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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

FACULDADE DE LETRAS

ADELAIDE TAVARES MONTEIRO LIMA

TÍTULO: A língua cabo-verdiana e a política linguística no País – Cabo Verde -

Rio de Janeiro
2007

Adelaide Tavares Monteiro Lima


A língua cabo-verdiana e a política linguística no País – Cabo Verde -

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em letras neo-latina, Faculdade de Letra,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em
Letras Neolatinas

Orientador: Pierre François Georges Guisan

Rio de Janeiro
2007

Adelaide Tavares Monteiro Lima

2
TÍTULO: A língua cabo-verdiana e a política linguística no País – Cabo Verde-

Rio de Janeiro, 12 de Março de 2007

____________________________________
Pierre François Georges Guisan, Doutor, UFRJ

______________________________________
Maria Aurora Consuelo Lagório, Doutor, UFRJ

________________________
Mónica Maria Guimarães Savedra, Doutor, PUC-RJ

3
Dedicatória

À Ivana e Nádia, “nhas rikeza”, que reavivaram a criança que há em mim; ao meu
marido e companheiro Heldeberto; à minha mãe, ao meu pai e aos meus irmãos
que sempre apoiaram todos os meus projectos.

4
Agradecimentos

É muito difícil encontrar palavras certas para demostrar toda a gratidão que
sentimos em relação aqueles que acreditaram que o nosso projecto era possível
bem como para demostrar o quanto nos sentimos acarinhadas, durante estes dois
anos: ao meu orientador, Pierre Guisan e a todos os meus profesores da pós-
graduação, em especial do Departamento de Neolatinas, aos meus amigos
brasileiros e à malta cabo-verdiana que passaram a ser a minha família, caros
amigos: para cada um de vocês, neste momento, eu diria, tal como disse o músico
cabo-verdiano, Paulino Vieira,

“AMI DJA N KRIA SER PUETA


PA N FAZEBE UN MAR DI PUEZIA
ENFEITODE KU UN BON PÔR-DO-SOL (..)”

( Eu queria ser poeta


Para te fazer um mar de poesia,
Enfeitado com um bom pôr-do- sol (…)”

5
Agora tenho duas línguas comigo.
Estou sempre trocando de língua com um pouco de medo,
Como se fosse um caso de bigamia.
Uma sabe coisas que a outra desconhece,
Acham graça uma de outra, caçoam e às vezes se zangam
Afora isso, elas se dão bem, que sonho nas duas ao mesmo tempo.
Há dias em que quero falar uma e me sai a outra.
Há dias em que fico com uma delas tão engasgada que se calo posso explodir.
(…)
Tenho duas línguas comigo
Duas línguas que me fizeram
E já não vivo sem elas, nem sou eu, sem as duas.

Dués lhénguas – Amadeu Ferreira


Duas línguas – (Tradução feita por José Ribamar Bessa, Freire aprovada pelo autor Amadeu
Ferreira)

6
RESUMO

MONTEIRO LIMA, Adelaide Tavares, A língua cabo-verdiana e a política lingüística no


país – Cabo Verde. Rio de Janeiro, 2007. Dissertação (Mestrado em Letras neolatinas)
Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.

Esta dissertação mapeia a situação sociolinguística de Cabo Verde, país cuja


independência de Portugal aconteceu há 32 anos. Actualmente vive uma situação de contacto
de línguas entre o Português, língua oficial e a língua cabo-verdiana, língua materna, não
oficial. Enquadrada na área dos estudos da sociolinguística e de acordo com a definição de
diglossia apresentada por Charles Fergusson (1959) e alargada por Joshua Fishman (1967) o
contexto linguístico de Cabo Verde tem características típicas de diglossia e foi mesmo
considera uma sociedade diglóssica pelos linguistas nacionais. Esta pesquisa confirmou a
hipótese inicialmente levantada que neste momento assiste-se a uma redistribuição das
funções das duas línguas e a actual situação é mais de contacto de línguas com base na
proposta teórica dos sociolinguistas franceses Louis-Jean Calvet (2002) e Claude Hagege
(2000) e que a própria política linguística do país, comprova.

RÉSUMÉ

MONTEIRO LIMA, Adelaide Tavares, La langue capverdienne e la politique


linguistique dans le pays – Cap -Vert. Rio de Janeiro, 2007. Dissertation (Maîtrise en
Lettres neolatines) Faculté des Lettres de l’Université Fédérale du Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2007.

Cette dissertation décrit la situation sociolinguistique du Cap Vert, pays dont


l’indépendance de Portugal est arrivée il y a 32 ans. Actuellement il vit une situation de
contact de langues entre le Portugais, la langue officielle e la langue capverdienne, langue
maternelle, non officielle. Encadré dans le domaine d’études de la sociolinguistique et selon
la définition de diglossie présentée par Charles Fergusson (1959) et élargie par Joshua
Fishman (1967) le contexte linguistique du Cap Vert a des caractéristiques typiques de
diglossie et a été même considérée une société diglossie par les linguistiques nationaux.
Cette recherche confirme l’hypothèse initialement soulevée qu’en ce moment on assiste a une
redistribution des fonctions des langues et l’actuelle situation est plus de contact de langues
basée en la proposition théorique des sociolinguistiques français Louis - Jean Calvet (2002) et
Claude Hagège (2000) et que la politique linguistique du pays elle même montre.

7
SUMÁRIO

Introdução________________________________________________________ 9
Objectivos________________________________________________________11

1.A situação linguística de Cabo Verde________________________________12

2.Contexto comunicacional e situacional do uso das duas línguas _________16

3. Caracterização linguística da língua cabo-verdiana __________________26

4. A língua cabo-verdiana e o processo de Crioulização _________________29

5. A construção das línguas nacionais – o caso de Cabo Verde ___________48

6. Análise da situação linguística de Cabo Verde no quadro do modelo


representacional _________________________________________________63

7. A política linguística vigente em Cabo Verde _______________________74

Conclusão_______________________________________________________82

Referências _____________________________________________________83

Anexo __________________________________________________________86

Índice _________________________________________________________100

8
Introdução

Esta dissertação vai mapear a política linguística de Cabo Verde


destacando o processo de oficialização da língua cabo-verdiana como língua
nacional, ao lado do português, língua oficial.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa da actual situação linguística de
Cabo Verde, a partir de uma observação não participante do uso das duas línguas
quer nas situações de comunicação oficiais e informais, orais e escritas, em
presença ou à distância.
Nas situações de comunicação oral foram observadas as salas de aula,
mesas redondas, palestras, debates parlamentares, o dia-a-dia nos serviços
administrativos, a comunicação social nacional (Rádio e Televisão) e a
comunicação em ambientes familiares e na rua. Quanto às situações de
comunicação escrita, foram consultados jornais impressos e electrónicos, actas da
Assembleia Nacional de Cabo Verde, ofícios administrativos, literatura
disponível, anúncios escritos na televisão e emails; situações de comunicação oral
são as observações que fizemos de situações de diálogos em ambientes familiares,
na rua e no Parlamento. Consideramos situações de comunicação em presença, as
em que os interlocutores estão face a face e à distância os feitos através de email,
pela Rádio e pela televisão.
Recorremo-nos ao quadro teórico da sociolinguística francesa, com base
nos autores, Louis-Jean Calvet, Henri Boyer e Claude Hagége, cuja ideia
principal é a análise da situação de contacto linguístico como uma situação de
conflito linguístico.
Fazemos uma abordagem macrossociolinguística e na perspectiva
diacrónica.
Para além do factor emotivo que nos impulsionou a estudar a
situação linguística de Cabo Verde, uma vez que somos falantes nativos da língua
cabo-verdiana a oportunidade profissional de leccionar como professora de língua
portuguesa para alunos cabo-verdianos e professora de língua cabo-verdiana para
estrangeiros e, nos últimos cinco anos trabalhamos como redactora na Assembleia
Nacional de Cabo Verde despertou em nós a curiosidade de tentar entender a

9
situação linguística do arquipélago. Durante o nosso curso de licenciatura em
Linguística, na Faculdade de Letras de Lisboa, altura em que tivemos o primeiro
contacto com trabalhos de cariz científico sobre a gramática da língua cabo-
verdiana e, de outras línguas que nasceram no mesmo contexto sócio-histórico
aprendemos que a língua materna dos cabo-verdianos é uma língua assim como o
português ou o francês. Mas, não é esta a percepção que se tem quando se está em
Cabo Verde e se fala da oficialização da língua materna dos cabo-verdianos como
língua nacional, apesar de ser esta a língua que mais se houve em Cabo Verde.
Este paradoxo nos inquietou e procuramos à luz da cientificidade entender o
porquê.
A hipótese que levantamos neste processo de eleição da língua
cabo-verdiana como língua nacional é condicionada por dois factores: primeiro
pela atitude paradoxal do locutor cabo-verdiano que ao mesmo tempo que
idolatra a sua língua materna, assumindo que é um aspecto da sua identidade, no
entanto, a vê como uma língua não hegemónica que só se fala em Cabo Verde e
como tal não existe necessidade de a oficializar, introduzindo-a no ensino, por
exemplo; o segundo factor condicionante é a própria concepção de “língua
nacional” assumida como escolha de uma variante de entre as variedades da
língua cabo-verdiana cuja escolha não é consensual. Questionamos, então até que
ponto os factores representacionais sociolinguísticos condicionam a política
linguística em situações de contacto linguístico?

Linha de pesquisa

Nosso trabalho insere-se na linha de pesquisa intitulada “Processos


Interculturais Lingüísticos e Identitários” do Programa de Pós-Graduação em
Letras Neolatinas da UFRJ, que estuda as representações e o imaginário
lingüístico-discursivo na construção de identidades; as relações entre indivíduo e
a comunidade nas práticas orais das línguas; o papel da norma, da variação e da
mudança; o status das realizações orais; escrita, prestígio, tradição escolar e
académica na difusão das línguas e abordagem crítica das políticas linguísticas.

10
Objectivos:

- geral :

• Contribuir para dar a conhecer a actual situação sociolinguística


de Cabo Verde;
• Participar na busca de uma proposta de política linguística para o
País.
• Desmistificar a ideia de que as línguas crioulas são utilizadas
apenas com função identitária;
• Demonstrar que os discursos coloniais de supremacia das línguas
dos colonizadores ainda hoje se fazem presente através das imagens e
representações sociolinguísticas que os locutores das línguas nascidas neste
contexto sócio-histórico têm;
• Desmistificar a ideia de que a Nação fez aparecer as línguas
nacionais.

- Específico:
• Mostrar que em situações de contacto de línguas, a função, o
papel e o estatuto que as línguas assumem estão condicionadas pelas atitudes,
ideias, imagens e representações que os próprios falantes têm das suas línguas e
interesses outros que não apenas factores linguísticos.

11
1. A situação linguística de Cabo Verde

A situação linguística de Cabo Verde, em termos estritamente


linguísticos, nada tem de particular se se tomar em conta que é uma sociedade
plurilingue à semelhança de tantos outros países onde os locutores lidam
diariamente com mais do que uma língua. Os cabo-verdianos lidam diariamente
com a sua língua materna, a língua cabo-verdiana1 e a língua portuguesa, a sua
língua oficial. Mas tendo em conta que Cabo Verde é uma ex-colónia e como
todas as colónias, esse processo de colonização acarretou também consigo uma
colonização linguística (CALVET, 1974).
A particularidade da situação linguística cabo-verdiana reside no facto de
que a língua materna dos cabo-verdianos, é uma língua formada em condições
histórico-sociais particulares e a sua definição linguística é sempre feita
recorrendo-se a estas características sócio-linguísticas. Em termos da sua
formação, assunto que será abordado no capítulo sobre a origem das línguas
crioulas, a linguista portuguesa, especialista nos estudos sobre crioulo de Cabo
Verde, Dulce Pereira (1983)2 concordando que Cabo Verde fora descoberto pelos
Portugueses (1461-1462) diz o seguinte sobre o arquipélago: “ (…) fora ocupado
logo no início das navegações portuguesas por europeus nobres e seus servos,
cristãos fugidos às perseguições, alguns africanos e um enorme contingente de
escravos trazidos da costa da Guiné para o cultivo dos géneros de sustentação e
criação de gado e, posteriormente, para as plantações de açúcar. Este povoamento
por um sistema de donatárias, foi feito inicialmente nas ilhas de Santiago e do
Fogo. No princípio do século XVII ainda não tinha começado o povoamento de
Santo Antão, S. Nicolau e Boa Vista. S. Vicente só será colonizado em 1794 .”
Estes dados fazem-nos situar a formação da língua cabo-verdiana
(adiante lcv) em Sotavento, particularmente na Ilha de Santiago que funcionou

1
É frequente encontrarmos a designação da língua materna dos cabo-verdianos como “crioulo”designação utilizada pelos
próprios locutores e a expressão “língua cabo-verdiana” utilizada com menos frequência mas ultimamente mais
empregue. Nós usaremos a expressão língua cabo-verdiana para evitarmos qualquer mal entendido em relação às outras
línguas designadas crioulas. Para além disso, também esta expressão tem ainda mais duas grafias: caboverdiano e
caboverdeano. De acordo com o Dictionnaire Encyclopedique et Bilingue - Cabo Verde (2001) foi escritor e filólogo
cabo-verdiano Baltazar Lopes quem utilizou pela primeira vez a expressão “cabo-verdiano” designando “língua nacional
de Cabo Verde”, em 1947, na revista “Claridade” no texto “Uma experiência românica nos trópicos”, atribuindo assim o
estatuto de língua ao crioulo.
2
“ Aspectos do contacto entre o português e o crioulo de Cabo Verde”. Separata do Congresso sobre a situação actual da
língua portuguesa no mundo, Lx.1983. Vol.II ( pg:294)

12
durante mais de um século como entreposto de escravos onde deviam passar
todos os escravos para serem ladinizados. Concretamente, sobre a presença das
línguas que contribuíram para a formação da língua cabo-verdiana a linguista
Dulce Pereira (op.cit.) admite que “(…) a renovação constante dos escravos a par
do êxodo em massa dos senhores, durante a ocupação espanhola, devido aos
ataques dos corsários e à decadência do comércio ( no final do séc. XVII chegou
a população de Santiago a ficar reduzida a “pouco mais de vinte homens
brancos”)3, confirmam a tendência para uma grande diferença numérica entre o
grupo dominador e o dominado e para o pouco contacto deste último com a
língua portuguesa. Tais circunstâncias devem ter favorecido o aparecimento de
uma primeira geração de falantes crioulos logo nos primeiros tempos da
ocupação.” A isso ela ainda acrescenta “ a entrada, até ao início do séc. XVIII, de
pequenos contingentes cíclicos de escravos e a presença de “língua” (intérpretes)4
em Santiago, até pelo menos aos fins do séc. XVII, fazem supor a coexistência,
até bastante tarde, de falantes do crioulo (em maior número), de português, das
línguas africanas e de um pidgin sempre renovado mas com um conjunto já
estável de regras, eventualmente idêntico ao que ainda hoje podemos encontrar
nas zonas rurais da Guiné-Bissau.” Esta hipótese que será analisada mais à frente
juntamente com outras hipóteses de formação dos crioulos parece-nos partir da
teoria monogética, em particular da tese elaborada por Naro (1978) que defendeu
que todos os crioulos de base lexical portuguesa se formaram a partir de um
pidgin de base portuguesa.
Os estudos sobre a língua cabo-verdiana têm-na classificado sempre
como uma língua crioula por causa deste contexto histórico-social. É frequente
encontrar em várias outras ex-colónias situação linguística parecida com a de
Cabo Verde e alguns linguistas, nomeadamente Derek Bicterton (1984)
identificaram um conjunto de características morfossintáticas peculiares às
línguas designadas crioulas, motivo que levou os pesquisadores, sobretudo depois
da década de 60 a inaugurar uma nova área científica - a crioulística -
justificando que as tais características anteriormente referidas estão ausentes em

3
Pissaro, J. C. 1900, apud Fanha Dulce (1983) in Aspectos do contacto entre o português e o crioulo de Cabo
Verde, separata do congresso sobre a situação actual da língua portuguesa no mundo, Lx. Vol.II, p.294
4
Idem, ibidem, p.295.

13
outras línguas não crioulas. Mas a particularidade atribuída às línguas designadas
crioulas não reside apenas neste imaginário que elas constituem um grupo
linguístico diferente das outras línguas, como também é um facto de que são
línguas, na sua maioria orais, sem tradição escrita, não padronizadas,
estatutariamente línguas não oficiais nos países onde são faladas e se restringem
apenas ao papel de língua materna das respectivas comunidades. Decorrentes do
facto de não serem oficializadas, não são padronizadas e dificilmente são
utilizadas na modalidade escrita: quer na Administração quer no ensino, espaço
onde domina a língua oficial que normalmente é a língua do colonizador. Por
isso, a língua portuguesa era vista como a língua de prestígio, que permite
adquirir o saber e que dá acesso aos cargos administrativos em detrimento da
língua cabo-verdiana, classificada por José Joaquim Lopes de Lima (1844)5 como
“(…) gíria ridícula, composto monstruoso de antigo Portuguez, e das Línguas de
Guiné (…) ”. Esta visão sobre as novas línguas formadas durante a expansão
europeia apesar de terem diminuído, não desapareceram e, ainda, hoje é possível
ouvi-la inclusive da boca dos seus locutores, como se pode comprovar no corpus,
em anexo. Estes aspectos aliados ao mito do que a valorização de uma língua
começa a partir do momento que ela é escrita, retira todo o prestígio às línguas
designadas crioulas.
Retornando à situação de Cabo Verde que não pode ser uma situação de
plurilinguismo como existe, por exemplo na Suiça, onde existem quatro línguas
oficiais e a situação de comunicação quer oral quer escrita acompanha a situação
linguística in vivo. Cabo Verde lida, actualmente, com uma nova modalidade de
um velho problema: a coexistência de duas línguas ou nos termos do quadro
teórico que estamos a utilizar, uma situação de línguas em contacto, sabendo que
uma das línguas, em termos de estatuto e socialmente goza de menos prestígio
junto aos locutores.
Das observações que fizemos nos contextos acima mencionados notamos
que a funcionalidade da modalidade oral predomina no uso da língua cabo-
verdiana e na modalidade escrita prevalece a língua portuguesa. Isto foi também
confirmado no artigo de Guisan, apresentado na ASSEL 2005 que fez a seguinte

5
Apud Lopes, Baltazar ( 1957).O DIALECTO CRIOULO DE CABO VERDE. Escritores dos Países de Língua
portuguesa.1.Imprensa Nacional – Casa Moeda – Lisboa -1984

14
caracterização da diglossia existente em Cabo Verde: “ (…) a diglossia em Cabo
Verde se caracteriza por uma homologia, ou seja um paralelismo estrito entre as
modalidades oral e escrita, com a consequente alienação que aflige a língua do
povo. Situação problemática do ponto de vista sócio-linguístico, que pode vir a
gerar problemas graves no aspecto sociológico, já que sanciona e perpétua uma
segregação entre as classes e promove o aumento das disparidades que já se
observam (…)”. Opinião parecida emite a linguista portuguesa Mafalda Mendes
(a propósito da repartição do uso das duas línguas: “ (…) a diglossia existente em
Cabo Verde é caracterizada pela exclusividade dos contextos da escrita para a
língua portuguesa e pela predominância do uso da língua materna nos contextos
de oralidade.” 6.
Vamos, a seguir ilustrar os contextos do uso das duas línguas nas
modalidades oral e escrita, em diferentes contextos situacionais e
comunicacionais.

6
In Revista Língua Portuguesa e Cooperação para o Desenvolvimento. Mira Mateurs, M.H. (org) 2005:123.
Edições colibri e CIDAC. Julho, Lisboa

15
2.Contexto comunicacional e situacional do uso das duas línguas
2.1. Contexto de comunicação oral
2.1.1. Família
Durante a observação que fizemos, notamos o funcionamento das duas
línguas em Cabo Verde, notamos que estando em casa, em um ambiente familiar,
o locutor cabo-verdiano, escolhe na maior parte das vezes a língua cabo-verdiana.
Encontramos poucas situações em que a língua portuguesa era a língua materna.
No entanto, registamos que as histórias tradicionais, em qualquer
ambiente são em cabo-verdiano bem como anedotas, adivinhas e outros conversas
de convívios informais.
2.1.2. Escola
A grande maioria dos professores fala cabo-verdiano entre si não só na
sala do professor mas também fora da sala. Durante as reuniões de coordenação,
normalmente os coordenadores iniciam a reunião em português, mas momentos
depois continua prevalecendo o diálogo em língua cabo-verdiana. Notamos ainda
que os professores mais antigos, na faixa etária de 50 anos são os que mais fazem
uso da língua portuguesa quer com os colegas quer com os alunos e também nas
reuniões. Os conteúdos programáticos são transmitidos em língua portuguesa. É o
próprio relatório da UNICEF sobre as dificuldades e possibilidades dos
professores e dos alunos no processo de Ensino-Aprendizagem citado em (2003)
no Plano Estratégico para a Educação, M.E.V.R.H7.( p.40) que diz que “O ensino
dos conteúdos, na maioria das aulas observadas, é marcado quase sempre por um
ritual em que o silêncio, a submissão, a sacralização do saber e do professor, são
os seus elementos constitutivos.” Da observação que fizemos pode-se, ainda,
constatar que cresce o número de professores que optam por falar com os alunos
em cabo-verdiano quer dentro quer fora da sala. Relacionado com isso, pergunta-
se até que ponto a formação dos professores de ensino fundamental e secundário,
feito em Cabo Verde está relacionado com isso e o próprio facto de estes
professores terem no seu currículo a disciplinas de introdução à linguística e da
própria estrutura da língua cabo-verdiana?

7
Ministério da Educação e Valorização dos Recursos Humanos

16
2.1.3.Convívio social e eventos culturais
Como nos outros sectores, é possível encontrar a utilização das duas
línguas. Os grupos teatrais nacionais apresentam as peças em português ou em
cabo-verdiano e como nos explicou um dos directores de um grupo teatral, muitas
vezes depende do tema a abordar e são os próprios autores que acabam por
decidir.

2.1.4. As actividades religiosas


Nos últimos anos tornou-se frequente as celebrações religiosas
serem proferidas em língua cabo-verdiana o que há duas décadas atrás não era
possível.

2.1.5. Nos Serviços Administrativos


As duas línguas aparecem com muita frequência e dependo dos
interlocutores pode-se ouvir o cabo-verdiano ou o português. Notou-se mais
tendência do uso do português entre a classe dirigente, mas actualmente, os
quadros mais jovens, mesmo estando em posição de chefia recorrem muitas vezes
ao cabo-verdiano, durante as reuniões.

2.1.6.Comunicação social
Na Rádio e na Televisão Nacional de Cabo Verde a apresentação
das notícias é feita em português. No entanto, nas reportagens, entrevistas,
programas culturais e debates é frequente ouvirmos o jornalista a se dirigir aos
entrevistados em língua cabo-verdiana bem como a tendência de ser em
português quando se trata de algum intelectual ou político. Desconhece-se o
critério utilizado para a escolha de uma ou outra língua tendo em conta que não
cabe no âmbito desta dissertação as motivações para os usos linguísticos, mas
levantamos a hipótese que o nível de escolaridade e função social desempenhada
condiciona o uso de cada uma das línguas. Por exemplo, quando das últimas
eleições presidenciais e legislativas, a Comissão Nacional de Eleições, divulgou
um anúncio sobre o dever cívico do cidadão, o texto passava na televisão em
português, mas a voz off, era em cabo-verdiano, parecendo fazer a tradução. E foi
emitido nos mesmos moldes em cabo-verdiano, pela RTP- África Internacional.

17
As campanhas contra a droga, alcoolismo, AIDS, aparecem ora em português, ora
em cabo-verdiano. Há cerca de cinco anos, foi lançado uma campanha para uma
melhor utilização da água, e os textos e a letra da música apareciam em cabo-
verdiano e em francês8.

2.1.7.Publicidade
Antigamente só se ouvia publicidades em português. Ultimamente, é
frequente ouvir na Rádio e na Televisão nacionais publicidades em cabo-
verdiano. A própria empresa de comunicações telefónicas CABO VERDE
TELECOM, S.A tem apresentado planos para telemóveis cujos nomes são em
cabo-verdiano. Uma empresa chinesa de construção de janelas e portas de
alumínio publicita os seus serviços na televisão com um texto escrito em cabo-
verdiano.
A divulgação de actividades culturais e desportivas, bem como políticas
são feitas em cabo-verdiano e Português. Mas o serviço oficial da Rádio Nacional
que divulga informações de emprego, comunicações de falecimento, é feito em
português. No entanto, no mesmo programa pode-se ouvir convites em crioulo,
para bailes de grupos musicais ou actividades teatrais.

8
O Projecto era financiado pela cooperação francesa.

18
2.2. Contexto situacional de comunicação escrita
2.2.1. Como dissemos no início, na modalidade escrita predomina o uso
da língua portuguesa. Não obstante, começam a aparecer textos literários escritos
em língua cabo-verdiana. Em textos formais, como as actas das sessões plenárias,
datadas a partir de 1999. Nas revistas podemos encontrar, esporadicamente,
títulos em cabo-verdiano, sobretudo quando se trata de matérias de festas
tradicionais. Nos géneros jornalísticos, entrevistas e reportagens, encontramos
textos dos entrevistados que foram traduzidos da língua cabo-verdiana para o
português. No entanto, é comum encontrar várias expressões do quotidiano cabo-
verdiano em qualquer jornal ou revista nacional quer em versão electrónica quer
impressas.

