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Ricardo Terra
discurso 40
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deve agora aprender a filosofar” (Kant 19, Nachricht, AK, II, 306).
E, na segunda: “ele [o jovem] não deve aprender pensamen-
tos, mas a pensar; não se deve levá-lo [tragen], mas conduzi-lo
[leiten], se se quer que ele no futuro seja capaz de caminhar por
si mesmo” (id., ibid.).
A dificuldade parece intransponível. De um lado, não se
pode aprender filosofia; de outro, o processo de aprendizado só
pode ser bem-sucedido se levar à autonomia de pensamento. Esta
questão é formulada por Kant por meio da contraposição dos ver-
bos “tragen” e “leiten”, que sublinham duas maneiras diferentes
de pensar a relação entre professor e estudante. O estudante deve
ser conduzido para um certo caminho, de tal forma que possa com
o tempo andar por conta própria e achar seu próprio rumo. Se
ele for unicamente levado pelo mestre, o máximo que conseguirá
será repetir suas teses sem nenhuma crítica e criatividade, o que é
incompatível com a filosofia e o filosofar.
Podemos completar essa reflexão com outra, encontrada na
Lógica de Jäsche:
Ninguém que não possa filosofar pode-se chamar de filósofo. Mas filosofar é
algo que só se pode aprender pelo exercício e o uso próprio da razão. Como
é que se poderia, a rigor, aprender a filosofia? [...] Na matemática as coisas
se passam de outro modo, em certa medida, esta ciência pode, de fato, ser
aprendida; pois, aqui, as provas são tão evidentes, que qualquer um pode
convencer-se delas; e, por causa de sua evidência, ela também pode ser, por
assim dizer, conservada como uma doutrina certa e estável. Ao contrário,
quem quer aprender a filosofar tem o direito de considerar todos os sistemas
da filosofia tão-somente como uma história do uso da razão e como objetos
de seu talento filosófico. O verdadeiro filósofo, portanto, na qualidade de
quem pensa por si mesmo, tem que fazer um uso livre e pessoal de sua razão,
não um uso servilmente imitativo (idem 18, p. 42; Logik, AK, IX, 25)3.
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específico do chamado bom senso, cuja falta nenhuma escola pode suprir. Porque,
embora a escola possa preencher um entendimento acanhado e como que nele enxertar
regras provenientes de um saber alheio, é necessária ao aprendiz a capacidade de servir-
se delas corretamente, e nenhuma regra, que se lhe possa dar para esse efeito, está livre
de má aplicação, se faltar tal dom da natureza. [...] a carência de faculdade de julgar é
propriamente aquilo que se designa por estupidez, e para semelhante enfermidade não
há remédio. Uma cabeça obtusa ou limitada, à qual apenas falte o grau conveniente de
entendimento e de conceitos que lhe são próprios, pode muito bem estar equipada para
o estudo e alcançar mesmo a erudição. Mas, como há ainda, habitualmente, falha na
faculdade de julgar, não é raro encontrar homens muito eruditos, que habitualmente
deixam ver, no curso de sua ciência, esse defeito irreparável” (Kant 17, KrV A133).
4 Para uma interpretação bastante diferente, ver Arantes 2.
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Além disso, como cada filósofo era analisado por ele mesmo,
seguindo sua própria lógica, o curso não defendia uma filosofia
específica. Em cada disciplina, em certo sentido, todos se tor-
navam naquele semestre seguidores do filósofo analisado. Uma
articulação completamente diferente dos cursos católicos neoto-
mistas e baseados em manuais. Conseguiu-se, dessa forma, um
grande salto no rigor da formação e ampliaram-se as exigências
de domínio dos idiomas necessários para se poder ler os diversos
autores no original.
Mas, como já mencionado, esse é um dos momentos, o mo-
mento exegético. Vejamos o segundo movimento, simultâneo ao
primeiro, aquele que articulava as questões filosóficas com as das
ciências, artes e da sociedade.
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Perspectivas
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isso lhes parece ser o caso, mesmo as formulações dos grandes filósofos e
suas teses (Porchat 25, p. 136).
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Bibliografia
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