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Ética dos Devires – Razão Inadequada


8-11 minutes

Devir é um dos principais conceitos criados por Deleuze e Guattari


e é essencial para entender como seu pensamento funciona. Os
devires se definem em um campo de multiplicidade,
desdobramento da diferença, onde as forças que constituem o
corpo entram em uma zona de vizinhança, fronteiriça, uma co-
presença: o barco deixa o porto seguro e encontra o mar (é para
isso que navios são feitos), algo se transforma ao se relacionar
com este oceano de forças. Há uma multiplicação de si no
acontecimento, no encontro.

Para quem quer me seguir eu quero mais


Tenho o caminho do que sempre quis
E um saveiro pronto pra partir
Invento o cais
E sei a vez de me lançar”

– Milton Nascimento, Cais

Mas não podemos confundir o devir nem com semelhança, nem


com analogia. Ele é real, muito real, é possível senti-lo em todas as
células do corpo. O devir abre a forma homem para modos não
humanos de individuação. Seu objetivo é abrir para a criação de
novos territórios, abre para a criação de novas subjetividades.
Precisamos deste conceito de Deleuze e Guattari para pensar

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outros processos de subjetivação pois nele encontramos uma


originalidade para as relações de velocidade e repouso que
constituem o corpo.

O devir é sempre um ponto de partida, mas que não se sabe


necessariamente onde vai chegar. O devir-animal, criança, mulher,
são apenas os primeiros passos de uma dança sem coreografia.
Troca-se um céu por um deserto que deve ser povoado. Há de se
aprender a improvisar; uma arte dos encontros se faz a cada
passo, criações contínuas serão exigidas em cada curva deste
caminho. Mas não precisamos nos preocupar com a solidão, um
devir acontece por expansão, contágio, ou seja, ele sempre
encontra companhias em sua viagem. Os processos de devir
encontram uma alegria enorme que retorna de sua própria
efetuação. A potência desta expansão não quer capturar o outro! A
liberdade começa a andar juntamente com a liberdade do outro! O
caminho torna-se a casa do nômade, um caminho mais livre e com
mais companhias!

Que o devir funcione sempre a dois, que aquilo que se devém


devenha tanto quanto aquele que devém, é isso que faz um bloco,
essencialmente móvel, jamais em equilíbrio” – D&G, Mil Platôs 4,
p. 112

Podemos pensar em uma tipologia dos devires, para dar conta de


algumas de suas possibilidades. Claro que não conseguiríamos dar
conta de todas as variações porque o devir rapidamente cai em
zonas desconhecidas. Suely Rolnik e Guattari falam de um devir-
cidadão, devir-negro, devir-índio, devir-homossexual e outros dos
quais não falaremos aqui. Há sempre mais modos de experimentar
a vida do que poderíamos descrever. Por isso todos os devires
escapam das representações, eles só podem indicar algumas

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trilhas, pouco usadas e ainda desconhecidas pela maioria.

Devir é, a partir das formas que se tem, do sujeito que se é, dos


órgãos que se possui ou das funções que se preenche, extrair
partículas, entre as quais instauramos relações de movimento e
repouso, de velocidade e lentidão, as mais próximas daquilo que
estamos em vias de devir, e através das quais devimos. É nesse
sentido que o devir é o processo do desejo” – D&G, Mil Platôs 4, p.
67

Todo devir é minoritário. Um elemento de variação que não se


encaixa, que escapa, que se descola. Acelerar a diferença é devir,
deixando para trás o peso que impede os corpos de se moverem.
Por isso mesmo não há qualquer pretensão de universalidade. O
inconsciente opera por conexões, é aí onde está o acontecimento e
se opera a diferenciação, a diferença brota entre duas

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multiplicidades que se encontram. A minoria é um elemento


diferenciador da maioria, que nasce destes encontros. Os dois não
se definem pela quantidade, mas sim pela qualidade. Só podemos
pensar em um sujeito em devir se ele se descolar entre a maioria.

