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Para além da sustentabilidade: decrescimento demoeconômico com regeneração ecológica

José Eustáquio Diniz Alves


Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População,
Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas - ENCE/IBGE;
Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

O desenvolvimento sustentável virou um oximoro e o tripé da sustentabilidade virou um trilema.


A humanidade já ultrapassou a capacidade de carga do Planeta e, a cada ano, o dia da sobrecarga
chega mais cedo. Isto significa que o contínuo crescimento da produção de bens e serviços
acontece em detrimento da saúde dos ecossistemas e às custas da perda da biodiversidade.
Enquanto a humanidade progride, o meio ambiente regride. Mais desenvolvimento implica
menos natureza.

Portanto, o desenvolvimento – que significa o contínuo processo de acumulação de riqueza por


parte dos seres humanos – não é um processo ambientalmente sustentável. Pretender
enriquecer a humanidade mediante o empobrecimento da natureza é como cortar o galho de
uma árvore sentado na ponta. O resultado é um colapso, pois não existe ECOnomia sem
ECOlogia. A primeira é um subsistema da segunda, como nos ensina a Economia Ecológica.

Para haver sustentabilidade é preciso um pensamento ecológico holístico. Ou seja, é necessário


reconhecer que o ser humano é apenas uma parte da comunidade biótica e que o egoísmo do
homo economicus é incompatível com o requisito básico de uma relação altruísta e pacífica entre
todos os seres vivos da Terra. Ao invés de transformar toda a riqueza do meio ambiente em

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“valor de troca”, o certo seria reconhecer que a natureza tem valores intrínsecos e princípios
que são inegociáveis, como nos ensina a Ecologia Profunda.

A principal característica dos últimos 250 anos foi a exploração desenfreada da natureza.
Somente no século XX, a população mundial passou de 1,65 bilhão de habitantes em 1900, para
6 bilhões em 2000, um aumento de quase 4 vezes. Mas o crescimento da economia ocorreu em
ritmo bem mais elevado. A emissão de gases de efeito estufa atingiu níveis alarmantes e a
concentração de CO2 na atmosfera é a maior em milhões de anos. O consumo per capita de
energia aumentou quase 4 vezes, como mostram os gráficos abaixo (Heinberg, 2016).

Mas, o mais grave, é que a destruição da natureza continua em ritmo assustador no século XXI.
A promessa do desenvolvimento sustentável e da economia verde se mostraram uma ilusão. A
desmaterialização e a descarbonização da economia – promessa da 4ª Revolução Industrial,
baseada na Internet, celulares, impressoras 3D, etc. – não aconteceu na prática. A extração
global de recursos naturais foi elevada entre 1970 e 2010. Como mostra o “Paradoxo de Jevons”,
a maior eficiência energética e a menor intensidade de uso de materiais não elimina o fato da
demanda agregada aumentar o uso global dos recursos naturais.

O relatório “Global Material Flows And Resource Productivity” (UNEP, julho de 2016) mostra
que a extração de recursos naturais globais aumentou três vezes nos últimos 40 anos. A
quantidade de matérias-primas extraídas do seio da natureza subiu de 22 bilhões de toneladas
em 1970 para 70 bilhões de toneladas em 2010. O aumento do uso de materiais globais acelerou
rapidamente nos anos 2000, com o crescimento das economias emergentes, em especial com o
crescimento da China. O crescimento na extração de recursos naturais passou de 7 toneladas
per capita em 1970 para 10 toneladas per capita em 2010.

Se a extração de recursos continuar, em 2050, haverá uma população de 9 bilhões de habitantes


e uma demanda de 180 bilhões de toneladas de material a cada ano para atender às demandas
antrópicas. Esta é a quantidade quase três vezes a situação atual e provavelmente vai aumentar
a acidificação dos terrenos e das águas, a eutrofização dos solos do mundo e dos corpos de água,
além de aumentar a erosão e aumentar a poluição e as quantidades de resíduos. O mais grave
é que, desde 1990, tem havido pouca melhoria na eficiência no uso dos materiais globais. Na
verdade, a eficiência começou a declinar por volta do ano 2000. Ou seja, ao invés de haver
“desacoplamento” (decoupling), a economia internacional está utilizando cada vez mais
recursos da natureza per capita e por unidade do PIB. O modelo marrom não recua. As emissões
de carbono e de metano continuam em ritmo perigoso.