2.2.2. O português foi sempre a língua oficial foi do sistema educativo e


por isso, a única utilizada na modalidade escrita, enquanto que o cabo-verdiano
nunca foi utilizado no sistema de ensino na modalidade escrita a ponto de os
alunos desconhecerem a existência do ALUPEC – Alfabeto Unificado para a
Escrita do Cabo-verdiano.

2.2.3. Na área da literatura, existe um número bastante reduzido de obras


escritas em cabo-verdiano e são publicações recentes. No entanto, aparecem
sempre expressões em cabo-verdiano nos textos, sobretudo na boca das
personagens. Quando falamos da modalidade oral, referimo-nos às tradicionais
histórias que eram contadas às crianças no final do dia. Existem, hoje, uma versão
bilingue, cabo-verdiano versus português, de algumas destas histórias9. No
entanto, existem registos escritos de poesias em cabo-verdiano, por exemplo do
poeta cabo-verdiano Eugénio Tavares, que morreu em 1930. Muitos poemas dos
escritores cabo-verdianos são hoje letras de músicas que aparecem escritas em
cabo-verdiano nos discos e cd’s. Aliás, os discos e cd’s são os suportes que mais
têm divulgado o cabo-verdiano na modalidade da escrita. Pela ausência de uma
normalização pode-se verificar a alternância no uso das grafias, entre o
etimológico e o fonético. Se a grande maioria, em termos de romances são

9
Nomeadamente , as história do “Ti Lobo e Chibinho”

19
escritos em língua portuguesa o mesmo já não se pode dizer das letras das
músicas, inclusive música religiosas.

2.2.4.Nos topónimos encontramos inscrições em português, mas os


falantes sempre pronunciam-no em cabo-verdiano. O nome das ruas aparece
sempre em português. Em muitos casos, o próprio nome do indivíduo tem versão
bilingue. Por exemplo, “João” é frequente que alguém o chame de “Djon”. No
entanto, o que aparece no na Certidão Narrativa de Nascimento é o nome em
português ou em outra língua, mas nunca em cabo-verdiano. Também
encontramos em t-shirts e souvenirs frases e expressões em cabo-verdiano.

2.2.5. A comunicação instantânea via Internet, ganha cada vez mais


adeptos da escrita em cabo-verdiano. Os emails que inicialmente sempre
apareciam em português começam a surgir, em cabo-verdiano. A camada mais
jovem dificilmente recorre-se ao português para escrever email aos amigos. Facto
interessante anotado aqui é a convivência, na modalidade escrita, das variantes
linguísticas existentes na própria língua cabo-verdiana. Perante a ausência de uma
norma ortográfica bem como a ausência de uma política para a escolha da
variante linguística padrão, os internautas escrevem de acordo com a variante que
eles falam. Os locutores que, na situação de comunicação invertem os papéis de
emissor – receptor, não questionam a norma ortográfica utilizada. Acabam por ler
o texto na variante que lhes foi escrito.

2.2.6. Foi publicada em 2005 a primeira versão em língua cabo-verdiana,


de um dos livros da Bíblia, o Livro de Lucas. A tradução da Bíblia vem sendo
feita por uma equipe de evangélicos da Igreja Nazarena na Praia, encabeçados por
dois linguistas norte-americanos. No entanto, não encontramos nenhum
documento oficial que esteja elaborado em cabo-verdiano.

Esta descrição nos mostrou que, neste momento, se assiste a uma


redistribuição do uso das duas línguas. Já não se pode falar em exclusividade do

20
uso da língua portuguesa na modalidade escrita e, em espaços oficiais.
Reconhecemos o uso exclusivo da língua portuguesa em documentos oficiais10.

2.3. A língua utilizada em situações formais de comunicação


Outra constatação feita durante a nossa pesquisa são as características
gramaticais da modalidade oral da língua utilizada na comunicação social oral e
em espaços oficiais, como o Parlamento, nas reuniões de trabalho ou encontros
cujos interlocutores ocupam uma posição social destacável ou têm formação
académica de nível superior. Nestas situações, normalmente, predomina o uso do
português. No entanto, uma observação atenta mostra a existência de grandes
interferências do cabo-verdiano no português, interferências duramente criticadas
como sendo erros gramaticais no português.
Ondina Ferreira 11 abordou este problema em um artigo publicado em 10
de Maio 2006 cujo título é: “Crioulês – o novo veículo de comunicação dos
Quadros?” onde ela expõe exactamente a constatação acima e vai mais longe
afirmando que uma nova língua tem vindo a “(…) insinuar-se discreta,
paulatinamente e, diria, quase envergonhadamente, mas sempre em crescendo,
uma nova língua – chamemo-la crioulês, por comodidade de expressão -, uma
forma particular de comunicar e de se fazer entender, utilizada, sobretudo, nos
media, pelos técnicos, pelos políticos e pelos professores da terra, que, parecendo,
não querer expressar-se nem em cabo-verdiano, nem em português, ou fugindo a
isto, optam e fazem-no através desta espécie, híbrida, de compromisso, para uma
fala situada entre o cabo-verdiano e o português. Presumo que não se trata nem da
evolução de um nem da evolução do outro, se assim me é permitido dizer. Por
vezes - se me acontece apanhar o discurso já iniciado – interrogo-me sobre a
língua veicular, se português, se cabo-verdiano. A dúvida permanece até ao fim.
Aí deduzo que se trata do crioulês. É escutá-los no Parlamento, nas reuniões, e,
de preferência, frente aos microfones da rádio ou da televisão. (…) ”
A partir deste artigo seguiram-se vários comentários dos locutores cabo-
verdianos e de colunistas de jornais. Transcrevemos alguns de modo a mostrar

10
Com excepção das actas da Assembleia Nacional de Cabo Verde.
11
Licenciada em Letras e Literaturas Modernas pela Universidade de Letras de Lisboa, foi professora de
Português em Cabo Verde e exerceu as funções de Ministra de Educação e Vice-Presidente da Assembleia
Nacional de Cabo Verde.

21
que a as justificativas para a valorização ou não das línguas existentes em Cabo
Verde passam pelo conceito de língua nacional, pelas representações
sociolinguísticas e pela própria política linguística do país no seio da política de
desenvolvimento de Cabo Verde.
Comentário 1:
“ (…) Como interpretar o fenómeno de “crioulês” numa altura em que
vem ventilada a oficialização do crioulo e sua ascensão a língua do Estado! O
“crioulês” pode considerar-se um elemento de real interesse no laboratório de
ensaio onde decorrerão os estudos e as ponderações de ordem linguística que irão
propiciar os primeiros contornos da nova língua oficial do Estado de Cabo Verde?
Não me parece. Esta nova linguagem, que tanto pode designar-se “crioulês” como
“portucriol”, por mais próxima do português que do crioulo, não tem a
integridade genética da língua de berço cabo-verdiano e, portanto, pouco relevo
deverá assumir na definição da personalidade morfológica, semântica e fonética
daquela que, como é pretensão de alguns, poderá vir a ser, ou não, a principal
língua oficial do país. Caso contrário, pouco sentido faria banir o português como
língua oficial, ou secundarizar-se a sua importância, já que entre ele e o crioulês
não existe um diferencial linguístico significativo (…);

Comentário 2:
“Até que enfim, alguém já deu conta deste fenómeno. Devemos sacudir
complexos e usar a língua portuguesa, como deve ser ou usar o crioulo, também
como deve ser e evitar esta “djagacida” que, afinal só os letrados entendem. Ou
será que o crioulês já é um indicador de alta posição social?”

Outros exemplos sobre isso estão no capítulo “Recursos”.

Não podíamos deixar de citar dois casos bastante interessantes e


importantes a se levar em conta neste processo de oficialização da língua cabo-
verdiana como língua nacional que é a atitude linguística dos estrangeiros em
Cabo Verde

22
2.4. A atitude linguística dos estrangeiros em Cabo Verde
Relativamente, à atitude dos estrangeiros em Cabo Verde, tomaremos
como exemplo, a presença de um grupo de cidadãos que entram no país e se
dedicam ao comércio formal e informal que é o caso dos cidadãos Chineses,
Camaroneses, Senegaleses e Marroquinos e, por outro dos cidadãos que entram
através da cooperação técnica com Cabo Verde.
a) A “imigração “ chinesa e dos cidadãos da África continental
aumentou grandemente nos últimos anos em Cabo Verde. Ambos os cidadãos
estão a constituir família em Cabo Verde e os filhos frequentam os
estabelecimentos de ensino nacional. O facto do português ser a língua oficial
utilizada nas escolas constitui um dos principais entraves no processo de
aprendizagem destes novos alunos que têm a língua cabo-verdiana como língua
veicular. Quer os chineses, os senegalês e os outros estrangeiros lidam todos os
dias com uma clientela cabo-verdiana que só usa o cabo-verdiano como língua de
comunicação quer nas lojas (casas comerciais) caso dos chineses, quer no maior
“centro comercial popular “ da capital - Sucupira - . Nas visitas que fizemos a
estes espaços, não registamos um único caso em que estes estrangeiros fizessem o
uso da língua portuguesa. Registamos o uso do cabo-verdiano, do francês ou do
inglês. Reparamos, ainda que em algumas lojas chinesas, encontramos “placas
publicitárias” com frases que se pretendia escrever em português, mas as palavras
são do cabo-verdiano: “vende-se calça mon di vaca “ - (vende-se bermuda) – ou
outras como “ vendemos buluza barato”. No entanto, notamos que no início da
nossa pesquisa eram mais frequentes as lojas com inscrições em cabo-verdiano.
Agora aparecem poucas inscrições do tipo ou, então, as frases aparecem frases
com estruturas semelhantes aos exemplos acima referidos. Um dos últimos
exemplos que retemos é a de uma empresa chinesa de janelas e portas, em
madeira e alumínio, que apresenta a sua publicitada na Televisão nacional cujo
texto é escrito e lido em língua cabo-verdiana.

b) Quanto ao II grupo de estrangeiros, na sua maioria são técnicos com


formação superior, específica que também optaram pelo cabo-verdiano como
língua de comunicação em Cabo Verde.No entanto, alguns deles sentiram a
necessidade de aprender e outros de aperfeiçoar o português porque tinham que

23
elaborar relatórios técnicos em português e, como nunca utilizavam o pouco
português que sabiam, tiveram a necessidade de ter aulas extras de português12.
Mas por outro lado, um agrónomo francês, hoje, doutorado em Linguística, conta
que quando se candidatou para ir trabalhar em Cabo Verde, e a língua estrangeira
que lhe foi exigida foi ou o espanhol ou português. No entanto, uma vez chegado
a Cabo Verde ele se deu conta que estava a trabalhar num país cuja língua ele não
entendia e não sabia falar. Quando começou a fazer os trabalhos de terreno, no
interior de Santiago e passava os dias ao lado de agricultores e nas horas de lazer
com jovens e em casas de família onde a única língua que ele ouvia era o cabo-
verdiano, então ele teve que, obrigatoriamente, dedicar-se à aprendizagem da
língua crioula. Como estratégia, passou a andar com um bloco onde anotava as
palavras novas que aprendia e as expressões acabando por escrever um mini-
dicionário pessoal que mais tarde resultou dicionário cabo-verdiano – português a
que todo o público veio a ter acesso.
Ainda, deste II grupo faz parte os estrangeiros, voluntários do Corpo da
Paz. Anualmente, Cabo Verde recebe um grupo de jovens americanos, cerca de
25, que nunca tinham tido nenhum contacto com Cabo Verde. Chegados a Cabo
Verde, recebem uma formação de dois meses, da qual faz parte para além de um
curso dos aspectos culturais cabo-verdianos, um curso da língua portuguesa e
outra de língua cabo-verdiana. Durante vários anos, o curso de língua sempre
começou pelo língua portuguesa que ocupava três terços do total das horas do
curso. A pedido dos próprios estagiários, inverteu-se a ordem do programa
passando o curso a começar pelo ensino do cabo-verdiano. A justificativa dos
estagiários foi que enquanto eles aprendiam o português na formação, fora do
curso ninguém falava com eles em português e para fazerem compras no mercado
municipal, na Feira, em Sucupira, para apanhar o transporte público e comunicar-
se com as famílias com as quais eles viviam a comunicação era feita em cabo-
verdiano. Por outro lado, nem todos eles teria oportunidade de utilizar o
português mais tarde porque alguns eram professores de inglês e outros iriam
trabalhar na área social nas câmaras municipais. Estes últimos precisariam do

12
Em 2004, não existiam nenhuma instituição, em Cabo Verde, que desse aulas de língua portuguesa para
estrangeiros. O centro cultural português que normalmente fazia isso, tinha encerrado os cursos Os estrangeiros
que nos procuraram para terem aulas de cabo-verdiano e – ou - outros de português, queixavam-se que queriam
aulas de português cujo programa contivesse a variante de português falado em Cabo Verde.

24
português, por causa dos relatórios que tinham que fazer mas os professores de
inglês, quase nunca utilizariam o português, porque as aulas eram em inglês e em
momentos que não estivessem a leccionar utilizariam o cabo-verdiano. Eles
ficariam em Cabo Verde por um período de dois anos, findo o qual, todos
estariam falando cabo-verdiano sem nenhuma hesitação, enquanto que uma
grande parte deles tinham esquecido o que aprenderam sobre a língua portuguesa.
Trabalhamos, individualmente, com alguns destes voluntários. Alguns
que sabiam espanhol, admitiam que não tinham problemas em serem
compreendidos nas reuniões de trabalho e os colegas cabo-verdianos auxiliavam-
lhes na escrita de relatórios, mas queriam aprender o cabo-verdiano porque
queriam fazer parte da vida do dia-a-dia dos cabo-verdianos.
Terminamos esta descrição do uso da modalidade da escrita do cabo-
verdiano e do português com a resposta à pergunta “Quem escreve em cabo-
verdiano?” Respondemos que apenas os alfabetizados em português,
independentemente do grau de escolaridade, e assumem que o fazem porque têm
dificuldades em escrever em português, porque a gramática da língua portuguesa
é complicada e desconhecem muitos vocabulários bem como aqueles que apesar
de ter feito a formação superior em Portugal ou no Brasil, preferem escrever em
cabo-verdiano. Basta confirmar isso, com os emails que os estudantes nestes
países trocam entre si e com os colegas e familiares que se encontram em Cabo
Verde.

25
3. Caracterização linguística da língua cabo-verdiana

Independentemente da origem e formação da língua cabo-verdiana,


actualmente, ela é uma língua com cerca de 500 mil de falantes em Cabo Verde e
na diáspora, sabendo que a Cidade da Praia tem quase metade desta população e
que a maior comunidade emigrada, fica em Bóston com cerca de 264, 900 mil
habitantes. Como dissemos, anteriormente, Cabo Verde é um arquipélago
composto por 10 ilhas tendo cada uma a sua variante dialectal o que é vista pelos
locutores e pelo senso comum como um empecilho para a oficialização da língua
nacional cabo-verdiana, crentes no mito de que a língua nacional é a eleição de
uma variante linguística de uma determinada comunidade. Podemos comprovar
isso no corpus, em anexo onde os depoimentos de locutores variados discutem
entre si qual dessas variantes deverá ser a variante padrão da língua nacional,
sobretudo para a situação da escrita. É, precisamente, sobre estas variantes
dialectais que vamos nos debruçar neste ponto, mostrando através das
características morfossintáticas comuns que estruturalmente existe apenas uma
única língua em Cabo Verde. À parte as características morfossintáticas existem
ideias, imagens ou representações que os falantes têm das duas variantes, em que
algumas variantes têm mais prestígio social que as outras. Em Veiga (1995) ele
afirma que a variante da Ilha de S. Vicente tem um certo prestígio social.
Pessoalmente, na observação que fizemos comprovamos isso, até que os falantes
destas ilhas, dificilmente adaptam-se às variantes de outras ilhas ainda que vivam
muitos anos numa outra Ilha. E o contrário acontece com maior rapidez. O
prestígio social desta variante poderá estar relacionado com o facto de ela ter sido
povoada tardiamente, no século XVIII. Foi palco do primeiro liceu de Cabo
Verde e os primeiros homens de cultura e da literatura cabo-verdiana, saíram
desta ilha, bem como a publicação das primeiras revistas culturais.
Se levarmos em conta a linha teórica do gerativismo, podemos dizer que
a variação entras as variantes se dá apenas a nível de superfície já que os
locutores das diferentes variantes dialectais nunca precisaram de se recorrer a
uma outra língua para se comunicarem, se compreenderem. As diferenças mais
acentuadas são a nível da realização fonética.

26
Já o primeiro trabalho descritivo sobre a língua cabo-verdiana, de
Baltasar Lopes (1957:35) ele dizia: “O crioulo de Cabo Verde distribui-se por
dois grupos maiores: o de Barlavento (Santo Antão, S. Vicente, S. Nicolau, Boa
Vista e Sal) e o de Sotavento (Maio, Santiago, Fogo e Brava).” A seguir ele
elenca as características de cada um sempre em comparação com a estrutura
gramatical do português europeu.
Analisando a língua cabo-verdiana tendo em conta a tipologia das
línguas, vimos que não nos é possível classificá-la como línguas isolantes ou
aglutinantes.
Ela tem alguma característica de línguas isolantes, conforme Guisan
(1999:85) “As palavras têm forma fixa; a função é definida pela ordem das
palavras na frase, pelo acréscimo de partículas, ou pelo agrupamento de palavras”
: por exemplo, a função de algumas palavras varia de acordo com a sua posição
na frase :
Ex: tistimunha tistimunha 13. (A testemunha testemunhou.) Pela estrutura
fixa da ordem das palavras na frase, sabe-se que a primeira expressão
desempenha a função de sujeito e a segunda de verbo. Recorrendo-nos mais uma
vez ao gerativismo, a Lcv se enquadraria no grupo das línguas SVO. Isso
acontece mesmo com os pronomes.
Locutor A: undi maçã di mininu! ( Onde está a maça do menino!)
Locutor B: Maria kume-el el. > El kume-el el. (Ela comeu a maçã do
menino)
Em que o falante interpreta a função de cada pronome, realizado
lexicalmente pelo mesmo item, devido à ordem regida das frases - SVO Ind Od –
cuja tradução literal seria “ ele comeu do menino a maçã -. No lcv, o objecto
indirecto com o papel temático de recipiente vem sempre antes do directo.
Também podemos identificar partículas que uma vez acrescidas aos
verbos alteram o tempo dos verbos e outras, mesmo a pessoa verbal o que a faz
pertencer ao grupo das línguas aglutinantes. “Às palavras são acrescidas uma ou
várias partículas com uma função específica para cada uma delas, de modo a

13
Pereira, Dulce, “O principio de parcimónia”. In Actas do colóquio «crioulos de base lexical» Lisboa, 26 a 28
de Junho de 1991 ‘ Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

27
definir a função e os atributos de cada palavra (...) aglutinante. ” (Guisan 1999:
85)
Apresentamos, a seguir, um exemplo da flexão temporal com o verbo
Bai (IR) em que as partículas que indicam a flexão de tempo estão sublinhadas:
N bai bu kaza (Fui à tua casa.)
N baba bu kaza ( Eu tinha ido à tua casa).
N ta bai bu kaza ( Vou à tua casa).
N sa ta bai bu kaza. ( Estou ( a caminho) a ir para tua casa).
N al bai bu kaza ( Talvez, eu vá à tua casa).
Badu bu kaza ( alguém foi pra tua casa).
Bada bu kaza ( alguém tinha ido para tua casa).

Como se pode ver pelos exemplos, há partículas que são presas e outras
que são livres.
Por exemplo, a flexão de género nos nomes e adjectivos depende
de traços referenciais dos itens lexicais (ou sintagmas nominais). Os autores
Manuel Veiga, Baltazar Lopes da Silva e Dulce Pereira comungam a ideia de que
estas especificidades estão relacionadas com os traços animados e não-animados,
humanos ou não-humanos. Nós questionamos se não terá a ver ainda com um
outro traço que é mais ou menos adulto porque muitos adjectivos flexionam com
nomes que se referem a adultos e não com os que se referem a crianças. Pesquisas
mais detalhadas poderão precisar a partir de que idade.

28
4. A língua cabo-verdiana e o processo de Crioulização

Neste capítulo, a minha intenção é entender as razões linguísticas porque


a língua cabo-verdiana é classificada como uma língua crioula. Para isso,
recorremos aos estudos crioulos, mais precisamente à bibliografia referente às
teorias da origem das designadas línguas crioulas.

4.1. Os Estudos Crioulos


Os primeiros estudos crioulos começaram com os trabalhos do Hugo
Shuchardt, com o jornal intitulado “Estudos crioulos” publicado em 1880 e,
também descrições do filólogo português Adolfo Coelho das línguas crioulas a
que ele apelidou de dialectos neo-latinos da África, Ásia e América, (Susan
Romaine, 1988:4) entre os quais aparece a actual língua cabo-verdiana.
O interesse para os estudos crioulos teve o seu auge nos anos 60 onde
apareceram cada vez mais linguistas a se interessarem pelos estudos
verdadeiramente linguísticos das línguas designadas crioulas, uma vez que
anterior a esta data os poucos estudos eram mais geográficos do que linguísticos
(Susan Romaine, 1988:5).
Susan Romaine (op.cit) ainda nos lembra que esta foi também a época
do desenvolvimento da sociolinguística e de uma nova concepção da língua. E os
estudos crioulos contribuíam muito para os estudos da linguística histórica e foi
de grande interesse para a sociolinguística, dos anos 60, sobretudo a teoria da
14
variação. Hymes (1971:5) observou que “a pidginização e Crioulização
representam o extremo para o qual os factores sociais podem se encaminhar
(perfilar) na transmissão e uso da linguagem.”
A partir dos anos 60, como dissemos atrás, o aumento do interesse pelos
estudos crioulos originou congressos e encontros internacionais de linguistas
devido ao objectivo do estudo comum – o estudo das línguas crioulas – auto-
designaram-se de crioulistas. Estes, normalmente, corroboram em relação à
natureza do contexto social e histórico em que estas línguas se formaram

14
Apud S.Romaine, 1988:5 tradução feita por nós do seguinte excerto: “ … has remarked that pidginization
and creolisation represent the extreme to which social factors can go in shaping the transmission and use of
language…”

29
discordando, no entanto, em relação ao processo linguístico que as resultaram. (
Salikoko S. Mufwene)15.
Assim, várias hipóteses tentaram explicar a origem das línguas
designadas crioulas, mas como nos alerta Susan Romain (1988:6) é preciso ter em
conta a concepção da língua que veiculava nos estudos linguísticos no século
XVI. As línguas clássicas, como o latim e o grego, eram as únicas que deviam
servir de objectos de estudos gramaticais, devido à complexidade da morfologia
flexional, contrastando com as línguas como o inglês e o francês que,
comparativamente, com estas línguas são vistas como línguas sem gramática. No
século XIX, desenvolveu-se a ideia de línguas desenvolvidas e não
desenvolvidas. Durante este século, ainda as línguas são classificadas numa
perspectiva historicista, em que as semelhanças se explicam através de uma
origem comum (GUISAN, 1999:23). Assim, as línguas pidgins eram vistas como
corruptas, versões simplificadas de línguas “dadores” de léxico. Nesta óptica,
surgiram várias hipóteses para explicar a origem das línguas crioulas partindo do
pressuposto que elas partilham um conjunto de traços ausentes em outras línguas
cuja formação não envolveu o mesmo contexto sócio histórico. Este contexto
envolve sempre a expansão europeia, (as línguas europeias) as colonizações e,
inevitavelmente, as línguas africanas, cujos falantes estavam em situações de
desigualdade social e económica. Como define François (1980:301)16 : “deve
considerar os crioulos como resultado da interacção linguística de dois grupos
sociais de origens diferentes em situação de desigualdade (Aqui colonos europeus
e escravos africanos)”. No enquadramento dos estudos linguísticos da época, os
crioulos e os pidgins beneficiaram das mesmas explicações para as suas origens.
A ideia da teoria de baby talk, ventilada por crioulistas tão antigos como
Hasseling (ROMAINE, op cit. p.72) ou mesmo mais recentes como Bickerton os
pidgins são resultados de “aprendizagem imperfeita do modelo linguístico por
parte dos escravos”. Mas outra definição contrapôs-se a essa já no início do
século XX por Hugo Schuchardt (particularmente em 1909 e 1914) que
considerou que as estruturas reduzidas dos pidgins resultaram de um esforço
consciente de simplificação pelos brancos na típica relação senhor/escravo da

15
“ The Universal and Substrate Hypothese Complement One Another” In Universal and substrate Hypptheses
16
Apud P.Guisan ( 1999: 49)

30
situação colonial17. Também Bloomfield introduziu a ideia de que um jargão
convencionalizado emergiu como resultado de um processo de imitação
recíproca, ou a imitação dos escravos ou a imitação dos senhores. 18 Esta hipótese
tinha como propósito explicar a semelhança entre os vários pidgins e crioulos,
objectivo que não foi alcançado por um lado porque existem pidgins não
compreensíveis entre si (GUISAN, 1999:59) e por outro, línguas ditas crioulas
que partilham as mesmas características entre si, mas estas características estão
ausentes nas línguas europeias que estiveram envolvidas no processo de formação
destas línguas. No entanto, estes mesmos traços estão presentes em outras línguas
europeias. No caso da língua cabo-verdiana, relativamente ao parâmetro do
sujeito nulo, ela se comporta como a língua francesa – é uma língua que pede a
obrigatoriedade de realização do sujeito – e diferente do português europeu onde
o uso do sujeito é opcional.
Muitas outras teorias surgiram, preocupadas em explicar a semelhança
entre os as designadas línguas crioulas sempre na base de uma formação genética
seguidos de uma simplificação. DeCamp (1971ª) considerou que as tendências
dividiam-se em duas teorias: monogenética e poligenética. Já Muhlausler
(1986:ch.4), lista seis teorias que constituem dois grandes grupos:
(i) Teoria de línguas especificas
a) teoria das línguas náuticas
b) foreigner talk\ baby talk theory
(ii) Teorias gerais
(c) teoria de relexificação
(d) teoria universalista
(e) common core theories
(f) teoria de substrato

Em Valdman (1978) encontramos, relativamente, à génese dos crioulos


as teorias poligenéticas versus monogenéticas e apesar das divergências entre
elas, propõe a origem dos crioulos a partir de um pidgin. Aliás, atrás tínhamos

17
Tradução feita por mim do seguinte excerto : “…the reduced structure of pidgins came about as the result
of a conscious effort at simplification by whites in a master\slave relationship typical of colonial situations.”
18
Tradução feita por mim do seguinte excerto: “…a conventionalized jargon emerged as the result of a process
of mutual imitation, or of the slave’s imitation of the master’s imitation.”