Temos um padrão molar: homem, branco, ocidental, adulto,


racional, heterossexual, habitante de cidades. “O homem é
majoritário por excelência, enquanto que os devires são
minoritários, todo devir é um devir-minoritário. […] Maioria supõe
um estado de dominação” (D&G, Mil Platôs). Este padrão
estabelece uma norma, um modelo cuja principal função é orientar
o campo de forças que constituem o homem, os agenciamentos
que o produzem. Quando estabelecemos uma ideia (estamos
próximos de Platão aqui), que paira sobre os homens, todas as
relações são submetidas ao modelo transcendente. O ser humano
aprende a se conduzir para alcançar este padrão. As estruturas
são mantidas por analogia e imitação. Mas uma imagem não tem
devir! Deleuze e Guattari, ao criarem este conceito procuram
escapar destas formas de conduta, saindo pela tangente, passando
por entre os modelos. A verdadeira revolução acontece quando
abre-se espaço para a diferença não constrangida.

Os devires não são fenômenos de imitação, nem de assimilação,


mas de dupla captura, de evolução não paralela, núpcias entre
dois reinos” – Deleuze & Parnet, Conversações, 66

Uma mulher está em relação secundária para o homem, como


esposa, mãe, dona de casa? A forma mulher talvez, estabelecida
pelo poder. Mas o devir-mulher consiste em pegar as partículas
interessantes de cada modelo colocadas em segundo plano. Da
forma mulher, que é contraposta à forma homem, o que destoa?
Podemos pegar essas pequenas linhas de fuga para desmontar a

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figura da mulher e usar seus afetos e intensidades para escapar


das identidades e ganhar velocidade no processo, aumentar a
potência. Implicação contínua do ser com o fora.

Saindo da representação, não caímos na armadilha da imitação e


da analogia. Não se trata de uma imitação, porque não há
modelos, não fazemos tal qual uma criança, não queremos voltar à
pré-escola, não colocamos vestidos e passamos batom para entrar
em um devir-mulher, não uivamos para entrar em um devir-animal,
não quebramos vidraças para entrar em um devir-revolucionário. A
imitação é um fracasso. Ela pode servir para, em um primeiro
momento, entrar em uma zona de vizinhança, mas devir não é
seguir um modelo, é uma relação real para além de toda
correspondência, sem semelhança, nem homologia. Comprar uma
máquina de escrever e sentar no Starbucks não é entrar em devir-
escritor.

Devir também não é analogia. Porque ainda se está nas estruturas


que conduzem os fluxos do desejo. O devir é um fluxo que escapa,
que cria buracos na estrutura e faz verter desejos que estavam
antes condicionados e canalizados. Não me comporto como o lobo-
alfa para, na minha empresa, entrar em devir-animal e ser
promovido; não me comporto de modo infantil para, no meu
relacionamento, entrar em devir-criança e ser amado. Nosso ponto
de partida é a perda de fundamento, o corpo não gira mais em
torno de seu eixo, nem de outro corpo maior. Agora ele passa
entre, traça uma tangente.

É preciso começar a se pensar em uma ética dos devires que


ponha fim à moral do ressentimento. Estamos em uma luta
constante para superar o niilismo e não cair nos buracos subjetivos
que são verdadeiras máquinas de ressentimento. Um devir nunca

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se conclui ou se concretiza, ele é um processo de agenciamento do


desejo, um modo de vida que se conduz pelas intensidades. Ele
também não é unitário, são coletividades moleculares,
composições ativas! Queremos criar mapas de intensidade:
“Sempre se tem de partir de alguma coisa, ou seja, sempre se tem
que dispor de uma cartografia mínima” (Guattari & Rolnik,
Micropolítica). Todo devir é um rizoma, uma abertura, uma
conexão. Buscar uma ética dos devires é mover-se pelos terrenos
de uma ética do menor, mais solta, que resiste frente aos padrões
molares. Estabelecer novas alianças, não filiativas. Nem
reprodução, nem assimilação: o devir é uma transvaloração.

Devires:

Devir-mulher

Devir-animal

Devir-criança

Devir-revolucionário

Devir-imperceptível

Devir-escritor

Devir-nuvem

Devir-Orvalho

Devir-cão

Todos os devires singulares, todas as maneiras de existir de modo


autêntico chocam-se contra o muro da subjetividade capitalística” –
Félix Guattari e Suely Rolnik, Micropolítica – Cartografias do
Desejo, p. 50

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