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O crescimento exponencial das atividades humanas resultou na ultrapassagem da capacidade
de carga do Planeta. Segundo a Global Footprint Network (2017), a pegada ecológica per capita
do mundo, em 1961, era de 2,27 hectares globais (gha) e a biocapacidade per capita do Planeta
era de 3,12 gha. Para uma população de 3,1 bilhões de habitantes, o impacto da pegada global
do ser humano era de 6,98 bilhões de gha, representando apenas 73% dos 9,53 bilhões de
hectares globais da biocapacidade disponível naquele momento. Portanto, havia um superávit
ou reserva ecológica na década de 1960. A economia cabia na sustentabilidade da ecologia. Mas
com o crescimento da população e do consumo, a reserva ecológica foi sendo reduzida e, a partir
de 1970, o superávit se transformou em déficit ambiental. Em 2013, a pegada ecológica per
capita do mundo subiu para 2,87 gha e a biocapacidade caiu para 1,71 gha. Para uma população
mundial de 7,2 bilhões de habitantes, o déficit ambiental chegou a 68% em 2013. A humanidade
está gerando uma dívida ambiental, de tal ordem, que provocará uma falência que não haverá
montante monetário capaz de saldar esta dívida.

O capitalismo, que conseguiu produzir uma quantidade tão grande de bens e serviços, não
consegue ser ao mesmo tempo economicamente inclusivo, socialmente justo e ambientalmente
sustentável. Diversos estudos mostram que nenhuma indústria seria lucrativa se tivesse de
pagar pelo capital natural que utilizam. Desde que a humanidade ultrapassou a capacidade de
carga do Planeta, o crescimento da produção tem caminhado para uma situação, definida por
economista ecológica Herman Daly, como “crescimento deseconômico”.

Para impedir uma catástrofe é preciso evitar o crescimento econômico quantitativo que extrai
volumes crescentes de recursos naturais e gera volumes ainda maiores de resíduos sólidos e
poluição do solo, das águas e do ar. Não basta o desacoplamento relativo. A solução passa por
uma mudança de paradigma e pelo decrescimento demoeconômico, como forma de reduzir a
Pegada Ecológica. E como bem mostra o livro “Enough is Enough” (2010), não basta reduzir a
pegada ecológica, também é preciso reduzir o número de pés. O decrescimento da população
poderia dar uma grande contribuição para diminuir o impacto negativo sobre o meio ambiente.

Desta forma, a perspectiva do decrescimento demoeconômico é o primeiro passo para o


equilíbrio homeostático da economia e do ambiente. Mas é preciso ir além, os seres humanos
precisam recuperar grande parte do que foi destruído e reverter a tendência à 6ª extinção em
massa das espécies.

Artigo de Daniel Christian Wahl (Beyond Sustainability? — We are Living in the Century of
Regeneration, Resilience, 18/04/2018) mostra que é preciso valorizar o ecossistema e promover
uma mudança de paradigma, deixando para trás as atitudes ignorantes e egoístas de destruição
do próprio habitat para garantir que os sistemas naturais da Terra possam alcançar sua
capacidade ideal de sustentar a vida. Ao invés de desenvolvimento sustentável é preciso avançar
no desenvolvimento regenerativo.

Para o autor, o termo sustentável foi cooptado e algumas pessoas consideram sua empresa
sustentável porque sustentou o crescimento e os lucros por vários anos seguidos. O termo
sustentabilidade nos pede para explicar o que estamos tentando sustentar. O termo
desenvolvimento regenerativo, por outro lado, traz consigo um objetivo claro de regenerar a
saúde e a vitalidade dos ecossistemas. Em um nível básico, a regeneração significa não usar
recursos que não podem ser regenerados. Nem usar os recursos mais rapidamente do que eles
podem ser regenerados. Desenvolvimento neste contexto é "co-evolução da mutualidade".