31
dito que Susan Romaine (1988) tinha chamado já atenção que normalmente os
pesquisadores dos anos 60 que isolaram este grupo linguístico designando-os de
línguas pidgin e crioulas, insistem nesse ponto de vista. Aliás, no início da
definição do nosso projecto tínhamos pensado em não abordar estas teorias de
origem dos crioulos uma vez que o nosso objectivo é analisar o processo actual de
oficialização da língua cabo-verdiana como língua nacional. No entanto, as
constantes referências à língua cabo-verdiana como uma língua crioula e às
representações sociolinguísticas desfavoráveis à sua valorização como língua
nacional, sentimo-nos obrigados a justificar a nossa naturalidade em analisar a
língua cabo-verdiana no quadro teórico de uma língua cuja formação e evolução
segue o das línguas consideradas normais. Corroboramos com G. Manessy, no
prefácio ao livro A.Valdman (1978) há cerca de duas décadas “ (…) o facto
estranho é, evidentemente, que o crioulo, idioma de comunidades separadas, que
apenas têm de comum a posição que foram impostas no seio de estruturas
económicas e sociais análogas, foram constituídas de maneira idêntica nas
Américas e nas ilhas do Oceano Indico” e para cuja explicação da sua origem
partilhamos a hipótese proposta por Bickerton (1980).
Já uma nova hipótese da origem das línguas chamadas crioulas a partir
do trabalho de Dereck Bickerton (1974)19 fez surgir uma concepção inatista da
pidginização e da crioulização. A. Valdman (1978:6) afirma a propósito desta
ideia que a concepção inatista da pidginização e crioulização tem o mérito de
sublinhar os factores psicológicos que estes processos partilham com a aquisição
da primeira língua pela criança e aprendizagem de uma segunda língua. Uma
eventual pré-hipótese já tinha sido apresentada pelo “glotólogo” Português
Francisco Adolfo Coelho (1880) e professor do Curso de Letras (1878-1901), a
propósito das línguas que ele chamou de dialectos neolatinos da África, Ásia e
América. Ele “os olhou com um olhar diferente (…) não como “português mal
falado” mas como fonte de saber sobre as leis gerais [psicológicas e fisiológicas]
a que obedece por toda a parte o espírito humano” (…) não são, pois, o resultado
de uma transformação lenta, gradual, tendo por ponto de partida principal a
alteração fonética, como a que se opera nas línguas que seguem o curso normal

19
Apud A. Valdman (1978)

32
da sua evolução (…) a formação dos dialectos crioulos é no que tem de essencial
um fenómeno psicológico. 20
Não é nossa intenção nem objectivo discutir as hipóteses das origens das
línguas chamadas crioulas, pelo motivo que expomos acima, mas restringirmos
apenas à análise da teoria monogenética, a de substratista e a de bioprograma. A
discussão será feita tendo sempre presente a língua cabo-verdiana actual que de
acordo com a classificação tipologica dos crioulistas partilha características com
outras línguas designadas crioulas, em particular as de base lexical portuguesa,
razão pela qual foi considerada por eles como uma língua crioula de base lexical
portuguesa.
Atribui-se a Hasseling (1933) a designação de teoria
monogenética segundo a qual, no século XIX, pidgins e crioulos de base europeia
relexificaram-se a partir de um pidgin de base portuguesa utilizada na costa
ocidental africana e mais tarde levada para Índia e Far East. Este pidgin é
identificado como Sabir, língua franca da zona mediterrânica.21 Esta teoria
desenvolveu-se a partir dos anos 60. De entre as teses deste tipo de hipótese
destacamos a tese de Naro (1978) que identificou este pidgin atlântico como um
pidgin de base lexical portuguesa, criado deliberadamente pelos europeus. Ele
afirmou (1978:331-334)22 que os europeus deliberadamente modificaram a sua
língua”. Em outras páginas ele usou conscientemente. Ele admite que esse pidgin
terá tido influência de outros pidgins, nomeadamente o sabir, e reforço dos traços
de pidgin devido ao lado africano. Seria uma língua de comunicação usada pelos
comerciantes com os navegadores na África23 e cuja relexificação ocorreu
apoiando-se nas línguas dos diferentes colonizadores. Assim se explicaria a
presença de características estruturais comuns entre os pidgins que uma vez
relexificados originaram os crioulos de base lexical diferentes.
Se esta tese justifica, por um lado, a semelhança entre os pidgins e
crioulos não justifica por outro a divergência entre elas, por exemplo, entre três

20
Apud Pereira Dulce “o Crioulo, o engenho e a arte da linguagem” in A universidade e os Descobrimentos –
Colóquio promovido pela Universidade de Lisboa. Procurar dp o original de Adolfo coelho)
21
S. Romaine ( 1988:86)
22
Apud Naro (1988) In Journal of Pidgin and Creole Language 3:1.95-102 “Replies and rejoinders . A Reply
to “Pidgins origins reconsidered ” by Morris Goodman
23
GUISSAN, Pierre, Gragoatá, Rio de Janeiro, vol., 1996, pg 88 e GUISAN, Pierre, Crioulização e mudança
lingüística.1999, pg 55. Tese. Doutorado em Lingüística. Universidade Federal de Rio de Janeiro)

33
línguas chamadas crioulos de base lexical portuguesa, nomeadamente, uma das
línguas de São Tomé e Príncipe, o kristang e a língua cabo-verdiana. Gostaríamos
de destacar a grande semelhança morfossintática, fonológica e lexical entre a
língua cabo-verdiana e a língua kristang que histórica e, geograficamente, se
distancia muito de Cabo Verde. Assim, questionamos como a hipótese
monogenética poderá explicar esta semelhança? Segundo a tese de Naro (1978),
Cabo Verde e São Tomé foram ocupados depois que este pidgin foi formado na
Europa, 1462 e 1485, respectivamente. É de se ter em conta que, relativamente, a
Portugal, as Ilhas de Santo Tomé e Príncipe não foram submetidas ao estatuto
indígena, enquanto as Ilhas de Cabo Verde mantiveram-se, até aos anos 40, num
quadro de ambiguidade permanente, uma vez que se consideravam os habitantes
cabo-verdianos como “cidadãos”. Retomaremos mais adiante a hipótese da
formação da língua cabo-verdiana.
Insistindo na semelhança entre os crioulos, Hall (1966) avança a
hipótese de um substrato comum que ele identificou como línguas da costa
ocidental africana. Alguns traços foram identificados como característicos apenas
das chamadas línguas crioulas, como o sistema verbal de Tempo (T) Modo (M) e
Aspecto (A) formado por um conjunto de marcadores verbais em vez de
desinências verbais típico das línguas consideradas normais. No entanto, no caso
de Cabo Verde esta teoria não combina com história do povoamento de Cabo
Verde, pois todos os dados históricos afirmam que africanos, locutores de línguas
diferentes estiveram envolvidos no seu povoamento.24 Manessy (1977)25 enfatiza
o facto de o chamado substrato africano ser tipologicamente diverso e esta
combinação de várias línguas de substrato de um lugar para o outro. Ele ainda
questiona se a influencia do substrato fosse tão significante na crioulização como
poderia esta diversidade cristalizar-se em estruturas uniformes?
No caso concreto do traço do sistema pronominal considerado típico das
designadas línguas crioulas, ilustramos abaixo que em cabo-verdiano ela funciona
muito semelhante ao sistema pronominal do francês:

a) Ami n bai bu kaza

24
Andrade, Elisa (1996) ; Lopes, Baltazar ( 1957 )
25
Apud S. Romaine (1988:109)

34
“ Moi, Je suis allé(e) chez toi “em que a partícula Ami é a forma tónica
do pronome pessoal, é facultativo e precede sempre todas as outras pessoas do
pronome pessoal e tem um valor enfático como o mi (eu \ je) muito usado
também em frases interrogativas e exclamativas, mas nunca poderia aparecer
sozinha com o verbo que tem de estar obrigatoriamente precedido da partícula N.
Das duas hipóteses aqui analisadas nenhuma delas tira as preocupações
dos pesquisadores já que fica por explicar a semelhança entre as chamadas
línguas crioulas de base lexical diferentes, nomeadamente, os crioulos de base
espanhola, francesa ou inglesa ou outros.
Perante isto, retomamos a hipótese do bio-programa de D.
Bikerton que atribui “ uma concepção inatista da pidginização e da crioulização
com o mérito de sublinhar os factores psicológicos que esses processos partilham
como a aquisição da primeira língua pela criança e a aprendizagem da língua
segunda. ( VALDEMAN, 1978:6).
Bickerton defende a existência de um pidgin ao ser adoptada por uma
geração (filhos de escravos) sofre um processo de complexificação natural. A
capacidade inata do ser humano para aquisição da linguagem “age” sobre este
pidgin moldando-o e tornando-o a língua de uma comunidade, transformando-se
assim em um crioulo.
Relativamente à formação da língua cabo-verdiana, o filólogo cabo-
verdiano Baltazar Lopes da Silva (1957:32) admite que na formação do crioulo
cabo-verdiano tenha predominado, como substrato, a influência das línguas do
ramo mandinga26 .
O historiador português de origem cabo-verdiana, António Carreira27
defende que, ao contrário, do que reza a tese da maior parte dos historiadores,
Cabo Verde não era desabitado quando os portugueses chegaram. Ele não exclui

26
Silva, B. L ( 1957:32) “ Limito-me, pois, ao aventar a hipótese de ser o grupo linguístico mandinga que
funcionou como substrato na formação do crioulo de Cabo Verde, a lembrar o que diz Labouret. Segundo o A.,
as populações de raça negra que habitam a África ao sul do trópico de Câncer falam idiomas que pertencem à
mesma família linguística e se subdividem em dois grupos principais: o sudanês e o banto, que se dilatam,
respectivamente, ao norte e ao sul de uma linha divisória bastante irregular, a qual vai da embocadura do Gross
River, a oeste, até o oceano Índico, pouco mais ou menos, onde desagua o rio Tana. (…) Do campo puramente
linguístico, o crioulo cabo-verdiano pouco informa a respeito. (…) mas desde já me parece que apenas o léxico
poderá trazer uma contribuição eficaz, apesar da pobreza do vocabulário possivelmente de origem africana
quando confrontado com percentagem do tesouro lexical em que a proveniência portuguesa não deixa dúvidas a
ninguém.
27
Cabo Verde – Formação e Extinção de uma Sociedade Escravocrata (1460 -1878)”, 1972,

35
a hipótese de Santiago, ter sido refúgio de um pequeno grupo de náufragos jalofos
ou outros habitantes de Cabo Verde ( Lebus ou Sereres). Ele mesmo diz que esta
ocupação foi sem intenção deliberada e sem continuidade de povoamento. Mas
Andrade, E.(1996:34) confirma que a presença de grupos humanos em Cabo
Verde antes da chegada dos portugueses, nos principais escritos dos finais do
século XVIII e início do XIX. Em 1784, um anónimo escrevia “esta ilha
(Santiago) foi encontrada habitada por muitos homens negros. Segundo a
tradição, foi o rei Jalofo que, devido a um levantamento, teve de fugir do seu país
com toda a família para se refugiar em Cabo Verde, na Costa Continental
(Península do Senegal); Mas porque houve uma violenta tempestade, provocada
pelos ventos do leste (…) foram encalhar nesta ilha (Santiago) que se encontra a
oeste de Cabo Verde. Os habitantes da ilha de Santiago são na sua maioria negros
e “pardos”; uns são descendentes dos primeiros negros que se encontravam nessa
ilha aquando da sua descoberta e, outros descendentes dos escravos que se
libertaram e se propagaram como acontece ainda nos nossos dias.”28
João da Silva Feijó (1815, t.IV, p.172)29 confirma, que segundo a
tradição, os portugueses ao chegarem a Cabo Verde, encontraram a Ilha de
Santiago habitada por negros jalofos que, quando fugiam dos felupes, foram por
acaso dar às suas costas, levados pelas correntes marítimas. Mais de cinquenta
anos mais tarde, é Conrado de Chelmicki (1841, vol. I p.4)30 que defende a
mesma posição, seguida por António Pusich (1810, p.611) que se refere aliás, à
existência nas ilhas de certos grupos da costa ocidental africana, lêbus e felupes,
que tinham sido atraídos pela sua riqueza em peixe e pelas salinas, sobretudo as
da ilha do Sal. Também na opinião de Jaime Cortesão (1960, pp.47 e sg),
senegaleses vinham a Cabo Verde buscar sal que trocavam por ouro de
Tombuctu. Andrade, E. (1996:34) considera que seja qual for a tese nenhum
desses grupos constituiu uma população suficientemente importante nem tão
solidamente estabelecida, para oferecer resistência à implantação colonial
portuguesa.
Assim, a inexistência de uma população nestas ilhas, determinou a
política portuguesa de povoamento. Santiago foi a primeira ilha a ser povoada, e
28
Apud Andrade, E. (1996:34)
29
Apud Andrade, E. (1996)
30
Apud Andrade, E. (1996)

36
o primeiro núcleo de povoamento, foi feito com de alguns membros da família de
António da Noli e de alguns membros da sua família e ainda de portugueses de
Alentejo e do Algarve, em 1462.
Mas devido à distância que separava as Ilhas de Cabo Verde de Portugal,
o rigor do clima, a impossibilidade de desenvolver em Cabo Verde culturas
cerealíferas às quais as famílias europeias estavam habitadas, a fraqueza
populacional de Portugal, constituíram outros tantos entraves para o
desenvolvimento da fixação Europeia. Então, em 1466, D. Fernando informa ao
seu irmão, D. Afonso V, que seria difícil povoar as ilhas de Cabo Verde, com
europeus como aconteceu com Madeira e Açores, e que era pretensão da politica
portuguesa de povoamento, a não ser que se concedessem regalias e privilégios
aos europeus que se encontravam ali. Assim, D. Afonso através de uma carta
concedeu privilégios aos habitantes de Cabo Verde o direito perpétuo de fazer o
comércio e o tráfico de escravos em todas as regiões da Guiné (que se estendiam,
desde o rio de Senegal até à Serra Leoa).
Então, os poucos brancos que se encontravam em Cabo Verde
tiveram que recrutar mão-de-obra no continente africano e de, imediatamente,
começaram a trazer escravos da Guiné, numa primeira fase para o povoamento e
garantia da exploração das terras, ainda que depois um certo número desses
escravos fossem vendidos para outras zonas (Canárias, Europa e Antilhas).
Regista-se, de acordo com Andrade, Elisa (1996:37) que os primeiros
escravos chegaram a Cabo Verde, provavelmente, em 1466, depois da Concessão
da tal carta dos Privilégios, a partir da qual “ a história política e administrativa da
Guiné ficou ligada à história do arquipélago de Cabo Verde do qual a colónia da
Guiné constituiu, por assim dizer, uma dependência até que, por carta de lei de 18
de Março de 1879 foi desmembrada e erigida em uma província autónoma. 31
Quanto à origem étnica da população cabo-verdiana, baseamo-nos
particularmente em Andrade, E. (1996) que diz que de acordo com o Padre
Brásio, para a Ilha de Santiago, registou-se uma proveniência maciça do elemento
africano da Guiné (no sentido moderno da palavra), com os seus Mandingas,
Balantas, Bijagós, Felupes, Beafadas, Pepéis, Quissis, Brames, Banhuns, Fulas,
31
Apud Andrade, E. ( 1996:37) “ Muito antes da costa ocidental africana, as Canárias foram as grandes
forneceoras de escravos, tanto para os portugueses como para os franceses, castelhanos e italianos: ( cf. A. H. de
Oliveira MARQUES), 1977,p.223.

37
Jalofos, Bambará, Bololas e Manjacos, sendo Cacheu, Geba e Bissau quem
forneceu o maior contingente humano. No entanto, António Carreira (1972:304)
alerta para a noção de “Guiné” que se modificou a partir do século XVI, até ao
século XIX.
António Carreira (1972) situa a formação do povo cabo-verdiano na Ilha
de Santiago e que, depois foi levado para a Guiné Bissau. Também, o filólogo
cabo-verdiano Baltazar Lopes da Silva (1957) afirma: “suponho que o crioulo
falado na Guiné é, não uma criação resultante directamente do contacto do
indígena com o português, mas sim o crioulo cabo-verdiano de Sotavento levado
pelos colonos idos do arquipélago e que, com o tempo se foi diversificando e
adquirindo caracteres próprios sob a influência das línguas nativa.”
Heliana Mello32 na sua tese sobre a língua cabo-verdiana apontou três
hipóteses para a formação da língua cabo-verdiana:
1) alguns autores defendem que esta ocorreu na costa atlântica africana,
e só depois se deu a sua transferência para o arquipélago;
2) que ela teve origem nas ilhas, concretamente em Santiago, e só depois
terá sido levado para África ;
3) outros autores ainda referem o desenvolvimento simultâneo de um
crioulo cabo-verdiano-guineense nas duas regiões: o arquipélago e a costa
africana.
Das três hipóteses, Heliana Mello diz que a segunda é a que reúne
mais consenso, citando António Carreira (1972).
Consultando então, António Carreira confirmamos que ele próprio situa
a formação da língua cabo-verdiana na Ilha de Santiago e justifica apresentando
as línguas que estiveram em contacto no povoamento de Santiago.
Independentemente de assumir esta ou tal teoria para a explicação da origem das
línguas que se designou crioulas, após o conhecimento do material do historiador
acima referido pensamos que uma análise da origem da língua cabo-verdiana, no
quadro inatista é bem mais convincente e natural para se entender o processo da
formação da mesma. A única característica comum entre as outras novas línguas
formadas é o contexto de desigualdade social e económica entre os povos durante
a colonização. Esta é mais uma justificativa para que tenhamos optado por fazer a

32
Mello, Heliana, “Cape Verdean Creole Portuguese” .

38
nossa análise no quadro teórico de contacto de línguas, cujo contexto é propício
para o aparecimento de novas língua. Como referiu Guisan (1996), a história da
língua vulgar românica que se transformou no francês é bem semelhante. “Mas é
fora de dúvidas que estas línguas, em determinadas etapas do seu
desenvolvimento, sofreram processos absolutamente similares aos das línguas
designadas crioulas – é o processo da Crioulização - . Podemos afirmar até que a
crioulização faz parte do processo natural de mudança linguística através do
contacto entre línguas diferentes.”
António Carreira (1972) situa a formação da língua cabo-verdiana na
Ilha de Santiago, cerca de 90 anos do seu achamento como uma língua veicular
entre capatazes e escravos e, em certa medida entre os próprios escravos, quando
de grupos étnicos-linguísticos diferentes. Muito cedo, os colonizadores
reconheceram a necessidade e a conveniência de haver elemento de ligação entre
navegantes e negociantes europeus e os povos africanos. Em termos da evolução
cultural, continua Carreira (1972), distinguia-se em Cabo Verde dois grupos de
escravos: os boçais por um lado e os ladinos e naturais por outro. Os boçais eram
os escravos recém chegados e falavam apenas as respectivas línguas, e
entendiam-se com os seus donos e feitores através de chalonas ou línguas
(intérpretes).
No grupo constituído pelos ladinos e naturais, ambos falavam a língua
cabo-verdiana, a que Carreira sempre chamou de crioulo, mas os naturais eram os
nascidos em Santiago e Fogo, eram filhos de escravos, mas eles próprios não
eram escravos e os ladinos que se subdividiam em aqueles que chegaram a Cabo
Verde ainda crianças ou adolescentes e foram baptizado e ensinados a trabalhar e
a falar a “lengua portugueza”33 e um outro grupo considerado mais esperto e com
maior aptidão para falar “crioulo.”
Era indispensável fazê-los aprender, prontamente, uns rudimentos da
língua portuguesa. Para esse fim começou-se pela catequese, pois assim tinha-se
o chalona34 e fazia-se o cristão.
Outros dados que nos pareceram interessantes nesta pesquisa de origem
da língua cabo-verdiana é a história do povoamento das suas nove ilhas habitadas

33
Mas A. Carreira destaca entre parênteses “ certamente, o crioulo”.
34
Carreira, A. (1972)

39
e, consequentemente, das línguas envolvidas. Continuamos com os dados
históricos de António Carreira mas também, desta vez, tomamos em conta, uma
outra fonte, a sociológa Leila Leite Hernandez (2002) e comparados sempre que
possível com os apresentados pela linguista portuguesa Dulce Pereira. Assim,
como já nos referimos a propósito da história de Cabo Verde, a Ilha de Santiago
foi a primeira a ser povoada, a partir de 1462 e os seus primeiros moradores eram
“ Europeus nobres e seus servos, especificamente portugueses de Algarve e
Alentejo, espanhóis, genoveses e mais tarde por escravos negros trazidos da costa
da Guiné”. A Ilha do Fogo, começou a ser povoada no início de do séc. XVI, por
habitantes de Santiago, em sua maioria procedentes do Algarve, que eram os
donos das terras onde trabalhavam exclusiva ou, predominantemente, os escravos
negros, que compunham a maior parte da população. Havia uma intensa
comercialização com o trajecto nacional, Santiago – Fogo - Santiago como parte
integrante do comércio internacional, com a rota Santiago - Costa da Guiné -
Santiago.
A Ilha da Brava apesar de ter sido habitada até aos meados do século
XVIII por negros libertos do Fogo e de Santiago, o crescimento da sua população
deveu-se à fixação na ilha de alguns proprietários do Fogo. No entanto, a maioria
da sua população é composta por brancos nascidos na Ilha da Madeira e no
continente europeu. A última ilha do sotavento a ser povoada foi a do Maio, cuja
população inicial eram pastores e caçadores, mas o processo do seu crescimento
começou no final do século XVIII, com homens livres do arquipélago e os
libertos por lei. As Ilhas de Barlavento só mais tardiamente começaram a ser
povoadas: a Ilha do Sal, apesar da exploração do Sal e do cloreto de sódio ter sido
feito nos últimos anos do séc. XVI, o seu desenvolvimento mesmo só veio a
acontecer mais tarde, no século XX, com a reforma do antigo aeroporto, que veio
a ser rebaptizado com o nome que ainda hoje mantém “ Aeroporto internacional
Amílcar Cabral ”. São Nicolau também é uma outra ilha que apesar de haver
registo de que o processo do povoamento na mesma altura que a ilha de Santiago,
o seu desenvolvimento só se deu no século XX, e a população é na sua maioria
mestiça. Boa Vista talvez tenha sido uma das primeiras ilhas do Barlavento a ser
povoado: por volta de 1650. No século XVII, devido sobretudo à ao comércio do
Sal natural, descoberto pelos ingleses, e mais tarde exportado, inclusive para o

40
Brasil, ela se torna a ilha mais importante economicamente. Tem uma grande
percentagem de população branca, originária de Inglaterra, de Portugal, da Itália,
de Castilha, da França e de Flandres. No entanto (ou consequentemente) a
escravatura continuou presente e no século XIX era a parte do arquipélago onde
se registrou a maior parte dos escravos.
São Vicente, é a última ilha a ser povoada – séc. XVIII - primeiramente
por um abastado proprietário do fogo e os seus escravos e segundo Dulce
Pereira35 por casais de outras ilhas e gente vinda dos Açores e de Portugal. Viveu
uma curta história de escravatura e foi onde primeiro se aplicou a lei de abolição
de escravatura em 1875 e, também a única beneficiária de uma instituição de
ensino. Já em 1917 tinha o primeiro liceu misto, aliado a uma política de
“desafricanização”. Dulce Pereira, ainda afirma que em 1923 foram proibidas as
festas populares denominadas Tabancas.
Quanto à Ilha de Santo Antão, vizinha da Ilha de S. Vicente, não temos
data precisa do seu povoamento, mas de acordo com Leila Hernandez (2002) no
final do século XVII e início do século XVIII, após a morte dos primeiros
donatários, a terra é dividida entre diversas famílias, segundo concessão de direito
de uso e fruição, e “os beneficiados foram as famílias mais pobres do arquipélago
e os ex-escravos. (…). No entanto, em meados do século, XIX, Santo Antão
recebeu imigrantes judeus de origem portuguesa e francesa, em sua maioria
mercadores que emigraram por motivos de ordem política ou religiosa.
A actual distribuição das variantes da língua cabo-verdiana
comprovadas pelos trabalhos científicos existentes, parece ser o resultado do
povoamento das Ilhas. Como já foi dito a língua cabo-verdiana hoje, é falada em
todo o arquipélago de Cabo Verde e existem variantes dialectais entre as ilhas, o
que não é nenhuma característica particular desta situação linguística, sendo-o
sim, alguns fenómenos linguísticos característicos em algumas ilhas, que
entretanto pensamos que uma pesquisa mais aprofundada do povoamento das
línguas poderá explicar.
Em todos os trabalhos descritivos, os autores têm sempre a preocupação
de esclarecer qual a variante que estão a descrever. Com pouca excepção os

