem
fundamentar a distribuição de bens em um determinado arranjo político que busque a justiça. E
é com base nas capacidades que ele aponta quem são os menos favorecidos da sociedade, ou
seja, aqueles que possuem menor capacidade para converter bens distribuídos em liberdade
efetiva para realização de funcionamentos devem ser auxiliados, ou seja, os fatores que
provocam a ausência de liberdade (os obstáculos ao desenvolvimento das capacidades que
levam à liberdade) devem ser removidos para que a justiça prevaleça.
favorável que o anterior. Entretanto, em uma perspectiva dinâmica, este entendimento permite
simultâneos retrocessos e simultâneos avanços que podem não se reverter efetivamente em um
progresso geral do patrimônio jurídico-social do trabalhador.
Devemos ter em mente que as relações de trabalho e emprego caracterizam-se pela
hipossuficiência do trabalhador frente ao empregador. Logo, considerando ser o empregador
dono dos meios de produção e da vontade mais influente no processo legislativo, não se pode
aprioristicamente definir se determinado conjunto normativo será, de fato, mais vantajoso ao
trabalhador. Em verdade, enquanto a vontade empresarial permear o processo legislativo, como
comprova a reforma trabalhista, pode-se afirmar antecipadamente que a legislação resultante
será prejudicial ao trabalhador.
Assim, nossa proposta é que, para além de standart mínimo, indissolúvel, de direitos,
se adote um sistema permanente de correção das instituições injustas, como o pensado por Sen,
para que se promova justiça distributiva no âmbito trabalhista. Este sistema perpassa os
fundamentos de nossa constituição, que se consubstanciará em escudo de proteção aos direitos
sociais e trabalhistas, que faz padecer, por inconstitucionalidade material, norma que piore a
condição do social do trabalhador, além de, permanentemente, identificar e tentar corrigir as
instituições injustas que permeiam a relação de trabalho.
Neste sentido, deve-se promover e incentivar permanentemente a proteção nacional e
internacional do trabalho como ordens complementares, e não concorrentes, em termos de
proteção jurídica do ser humano (princípio pro homine).
9. CONCLUSÃO
Se é verdade que o trabalho ocupa posição tão central em nossa sociedade e exerce
relevante influência em nosso projeto de vida digna, a realização pessoal e a dignidade através
do exercício laboral deve ser permanentemente protegida e fiscalizada, para que possamos
identificar e corrigir as instituições que o precarizem. Não se pode permitir que a lógica do
lucro se estabeleça como um fim em si mesmo, explorando classes mais vulneráveis sob o
pretexto liberal clássico de ingerência estatal.
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