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A segunda razão é que é preciso ir além de ser apenas sustentável para realmente regenerar o
dano que a humanidade provocou no planeta desde o alvorecer da agricultura, das cidades, dos
Estados e dos Impérios.

O diagrama acima mostra a passagem de um sistema degenerativo para um sistema


regenerativo. A escrita verde e vermelha acima e abaixo do eixo x se refere ao impacto positivo
(verde) e impacto negativo (vermelho). No modelo em que tudo continua na mesma (“business
as usual”) o primeiro avanço ocorre quando as práticas se movem para o estágio “Green”
(economia verde), que significa fazer um pouco mais do que o usual, ou seja, poluir um pouco
menos, usando menos energia de fontes não renováveis, etc. Este é um passo frequentemente
denominado “maquiagem verde” (“greenwashing”), mesmo que seja uma necessidade nos
diversos passos na jornada para ir além da sustentabilidade.

Na passagem do verde (“Green”) para o sustentável (“sustainable”) se chega ao ponto do


impacto neutro, em que as atividades sustentáveis não causam danos adicionais. No entanto,
com os enormes prejuízos ambientais causados desde o início da revolução industrial é preciso
fazer mais do que simplesmente sustentar uma população humana de mais de 7 bilhões de
pessoas e que pode chegar a 11 bilhões até 2100, com um crescimento econômico ainda maior.

Na passagem do estágio sustentável para o restaurativo (“restorative”) ainda é possível utilizar


a mentalidade antropocêntrica instrumental que vê o ser humano como a medida de todas as
coisas. Essa mentalidade de engenharia para a restauração pode criar projetos que restaurem
florestas ou ecossistemas, mas de maneira não sistêmicas e integrativas e, portanto, esses
esforços e seus efeitos podem ter vida curta ou resultar em efeitos colaterais inesperados e
negativos.

Na passagem do estágio restaurativo (“restorative”) para o reconciliatório (“reconciliatory”) se


busca projetos de restauração em grande escala para a adaptação cuidadosa à singularidade
biocultural do lugar, podendo gerar sucessos de curto prazo, mas falhar em criar significado
suficiente para motivar a transformação de longo prazo.

Na passagem do penúltimo estágio, o reconciliatório (“reconciliatory”), para o último o


regenerativo (“regenerative”) o desenvolvimento revela o total potencial ecocêntrico. A
reconciliação entre natureza e cultura permitiria reconciliar a jornada evolutiva da vida e
iniciando uma nova trilha de atuação de forma regenerativa. Regeneração de ecossistemas em
grande escala para reverter o aquecimento global, estabilizar o clima, recuperar a
biodiversidade e permitir a transição para uma economia baseada em biomateriais de padrões
ecológicos de produção e consumo descentralizados biorregionalmente e orientados para a
regeneração social e econômica, a resiliência e a colaboração global na aprendizagem de como
viver bem e conjuntamente na mesma nave viva que é a Terra (WAHL, 18/04/2018)

A Terra deveria ter o potencial de alcançar um “Equilíbrio Evolucionário”, significando que os


solos, os oceanos, as plantas, os animais, a atmosfera, o ciclo da água e o clima da Terra possam
interagir de uma forma natural, sem interferência humana. Se estivermos conscientes disso e
não interferirmos no Sistema Terrestre os interesses da humanidade podem coincidir com os
interesses de todos os seres vivos da Terra. A civilização precisa ser compatível com a
reselvagerização do mundo.

Existe a necessidade de fazer a transição da economia fóssil para a “bioeconomia”, que é uma
economia centrada no uso de recursos biológicos renováveis em vez de fontes baseadas em
fósseis para produção industrial e de energia sustentável. Abrange várias atividades econômicas

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desde a agricultura até o setor químico e farmacêutico. Ou seja, é uma economia com base nos
recursos renováveis, conhecimento biológico e processos biotecnológicos para estabelecer uma
economia de base biológica e, acima de tudo, ecologicamente sustentável, focada na
renovabilidade e na neutralidade do carbono.