35
“ Aspectos do contacto entre o português e o Crioulo de Cabo Verde” - Separata do Congresso sobre a
situação actual da língua portuguesa no mundo – Lisboa – 1983 Vol II

41
dicionários e gramáticas apesar de se intitularem ser sobre o cabo-verdiano, os
autores centralizam-se apenas numa variante, escolhas devidamente explicadas
nas referidas notas introdutórias. A variante de Santiago é a que mais se
beneficiou dos estudos existentes. Em contrapartida não existe nenhum trabalho
sobre a variante da língua cabo-verdiana de Santo Antão, cuja variante destaca
pela estrutura de negação que lhe é característica e que não aparece em nenhuma
das outras variantes. É a presença da partícula ne, como na frase Mi ne bai que
corresponde em português a « eu não vou» e que na variante de Santiago é mi n
ka sta bai, nas outras variantes de Barlavento é me n ka ti ta bai.
Outro aspecto que desperta curiosidade na estrutura da língua cabo-
verdiana é o sistema acentual, de acordo o linguista português, Ernesto
d’Andrade36, professor de fonologia e morfologia na Faculdade de Letras de
Lisboa, existem dois sistemas acentuais no sistema verbal da língua cabo-
verdiana:
- Existência de um grupo de verbos cuja vogal tónica é a última,
enquanto que existem um outro grupo de verbos, utilizado sobretudo na variante
da Ilha de Santiago em que a vogal tónica é a penúltima. Enquanto os locutores
cabo-verdianos, com excepção dos da Ilha de Santiago, pronunciam pre’gunta (
perguntar) em que u é a vogal tónica. O mesmo item lexical é pronunciado nas
outras variantes como sendo oxítonas, ou seja, pregun’ta. Em Baltazar Lopes
(1957) no capítulo da fonética, ele realça as diferentes realizações da vogal a, nas
diferentes variantes e distingue a vogal a tónica, aberta e fechada. E a propósito
disto ele diz sobre esta vogal tónica: “ Oral, aberto, na sílaba final dos verbos da
1ª conjugação, adquire valor fechado em todo o arquipélago (…) excepto nas
ilhas de Santo Antão e S. Vicente em que mantém o valor aberto (…)” Mas como
registrado no Dicionário da Ilha de Santiago ( Cabo Verde)37.
Lembramos, no entanto, que tudo isto veio a propósito das teorias da
origem dos crioulos que explicam a formação das mesmas através de um pidgin
comum. E nós fizemos um resumo da história do povoamento de Cabo Verde
tendo em vista as línguas presentes e o resultado actual só nos mostra que das

36
No artigo Porquê de um colóquio sobre Crioulos de base lexical portuguesa in Actas do colóquio sobre os
«crioulos de base lexical» Lisboa, 26 a 28 de Junho de 1991 ‘ Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
37
Elaborado por Martina BrÜser e André dos Reis Santos ( Cabo Verde), com a contribuição de Ekkehard
Dengler e Andreas Blum, sob a direcção de JÜrgen Lang (2002)

42
várias línguas em contacto o resultado que temos hoje não nos permite classificar
a língua cabo-verdiana como uma deturpação ou simplificação da língua
portuguesa tendo em conta que muito cedo as duas línguas viveram lado a lado e
cada um evoluiu de forma independente. A língua cabo-verdiana, hoje é um
sistema linguístico autónomo e diferente do Português, razão pela qual a hipótese
de bioprograma é aquela que melhor explica a formação desta língua.

4.2.Os universais crioulos


Se através da história do povoamento de Cabo Verde compreendemos a
sua origem e a existência de suas variantes, queremos verificar até que ponto a
língua cabo-verdiano partilha dos traços levantados por D. Bickerton como
universais crioulos. Partimos de um conjunto de 34 traços reunidos por Guisan
(1999), traços esses apresentados pelos especialistas como universais das línguas
crioulas, em particular dos designados crioulos de base lexical portuguesa. Guisan
verifica a pertinência destes traços em cinco línguas classificadas como
pertencentes a esta categoria, entre as quais, a língua cabo-verdiana.
A pertinência destes traços na língua é representada através de um
coeficiente de 0 a 5 atribuído a cada traço, em que o valor 1 indica a presença do
traço e somente naquela língua enquanto que a partir do coeficiente 2 até 5 indica
o número de línguas em que esse traço aparece. Guisan ainda estebeleceu o valor
“div” que mostra que o traço em análise é ausente na língua o que,
consequentemente, o desvaloriza como sendo um potencial traço universal dos
crioulos. Assim, nesta análise de entre os 34 traços o cabo-verdiano teve o
seguinte comportamento:

Encontrou-se 18 traços presentes, e 16 casas em branco, pois esses 16


traços não foram observados ou mencionados o que não quer dizer que elas não
existam na língua correspondente. A nossa análise consistia, precisamente, em
verificar se esses traços existem ou não na lcv. Devido a ausência de estudos
linguísticos específicos conseguimos analisar apenas alguns traços, por exemplo:

(1) Os traços fonológicos

1.1.- “síncope da vogal ” - acontece apenas em algumas variantes;

43
1.2.- “apócope da vogal ou de sílaba” - acontece também nas algumas
variantes e, normalmente, há uma queda de sílabas póstonicas, deixando apenas a
tónica.

1.3 – “apócope do r” - também é variacional. Em algumas variantes para


além da queda existe na variante de Santiago a iotizaçao do r. Por exemplo, na
palavra mudjer > mudjei que acontece também com o l em posição final de
palavra ou de sílaba, por exemplo, em Manuel > Manei.

1.4 – “padrão Consoante Vogal” - tendência à eliminação do grupo


consonantal. O padrão CV acontece com regularidade na variante linguística das
ilhas do sul, enquanto que as ilhas do norte são caracterizadas pela forte presença
de grupos consonantais.

(2) Os traços morfológicos :

2.1. “ marcação do plural por reduplicação” - não existe no cabo-


verdiano

2.2. “negação marcada com formas mais intensivas” - no cabo-verdiano


para além do ka, existe o ne ( embora registado apenas numa única variante, a de
Santo Antão).

(3) Os traços sintáticos:

3.1.Perda de Artigo. Este traço nos permite fazer uma crítica à própria
concepção de ver as novas línguas que se formaram e que se designaram línguas
crioulas. Não consideramos que se trata de uma “perda” porque há casos em que
o artigo está presente, no entanto, a presença ou ausência do artigo desempenha
uma determinada função. Esta terminologia “perda” só faz sentido num quadro
comparativo com a língua portuguesa.

3.2. Perda da forma passiva. No cabo-verdiano, existe a construção


passiva como se pode ver no exemplo que se segue:

a) Maria fazi bolu. ( A Maria fez o bolo) – Forma activa

44
b) Bolu foi fetu pa Maria ( o bolo foi feito pela Maria) – Forma passiva

Como dissemos, relativamente ao traço 3.1, em que se fala de perda e


em todos os outros traços em que se usa esta expressão e nas outras em que se
fala de síncope, apócope e monotongação, em qualquer uma delas está a noção de
transformação da língua de base. Não concordamos com esta noção, uma vez que
nossa concepção da formação destas línguas é o desenvolvimento de um outro
sistema linguístico. Tanto é que no sistema de artigo, fonética e lexicalmente o
artigo não está realizado mas a ideia de restrição, identificação do nome, está
presente através de uma outra estratégia. Por exemplo, o artigo definido não
existe porque o nome, por si só já é restringido. Vejamos: se for um nome
próprio, como no exemplo a seguir:

1) Antónia bai se kaza. ( Antónia foi para a casa dela)

Neste caso, o interlocutor identifica a Antónia porque é a única pessoa


das suas relações com esse nome e tanto ele como interlocutor conhecem-na.
Caso seja uma “Antónia” que nenhum deles conhecem, seria:

2) Un Antónia bem djobebu li . (Uma tal de Antónia veio à tua procura )

Isto quer dizer que para definir o nome, comparativamente ao que se faz
em Português podemos dizer não se utiliza nenhum artigo e para o indefinido,
continuamos a utilizar o artigo indefinido do português “um”. Possivelmente,
necessitaria explicar aqui que para o cabo-verdiano um não é um artigo
exclusivamente masculino, uma vez que acompanha um nome que designa uma
entidade no feminino, ou que ela própria esteja no feminino. Exemplo:

3) Un mudjer ( uma mulher)

4) Un meza ( uma mesa)

Entraríamos aqui na explicação da noção de género em cabo-verdiano,


mas não é do âmbito desta dissertação. Explicaremos apenas que a ausência deste
artigo está relacionado também com a marcação de número: singular vs plural.
Por mais esta razão defendemos a hipótese de uma origem inata da língua cabo-

45
verdiana mais do que uma simples transformação das línguas europeias e
africanas que estiveram presentes no início da colonização do arquipélago.

A terminar este capítulo, não poderemos deixar de referenciar os traços


propostos por Bickerton, como partilhados por todas estas novas línguas que se
formaram, a em condições sociais, históricas e económicas particulares.

Bickerton propõe que os morfemas de Tempo (T), Modo (M) e Aspecto


( A) quando co-ocorrem a ordem é TMA, em todos os crioulos. Mas estudo sobre
o sistema verbal da língua cabo-verdiana feitos por Izione Santos38 demonstrou
que o sistema de TMA na língua cabo-verdiana regista duas alterações em
relação ao proposto pelo linguista norte-americano:

Primeira é que as partículas verbais não antecedem os verbos. Elas


distribuem-se em posição pré e pós verbal e, segundo, quando co-ocorrem a
ordem não é TMA, mas sim AMT, como comprovam os exemplos seguintes:

E al sa ta baba se trabadju. Em que al é a marca de modo, sa ta a forma


do verbo estar para indicar o progressivo e – ba que indica o tempo passado.

(Ele, talvez, estivesse indo para o trabalho dele. )

Concluímos então este capítulo sobre a pertinência dos universais


crioulos na língua cabo-verdiana afirmando que a língua cabo-verdiana, nascida a
partir de uma situação de contacto de línguas, que envolve um processo de
crioulização (Guisan, 1999) idêntico ao vivido pelas actuais línguas europeias,
como o francês e o português que só foram assumidas como línguas hegemónicas
a partir do século XVI.
Esta situação de mudança linguística aconteceu no momento em que a
Europa atravessava uma grande crise económica, culminou com o período de
desenvolvimento de capitalismo impresso e a reforma religiosa (Andrea
Berenblum, 2003:35-36) . Um outro facto decisivo neste processo linguístico foi
a formação dos Estados nacionais europeus a partir do século XVIII (Anne Marie
Thiesse, op.cit). O imaginário do conceito de Nação faz que as línguas
38
SILVA, Izione Santos Variation and change in the Verbal System of Capeverdean Crioulo 1985.Tese de
doutorado em linguística Georgetown University, USA.

46
vernaculares passam a ter um papel muito importante nesse processo de
construção de Estados Nacionais. No mesmo período, Cabo Verde mais não era
do que uma colónia de Portugal, desempenhando o papel de entreposto comercial.
E Portugal, como outros estados europeus da época, queria impor a todo o
território português a língua nacional de Portugal – o português -. Aconteceu no
Brasil, expressamente através de uma lei régia, mas em Cabo Verde o processo
não foi acentuado. Portugal praticou política linguística diferente nestes dois
países.
Vamos mapear, no capítulo, a seguir as construções das línguas
nacionais em particular o que aconteceu no Brasil, com o objectivo de mais à
frente tentar entender se o que se passa, actualmente, em Cabo Verde são passos
que já foram dados no Brasil.

47
5. A construção das línguas nacionais – o caso de Cabo Verde
Quando se lê as primeiras informações de apresentação de um país,
encontramos informações como localização geográfica, povoamento, população e
a língua. Nas nossas pesquisas identificamos dois casos que nos despertou
curiosidade: o primeiro aspecto é que para alguns países o nome das línguas
coincidiam com o nome do país, por exemplo, em França fala-se francês, em
Portugal o português, em Espanha o espanhol, na Holanda fala-se Holandês, na
Alemanha fala-se alemão, etc e o segundo aspecto encontramos casos em que o
adjectivo que designa a língua não tem a ver com o nome do país, no caso do
Senegal onde não se fala o senagalês, mas sim o francês designado como língua
oficial e umas tantas línguas nacionais oficiais, sendo o wolof o que tem maior
número de falantes.
Anne-Marie Thiesse (1999) diz-nos que “ (…) os suecos falam francês,
os alemães falam alemão, os italianos falam o italiano”39.
Ela também citou o caso em que uma única língua nacional é comum a
vários Estados, como acontece na Áustria e na Alemanha e, ainda se referiu aos
países que reconhecem várias línguas nacionais, como Bélgica, Luxemburgo,
Suíça ou Irlanda.
No caso do objecto da nossa pesquisa a nossa primeira questão foi: em
qual destes grupos se enquadra a situação linguística de Cabo Verde? Os
franceses Françoise e Jean-Michel MASSA (2001) definiram Cabo Verde como:
“ Nação bilingue. O português é a língua oficial (administração, médias, ensino,
literatura nacional). Mas a língua nacional é o crioulo com as suas variantes de
acordo com as ilhas. É a língua utilizada em permanência pelos cabo-verdianos
entre eles.” Eles consideraram Cabo Verde como uma nação bilingue, opinião
que não é unânime, questionada por exemplo, pela filóloga cabo-verdiana Dulce
Almada Duarte que levanta a hipótese de Cabo verde ser mais um país
diglóssico40 do que bilingue. Discutiremos esta posição mais à frente, baseado na
linha teórica dos sociolinguistas franceses que defendem que se tratam de
situações conflituosas de contacto de línguas e por isso não é um caso de

39
Tradução feita por mim do seguinte excerto “ (…) Les Suédois parlent le suédois, les Allemands l’allemand,
les Italiens l’italien”.
40
Diglossia é termo inaugurado pelo sociolinguista americano Charles Fergusson, em 1957, para definir a
coexistência pacifica de duas línguas, em que uma delas é mais prestigiante que a outra.

48
diglossia, no sentido do sociolinguística norte-americano, Charles Fergusson que
foi quem em 1957, utilizou pela primeira vez o termo “diglossia” para classificar
a situação linguística da Noruega. Foi neste contexto, que em 1959, Charles
Ferguson41 publicou um artigo intitulado “Diglossia” definindo-a como uma
situação linguística estável, onde para além de dialectos principais da língua ( que
podem incluir uma língua estandarizada ou regionais já estandarizadas) existirem
uma variedade sobreposta, muito divergente, altamente codificada
(gramaticalmente mais completa) veículo de uma considerável parte da literatura
escrita seja de uma período anterior ou pertencente a outra comunidade
linguística, e que se aprende em sua maior parte através de um ensino formal oral
ou escrita, para objectivos formais mas que não é empregue em sectores da
comunidade de comunicação ordinária.”42
Assim, Fergunson (op.cit.) considerou a variedade estandarizada a língua
alta e a língua baixa aquela que é aprendida espontaneamente no lar e utilizada
para a comunicação informal, enquanto que a língua alta – considerada própria
para a transmissão da herança literária – se transmite pelos canais de
comunicação formais, a escola em particular. A língua alta constitui a norma e a
língua baixa é vista como um desvio da norma ou, pelo menos, um objeto
lingüístico com o qual a noção de norma é incompatível. Numa análise superficial
podemos considerar que o Cabo Verde é um país diglóssico, pois ao lado da
língua vernácula - lcv - existe uma outra língua com a qual se relaciona
linguística e historicamente, mas socialmente goza de maior prestigio, que é o
português. No entanto, as actual situaçao linguística, já descrita no ponto anterior
leva-nos a questionar se realemente se vivie uma diglossia em Cabo Verde.
Admitimos que qualquer apresentação sobre Cabo Verde seria incompleta e falsa
se não se referir à existência das duas línguas que convivem no dia-a-dia dos

41
Citado em Fernandez, Francisco Moreno. Princípios de sociolinguística y sociologia del lenguaje. Barcelona:
Ariel Lingüística, 1998.
42
Tradução do seguinte excerto: “Diglossia es una situación linguística relativamente estable en la cual,
además de los dialectos primarios de la lengua ( que puede incluir una lengua estándar o estándares
regionales), hay una variedad superpuesta, muy divergente, altamente codificada ( a menudo gramaticalmente
más compleja), vehículo de una considerable parte de la literatura escrita ya sea de un período anterior o
perteneciente a outra comunidad lingÜística, que se aprende en su mayor parte a través de una enseñansa
formal oral o escrita para muchos fines formales, pero que no es empleada por ningún sector de la comunidad
para la conversación ordinária. “

49
cabo-verdianos e destacar a presença massiva da língua cabo-verdiana na
diáspora43.
Com bases nos autores Anne-Marie Thiesse (1999), Benedict Anderson
(1993), Claude Hagège (2000), Eric Hobsbawm (1990) e Andrea Berenblum
(2003) vamos caracterizar as línguas existentes em Cabo Verde, e mapear o
processo de oficialização da língua cabo-verdiana como língua nacional (adiante
designado ln). A nossa primeira dúvida foi saber o que é uma língua nacional?
Em Hobsbawm (2004:27) ficamos a saber que o dicionário da Real
Academia Espanhola define a língua nacional como: “ (…) a língua oficial e
literária de um país e, à diferença de dialetos e línguas de outras nações, é a
língua geralmente falada.”
De acordo com esta definição, a língua nacional no caso de Cabo Verde
seria a língua cabo-verdiana uma vez que é ela a língua “geralmente falada” mas
tal torna-se falso tendo em conta que ela não é língua oficial e nem literária, como
se comprova pelo que diz o Dictionnaire Enciclopédique et Bilingue – Cabo
Verde\ Cap-vert-44 ou como diz o próprio governo, em uma Resolução de 1996:
“(…) O Governo pretende nesse domínio, com base em estudos científicos que
vêm sendo desenvolvidos e orientados por técnicos competentes na matéria, fixar
metas e determinar etapas, para a oficialização do crioulo como língua nacional
(…)”.
Na nossa pesquisa sobre a definição de uma “língua nacional” acabamos
por aprender que esta expressão foi inaugurada por razões políticas, nos meados
do século XVIII e princípios do século XIX, com a consolidação dos Estados
Nacionais Europeus onde a língua apareceu como um dos símbolos de unificação
da Nação. Embora o conceito tenha aparecido nesta altura, a língua como
elemento comum a um determinado grupo, ela já existia desde o século XVI. A
história da formação das línguas nacionais começou com o aparecimento das
línguas vernaculares europeias que foram ganhando importância em detrimento
do latim, no século XI que também deixou de ser a língua sagrada e elitista.

43
Existem cabo-verdianos bilingues: língua portuguesa versus língua cabo-verdiana, no caso de alguns
residentes em Cabo Verde, mas também os que se encontram na diáspora que são sempre bilingues, entre a
língua cabo-verdiana e a língua do país de acolhimento.
44
Massa, Françoise et Jean Michel (2001).

50
Acontecimentos como a Reforma religiosa, no século XVI, sobretudo o
protestantismo, aliado à difusão do capitalismo impresso contribuíram para a
perda do prestígio do latim. Momento em que a Europa atravessava uma grande
crise económica, os editores começaram a procurar novos mercados, uma vez que
o mercado do latim estava em declínio. Inicia-se, assim, a produção de edições
baratas em línguas vernaculares que se encontravam em plena ascensão, como
afirma Andrea Berenblum (2003:36): “ (…) um desenvolvimento progressivo e
não planificado das línguas vernáculas administrativas, contribuíram para o
declínio do latim como única língua de prestígio e, paulatinamente, vão ocupando
o lugar privilegiado do latim.”
No caso de França, Andrea Berenblum (2003) nos conta que a língua
nacional francesa emergiu a partir da adopção da língua francesa escrita pelos
locutores da corte, em Paris, variante linguística esta que não pertencia a
nenhuma região geográfica específica da França, mas que se foi construindo
como uma variedade linguística de Paris, usada na corte. Então, a variante
utilizada na corte, baseada na língua escrita, foi aos poucos adquirindo
legitimidade de língua oficial e substituindo os falares locais. Politicamente,
serviu-se dessa língua para se implementar a unificação da nação francesa.
No século XIX, é a revolução nos transportes e nas comunicações que
permitiram, por um lado, uma maior aproximação entre as autoridades centrais
dos Estados modernos e os lugares mais distantes, mas por outro, como analisa
Hobsbawm (1990) estes Estados precisavam de uma nova forma de Governo que
ligasse directamente os indivíduos ao novo governo estatal, isto é, o problema de
identificação de cidadãos ao Estado. A partir daí, os Estados sentiram a
necessidade de criar símbolos para marcar esta “relação de pertence”. E o factor
linguístico passou a ser um elemento destacável. Para além de outros mitos como
disse Anderson (1983) “ a unidade linguística é um dos processos (mito) através
da qual a nação é imaginada.” Esta visão de Anderson explica a grande
importância da imposição de se ter uma língua comum a uma nação. Começou-se
assim, o emprego da expressão “língua nacional”. A nova concepção de nação
atribui uma nova importância às línguas vernaculares. Hobsbawm (op.cit.)
distinguem-se duas fases no significado desta palavra – antes e depois de 1884.
Até então significava “ agregado de habitantes de uma província de um país ou de

51
um reino” para depois passar a ter um significado mais político: “ estado ou corpo
politico que reconhece um centro supremo de governo comum” e também “ o
território constituído por esse Estado e seus habitantes considerados como um
todo. ”
Como definição do termo nação, adoptamos a definição de Anderson (1983),
onde ele define a nação como: “ uma comunidade política imaginada como
45
inerentemente limitada e soberana.” Aplicada à nossa pesquisa destacamos
dois momentos em que língua funcionou como um dos elementos de ligação
entre cabo-verdianos: antes e depois da independência. Antes da independência,
Cabo Verde fazia parte do território português e como tal a língua nacional de
todo o português, era a língua portuguesa. A língua que era utilizada pela elite
cabo-verdiana era também um dos requisitos para se conseguir cargos na
Administração. Nas décadas de 40 a 60 a partir da institucionalização do ensino
onde a língua portuguesa era a língua exclusiva do ensino ainda que estranha à
prática social, a língua cabo-verdiana ficou mais marginalizada ainda que era a
língua materna de todos os cabo-verdianos, fossem eles de origem africana ou
europeia. Era apelidada de dialecto e pouco prestigiada, devido à sua condição
de língua dominada46. (ALMADA: 1994) 47
Após a independência, a língua portuguesa continuou a ser, oficialmente,
a língua do ensino e das relações formais, mas utilizada por uma minoria de cabo-
verdianos. No entanto, é neste momento, que pela primeira vez, o governo
promove um encontro internacional para debater a valorização da língua cabo-
verdiana e se introduziu a primeira tentativa de instrumentalização da mesma.
Contrariamente ao que aconteceu com a Suíça, como cita Anderson
(1983), que tornou possível uma prática de “representação” de uma comunidade
imaginada não com base na uniformidade linguística, em que os locutores das
quatro línguas vêm respeitados os seus direitos de terem acesso ao ensino nas
suas línguas maternas, Cabo Verde, Moçambique, Guiné-Bissau, Angola
representam o contrário e a confirmação disto é que eles fazem parte de uma

46
Esta é uma expressão cujo uso tentaremos evitar pois, a nosso ver ela não se deve aplicar à situação linguística
mas sim, ao contexto social da época, uma vez que os locutores é que era dominados e não a língua até porque
numericamente estes locutores eram em número superior.
47
in Propostas de Bases do alfabeto Unificado para a escrita do cabo-verdiano 1994, pg.55

52
comunidade de língua oficial portuguesa, ainda que a língua portuguesa seja na
realidade, uma língua estrangeira.
Com base em Thiesse (1999:68-73) analisamos as funções
desempenhadas por uma língua nacional, com o objectivo de verificar qual das
duas línguas presentes em CaboVerde cumprirá as funções de língua nacional. De
entre as várias características apontadas por Thiesse retemos a seguinte:

(1) A ln deve assegurar a comunicação horizontal e vertical no seio da


nação qualquer que seja a sua origem geográfica e social, todos os seus membros
devem utilizá-la.
(2) Ela deve permitir a expressão de toda a ideia e de toda a realidade:
desde os mais antigos aos mais modernos, dos mais abstratos aos mais concretos.

Deste ponto de vista, é a lcv que desempenha a função de língua


nacional em Cabo Verde e o português não, porque conforme descrição
apresentada das situações do uso linguístico em Cabo Verde, na primeira parte
desta dissertação, os locutores cabo-verdiano se expressam à vontade, em
qualquer situação de comunicação, apenas através da língua cabo-verdiana. No
entanto, alguma interrogação se põe quando pensarmos na modalidade escrita da
língua uma vez que não existe uma política de ensino da língua cabo-verdiana e,
consequentemente, uma ausência da prática da Língua Cabo-Verdiana nesta
modalidade .
Assim, de acordo com Thiesse (1999) a eleição de uma língua nacional
deve ter em conta uma destas condições. Pelo que descrevemos nos contextos do
uso linguístico e levando em conta qualquer uma destas condições a língua cabo-
verdiana apresenta mais evidências para ser a língua nacional em Cabo Verde
sobretudo porque é a única língua que permite a expressão de toda a ideia e de
toda a realidade de Cabo Verde. Podemos ilustrar de duas maneiras: primeiro,
porque na literatura cabo-verdiana apesar de ela ser escrita em português, os
autores têm a necessidade de escrever frases e expressões em cabo-verdiano.
Prova disso é o dicionário enciclopédico da língua portuguesa em Cabo Verde da
autoria dos professores franceses da literatura de expressão portuguesa e segundo,
porque há actividades da realidade cabo-verdiana que só são representadas por

53
expressões em cabo-verdiano, como por exemplo, o item lexical kotxi que traduz
a actividade de tirar o farelo do milho e preparar o milho para fazer a cachupa48,
que muitas vezes aparece traduzido para a palavra “pilar” mas para o cabo-
verdiano são duas actividades diferentes: “pilar o milho” é tirar a farinha do
milho para fazer cuscuz e é actividade a seguir ao kotxi cuja tradução literal para
o português, não é possível.
Para além disso, encontramos em uma das primeiras intervenções
do Governo de Cabo Verde sobre a situação linguística a referência à língua
cabo-verdiana através da expressão “língua nacional”, a saber, o Decreto-Lei
nº67/98 sobre a proposta de grafia para a língua cabo-verdiana, diz o seguinte:
“ (…) o Português é a língua oficial e internacional e o Cabo-verdiano
( ou o Crioulo) é a língua nacional e materna (…).”
Questionamos, pois por que é até então a língua cabo-verdiana
não faz parte do currículo do ensino formal em Cabo Verde? Mais uma vez
recorremo-nos ao depoimento dos escritores e locutores da língua e deparamos
com o problema de prestígio da língua. E aqui o contexto sócio-histórico em que
a lcv se formou tem um peso muito grande. A língua cabo-verdiana é considerada
como uma língua crioula, grupo linguístico que só recentemente começou a
ganhar algum prestígio e, a ser socialmente aceite como língua. Então, no caso de
Cabo Verde como promover uma língua socialmente desprestigiada, inclusive
pelos próprios falantes, a uma língua nacional oficial?
Mais uma vez recorremos a Thiesse (1999) a partir da qual
depreendemos que o caso de Cabo Verde se enquadra nas situações mais difíceis,
pois, se enquadra no grupo dos casos onde existe uma língua de tradição escrita.
A conservação da língua antiga é uma maneira de se preservar e de dar
continuidade à história, enquanto que a língua moderna mostra a unidade
nacional. No caso de Cabo Verde, a elite que utiliza esta língua de tradição
escrita, no caso o português, é que já constituiu em tempos a classe social
dominante e que deteve o poderio económico nas mãos para além de constituírem
professores a quando da oficialização do ensino em Cabo Verde, no anos 60. A
nova língua que se pretende oficializar necessita então de divulgação e promoção.
Thiesse (1999) propõe que para a construção e a difusão da versão oral da nova

48
Prato tradicional de Cabo Verde feito à base de milho.

54
língua de cultura é necessário a criação de salons literários e realização de teatros.
Ela chama atenção que uma das tarefas iniciais é convencer as elites locais a
adoptar a língua nacional. A língua portuguesa foi durante muito tempo símbolo
do poder social e meio para se chegar ao conhecimento e poder administrativo.
São os anúncios de ofertas de emprego que exigem e continuam a exigir como
conhecimento linguístico o português, francês e/ou inglês.
Podemos localizar o processo de oficialização da língua nacional em
Cabo Verde na fase de construção e difusão. Aliás, o Governo aprovou em
Novembro de 2005 a estratégia de afirmação e valorização da língua cabo-
verdiana, onde atribui incentivos ao uso incondicional da língua cabo-verdiana,
na modalidade oral quer escrita.
No entanto, um dos maiores meios de propagação da valorização da
língua são os meios de comunicação social do Estado mas estes continuam a fazer
uso da língua portuguesa. Thiesse considera o processo realizado, com sucesso,
quando a nova língua nacional passa a ser a língua de ensino e a sua difusão no
seio da população dá-se numa fase posterior, geralmente depois da formação do
Estado - nação, quando se realiza um sistema público de instrução de ensino
sistemático da língua nacional.
O Ministério da Educação de Cabo Verde se tornou sensível à questão,
nos anos 90, através da experiência piloto da educação bilingue – português e
cabo-verdiano, conforme diz o ex-Deputado Tomé Varela ( apud José Carlos
Gomes dos Anjos, 2002:256) “…As minhas intervenções como deputado eram
(…) em cabo-verdiano. Foi uma experiência interessante que me granjeou muita
aceitação, estima e admiração por parte do grande público nacional ( no país e na
diáspora)” mas por outro, como expressa o mesmo locutor “(… que me criou uma
certa solidão no seio da própria Assembleia Nacional embora com o respeito dos
demais deputados. As consequências foram uma maior confiança e um maior
apego à língua nacional por parte do grande público e (de - forma indirecta –
creio eu) por parte do Ministério da Educação que começou a apostar na
valoração do cabo-verdiano ( ensaindo a alfabetização bilingue) .”
Para além do projecto de ensino bilingue, realizado em 1989, o Instituo
Superior de Educação introduziu, na mesma altura a disciplina de linguísta cabo-
verdiana no currículo dos futuros professores da língua portuguesa do Ensino

55
secundário (correspondente ao Ensino Médio aqui no Brasil). E, a partir de 2002
também foi introduzida a disciplina de língua cabo-verdiana aos futuros
professores das línguas estrangeiras francês e inglês, na mesma instituição.
O uso da língua cabo-verdiana na Assembleia Nacional de Cabo Verde é
dos exemplos do uso do cabo-verdiano em espaços onde, apenas circulava
português, uma vez que se considera que as reuniões parlamentares são
momentos solenes. Hoje, o mesmo já não se pode dizer, pois cada vez mais os
deputados intervêm em língua cabo-verdiana.
Consultando as actas da Assembleia Nacional49 encontramos
intervenções dos deputados quer em língua cabo-verdiana quer em língua
portuguesa e muitas vezes é o mesmo deputado que intervém ora numa língua ora
em outra. Um trabalho de pesquisa mais detalhado poderá dizer em que momento
se utiliza um e se utiliza o outro.
Thiesse (1999), ainda adverte que na maior parte dos casos, só muito
mais tarde se passa a usar a língua nacional nos meios de comunicação orais de
massa ( a Rádio e sobretudo a Televisão) bem como a eleição de uma variante, no
caso de não existir ainda uma verdadeira língua escrita que possa servir de
fundamento à língua nacional. Esta ideia é aplicável em Cabo Verde tendo em
conta que já existem rádios que têm vários programas em língua cabo-verdiana e
nenhuma imprensa escrita na língua materna dos cabo-verdianos. A construção da
língua consiste em determinar um ou mais dialectos, escolhidos pelas suas
posições linguísticas medianas, seja pela posição dominante – em termos
económicos e sociais – da sua área de uso. Esta ideia parece contradizer o
processo de eleição da língua nacional francesa onde a variante padrão emergiu a
partir de uma variante escrita. No caso de Cabo Verde, em que não existe uma
tradição escrita da língua candidata à língua nacional parece-nos que ela se
enquadra mais no que Thiesse (1999) propôs, expendida na frase anterior, que é a
eleição de uma variante para a escrita.
Na observação da situação linguística e por todo o corpus aqui
apresentado quer nos textos privados e nos oficias, na designação de Hagége

49
Ver anexo.

56
(2000)50, o governo e os locutores cabo-verdianos afirmam que a lcv é a língua
nacional. Nesta fase da sua oficialização, dois aspectos se destacam, apesar da
própria oficialização não ter o consenso de todos:
- um dos aspectos é a proposta de ortografia para a língua e o outro
aspecto é a escolha de uma variante padrão. Das justificativas apresentadas no
corpus o que está por detrás desta proposta de grafia é a ideia que se tem de que a
eleição de uma língua nacional tem de ser obrigatoriamente a escolha de uma
variante linguística. E isso leva-nos para o segundo aspecto:
- aliado à ideia que se tem de que a eleição da língua nacional resulta da
escolha de uma variante. Em Cabo Verde este facto é realçado como sendo um
dos grandes impedimentos para oficialização da língua, uma vez que as variantes
linguísticas são associadas à distribuição geográfica das Ilhas. Veiga (1982)
identificou duas grandes variantes da lcv: a do Barlavento, centralizada na
variante de S. Vicente, Ilha onde foi construído o primeiro liceu e onde
começaram a aparecer os primeiros intelectuais cabo-verdianos e a variante de
Sotavento, da Ilha de Santiago, considerada o berço do povo cabo-verdiano e da
língua cabo-verdiana e que, actualmente, é a capital do país. Esta Ilha reúne a
metade da população de Cabo Verde.51

Sobre este aspecto, particularmente, não encontramos nenhum estudo


que dê a dimensão real das consequências da oficialização da língua cabo-
verdiana como língua nacional. Existem sim, estudos sobre alguns aspectos
gramaticais de algumas variantes da língua cabo-verdiana e as políticas
linguísticas traçadas pelo Governo e, como já dissemos que constam do anexo,
opiniões privadas no sentido de Hagége (2003).

Um outro passo que mais, recentemente, se deu e que contribui para a


valorização da língua, como aponta Thiesse (1999) é a publicação de recolhas de
histórias infantis, cantigas populares, adivinhas e provérbios na língua em
processo de oficialização. Este trabalho começou a ser feito, oficialmente, no

50
Hagége (2000:179) utiliza as expressões “vias privadas” e “vias oficiais” a propósito do destino das línguas
em que ele define as primeiras como os trabalhos dos escritores, filólogos, folcloristas ou dos patriotas sem
qualificação profissional e as “vias oficiais” as intervenções feitas pelo Estado sobre a línguas através de
comissões formadas por técnicos especializados cujas decisões se transformam em lei.
51
Massa, Françoise et Jean-Michel (2001)

57
início do anos 8052, pela Direcção Geral do Património Cultural embora seja
possível encontrar em entidades não oficiais, recolhas de contos populares.

Será difícil falar na existência de uma literatura de língua cabo-verdiana


mas se levarmos em conta que já no início do século XIX, se registaram letras de
músicas e poesias em cabo-verdiano podemos ver que desde muito cedo os
próprios locutores ainda que alfabetizados em português, sempre tentaram
escrever o cabo-verdiano. Quem fazia isso eram os alfabetizados em língua
portuguesa e utilizavam, muitas vezes, a própria norma ortográfica para o
português. Destaca-se o nome de Eugénio Tavares, um dos grandes trovadores de
Cabo Verde, dos finais do século XVIII. Podemos ver nos anexos um dos seus
poemas, escritos em língua cabo-verdiana.
Em termos de instrumentos para a normalização da língua conta-se com
a existência de uma gramática e de vários pequenos estudos sobre a estrutura
gramatical da língua cabo-verdiana; de um dicionário bilingue “crioulo cabo-
verdiano – português”. Estes materiais não foram produzidos através de algum
órgão estatal, mas sim, a partir de iniciativa própria de especialistas. Aliás, não
existe nenhuma instituição estatal que se ocupe apenas da questão linguística em
Cabo Verde.

Apesar de não se poder contar com um grande volume de produção


escrita em língua cabo-verdiana, para além da produção científica, podemos
registar meia dúzia de produções de contos populares, igual número de poesias e
romances em cabo-verdiano - variante de Boavista e Santiago -.

Cada vez mais vai se alargando o campo do uso da lcv, em particular na


escrita, modalidade que raramente o locutor cabo-verdiano se aventura. Com a
difusão da Internet, a possibilidade de escrever de forma expontânea e
instantânea, obrigou o locutor cabo-verdiano a deixar vir à tona a real gramática
interiorizada. Uma leitura atenta dos sites e blogs de um locutor cabo-verdiano
nos confirma o uso predominante da sua língua materna na modalidade escrita
relativamente a este novo meio de comunicação.

52
C.f. Dulce Almada Duarte “A história da escrita em Cabo Verde” in Propostas do Alfabeto para a escrita do
cabo-verdiano. IIPC - Praia

58
Assiste-se, neste momento, a uma redefinição das funções e do uso das
duas línguas onde se nota um maior uso da língua cabo-verdiana em contextos e
situações antes reservadas ao português, nomeadamente os meios de comunicação
social, no Parlamento e nas próprias escolas. Esta mudança tem proporcionado
debates sobre usos linguísticos em Cabo Verde. Em paralelo à discussão do uso
destas duas línguas chamou-nos atenção as características do português,
sobretudo oral utilizado em espaços considerados formais, como os que citamos
no início do parágrafo. Para além da nossa constatação, recentemente, este
assunto foi intensamente debatido na comunicação social electrónica, a partir de
um artigo jornalístico, da filóloga cabo-verdiana, Ondina Ferreira. Ela fala no
aparecimento de uma nova língua, ao qual deu o nome de “Crioulês”. Será que
esta nova variante do português que está a surgir em Cabo Verde é a variante do
português de Cabo Verde, à semelhança do que existe já nas outras ex-clonónias
de Portugal? Relacionada a isso está, também a motivação que levou ao
aparecimento do Dictionnaire Encyclopedique et Bilingue – Cap-Vert/ Cabo
Verde (2001) cujos autores, professores de literatura de expressão portuguesa em
França, sentiram a necessidade de ter alguns instrumentos do tipo para facilitar a
análise e interpretação das obras literárias dos escritores cabo-verdianos e, com
isso, eles chamaram a atenção para a necessidade de se estudar a língua
portuguesa, em Cabo Verde.

A propósito deste assunto, discutiremos, comparativamente, a situação


linguística cabo-verdiana e a brasileira, no que diz respeito à formação da língua
nacional dos dois países. Será que em Cabo Verde existe ou haverá uma variante
de português à semelhança do que aconteceu no Brasil?
Uma das autoras em quem nos baseamos, Bethania Mariani (2004)
analisa as formas de organização que a política linguística toma dos séculos XVI
ao XVIII, no Brasil, enquanto regulamentação proveniente da metrópole
portuguesa em sua aliança com a igreja católica, buscando impor meios de
administrar e de garantir o domínio das relações entre as línguas e os povos.
Os portugueses chegaram ao Brasil no ano de 1500 e ali encontram um
outro Povo que não falava português e tinha línguas diferentes entre si,
identificando mais tarde que existia uma língua que era compreendida por quase

59
todos - tratava-se da língua tupinambá - falada sobretudo na região Amazónica.
Neste mesmo século, Carreira (1983:54) relata-nos as primeiras referências à
língua cabo-verdiana: “(…) foi, pois, pela acção simultânea da catequese, da
educação e da instrução: nas igrejas, nas casas-grandes e nas fazendas agrícolas, e
pelo aprendizado de ofícios que se operou a formação da importante língua de
comunicação verbal e social : o Crioulo – ” e na página seguinte o mesmo
historiador diz que : “ (…) a menos de cem anos do achamento existiam em
Santiago escravos africanos de toda a estirpe Jalofa que se entendiam
(necessariamente por um pidgin ou proto-crioulo) com os europeus, e que eram
utilizados como intérpretes junto dos povos do continente. O primeiro documento
que conhecemos e que refere ao crioulo falado por escravos é a carta de mercês
dada ao Corregedor de Santiago, Luís Martins Evangelho, a 27 de Setembro de
1558 (…)”. Carreira ( op.cit) diz que “(…) a um século (se não antes) do
achamento das ilhas, já existia um pidgin a facilitar o contacto e a assegurar o
convívio entre brancos e a maioria africana”.
Voltando à situação da formação da língua nacional brasileira, segundo
Bessa, no texto apresentado no colóquio da UFRJ, em Junho de 2005 os jesuítas
que estavam no Brasil com o intuito de cristianizar os povos indígenas do Brasil
se aperceberam que falando tupi podiam se comunicar com outros povos em
outras localidades de Amazónia.
Os missionários não só aprenderam esta nova língua como também
procederam depois à gramatização do tupi jesuítico originando a língua geral.
Este facto, é muito importante para uma posterior comparação com a
situação linguística de Cabo Verde, uma vez que a língua geral não é nenhuma
das línguas que se falava no Brasil, mas sim uma língua criada a partir da situação
de diversidade linguística que se encontrava na época.
O filólogo cabo-verdiano Baltazar Lopes ( 1957:29) identificou dois
momentos na história da língua geral no Brasil : um momento inicial, em que
houve um contacto entre a língua portuguesa e as várias línguas dos indígenas,
entre as quais o tupi foi a língua que mais influências deixou, e um segundo
momento, já com a presença das línguas africanas, a língua geral e a língua
portuguesa cujos locutores estavam em desvantagem numérica. Face à
diversidade linguística foi necessário que se arranjassem intérpretes. Então, nas

60
primeiras viagens ao Brasil, como nos conta Berenblum (2003:62) “ (…) os
portugueses deixavam representantes no actual território brasileiro, com a
finalidade de que aprendessem as línguas dos índios e servissem de intérpretes e
tradutores para os portugueses. Surge, assim a figura da língua nos primeiros anos
do século XVI (Dias, 1996).” Também, como dissemos antes existiu esta figura
em Cabo verde, que era responsável pela comunicação entre os escravos e os
colonos portugueses, mas muitos deles iam aprender os “rudimentos da língua
portuguesa” em Portugal e, para além de desempenharem a função de intérprete
eram escravos internos.
Voltando à situação linguística no Brasil e, ainda de acordo com Bessa53,
em 1865, cerca de 48% da população não tinha o português como língua materna.
Até 1750, no Brasil se falava a língua geral e o português não era a língua
materna, sendo sim a língua geral a língua materna de uma geração. Existiam
crianças monolingues em língua geral, designados os Tapuius.
Na mesma altura, verificava-se nos estados europeus aparecimento das
línguas vernaculares, adoptadas, politicamente, como línguas nacionais. Então, a
metrópole portuguesa viu-se obrigada a tomar alguma medida uma vez, que era
inadmissível que em um Estado Português não se falasse o português. Assim, em
1759 Portugal expediu um decreto real - Diretorio dos índios - engendrado pelo
Marquês de Pombal onde se oficializa a língua portuguesa como a língua a ser
falada e escrita pela nobreza portuguesa, incluindo-se aqui os membros da elite
portuguesa nascidos no Brasil. Uma série de medidas políticas, administrativas e
pedagógicas foram tomadas além de se proibir o uso da língua geral e tentar
organizar um outro sistema escolar, totalmente, baseado na língua portuguesa. Foi
também, neste momento, que se consolidou a expulsão dos jesuítas do território
brasileiro. Mariani ( 2004:35)
Relativamente a Cabo Verde, não encontramos dados que
comprovassem a existência de leis régias a proibir o uso da lcv como aconteceu
com a língua geral no Brasil, no entanto existe uma tradição oral de que “o
crioulo foi proibido durante a colonização”. Pelo que podemos concluir a partir
das informações encontradas que essa proibição foi mais psicológica, através da
política de assimilaçaão à cultura portuguesa e como diz Dulce Almada Duarte (

53
Na apresentação de um simpósio em Junho 2005, na Faculdade de Letras da UFRJ.

61
op.ct.) “cuja pedra de toque foi, indubitavelmente, o ensino.” Ela ainda explica : “
Com a língua portuguesa sobremaneira prestigiada como língua exclusiva da
Escola e da Administração e, por conseguinte, como língua de acesso ao topo da
pirâmide social, o crioulo foi reduzido à condição de língua do trato familiar, que
nem dava a possibilidade de promoção social (já que esta pressupunha uma
carreira na Administração colonial.)”
Concluímos este capítulo, relembrando que a língua geral que foi
utilizada no Brasil até o século XVIII foi criada a partir de várias línguas
indígenas e das línguas africanas e foi funcional até serem implementadas as
medidas de políticas linguísticas para impedir a sua divulgação. Hoje temos um
Brasil de língua oficial portuguesa, que pela segunda vez implementou a sua
politica linguística, tendo hoje a sua variante do português que é a língua materna
da maioria da população. Estudos aprofundados sobre a língua portuguesa oral
em situações formais e nos meios de comunicação social, em Cabo Verde,
nomeadamente a Rádio e a Televisão poderão determinar a variante do português
de Cabo Verde.

62
6. Análise da situação linguística de Cabo Verde no quadro do
modelo representacional
Uma das nossas hipóteses a quando da realização desta dissertação
prende-se com o seguinte: como é que as representações sociolinguísticas dos
locutores têm condicionado o processo actual de oficialização da língua cabo-
verdiana como língua nacional?
Escolhemos o modelo representacional na perspectiva de Houdebine (
1996) e Calvet (1999), tendo em conta que os dois apesar de utilizarem
terminologias diferentes, não se divergem em termos de análises das
representações linguísticas. Assim, Houdebine fala em imaginário linguístico e o
define “como a relação do sujeito com a sua língua (no sentido de Lacan) e com a
sua língua (no sentido Saussuriano)”54 e Calvet ( 1999:158) preferiu utilizar duas
categorias: práticas e representações, em que as práticas linguísticas
representam o que os locutores produzem enquanto que as representações
simbolizam a maneira como os locutores pensam as suas práticas, como eles se
situam em relação aos outros locutores, às outras práticas e como eles situam as
línguas deles em relação a outras línguas. E tudo isso se manifesta através dos
discursos epilinguísticos. É, por esta razão, que fazem parte do nosso objecto de
análise não só os textos legais, mas também, declarações de cabo-verdianos em
reacção a artigos sobre a língua cabo-verdiana, bem como, os próprios artigos que
serão analisados aqui no quadro das Representações.
A nossa primeira questão está relacionada com a própria designação da
língua pelos próprios locutores. As designações mais comuns e generalizadas de
se referir às duas línguas são: para a língua materna existem os termos crioulo,
língua cabo-verdiana, "língua di terra”55, língua nacional enquanto que para a
única língua oficial a expressão língua portuguesa. Uma grande parte dos
locutores utilizam a expressão crioulo, desconhecendo até que existem outros
línguas que são chamadas de crioulos. Já em textos específicos sobre a língua
encontramos a expressão crioulo cabo-verdiano. Como diz Calvet (1999:284)
relativamente aos falantes de da Ilha de Reunião ou Guadalupe : “ (…) o locutor
que declara falar francês e o crioulo não diz a mesma coisa quando ele declarou
54
Tradução feita por mim de Houdebine (1996:) “comme le rapport du sujet à la langue (Lacan) et à la langue (
Saussure)
55
Que é a expressão em cabo-verdiano que quer dizer “Lingua da Terra”.

63
falar francês e o guadalopenho, da mesma maneira que o Poitevin declarando
falar patois ou poitevin classifica seu vernacular de maneira diferente e nós
apanhamos coisas sobre suas representações linguísticas: dizer “ eu falo patois”
ou “eu falo crioulo” é situar seu vernacular numa relação de diglossia com uma
variedade alta, enquanto que dizer “eu falo poitevin” ou “eu falo guadelupenho” é
dar ao vernacular o estatuto de língua e o situar em relação aos outros, numa
relação equalitária. ” 56 Para Calvet esta designação de língua é uma questão que
faz parte das representações linguísticas o que desempenha um papel importante
na dinâmica das situações linguísticas.
No caso das línguas designadas crioulas, a questão de representação é
importante e de grande interesse para a afirmação da própria língua tendo em
conta o contexto social em que elas se desenvolveram e a origem do termo
“crioulo”.
Interessa explicar que os países cuja língua materna foi designada de
“crioulo” são aqueles cujos falantes são descendentes de escravos ou da
mestiçagem. Aliás, a etimologia do termo crioulo tem um valor étnico e
linguístico. Curiosa ou coincidentemente o grupo étnico designado “crioulo” nem
sempre fala a língua que se chamou “crioula.” Inicialmente, a aparecer primeiro
no campo étnico, crioulo, de acordo com a Wikipédia57
“era filho de um europeu ou africano nascido na américa ou o filho de
casamento inter-racial em que um dos pais era português (os filhos de casamentos entre
portugueses não eram chamados crioulos).
Durante o período da América Colonial, os filhos dos grandes aristocratas
europeus (em especial espanha|espanhóis) que tinham filhos nascidos em terras
americanas, chamavam a seus filhos de ''criollo''. O termo era usado como sinônimo
para todo aquele que nascesse fora de seu país de origem. Na fase
Escravatura|escravista/esclavagista, os filhos de escravos nascidos em solo estrangeiro
também eram chamados crioulos, em alusão ao termo já utilizado muito anteriormente
pelos nobres e aristocratas europeus. Entretanto, na américa do norte, o termo passou a
ser utilizado de modo pejorativo, para se dirigir em específico às pessoas de cor.