A greve dos caminhoneiros, de maio de 2018, mostrou como é problemático um país ficar
totalmente dependente dos combustíveis fósseis e como o aumento do preço dos combustíveis
pode gerar revoltas e protestos. Ainda existem setores da sociedade que defendem a exploração
do petróleo como fonte de recursos para financiar o desenvolvimento industrial, educacional e
cultural brasileiro. Contudo, depender de um combustíveis poluidor e que aumenta o
aquecimento global é uma estratégia ambientalmente equivocada e insustentável. O correto é
apostar no desenvolvimento da energia renovável, produzida de forma democrática e
descentralizada, com uma tecnologia própria do século XXI e a geração de empregos verdes. Ao
invés da jazidas abissais das profundezas salgadas do pré-sal, o Brasil tem a opção de aproveitar
o vento, o sol e a água que são recursos abundantes e que não agravam a situação climática do
Brasil e do mundo.

Desta forma, a opção pela descarbonização da economia e pelo decrescimento demoeconômico


aliado à bioeconomia e à regeneração ecológica permitiria colocar a humanidade em um espaço
seguro no Planeta, possibilitando não somente a sustentabilidade, mas também a recuperação
dos danos causados no passado, além de viabilizar a reselvagerização do mundo, para evitar o
ecocídio e o colapso ambiental.

Referências:
ALVES, JED. O trilema da sustentabilidade e o decrescimento demoeconômico, 22º Congresso
Brasileiro de Economia, BH, 08/09/2017
https://pt.scribd.com/document/358390999/O-trilema-da-sustentabilidade-e-decrescimento-
demoeconomico
ALVES, JED. Do antropocentrismo ao mundo ecocêntrico, Ecodebate, 13/06/2012

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http://www.ecodebate.com.br/2012/06/13/do-antropocentrismo-ao-mundo-ecocentrico-
artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
ALVES, JED. Os oito Princípios da Ecologia Profunda, Ecodebate, 05/06/2017
https://www.ecodebate.com.br/2017/06/05/os-oito-principios-da-ecologia-profunda-artigo-
de-jose-eustaquio-diniz-alves/
Daniel Christian Wahl. Beyond Sustainability? — We are Living in the Century of Regeneration,
Resilience, 18/04/2018 http://www.resilience.org/stories/2018-04-18/beyond-
sustainability%E2%80%8A-%E2%80%8Awe-are-living-in-the-century-of-regeneration/
MARTINE, G. ALVES, JED. Economia, sociedade e meio ambiente no século 21: tripé ou trilema
da sustentabilidade? R. bras. Est. Pop. Rebep, n. 32, v. 3, Rio de Janeiro, 2015 (em português e
em inglês) http://www.scielo.br/pdf/rbepop/2015nahead/0102-3098-rbepop-S0102-
3098201500000027P.pdf
O’Neill, D.W., Dietz, R., Jones, N. (Editors), Enough is Enough: Ideas for a sustainable economy
in a world of finite resources. The report of the Steady State Economy Conference. Center for
the Advancement of the Steady State Economy and Economic Justice for All, UK, 2010.
http://steadystate.org/wp-content/uploads/EnoughIsEnough_FullReport.pdf
Richard Heinberg. You Can't Handle the Truth, Resilience, 02/08/2016
http://www.resilience.org/stories/2016-08-02/you-can-t-handle-the-truth
UNEP, Global Material Flows And Resource Productivity: Assessment Report for the UNEP
International Resource Panel, Jul 2016
http://unep.org/documents/irp/16-00169_LW_GlobalMaterialFlowsUNEReport_FINAL_160701.pdf
Tharanga Yakupitiyage. Dreaming of A New Sustainable Economy, IPS, Apr 20 2018
http://www.ipsnews.net/2018/04/dreaming-new-sustainable-economy/

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