56
A tradução feita por mim do seguinte excerto: “(…) le locuteur qui declare parler le français et le créole ne dit
pas la même choese que s’il déclarait parler le français et le guadeloupéen, de la même façon que le Poitevin, en
déclarant parler patois ou poitevin classe son vernaculaire de façon différente et nous apprend des choses ses
représentations linguistiques: dire “je parle patois” ou “je parle créole”, c’est situer son vernaculaire dans un
rapport de diglossie avec une varieté haute, alors que dire “ je parle poitevin” ou “ je parle guadeloupéen”, c’est
accorder au même vernaculaire le statut de langue et le situer face aux autres dans un rapport plus égalitaire.”
57
Consultada em Setembro 2006

64
No mundo lusófono o termo nunca teve a mesma carga negativa, sendo usado
para denominar os filhos de casamentos inter-raciais (miscigenação) ou, por extensão,
às culturas nascidas do encontro entre o mundo europeu e o africano (como a Cabo
Verde| caboverdiana) ou a São Tomé e Príncipe|santomense.
Esta palavra originou a expressão língua crioula para as línguas que foram criadas nos
territórios colonizados pelos europeus e que usaram uma língua europeia como base
lexical .”
No campo da linguística, as definições são variadas e as, inicialmente,
feitas eram pejorativas. Valdman (1978) diz que “ (…) na sua concepção
linguística, o termo crioulo assimilou o sentido de língua europeia corrompida
empregada pelos negros ou por brancos “crioulos” na suas relacções com os
negros. Ainda, diz que no contexto das colónias americanas (incluindo Antilhas)
esta variedade de língua foi considerada como um idioma que desempenha todas
as necessidades comunicativas e expressivas de seus locutores e limitando-se
apenas a alguns empregos transitórios.”58
Estas ideias quer do campo étnico quer linguístico influenciaram no
desempenho das funções destas línguas e, consequentemente, na política
linguística traçada nestes países.
Depoimentos sobre a língua cabo-verdiana, dos próprios locutores a
partir de uma entrevista com o linguista cabo-verdiano Donaldo Macedo e
comentários a um artigo da filóloga Ondina Ferreira serão analisados à luz dos
autores da sociolinguística francesa, nomeadamente, Calvet ( 1987, 1999 e 2002),
Boyer (1996) e Houdebine-Gravaud (2002).
Mas antes vamos fazer o enquadramento teórico da nossa análise de
acordo com Calvet ( 1999).
Calvet (1999:160) considera que William Labov (1973 e 76 em França)
e Einar Haugen (1962) foram os precurssores do actual modelo de representações
linguísticas, nos estudos sobre a insegurança linguística, com o objectivo de
explicar a mudança linguística. Destaca o papel de Alain Rey (1972) que apelou à
noção de norma e a subdividiu em tipos de normas: Norma objectiva, norma
prescritiva e norma subjectiva. Na sua análise, Rey utiliza como um dos critérios
58
Tradução feita por mim do seguinte excerto “ (…) dans son acception linguistique, le terme créole avite pris le
sens de langue européene corrompue employée par les noirs ou les blancs “ créoles” dans lers rapports avec les
noirs. Il est important de noter que dans le contexte des colonies américaines (Antilles inclues) cette variété de
langue était considerée comme un idiome assurant tous les besoins communicatifs et expressifs de ses locuteurs
et non pas limite à certains emplois transitoires. ”

65
de avaliação, o julgamento metalinguístico dos próprios locutores que é o que
permite articular o estudo das normas objectivas sobre as normas avaliativas,
fundamento da norma prescritiva e de religar o normal ao normativo. Isto é o
contrário ao que a maior a parte dos linguistas pretendem: As atitudes dos
locutores em relação ao uso que eles fazem das suas línguas, o que constituem os
fundamentos sociais das atitudes normativas e a norma comum a estes locutores é
o elemento de ligação da comunidade linguística.59
Actualmente, este tema é discutido por Anne-Marie Houdebine
(1982,1985) que deixa de lado a dimensão social do problema falando em
imaginário linguístico cuja definição aparece 1995, na sua tese de doutorado de
Cécile Canet60, dirigida por Houdebine e diz que todas as normas avaliativas e
subjectivas características das representações dos sujeitos sobre as línguas e as
práticas linguísticas, observadas através dos discursos epilinguísticos dão conta
da relação pessoal que o sujeito mantém com a língua.61
Calvet compreende, então, que os discursos epilinguísticos são
significados do imaginário linguístico e este faz parte (ou é equivalente) das
atitudes.
Houve então uma generalização nos temas que tratavam deste assunto
até que Dominique Lafontaine62 sublinha que “o termo de atitude linguística é
empregada paralelamente e sem uma verdadeira nuance de sentido, à
representação, norma subjectiva, avaliação subjectiva, julgamento, opinião, para
designar todo o fenómeno que tem carácter epilinguístico e que esteja em relação
com a língua.” O mesmo autor diz que este termo tem um sentido mais preciso
em sociologia da linguagem onde designa “ a maneira como os sujeitos avaliam
quer as línguas, as variedades ou variantes linguísticas quer sejam mais
frequentes, os locutores exprimindo-se nas línguas ou variedades linguísticas
particulares.

59
Tradução feita por mim de “les atitudes des locuteurs envers les usages de leur langues, ces attitudes
évaluatives sont les fondement social des attitudes normatives, et la norme commune à ce locuteurs constitue
ciment de la communauté linquistique.”
60
Apud Calvet (1999:155)
61
Tradução feita por mim de “Ensemble des normes évaluatives, subjectives caracterisant les representations
des sujets sur les langues et les pratiques langagiéres, repérables à travers les discours épilinguistiques. Il rend
compte du rapport personnel que le sujet entretient avec la langue.”
62
Apud Calvet (1999)

66
Mas Nicole Gueunier63 distingue a noção de representação linguística de
atitudes linguísticas:
“ Se as representaçõs e as atitudes linguísticas têm em comum o traço
epilinguístico, que os diferenciam das práticas linguísticas e das análises
metalinguísticas, eles se distinguem teoricamente pelo carácter menos activo
(menos orientado em direcção ao comportamento), mais discursivo e mais
figurativo que as representações.”64
Da exposição dos vários conceitos de representação a nossa análise vai
se apoiar na proposta de Jean-Louis Calvet (1999) porque ele apresenta a análise
das representações interlíngua, portanto, nos permite trabalhar a situação do
contacto de línguas em Cabo Verde, e também porque ele introduz o factor da
segurança e insegurança linguística que está relecionado com os usos linguísticos.
Calvet (1999) como dissemos atrás distingue as práticas das
representações afirmando que as representações actuam em três domínios: sobre
a forma (a maneira como as pessoas falam, como se deve falar), o status das
línguas (o que se deve falar, a língua legítima) bem como sobre a função
identitária das línguas (o que caracteriza a comunidade). Enquanto que as
representações provocam segurança ou insegurança nos diferentes domínios.
No caso do nosso objecto de pesquisa as representações que o locutor
tem da sua língua materna provocam insegurança linguística que resulta não da
forma da língua mas sim da relação estatutária que lhes foram atribuídas: é o
próprio falante que diz que ele não fala uma língua mas sim “crioulo” .
No corpus em anexo, temos depoimentos vários que comprovam as
representações dos locutores sobre a forma da língua – maneira como as pessoas
falam e como pensam que se deve falar – a propósito do citado artigo da filóloga
cabo-verdiana Ondina Ferreira ( Maio 2006) da entrevista do linguista cabo-
verdiano Donaldo Macedo (Dezembro 2005). Donaldo Macedo propõe a
oficialização do crioulo e a sua introdução no ensino.

63
Apud Calvet (1999)
64
Tradução feita por mim do seguinte excerto : “Si les representations et attitudes linguistiques ont en commun
le trait épilinguistiques, qui les differencient des pratiques linguistiques et des analyses métalinguistiques, elles
se distinquent théoriquement par le carácter moins actif (moins oriente vers un comportement), plus discursif et
plus figuratif des representations.”

67
No artigo intitulado “Crioulês, o novo veículo de comunicação dos
quadros?” a autora denuncia e comenta a variante de língua portuguesa utilizada
nos meios de comunicação social e em espaços formais cujos falantes são:
técnicos, políticos e professores. Ela chama a atenção para uma audição atenta,
pois as características morfossintáticas deste tipo de discurso deixa o ouvinte em
dúvida se se trata da língua cabo-verdiana ou da língua portuguesa. Vejamos os
seguintes depoimentos:

“Até que enfim, alguém já deu conta deste fenómeno. Devemos sacudir
complexos e usar a língua portuguesa, como deve ser ou usar o crioulo, também
como deve ser e evitar esta “djagacida”65 que, afinal só os letrados entendem. Ou
será que o crioulês já é um indicador da alta posição social?”

ou outro comentário feito em cabo-verdiano cuja tradução é a seguinte:


“A minha opinião sobre os falantes de “ criolês” é o seguinte: Eles têm
problemas de identidade de língua e de cultura. A maioria de falantes do crioulês
estuda em Portugal ou no Brasil. Eles não sabem se se identificam com a língua e
cultura dos ex-colonizadores ou se se identificam completamente com a língua
nacional de Cabo Verde, o crioulo. Paciência para eles!”

Aqui um outro locutor põe em causa o papel identitário das línguas não
opinando, no entanto qual deve ser a língua do Povo cabo-verdiano.

Opinião mais comedida tem um emigrante cabo-verdiano nos estados


Unidos da América :

“ Nos últimos dias ao viajar pelas páginas dos jornais cabo-verdianos,


notei que em Cabo Verde, os “alguens” estão a ficar um pouco perturbados
paranóias) em relação à língua portuguesa – Língua que na altura da
independência foi posta à margem. Mas verifica-se que essa mesmas língua vista
como algo de valor e que serve para classificar quem é, e quem não é – um que
chegou de Cabo Verde tinha comentado: quem qui cata fala português na Cabo
Verde é ca ninguém. 66Será Verdade?”
Não se preocupem com esta particularidade. Que falem e se
desenvolvam o português de Cabo Verde. Brazil, Angola, Mozambique, Madeira,
São Tomé, todos têm cada um o seu dialecto, é a variante da língua. A língua é a
portuguesa e cada um dos falantes apresenta-se com a sua variedade. Verifiquei
uns mandabocas (porque não passam disso) aos Editoriais do Dr. Jorge Fonseca,
que há “pessoas” que estão rebuscando, como à procura de agulha na areia, erros
que não existem, pois caso existem, duvido muito que haja muitos do seu calibre
intelectual, em Cabo Verde, que terão essa felicidade de ser o sorteado com tal

65
Prato típico de uma das ilhas de Cabo Verde que se mistura a farinha de milho, feijão e outros ingredientes.
66
Quem não fala português em Cabo Verde não é uma pessoa importante.”

68
agulha. (…) que me perdoem os meus erros de português (eu falo e escrevo
português dialecto di merca)67 cabo-verdianamente. Imigrante”

Questionamos o porquê desta insegurança linguística ou o


desprestígio pela sua própria língua materna, Calvet (1999:160) nos deu a
seguinte resposta:
Ele considera que a insegurança pode resultar de relações que ele
chamará interlínguas – entre línguas diferentes, e aqui ela é o produto do
plurilinguismo: a insegurança pode resultar da comparação da sua maneira de
falar com o falar legítimo ao qual foi atribuído um determinado estatuto já
interiorizado pelo locutor (tem-se aqui um problema de statut linguístico).
Esta língua, ou esta variante do português a que se refere a articulista
não é um caso apenas de português, mas em muitos países com características
linguísticas próximas de Cabo Verde se identificou esta variante linguística e que
é analisada na perspectiva do continuum crioulo.
Pelas justificações das opiniões emitidas a propósito das discussões
acerca da oficialização ou não da língua cabo-verdiana verifica-se que não se
discute a necessidade e a importância da oficialização da língua materna dos
cabo-verdianos, mas sempre se questiona o porquê de se querer oficializar o
“crioulo” se Cabo Verde já tem uma língua oficial que é utilizada dentro e fora do
arquipélago. Podemos encontrar atitudes como esta e outras nas reacções à
referida entrevista dada pelo linguista Donaldo Macedo. Vejamos algumas
reacções:
“Estou de acordo com ele68 em alguns pontos mas não sou de acordo de
ensinar o crioulo na escola. Falamos crioulo, na rua, (…) na escola não
precisamos. Os nossos filhos são futuros quadros. Se não dominarem português é
grave. O crioulo fica nos quatro cantos de Cabo Verde. Imaginem um médico de
amanhã que não sabe se expressar bem em português? (…) sou de acordo quando
dizem que quem fala um bom crioulo não sabe falar um bom português. Se somos
uns pais que quer avançar não é assim.” (sic)
Calvet (1999:158) diz que as representações não agem em uma parte da
língua ou numa palavra mas em toda língua e podem, entre outras coisas, revelar

67
O que quer dizer em Português “ dialecto dos Estudos unidos da América”
68
O linguista Donaldo Macedo que defende a introdução da língua cabo-verdiana no ensino

69
uma segurança ou uma insegurança em diferentes domínios que terão efeitos
sobre a língua, modificando-a . Neste sentido, ele considera, então que as
análises das representações que procedem metodologicamente em sincronia,
tocam necessariamente na mudança, na evolução das formas linguísticas e releva
ao mesmo tempo da diacronia.
Outra particularidade proposta por Calvet é que até então as
representações têm sido ligadas à forma da língua e ele questiona se não estará
ligada mais à função desempenhada pela língua do que pela forma da língua. E
isto é aplicável no caso de Cabo Verde uma vez que durante a época colonial o
cabo-verdiano e o português desempenharam funções diferentes. Hoje em dia, de
acordo com a situação linguística descrita anteriormente assiste-se a uma
redistribuição do uso comunicacional das duas línguas.
De acordo com o modelo teórico de Calvet designado, teoria
gravitacional, que tem em conta a complexidade da dimensão essencialmente
comunicativa e social das línguas, a vertente linguística de mundialização implica
diferentes tipos de comunicação desde o círculo familiar até ao espaço mundial.
Um indivíduo teria de fazer uso de um modelo trifuncional recorrendo-se a três
línguas: uma internacional com a qual ele tem apenas um vínculo utilitário,
utilizado na comunicação internacional, uma gregária com a qual ele tem um laço
afectivo e identitário utilizado no espaço familiar e a língua de Estado utilizada na
Administração e via pública. Esta última, no caso do nosso objecto de análise, é a
língua portuguesa, que funciona realmente como língua intermediária e ficaria
seriamente ameaçada neste contexto de mundialização, pois os cabo-verdianos
apenas se comunicam em crioulo entre si, com uma pequena excepção. A
aprendizagem do inglês já é feita com muito entusiasmo e os cabo-verdianos na
diáspora são bilingues falantes do crioulo e da língua do país de origem. Isto quer
dizer que para um emigrante cabo-verdiano, na Holanda ou nos Estados Unidos
da América onde reside a maior comunidade cabo-verdiana na diáspora, a língua
portuguesa não faz parte das línguas que eles utilizam como meio de
comunicação. Em termos de dados demográficos, a população cabo-verdiana
actual é de 401.343 mil habitantes e a maior comunidade cabo-verdiana no
estrangeiro que reside nos Estados Unidos da América conta com um total de

70
264.900 mil. Nas comunicações on line é utilizado ou o crioulo ou o inglês para o
caso dos Estados Unidos e a lcv a língua do país de acolhimento.
Pensamos que aqui já não está em causa a língua cabo-verdiana, mas a
língua portuguesa, que de acordo com Calvet (1974:90): “ (…) a ideia de língua
como instrumento de comunicação que teve sucesso na linguística estrutural
contemporânea é suspeita nas sociedades unilingues, já aplicada às situações
colonial, ela torna-se ridícula, sabendo que 2 ou 3% da população de um país
colonizado fala a língua dominante, a língua oficial, enquanto que a maior parte
da população fala a língua dominada, é difícil de admitir que este facto seja
indiferente à luta de classes nesses países. Até porque a única maneira de se
alcançar todos os postos de responsabilidade, o estatuto de funcionário, por
exemplo, é precisamente pelo domínio da língua dominante. (…)” 69. Os dados do
Censo 2000, do Instituto Nacional de Estatísticas, de Cabo Verde, aponta para
uma taxa de analfabetismo de 25%, no entanto, não podemos concluir que o
restante dos alfabetizados fala a língua portuguesa. Quem, normalmente, usa a
língua portuguesa quer oral quer escrito é a camada da população com nível
superior, que corresponde, de acordo com os dados estatísticos citados, 3,2 % da
população masculina e 1,8 da população feminina.
Calvet propõe o cruzamento das práticas linguísticas com as
representações dos locutores o que acaba por ser o cruzamento de o que os
locutores pensam da sua maneira de falar ( segurança| insegurança formal) e o
valor que eles dão ao que eles falam (segurança estatutária). Cruza-se apenas os
dados provenientes dos locutores, que ele questiona como eles se auto-avaliam,
no entanto, fica de lado um outro problema que é a pertinência das avaliações que
os locutores têm das suas práticas.
Existem várias situações em que o linguista e o locutor não se entendem
ou discordam. Ele exemplifica com o caso dos servo-croatas em que os croatas
dizem que falam croata e não servo enquanto os linguistas vêm apenas uma

69
“ (…) Cette idée de la langue comme instrument de communication, qui a eu un large succés dans
la linguistique structurale contemporaine, est dejá en elle-même suspecte lorqu’on l’applique aux societés
unilingues. Appliquée à la situation coloniale, elle devient ridicule: en effet, si 2 ou 3% de la population d’un
pays colonisé parlent la langue dominante, la langue officielle, tandis que l’immense majorité du peuple parle
sa langue dominée, il est difficile d’admettre que cela soit indifferent à la lutte des classes dans ce pays.
D’autant que la seule façon d’accéder à l’ensemble des postes de responsabilité, au statut de fonctionnaire par
exemple, est justement de parler la langue dominante. (…)”.

71
língua: a lingua serbo-crota. No caso de Cabo Verde os falantes dizem que têm
várias línguas porque cada uma das Ilhas tem uma variante fonética própria
enquanto os linguistas dizem que em Cabo Verde só existe uma língua apesar de
reconhecerem as variantes fonéticas.
Então, perante estas duas representações, Calvet (1999: 165) questiona
se se deve levar em conta os dados impostos pelas autoridades dos linguistas ou
as representações. Ele prefere ficar com os dados provenientes dos próprios
locutores embora lhe possam dizer que o científico é mais objectivo.
Mas é, precisamente, através desta reputação de objectividade e
competência que a linguista errou no passado: o discurso colonial por exemplo,
que distinguia entre línguas (europeias) e dialectos (africanos), justificando-se
sempre através de recursos científicos.
Assim, Calvet (1999: 167) diz que não é apenas uma questão de colocar
no mesmo plano as representações dos linguistas e dos falantes mas de lembrar
que os primeiros existem e que a objectividade científica não deixa de ser
desejável, mas não é mais do que um objectivo do qual se aproxima sem nunca o
provar, enquanto que o segundo, mesmo recusado cientificamente age sobre as
práticas e as situações: por exemplo, os linguistas têm razão em dizer, há 50 anos
que o hindi e ourdou são uma e mesma língua, bem como considerar o servo-
croata como uma língua, mas leva tempo para que as representações dos locutores
ajam ( juntamente com factores políticos, sociais e ideológicos) sobre as situações
e que o hindi e ourdou continuam a divergir cada vez mais, bem como, o servo e
croata.
No caso de Cabo Verde, existem já algumas gramáticas e dicionários
mas os falantes não os consultam para tirarem as suas dúvidas como fazem em
relação a outras línguas porque para uma grande parte são falantes do cabo-
verdiano e isso lhes garante o domínio da língua.
Ao abordar a questão da insegurança nos usos linguísticos Calvet
introduziu da análise das representações, o problema do seu modo de emergir. Ele
nos lembra que elas são produzidas, por exemplo, relativamente à insegurança
estatutária, ele diz que o locutor não inventa do nada, ou sozinho que ele não fala
uma língua, mas sim, um dialecto ou um patois. Esta ideia pejorativa foi
veiculada, por exemplo, no discurso colonial. Isto também está associado à

72
insegurança formal: é o discurso normativo, o da sociedade, do grupo ou do
mestre da escola que a reproduziu. E, tudo isso se passou em Cabo Verde uma
vez que aprendemos na escola, até à independência a cantar o hino nacional ( de
Portugal) e a amar a “pátria amada” (que era Portugal), os professores durante a
época colonial eram portugueses e os alunos como tal tinham que se dirigir a
estes em português, eram eles que ocupavam os cargos de chefia e uma das
condições para se ingressar na Administração Pública, até hoje, é ter o
conhecimento da língua portuguesa. O Antropólogo cabo-verdiano, José Carlos
Gomes dos Anjos ( 2002:254) afirma que “ (…) Há muito generalizado de que os
funcionários são mais prestativos quando o usuário utiliza a língua portuguesa na
solicitação, especialmente de serviços burocráticos. O português é língua e
simultaneamente signo de distinção que marca a proximidade ou o pertencimento
ao estrato social dominante (…)”. Isso é um facto, embora faça parte da mudança
das práticas linguísticas que acontecem, lentamente em Cabo Verde e uma das
razoes é como diz o referido antropólogo cabo-verdiano (op.ct 251) :“Após a
independência nacional, o regresso anual de um grande número de pessoas
oriundas das classes médias cabo-verdianas e uma formação no exterior
caracteriza uma nova geração de intelectuais: os quadros (…).” Estes quadros
desempenham um papel importante a nível da mudança linguística em Cabo
Verde, tendo em conta que eles se formam no exterior, em países como a Ex-
União soviética (nos anos 70 e 80), França e Alemanha, Áustria, Estados Unidos.
A competência linguística do português da maior parte de estes cabo-verdianos
fica no que lhes foi transmitido durante os 12 anos de escolaridade através da
disciplina de português em cuja ementa entra a gramática e a literatura
(portuguesa e cabo-verdiana). A consequência linguística de tudo isto é o que se
assiste hoje: o uso do cabo-verdiano ou da hipotética variante cabo-verdiana do
português.
Quanto à insegurança identitária, Calvet (1999:172) considera que o
modo de emergência é mais complexo, pois às vezes tem a ver com a escolha
identitária do locutor que pensa ou quer pertencer a um determinado grupo.
Estes fenómenos não são estáticos e repercutem na maneira de falar e,
consequentemente, nas práticas linguísticas. E a situação actual da prática
linguística em Cabo Verde reflecte, exactamente, isso: uso alternado do português

73
e do cabo-verdiano de acordo com o objectivo que querem atingir (o que nos
remete para a teoria gravitacional já referida) e que em termos de estrutura
gramatical de línguas leva ao aparecimento de variantes linguísticas quer da
língua cabo-verdiana quer do português. Um trabalho de campo neste domínio
clarificava esta situação.

7. A politica linguística vigente em Cabo Verde


Como descrevemos atrás, a actual situação de contacto permanente da
língua cabo-verdiana e da língua portuguesa não é pacífica e as fronteiras do uso
de uma e de outra começam a diminuir. A língua cabo-verdiana faz parte do
símbolo da identidade cabo-verdiana, mas o português é a língua que permitiu e
permite a concorrência aos postos administrativos. Pela análise do corpus, os
locutores cabo-verdianos assumiram a sua língua como língua nacional mas não
assimilaram o conteúdo de o que é uma língua nacional.
Os sucessivos Governos têm sido obrigados a pronunciar-se sobre esta
situação e passados 30 anos após a independência conta-se com algum aparato
jurídico-administrativo para definir a política linguística.
Fizemos uma recolha que abarcou todas as decisões do governo sobre a
língua materna de Cabo Verde desde a independência até ao presente momento.
Normalmente, estes actos tomaram a forma de decretos-lei e foram publicados no
jornal oficial do Governo, designado Boletim Oficial. Também, consideramos os
fóruns e colóquios organizados pelo Governo ou alguma outra instituição mas
que tiveram respaldo oficial.
Para falar da política linguística recorremos ao Boyer (2001:70) que diz
que a gestão oficial de situações de unilinguismo ou plurilinguismo não é apenas
uma gestão, puramente, linguística. Ela depende de situações históricas, sócio-
étnicas, económicas e demográficas. Ele define a política linguística como toda a
acção de um Estado que designa escolhas, orientações e objectivos deste Estado
em relação à gestão das línguas quer em situações de plurilinguismo quer em
situações de unilinguismo. Estas intervenções, às vezes, são inscritas na própria
Constituição, outras vezes suscitadas por uma situação intra ou intercomunitária
preocupante em matéria linguística. E para que elas possam, realmente, deixar de

74
ser meras declarações é preciso que sejam executadas. A esta fase chamou de
intervenção glottopolitique: trata-se de planificação ou normalização linguística.
Já Calvet (1987:154-155) definiu a política linguística como o conjunto
das escolhas conscientes efectuadas no domínio das relações entre língua e vida
social e mais, particularmente, entre língua e vida nacional e a planificação
linguística como a procura e a execução dos meios necessários à aplicação de
uma politica linguística. Boyer precisa esta relação estabelecida por Calvet como
uma relação entre língua e vida comunitária ou intercomunitária no seio de uma
mesma sociedade.
Antes de prosseguirmos, vamos definir a terminologia a utilizar, uma vez
que elas variam entre os grupos de sociolinguistas. Assim, os sociolinguistas
anglo-saxões utilizam a expressão Language Planning (planeamento linguístico )
enquanto que no Canadá utilizam amenagement linguistique (política e
planeamento linguístico) e os sociólogos catalãs preferiram o termo
normalisation lingusitique (normalização linguística). Acima de designação dos
termos encontra-se a denotação comum: qualquer uma delas trata da questão da
gestão de uma ou várias línguas na sua forma e uso. Utilizaremos aqui as
expressões política linguística e planificação linguística.

Aspectos técnicos e jurídicos


As intervenções para gestão de línguas variam muito e dependem das
condições históricas, sócio-étnicas, económicas e demográficas. Segundo Boyer
(1991) a intervenção, relativamente, à língua qualquer que ela seja deve ser
executada a nível estatal ou regional:
. Pode-se limitar a uma academia de língua, ou substituindo as
disposições;
. Pode-se encontrar apenas em um artigo da Constituição e observar a
criação de outras instâncias de gestão de línguas, como um Ministério, Direcção-
Geral, comissões tecnicas, conselhos e um conjunto de textos regulamentares,
como decretos, circulares, e leis linguísticas e deve ter em conta dois princípios: o
princípio da personalidade e o da territorialidade. O primeiro obriga o Estado a
garantir ao cidadão todo o direito do uso das línguas, tratando-se de um país bi-ou

75
plurilingue enquanto que o segundo refere-se à dimensão do bi ou plurilinguismo,
se se aplica a todo o Estado ou a algumas regiões.
Boyer (1991:76) considera que a expressão política linguística aplicada à
acção de um Estado, designa as escolhas, as orientações, os objectivos que são
aqueles deste Estado em relação à gestão da pluralidade linguística (ou de sua
única língua oficial) definidos na Constituição.
Para Calvet (1987:154-155) a política linguística é toda a escolha
consciente efectuada no domínio das relações entre a língua e a vida social e mais
particularmente entre a língua e vida nacional enquanto que a planificação
linguística é a procura e a implementação dos meios necessários para a aplicação
de uma política linguística.
Com base nisto, podemos dizer que o Estado de Cabo Verde assumiu a
existência de duas línguas na sociedade cabo-verdiana e manifestou a intenção do
Governo em ter, futuramente, duas línguas oficiais, através de um conjunto de
aparatos jurídico-administrativos, alguns anos após a independência.
Assim, pelos dados que recolhemos, a primeira orientação política,
relativamente, às línguas no pós-independência70 foi a criação em 1978 da
Direcção Geral da Cultura que tinha como objectivo a afirmação e valorização da
língua materna. Esta Direcção organizou, no ano seguinte, em parceria com a
UNESCO, o colóquio sob o tema a “A Problemática do estudo e da valorização o
Crioulo”. O colóquio tinha como grande objectivo valorizar a língua e sobretudo
padronizar a escrita que vinha sendo feita de maneira assistemática. Um dos
resultados do colóquio foi a aprovação de uma proposta de grafia etimológica de
base fonológica. (VEIGA, 1995: 27).
A acompanhar a primeira proposta de grafia o colóquio apresentou, entre
outras, as seguintes recomendações a curto e médio prazo
A médio prazo propôs:
- “ a realização de estudos necessários com vista à introdução do crioulo no ensino;
- a elaboração de gramáticas ( nomeadamente, de gramáticas do crioulo escritas em
crioulo), de um dicionário, de silabários, etc.;
- a introdução do crioulo como matéria de estudo nas escolas de Formação de
Professores;

70
Cabo Verde deixou de ser colónia de Portugal em 05 de Julho de 1975.

76
- a adopção de uma metodologia de ensino do português que permita a utilização
correcta desta língua;
- o incentivo ao uso e à prática do crioulo como língua de produção literária;
- o incentivo à recolha e ao estudo da tradição oral como meio e forma de
conhecimento da língua e da cultura cabo-verdianas;
- a introdução do crioulo nos mass-média, sobretudo na rádio e nos jornais;”

e a longo prazo:
- a introdução do crioulo na vida administrativa, económica, social e política do país;
- o acesso do crioulo ao estatuto de língua oficial e a definição política do seu papel
face ao estatuto e ao papel da língua portuguesa no país.”
No entanto, a proposta de alfabeto nunca chegou a ser aprovada pelo
Governo.
Em 1989 realizou-se um fórum internacional de «alfabetização bilingue”
onde foi apresentado uma outra proposta ortográfica, proposta esta que partiu
também da base fonética proposta pelo colóquio mas inova, relativamente, às
representações dos sons palatais. No mesmo ano, foi criada uma comissão
nacional para a língua cabo-verdiana, “Órgão consultivo do governo, na
implementação de políticas visando a defesa e a valorização da língua cabo-
verdiana” (publicada no Boletim Oficial –Suplemento - nº 25 de 28/06/ 89) com o
objectivo de analisar e dar parecer cientifico sobre o projecto de Alfabetização
Bilingue.
Em 1993 constitui-se uma “comissão Nacional para a Padronização do
Alfabeto” que elaborou e apresentou ao Governo uma proposta de regras
ortográficas71, O Alfabeto Unificado para a Escrita do Cabo-verdiano - ALUPEC
– que foi oficialmente publicado em 1998 – no Suplemento do Boletim Oficial de
Cabo Verde, I série, nº48, de 31 de Dezembro, em cuja introdução declara o
seguinte:
“…Sendo o crioulo a língua do quotidiano em Cabo Verde e elemento essencial da
identidade nacional, o desenvolvimento e valorização da língua materna. Porém, esse
desenvolvimento e valorização não serão possíveis sem a estandardização da escrita do crioulo, ou
seja, Língua Cabo-verdiana. Ora, a estandardização do alfabeto constitui o primeiro passo para a
estandardização da escrita do Crioulo ou seja da Língua Cabo-verdiana. Assim, no uso da

71
A terceira em termos de propostas para a escrita da língua cabo-verdiana.

77
faculdade conferida pela alínea a) do n.º 2 do artigo 216º da Constituição da República de Cabo
Verde, o Governo decreta o seguinte:
Art.º 1º: É aprovado, a título experimental, o Alfabeto Unificado para a escrita da
Língua Cabo-verdiana o (crioulo), adiante designada ALUPEC, cujas Bases72 são publicadas em
anexo ao presente diploma.”

Mas, antes da publicação deste alfabeto o Governo publicou uma


Resolução, em 1996 (B.O. n. 12 de 31 de Abril), com a seguinte declaração em
relação à língua nacional:
“ O Governo pretende nesse domínio, com base em estudos científicos
que vêm sendo desenvolvidos e orientados por técnicos competentes na matéria,
fixar metas e determinar etapas, para a oficialização do crioulo como língua
nacional, ao lado do português. Refira-se que a aprovação, a título experimental,
do alfabeto é uma das primeiras metas. Incentivos serão estabelecidos com vista à
promoção de obras, estudos e trabalhos sobre o Crioulo.”
Em 1998, uma outra Resolução diz o seguinte: será valorizado,
progressivamente, o crioulo cabo-verdiano, como língua de ensino.”
No ano seguinte, em 1999, o Governo procedeu a uma revisão da
Constituição onde aparece, pela primeira vez, em uma Constituição cabo-
verdiana a referência à lcv, nos seus Artigos:
“Artigo 7 º (Tarefas do Estado): São tarefas fundamentais do Estado: (…) Preservar,
valorizar e promover a língua materna e a cultura cabo-verdianas;
Artigo 9º - (Línguas oficiais) 1. É língua oficial o Português. 2.O Estado promove as
condições para a oficialização da língua materna cabo-verdiana, em paridade com a língua
portuguesa. 3. Todos os cidadãos nacionais têm o dever de conhecer as línguas oficiais e o direito
de usá-las.
Artigo 78º - (Direito à cultura) 3. Para garantir o direito à cultura, incumbe
especialmente ao Estado: (…)
f) Promover a defesa, a valorização e o desenvolvimento da língua materna cabo-
verdiana e incentivar o seu uso na comunicação escrita ; ” 73

72
As bases do ALUPEC encontram-se em anexo
73
in Constituição da República de Cabo Verde, Lei Constitucional nº 1/V/ 99 de 23 de Novembro.

78
Também, encontramos nos Programas do Governo e no Plano
Nacional de Desenvolvimento referências e opções de política linguística, como
demostraremos nas transcrições abaixo:
No “Programa do Governo 2001-2006” as referências ao crioulo
aparecem do seguinte modo:
“(…) 3.2. Cultura: Para a afirmação da Nação e do Estado cabo-verdianos
(…)
c) Elaboração e adopção de uma política adequada à realidade linguística nacional,
caracterizada pela diglossia;
(…)
Língua: promover e valorizar
No domínio da língua, o Governo aprofundará a política de promoção e valorização do
crioulo ou língua cabo-verdiana, tendo em vista a sua oficialização. Em concomitância, tomará,
igualmente, medidas no sentido de fazer com que o país caminhe progressivamente para um
bilinguismo assumido.
(…)”

A derradeira intervenção do Governo sobre a situação linguística cabo-


verdiana foi através de uma Resolução n° 48, de Novembro 2005, onde ele
oferece incentivos para valorização do uso da língua cabo-verdiana.
Todo este aparato jurido-administrativo do Governo de Cabo
Verde revela que a opção da política linguística em Cabo Verde é a construção de
um país bilingue. No entanto, conhecendo a situação in vivo podemos ver que as
políticas não tiveram repercussão na realidade linguística, ou seja não foram
planificadas. Exemplifiquemos a nossa afirmação com o acto do primeiro
colóquio de onde saiu uma proposta de ortografia mas não há amostras do seu
uso, por exemplo, pela comunicação estatal que quando tem necessidade de
escrever em cabo-verdiano, recorre-se ao alfabeto etimológico. No mesmo ano,
realizou-se um encontro sobre a alfabetização bilingue e foi apresentado um
esboço para a gramática do Crioulo e um alfabeto que mais uma vez não chegou a
ser do domínio público, mas que foi avaliada pela referida Comissão, que
considerou que o mesmo “é omisso quanto a questões fundamentais e, muitas
vezes, específicas na gramática da língua cabo-verdiana como: a Fonologia, a

79
Morfologia e a Sintaxe em grande Medida)”74. No entanto, a sociedade, por
atitude própria continua a escrever em crioulo, com base na grafia etimológica e
fonética. Não se registou nenhuma acção formal para apoiar ou não essa atitude
dos falantes. Quatro anos depois, com o objectivo de se preparar a oficialização
da língua em causa foi criada uma outra “Comissão Nacional para a Padronização
do Alfabeto” que, efectivamente elaborou a um alfabeto entregue ao Governo em
Maio de 1994 e, cuja publicação data de Dezembro 1998.
Até ao presente momento, não encontramos nenhuma informação que
pudesse servir como balanço ou avaliação desta fase experimental. Podemos
estender esta mesma observação ao artigo da Constituição que passou a
considerar a língua cabo-verdiana língua Co-oficial em construção. Nenhuma
acção em termos de planificação linguística foi desenvolvida até ao presente
momento.
A terminar este último capítulo da nossa dissertação transferimos o que
disse Calvet75 (1987:158-159) relativamente à teoria de politica linguística para o
caso de Cabo Verde, podemos dizer que, perante as posições oficialmente
tomadas já se pode falar que o país realmente tem uma politica linguística, mas o
mesmo já não se pode dizer relativamente à planificação linguística, então a
execução da politica linguística não é funcional, tem uma função simbólica, isto
é as escolhas de politica linguística nunca foram aplicadas.
Fergusson et J. Das Gupta76 (1977) são da opinião de que “ a
planificação linguística é uma questão nova que apareceu a partir da planificação
do desenvolvimento nacional (...) e que as tentativas voluntárias de mudar ou
preservar as línguas e sua utilização podem ser também previstas na política
económica” mas “ foi, apenas recentemente que estas actividades foram
reconhecidas como um aspecto de planificação no domínio linguístico.” 77

74
VEIGA Manuel, O Crioulo de Cabo Verde - Introdução à gramática. Instituto Cabo-verdiano do Livro e do
Disco, Instituto Nacional de Cultura, 1995.
75
CALVET, Louis-Jean. La guerre des Langues et les politiques lingusitiques , Payot, Paris, 1987, pg. 158-
76
J. Das Gupta et C. Fergusson, “ Problems of Language Planning”, language planning Processes, Mouton, L
aye 1977, P.4 Apud CALVET, Louis-Jean .La Guerre des Langues et les politiques linguistiques, pg158
77
Tradução feita por mim do seguinte excerto: “la planification linguistique est une nouvelle venue dans la
famille de la planification du développement national.”, e “des tentatives volontaires de changer ou de préserver
les langues et leur utilisation peuvent être aussi vieilles dans que la politique économique “ mas “ ce n’est que
récemment que ces activités dans le domaine linguistique ont étè reconnues comme un aspect de la
planification.”

80
Com base nisto, entendemos que o Governo de Cabo Verde tenha
elencado as políticas linguísticas a par das opções e estratégias económicas para o
desenvolvimento do país no “Programa do Governo” e em “As Grandes Opções
do Plano”. Com isto, queremos dizer que as políticas, realmente, começaram a ser
traçadas já o mesmo já não se pode dizer quanto à implementação. Enquanto
isso, os cabo-verdianos fazem da língua cabo-verdiana a sua língua veicular e a
opção que eles fazem de escolher uma ou outra língua é condicionada por
diversos factores, alguns elencados atrás, na sua maioria extra-linguísticos. “ (…)
o ser humana se desenrasca para resolver de uma maneira ou outra, (…) eles
praticam uma gestão in vivo ou in situ que é o que constitui o primeiro modo de
acção sobre as situações de comunicação”78 (CALVET, 2002:17).
No entanto, é preciso para além destas intervenções de carácter
social, involuntárias, muitas vezes regionalizadas, que existam também
intervenções voluntárias, programadas e uniformes. Neste contexto, vimos que a
tal planificação ou padronização linguística que deve acompanhar a política
linguística não tem sido posta em prática em Cabo Verde. Falamos,
concretamente, da ausência do que Boyer (2001:78) designou de instrumentos de
identidade estrutural da língua, nomeadamente, ausência de gramáticas,
dicionários (por exemolo, um dicionários monolingue do cabo-verdiano ou
manuais de ensino do cabo-verdiano).E, ainda, podemos acrescentar a divulgação
junto da comunidade da forma padronizada da escrita da língua nacional.
Em muitos países africanos, saídos da colonização, a presença de várias
etnias corresponde à presença de várias línguas o que dificulta a planificação de
uma política linguística . Cabo Verde não conhece esta situação, pois consta com
apenas duas línguas em presença, mas chegado a este ponto da nossa dissertação,
vimos que como um país recém descolonizado, as condições históricas e sociais,
os discursos coloniais e a ideia de supremacia da língua portuguesa nas
representações sociais e linguísticas dos falantes funciona como um grande
constrangimento à resolução deste problema linguístico.

78
Tradução feita por mim do seguinte excerto : “ (…) les êtres humains se débrouillent pour résoudre d’une
façon ou d’une autre, (…) Ils pratiquent ainsi une gestion in vivo ou in situ qui constitue le premier mode
d’action sur les situations de communication.”

81
CONCLUSÃO

No início desta dissertação, a nossa grande preocupação era entender o


porquê da não oficialização da língua caboverdiana como língua nacional e, para
isso, tivemos que mapear a a situação linguística de Cabo Verde, embora com
destaque para a situação actual, mas não nos foi possível livrar do aspecto
histórico. E a observação que podemos fazer nesta fase final é que esse processo
de oficialização da língua cabo-verdiana está, fortemente, condicionado pelas
representações acerca das línguas que os falantes têm e que na verdade, em Cabo
Verde, estão longe de corresponder à realidade linguística, existe sim, um mito
criado desde a colonização que Cabo Verde como ex-colónia de um país de
língua oficial portuguesa, deve ter a mesma língua. Uma pesquisa mais
aprofundada poderá demonstrar qual a função da língua cabo-verdiana e
portuguesa e porquê que os próprios locutores têm dificuldade em assumir a sua
própria língua materna como língua oficial. Por uma concorrência desleal,
imposta por motivos de politica social e económica do país a língua cabo-
verdiana não é utilizada na modalidade escrita.
No entanto, os avanços tecnológicos, o uso que a grande massa de
população emigrante, os novos quadros e os próprios estrangeiros em Cabo Verde
fazem da língua cabo-verdiana motivam a sua instrumentalização e contribui para
a valorização da língua materna dos cabo-verdianos.
Confessamos que esta dissertação nos permitiu conhecer melhor a
situação linguística de Cabo Verde e inteirarmo-nos da bibliografia existente
sobre o tema, e posto isso, ficamos com a sensação de que agora é que devemos
iniciar uma pesquisa para que possamos, realmente, contribuir neste processo.

82
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Instituto cabo-verdiano do livro

85
ANEXOS

86
ANEXO A: Extracto da Sessão Plenária de Outubro - Reunião Plenária do dia 30
de Outubro de 2006

Sr. Deputado António Fernandes (PAICV): - Vou endereçar agora uma


pergunta.
Levando em consideração de que São Lourenço dos Órgãos é um dos municípios
com a mais baixa taxa de ligação eléctrica, pergunto:
O que pretende o Governo fazer no sentido de elevar a curto prazo essa taxa para
pelo menos a média nacional?

Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Ministro.

Sr. Ministro da Economia, Crescimento e Competitividade, João Pereira


Silva: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, em relação a essa questão devemos dizer que o
Município em causa, cerca de metade já está coberta por redes de distribuição.
O problema é da ligação domiciliária. Existe um projecto para apoiar os grupos
mais necessitados da população, que está em curso e ainda deverão existir novos
projectos e outras verbas.
Mas, digamos, o problema é do acesso das famílias mais carenciadas à energia,
quando já existem redes de distribuição, neste caso cerca de metade do concelho está
coberto por redes de distribuição.
De todo o modo estamos a arrancar os projectos previstos no programa de
investimentos e contamos ainda atingir as metas de cobertura de 95%, com as redes de
distribuição. Inevitavelmente, o município de São Lourenço dos Órgãos chegará a essa
taxa.
Quanto aos problemas de acesso, de disponibilidade financeira das famílias para
pagarem as despesas de ligação, essas questões são tratadas no âmbito de outros projectos
e de outras instituições variadas.

Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Lima Santos.
Sr. Deputado José Luís Lima Santos (MPD): - Sr. Ministru, nu ste-m papiâ na
língua di téra pa nu podê espresá amidjor y pa no podê tanbê entendê amidjor.
Sr. Ministru, na últimu Sesãu ki-m partisipa di anu pasádu na mês di Abril, N
koloka Sr. Ministru un kestãu ki Sr. Ministru da un data di volta, el ka respondê, mas oje
dja nu ten resposta.
Nu perguntá Sr. Ministru kenha ki tinha vendide terénus di Esgreta, Sr. Ministru
fla ma ka era Guvérnu, nu perguntâ e kenha, Sr. Ministru fla me ka sabia.
Dja nu sabê ma foi Guvérnu através di Cabo Verde Investimentos, nu kre
pergunta Sr. Ministru, (purki mal dja ta fête, kel ispropriasãu di kes terénus foi fête di
forma kel foi, pa nu foi sinpátiku nu ta fla forsóde y arbitráriu, pa tentâ remediâ,
sobretude kes pesoas ki sta lezadu, aflitu pur kauza di ses terene ter side ispropriade da
kel forma) pa kuandu indiminizasãu di kes pesoas, dadu ki nô sabê ki-mô dja entrâ un
soma avultada di venda di kes terenus pa un grupê ben identifikadu ki nô sabê, nu ten
tude ses nome li.

87
Nu kre perguntâ Sr. Ministru pa kuandu ki efetivamenti kes pesoas ta resebê ses
indiminizasãu? Nu devê fla Sr. Ministru, nho sabê, es ta revoltóde, es ta ta pensâ até na
otras formas di luta.
Nu ta flá-s pe-s ten kalma, purki es téra e un téra di justisa, nô ta sperâ ki justisa á-
de ser fete.
Un segundu pergunta, Sr. Ministru, kual e kes kritérius pa iskolha di funsionárius
pa Sociedade de Desenvolvimento de Boa Vista? N ta referi a sedi na Boa Vista.
Resentimenti entrâ un konjuntu di pesoas la, di tudu es, di sinku pesoas, so un e ki
foi alvu di konkursu públiku. Kes otê ninhun ka foi alvu di konkursu públiku, pur isu e un
kazu karikatu, un sinhora ki parsê un dia na konkurse e reprovâ, na kel otê dia el entrâ la
komu funsionária, nu ka sê nen ki manéra.
Nu kre perguntâ Sr. Ministru kual e ke kritérius pa kolokasãu di funsionárius na
séde da Sociedade de Desenvolvimento da Boa Vista e Maio, ma nôs tude nô sabê ke na
Boa Vista.
Un terseiru pergunta, Sr. Ministru, na altura di kanpanha Sr. Ministru fla
solenimenti y publikamenti ma nos primeirus dias di mandatu siginti, (Sr. Ministru staba
seguru kes ta ganhaba ileisoins) ta fazida alargamentu di inerjia na zona norti pa 24 óra.
No sabê, já na ki altura nô ta, nu fikâ kontenti ku es anúnsiu, el e un nesesidadi
primente di zona norti, nu kre perguntâ Sr. Ministru si já ka e altura di materializasãu di
kel prumesa ki el fazê sulenemente a jentes di zona norte na Boa Vista.
Pa termina, Sr. Ministru, ki razoins e ki estevi na admisãu di sinhor ex-prizidenti
di konselhu di administrasãu di Sociedade de Boa Vista e Maio?
Nu sabê ki el asinâ un kontratu di kuatru anus y uns mezis dipôs el foi demetide.
Isu kauzâ inormis prejuízus à Sociedade ki inda nu ka sabê sertamenti kóndê e ki el ta bá
resebê di indiminizasãu, mas e seguramenti mais di 10 000 kontus.
Nu kre perguntâ Sr. Ministru kual e ke razãu, pe respondê li pur favor, má pa el ka
fují, u ki levâ a dimisãu mezis dipôs di Prezidenti di konselhu di Administrasãu de
Sociedade de Desenvolvimento de Boa Vista e Maio?

Sr. Presidente: - Antes de passar a palavra ao Sr. Ministro, queria dizer que a
Mesa tem feito um esforço enorme para que as Sessões de perguntas ao Governo
decorram de uma forma normal e pediríamos a todos os Deputados, sem excepção, que se
ativessem ao n.º 4 do Artigo 252.º que diz que as perguntas orais não devem conter
observações subjectivas ou juízos de valor e também nas respostas, os membros do
Governo terão que fazer o mesmo esforço.
Com essa observação, de certeza que teremos uma melhor condução e rendimento
dos nossos trabalhos.
Tenha a bondade, Sr. Ministro!

Sr. Ministro da Economia, Crescimento e Competitividade: - Não estou cá em


campanha eleitoral, de forma que vou responder objectivamente.
Primeiro, vou responder em português, a população da Boa Vista tem fama de
falar bom português …

Risos dos Deputados da Bancada do PAICV.

88
(…) e de ter escola pública com professores do Magistério transferidos da
metrópole desde o século XVIII, de forma que vou falar em português, na certeza de que
vão todos perceber bem.
Não! O Sr. Deputado fez mais uma pergunta que não está na lista. Aproveitou e
fez mais uma pergunta que não tinha feito. Tinha quatro perguntas, fez cinco.

Sr. Deputado José Luís Lima Santos (MPD): - Não, fiz quatro.

O Orador: - Fez cinco, Sr. Deputado e vou provar-lhe porquê que fez cinco.
Voltou à pergunta da Sessão passada para concluir que faltei à verdade, mas devo
dizer que o Senhor é que está a faltar a verdade conscientemente porque é Presidente da
Assembleia Municipal da Câmara da Boa Vista.
A Boa Vista tem 35% do capital socialda Sociedade de Desenvolvimento das ilhas
da Boa Vista e do Maio.

O Sr. Deputado fez Sessão da assembleia há bem pouco tempo, podia ter
interpelado a câmara, cuja assembleia municipal preside, sobre…

ANEXO B : Leis e decretos do governo de Cabo Verde sobre a situação linguística de


Cabo Verde bem como encontros para a discussão da mesma promovidos pelos Governo:

- Em 1978 foi a criação a Direcção Geral da Cultura que tinha como objectivo a
afirmação e valorização da língua materna que organizou, no ano seguinte, em parceria
com a UNESCO, o colóquio sob o tema a “A Problemática do estudo e da valorização
o Crioulo”.

- Em 1989 foi criada a Comissão Nacional para a Língua cabo-verdiana, “Órgão


consultivo do governo, na implementação de políticas visando a defesa e a valorização da
língua cabo-verdiana” (publicada no Boletim Oficial –Suplemento - nº 25 de 28/06/ 89)
com o objectivo de analisar e dar parecer cientifico sobre o projecto de Alfabetização
Bilingue.

- Em 1989 realizou-se um fórum sobre a «alfabetização bilingue” onde foi


apresentado uma outra proposta ortográfica da autoria da linguista portuguesa Dulce
Almada.
- Em 1993 constitui-se uma “comissão Nacional para a Padronização do
Alfabeto” que elaborou e apresentou ao Governo uma terceira proposta de de regras

89
ortográficas, O Alfabeto79 Unificado para a Escrita do Crioulo ALUPEC – que foi
oficialmente publicado em 1998 – no Suplemento do Boletim Oficial de Cabo Verde, I
série, nº48, de 31 de Dezembro de 98.
- Resolução em 1996 (B.O. n. 12 de 31 de Abril), com a seguinte declaração em
relação à língua nacional:
“ O Governo pretende nesse domínio, com base em estudos científicos que vêm
sendo desenvolvidos e orientados por técnicos competentes na matéria, fixar metas e
determinar etapas, para a oficialização do crioulo como língua nacional, ao lado do
português. Refira-se que a aprovação, a título experimental, do alfabeto é uma das
primeiras metas. Incentivos serão estabelecidos com vista à promoção de obras, estudos e
trabalhos sobre o Crioulo.”

Em 1998, outra Resolução diz o seguinte:” será valorizado, progressivamente, o


crioulo cabo-verdiano, como língua de ensino.”
Em Dezembro 98 foi aprovado a título experimental o ALUPEC através de um
Decreto que diz o seguinte:
“…Sendo o crioulo a língua do quotidiano em Cabo Verde e elemento essencial
da identidade nacional, o desenvolvimento e valorização da língua materna. Porém, esse
desenvolvimento e valorização não serão possíveis sem a estandardização da escrita do
crioulo ou seja língua seja Língua Cabo-verdiana. Ora, a estandardização do alfabeto
constitui o primeiro passo para a estandardização da escrita do Crioulo ou seja da Língua
Cabo-verdiana. Ora, a estandardização do alfabeto constitui o primeiro passo para a
estandardização da escrita. Assim, no uso da faculdade conferida pela alínea a do n.º 2 do
artigo 216 da Constituição da República de Cabo Verde, o Governo decreta o seguinte:
Art.º 1º: É aprovado, a título experimental, o Alfabeto Unificado para a escrita da
Língua Cabo-verdiana o (crioulo), adiante designada ALUPEC, cujas Bases80 são
publicadas em anexo ao presente diploma.”

80
As bases do ALUPEC encontra-se no anexo

90
Em 1999, o governo procedeu a uma revisão da Constituição onde aparece pela
primeira vez uma referência à língua cabo-verdiana, nos seguintes termos:
“Artigo 7º.- (Tarefas do Estado) : São tarefas fundamentais do Estado: (…)
Preservar, valorizar e promover a língua materna e a cultura cabo-verdianas;
Artigo 9º - (Línguas oficiais) 1. É língua oficial o Português. 2.O Estado promove
as condições para a oficialização da língua materna cabo-verdiana, em paridade com a
língua portuguesa. 3. Todos os cidadãos nacionais têm o dever de conhecer as línguas
oficiais e o direito de usá-las.
Artigo 78º - (Direito à cultura) 3. Para garantir o direito à cultura, incumbe
especialmente ao Estado: (…)
f) Promover a defesa, a valorização e o desenvolvimento da língua materna cabo-
verdiana e incentivar o seu uso na comunicação escrita ; (…) 81

Também encontramos nos Programas do Governo e no Plano Nacional de


Desenvolvimento referências e opções de política linguística, como de mostraremos nas
transcrições abaixo:

No “Programa do Governo 2001-2006” as referências ao crioulo aparece do


seguinte modo:
“3.2. Cultura: Para a afirmação da Nação e do Estado cabo-verdianos
(…)
d) Elaboração e adopção de uma política adequada à realidade linguística nacional,
caracterizada pela diglossia;
(…)
Língua: promover e valorizar
No domínio da língua, o Governo aprofundará a política de promoção e valorização do
crioulo ou língua cabo-verdiana, tendo em vista a sua oficialização. Em concomitância,
tomará, igualmente, medidas no sentido de fazer com que o país caminhe
progressivamente para um bilinguismo assumido.
(…)

81
in constituição da República de Cabo Verde, Lei Constitucional nº 1/V/ 99 de 23 de Novembro.

91
ANEXO C :
(I) Depoimentos de atitudes e ideias dos locutores cabo-verdianos sobre as
línguas presentes no país, extraídos de jornais electrónicos cabo-verdianos
“Asemana” e “liberal” e extracto do jornal impresso “Expresso das Ilhas”:

1. Comentários sobre o artigo de Ondina Ferreira “ Crioulês, o novo veículo de


comunicação dos quadros?”Publicado no jornal impresso “Expresso das ilhas” do
dia:__ de Maio de 2006 e cujos comentários aos artigos foram extraídos no dia 15 de
Setembro do jornal eletrónico LIBERAL, na secção Cultura e Lazer do dia 11 de
Setembro 2006. A data destes comentários é do dia 22 de Agosto de 2006.

Segundo Ondina Ferreira, em Cabo Verde tem vindo a insinuar-se, paulatinamente e


vergonhosamente82, mas sempre crescendo, uma nova língua, que ela chama de crioulês,
por comodidade de expressão; surge então uma forma particular de comunicar e de se
fazer entender, utilizada, sobretudo, nos media, pelos técnicos, pelos políticos e pelos
professores da terra que, parecendo não querer expressar-se nem em crioulo, nem
português (…)
Sorocaba (Parceria RondaMundo-Liberal), 22 Agosto- A cultura de Cabo Verde está a
ser acompanhada atentamente no Brasil, onde algumas polémicas são lidas e comentadas.
Eis um exemplo que, de Sorocaba, Margarida Castro fez chegar a “Acontece em
Sorocaba” A atenção que mereceu um texto de Ondina Ferreira ”

“Em Cabo Verde são duas as línguas oficiais: o crioulo e o português. Mas agora surge,
parece, uma “terceira língua”? Leiam as palavras abaixo a transcrição de excerto de fala e
escutada, no parlamento cabo-verdiano, por Ondina Ferreira em seu artigo “crioulês – o
novo veículo de comunicação dos quadros”, pg 7, in “Expresso das Ilhas 10-Maio-2006 e
a opinião da cabo-verdiana Ondina Ferreira: “…nês contexto e mediante as razoes que o
senhor ministro apresenta, é inegável qui nu stá perante um situação de grande
complexidade de tal forma, que qualquer solução encontrada pode reverte em
desigualdade que tá desacreditá nós sistema democrática…”
Segundo Ondina Ferreira, em Cabo Verde tem vindo a insinuar-se, paulatinamente e
vergonhosamente, mas sempre crescendo, uma nova língua, que ela chama de crioulês,
por comodidade de expressão; surge então uma forma particular de comunicar e de se
fazer entender, utilizada, sobretudo, nos media pelos técnicos, pelos políticos e pelos
professores da terra que, parecendo não querer expressar-se e nem em crioulo nem em
português, ou fugindo a isto, optem e fazem-no através desta espécie híbrida, de
compromisso, para uma fala situada entre o crioulo e o português. Por vezes, diz Ondina
Ferreira, ao ouvir nos meios de comunicação os discursos, fica “ na dúvida sobre qual a

82
A autora do texto “crioulês, o novo veículo de comunicação dos quadros?” mandou um esclarecimento-
corecçao à redaçao do jornal Liberal (…atenção que há uma diferença semântica das palavras em contexto:
vergonhosamente e envergonhadamente. Foi este último que empreguei, no meu texto, o que dá sentido
completamente diferente.”

92
língua veicular, se português, se crioulo.” Dúvida que permanece até ao fim. E aí deduz
que se trata de crioulês.

Mais adiante, Ondina pergunta: terá o dito crioulês, nascido sob o signo de uma
hesitação onde uma indefinição dos seus talentos, na utilização de uma das suas
línguas de uso público em Cabo Verde?

Finalizando, Ondina sugere que um sociolinguista e estudioso destas questões preste


atenção a este novo fenómeno de comunicação erudita, a terceira (?) língua, ouvia de
comunicação oral, que vai ganhando forma e existência, pública e mediática, em Cabo
Verde.
Realmente, a estratégia da importância da (s) língua (s) no desenvolvimento do
sentimento de Nação, pátria ou identidade cabo-verdiana ainda tem muito o que avançar.
No caso da piada da articulista, adoptando o nome “crioulês”, para “ terceira língua” , o
problema ou questionamento que ela põe, é que seus falantes são da camada social
detentora de alta literacia, que transmitem mensagens e enunciados cujos conteúdos estão
relacionados com temas científicos, técnicos ou políticos.
Um tema complexo, talvez, para maioria de nós, mas que vale acompanhar.

/ Margarida Castro/

E sobre isto, a opinião dos próprios locutores cabo-verdianos é variada :


“Até que enfim, alguém já deu conta deste fenómeno. Devemos sacudir complexos e usar
a língua portuguesa, como deve ser ou usar o crioulo, também como deve ser e evitar esta
“djagacida” que, afinal só os letrados entendem. Ou será que o crioulês já é um indicador
do alta posição social?”

2. “Nha opinion sobre falantes di “creoles” eh o seguinte: Es tem prubulema de


identidade di língua y di kultura. Maioria di falantes di “creoles” studa na Portugal y
Brasil. Es ka sabi ses “ta identifika ku língua y kultura di ex-colonizadores o ses ta
identifika kompletamente ku língua nasional di Kabo Verde, kriolu. Paxenxa pa es!!!”
ou
3. (…) A nossa língua caiu no esquecimento e a minha tamanha “burreza” pergunta a
quem de direito porque é que quando se discutem problemas do povo todos se entendem
excepto o povo que na sua maioria não percebe do que se fala e muito menos do que se
está fazendo para melhorarem os seus níveis de vida. Pamodi!

4. “Liberdade e terra”. Terra temos, mas liberdade JAMAIS!Conformados, resposta,


continua sendo SIM senhor. O criolo, é belo sem contendas, não está em extinção, que eu
saiba. Péricles O.Tavares
Nos últimos dias ao viajar pelas páginas dos jornais cabo-verdianos, notei que em Cabo
Verde, os “alguens” estão a ficar um pouco perturbados paranóias) em relação à língua
portuguesa – Língua que na altura da independência foi posta à margem. Mas verifica-se
que essa mesmas língua vista como algo de valor e que serve para classificar quem é, e

93
quem não é – um que chegou de Cabo Verde tinha comentado: quem qui cata fala
português na Cabo Verde é ca ninguém. Será Verdade?
Não se preocupem com esta particularidade. Que falem e se desenvolvam o português de
Cabo Verde. Brazil, Angola, Mozambique, Madeira, São Tomé, todos têm cada um o seu
dialecto, é a variante da língua. A língua é a portuguesa e cada um dos falantes apresenta-
se com a sua variedade. Verifiquei uns mandabocas (porque não passam disso) aos
Editoriais do Dr. Jorge Fonseca, que há “pessoas” que estão rebuscando, como à procura
de agulha na areia, erros que não existem, pois caso existem, duvido muito que haja
muitos do seu calibre intelectual, em Cabo Verde, que terão essa felicidade de ser o
sorteado com tal agulha. Camaradas, para que Cabo Verde desenvolva, (não
crescimento, isso sei que existe) nhos djunta moncu apelo de Nho Bispo, nhos po mãos à
obra, menos conversa e críticas de xáxá e comecem a produzir ou caso não sabem como,
apanhem duma vasoura e comecem na limpeza do nosso governo) e da vossa capital e
terra que tanto necessitam. Que me perdoem os meus erros de português (eu falo e
escrevo português dialecto di merca) cabo-verdianamente.imigrante. Língua é algo
colonial. Não sejam extremistas.)

5)Ainda em reação ao artigo em causa, temos um artigo do colunista do jornal electrónico


liberal Adriano Miranda Lima, intitulado O crioulês, o português e o crioulo

“O crioulo não é apenas o instrumento idiomático” que acompanha o ilhéu desde o berço
até à tumba”, como bem disse Baltasar Lopes, é também uma das marcas inconfundíveis
da sua cultura. Só que a situação de bilinguismo em que o cabo-verdiano vive cria-lhe um
conflito psicológico permanente, em que o crioulo é o refúgio natural e imprescindível e
a língua portuguesa um vizinho com quem se tem de conviver. Este problema parece
irresolúvel, porque a língua cabo-verdiana, qualquer que seja, e mesmo que venha a
tornar-se oficial, nunca poderá abdicar-se da estreita convivência com o português, até
porque, segundo parece anunciado este continuará como segunda língua oficial. Esta
salvaguarda configurará certamente uma das condições estatutárias, ou pelo menos de
ordem cultural, para que Cabo Verde possa continuar a ser membro natural dos PALOP,
ainda que com alguns traços dissonantes, com todo o seu significado real e simbólico.
Mas uma comunidade com cerca de 200 milhões de falantes em português, veiculando a
sétima ou oitava língua hoje mais falada no mundo, pode gerar uma acção centrípeta cujo
efeito não será certamente despiciendo. Só o futuro o dirá, mas os sociolinguistas têm de
estar atentos.
Só agora pude ler um interessante artigo da autoria de Ondina Ferreira, intitulado
“crioulês”, publicado no jornal “ Expresso das Ilhas”, de 10 de Maio do corrente. Escreve
a autora: “ Tem vindo a insinuar-se, discretamente, paulatinamente, diria, quase
envergonhadamente, mas sempre crescendo, uma nova língua – chamemo-la “crioulês”,
por comodidade de expressão – uma forma particular de comunicar e de se fazer
entender, utilizada, sobretudo, nos “media”, pelos técnicos, pelos políticos e pelos
professores da terra, que, parecendo, não querer exprimir-se nem em crioulo, nem em
português, ou fugindo a isto, optem e fazem-no através desta espécie, híbrida, de
compromisso, para uma fala situada entre o crioulo e o português.”

94
Contudo, esta revelação não constitui qualquer surpresa para mim, apesar de não
estar a viver em Cabo Verde há longos anos. É que, em 2003, estando de visita à minha
ilha natal, S. Vicente, acompanhei pela rádio nacional uma mesa redonda em que esteve
presente o Director Geral das Alfandegas e um representante do Ministério das Fazendas
confirmar se é fazendas ou finanças). Estava em discussão a implementação de um novo
regime fiscal e aduaneiro e recordo-me bem de que a língua veicular utilizada pelos
intervenientes foi mais ou menos o “crioulês”, conforme a designa a Ondina Ferreira. O
debate destinava-se a esclarecer o público e a terminologia técnica predominava na
interlocução, como o impunha a natureza específica dos assuntos em presença. Em
consequência disso, os vocábulos resultavam na sua quase totalidade em português, só
fugindo, de um modo geral, à norma idiomático, as particulares de ligação, os prenomes83
e artigos, normalmente invariáveis em género, e as flexões verbais. Contudo, quem
distraidamente estivesse a ouvir o debate e não conhecesse a origem dos intervenientes,
seria à partida induzido a identificar uma conversação em língua portuguesa, e só
instigando mais a audição notaria as destoantes particularidades do acessório linguístico.
Isto porque mesmo que não quisesse, a matéria em discussão, predominantemente
técnica, não podia evitar o uso alargado do vocabulário técnico português, porquanto o
crioulo, até agora, não lhe encontrou qualquer tradução ou sucedâneo.
Tenho de confessar que acompanhei o debate com atenção porque o Director
Geral das Alfândegas foi um estimado colega de liceu e a oportunidade de o ouvir servia
para eu matar as saudades daquele que foi um bom companheiro de carteira. Mas houve
um momento em que pensei: “que diabo, se o intuito é facilitar a compreensão do cidadão
comum menos instruído, consegue-se o mesmo desiderato falando integralmente em
português. Porque a dificuldade da percepção radicava, não no acessório formal da
linguagem, mas sim naquela terminologia técnica, que em princípio seria inacessível a
grande parte dos ouvintes. É claro que tive oportunidade de assistir nos “media” a outras
mais intervenções em “crioulês”, mas o referido debate, pela sua duração, funcionou para
mim como uma espécie de ensaio revelador de uma nova forma de comunicar, daí que,
repito, não me tenha surpreendido o conteúdo do artigo de Ondina Ferreira.
A autora refere que o “crioulês” resulta de um processo iniciado há,
sensivelmente, 30 anos, vindo no entanto, à luz, com mais notoriedade e…(ver o artigo
na net) por alturas dos anos quentes de 1974 e 1975, quando se tornaram correntes os
comícios políticos. Concordo efectivamente que o período da afirmação revolucionária
possa ter determinado a eclosão do que já estava em fase larvar algum tempo antes. Mas
sou inclinando a situa-lo em data muito mais recuada, visto lembrar-me perfeitamente de
que, já no meu tempo do liceu, era comum utilizarmos um recurso linguístico similar ao
crioulês para abordar algumas questões escolares. Por exemplo, as seguir às provas
escritas de qualquer disciplina, era frequente confrontarmos as respostas e soluções dadas
por cada um e, nessas alturas, libertes do formalismo impositivo da sala de aula, o
português puro deixava de ser a língua veicular dos nossos pontos de vistas porque o
crioulo logo se encarregava de tomar conta de algumas particularidades do discurso,
ainda que o vocabulário presente fosse maioritariamente em português, por razoes que
são óbvias como as que se aplicam aos exemplos citados por Ondina Ferreira e ao acaso
do debate por mim referido. Também lembro de estudar filosofia com um colega e de, a
espaços, interrompermos a leitura do Manuel escolar e dado texto para expormos o nosso
83
Pensamos que o articulista queria escrever “pronomes”

95
próprio pensamento, fazendo-o algumas vezes em linguagem algo idêntica ao “Crioulês”.
É por este motivo que sou levado a situar a origem do crioulês em data provavelmente
muito anterior à independência, se bem que a necessidade imediata de comunicação
pública possa ter ocasionado o momento decisivo para libertá-lo da timidez,
emprestando-lhe uma roupagem pseudo-formalizante.
Como interpretar o fenómeno de “crioulês” numa altura em que vem ventilada a
oficialização do crioulo e sua ascensão a língua do Estado! Trocar com o ponto
exclamação) o “crioulês” pode considerar-se um elemento de real ineresse no laboratório
de ensaio onde decorrerão os estudos e as ponderações de ordem linguística que irão
propiciar os primeiros contornos da nova língua oficial do Estado de Cabo Verde? (…)
Não me parece. Esta nova linguagem, que tanto pode designar-se “crioulês” como
“portucriol”, por mais próxima do português que do crioulo, não tem a integridade
denética da língua de berço cabo-verdiano e, portanto, pouco relevo deverá assumir na
definição da personalidade morfológica, semântica e fonética daquela que, como é
pretensão de alguns, poderá vir a ser, ou não, a principal língua oficial do país. Caso
contrário, pouco sentido faria banir o português como língua oficial, ou secundarizar-se a
sua importância, já que entre ele e o crioulês não existe um diferencial linguístico
significativo.
Estará o “crioulês” próximo de alguma linguagem de compromisso que Baltasar Lopes
ou Teixeira de Sousa, além de outros, podem ter insinuado em algumas formas de
expressão, respectivamente, nos romances de “Chiquinho” e “Ilhéu de Contenda” ?
Também não me parece. Por exemplo, o “crioulês” apenas se tem limitado à
comunicação verbal, ao passo que nos citados romances ganha forma fala popular, ou
seja da raiz crioula, que é algo distinto do “crioulês” e aquilo que é uma manifestação
diatópica. Naqueles romances, o que existe é, pois, algum vocabulário e expressão de
matriz regional, que surgem apenas em determinados contextos sócio-culturais, não tendo
lugar na comunicação erudita. Neles, o diálogo entre os personagens de estratos culturais
mais altos é sempre em português padrão e nas circunstâncias apropriadas com doses de
conveniente erudição. Mas em caso algum, se nora deriva à norma do português, como
no “crioulês”.
A propósito, pergunto a razão por que o cabo-verdiano de entre os PALOP que parece
ter, como sempre tece, um certo constrangimento em utilizar de forma natural a língua
portuguesa, encarando-a apenas como aquilo que ela é: uma simples língua veicular. E
isto acontece mesmo nos casos em que se domina a língua com natural desenvoltura.
Tem graça recordar-me agora das cartas que em criança o meu pai me escrevia do
estrangeiro e em que não se cansava de advertir: “Adriano, procura falar sempre em
português., ,as falar sem receio, sem vergonha e com à vontade.”
É evidente que a recomendação era perfeitamente inútil porque não me via em
circunstância alguma a conversar em português com os meus companheiros de escola ou
de brincadeira. Mas a resposta à questão atrás aflorada bem sabemos qual é. O crioulo
não é apenas o instrumento idiomático.” Que acompanha o ilhéu desde o berço até à
tumba, ” como bem disse Baltasar Lopes, é também uma marca das marcas
inconfundíveis da sua cultura.
Provavelmente, o “ crioulês” pouco vem acrescentar ao panorama linguístico cabo-
verdiano, porque é mais fácil antevermos cenários, ou hipotéticas resoluções
administrativas, visualizando o comportamento da língua apenas ma esfera da

96
comunicação verbal. Por enquanto, é onde apenas medra o crioulo e o “crioulês”. O
imbróglio surge quando entramos no terreno da escrita.

(II) : Reacções de falantes nativos do crioulo de Cabo Verde a uma 84entrevista


dada por Donaldo Macedo, linguista de origem cabo-verdiano residente nos Estados
Unidos da América, a propósito de um debate sobre a oficialização do crioulo e o
ensino bilingue onde ele concluiu a entrevista dizendo «A nossa língua é viável como
instrumento pedagógico»;

6. “… e pa mi un grandi orgulhu tem un konpatriota ku tantus konkistas na ária di saber


num pais stranjeru sim anho dja nhu konsigi.
Riason di pesoas a entrevistas di nho ta mostra kuantidadi di ekivukus y invensons ki sa
ta atrazanu na afirmason di nos alma ki e kabu-verdianu, na se rikeza ki ta konstitui sees
diferentis variantis.
En vez di bem tenta atraza afirmason di nos lingua pur kauza di proteson di un dadu
varianti, pessoas debia tenta influensia desizoris scientifiku y pulitiku na sentidu di
apruveita lisons di Esperanto di manera a valoriza, na justa medida, tudu varianti di nos
terá.
Prusesu di afirmason di nos língua debi ser un prusesu xeiu di amor y di alegria, um
prusesu ki ta uninu y ta intxi tudu kabuverdianu di orgulhu. Nu ka debi bai pa kaminhu ki
ta dexa un parti di nos povu maguadu, ta xinti inferiorizadu. Tudu opson debi ser ser justu
y splikadu pa tudu alguen ntendi...
(…)
Mestre em economia y Inspetor Principal das Finanças em Cabo Verde.

7. Esta conversa mais parece uma conversa de café do que uma entrevista com um
discurso científico de alguém que tem um PHD. Desculpe-me doutor, mas o seu discurso
peca com as suas inúmeras contradições. Vejamos: o senhor diz que os cabo-verdianos
nascidos no estrangeiro não falam crioulo. Mas ao mesmo tempo diz que os seus pais não
falam a língua do país onde estão. Logo, come que os pais e os filhos se entendem? A
mãe que não fala, por exemplo o inglês nos states, tem de falar crioulo com o seu filho ou
não? Logo, o filho mesmo que se recuse a falar a crioulo percebe o que a mãe lhe diz.
Temos a impressão que o doutor não tem conhecimentos na área de neuro-linguistica ou
de psicolinguistica. Nem tão pouco sabe como funciona o cérebro de alguém que é
bilingue naturalmente e que fala várias línguas.
Quanto à sua anedota desse intelectual cabo-verdiano que num colóquio insistiu
em falar português porque se sentia mais à vontade em exprimir nessa linha ideias e
conceitos, enquanto o senhor replicou em inglês só para o contrariar, tal não passa disso
mesmo: anedota.

84
Tirado do jornal online www.asemana.cv, do dia 10/12/06

97
Anedota pois, são duas coisas diferentes já que o nosso intelectual aprendeu em
português e não em inglês, enquanto o senhor aprendeu primeiro em português e depois e
inglês.
(…)
Quanto à Lura, o seu exemplo não serve igualmente já que a Lura nasceu em
Portugal e sempre se recusou a falar crioulo por complexo de inferioridade, como
acontece com a maioria dos miúdos nascidos em Portugal. Só que a maioria insiste em
falar portugues, mas fala mal e é por isso que a maioria tem fracassos escolares. Mas toda
a gente sabe que a Lura falava portugues, mas no recreio tinha que brincar com os seus
colegas que falam em crioulo.
O paradoxo dos putos e Lisboa é que falam mal português, mas insistem em falar
português com os pais que lhes respondem em crioulo porque não sabem portugues. (…)

conclusão: Lura sempre soube falar crioulo no seu subconsciente ou no seu inconsciente,
somente se recusava a falar por uma série de razoes que tem explicações psicológicas,
mas que não queremos abordar aqui.
Quanto a isso de aprendermos crioulo é um disparate. Não precisamos de
aprender aquilo que já sabemos desde o berço mas sim de aprender uma língua com uma
arquitectura do saber e da cultura. Cabo Verde fica a ganhar mais se a malta aprender
inglês ou francês, línguas de comunicação. Crioulo é uma língua muito restrita para um
pequeno povo, sem expressão nenhuma no mundo. Tanto mais que não há livros escritos
em crioulo. O senhor devia começar por reduzir Shakespeare e Milton. Cabo Verde
ficaria a ganhar mais. Vamos traduzir por exemplo primeiramente os clássicos universais
e depois já conversaremos.
Sr. Ministro de Cultura, desculpa-me, mas isto que o senhor disse é uma comparação
“besta”. Em Cabo Verde as pessoas que não falam português é porque não quiseram ir
para escola ou talvez não quiseram ir para a escola ou talvez porque os pais não
importavam em por os seus filhos na escola, ou talvez porque fomos infelizes em, ser
colonizados por Portugal e que não faço culpa ao povo português pois, muitos deles mal
sabiam falar a língua deles. Mas enfim, paciência., Nós fomos uma colónia de Portugal
há quase 500 anos. O senhor fala melhor português que o nosso presidente de Cabo
Verde actual ( pelo menos em 75) e muitos que estudaram nas universidades de Portugal.
Não venha com esta de usar a língua crioula como língua oficial porque não dá.
Só serve para nos isolar mais no mundo. Nós malmente estamos a ser identificados por
causa da Cesária Évora e o Sr. Já quer estragar tudo. Olha, procura fazer algo de bom
para os estudantes de Cabo Verde como fez um dos ministros da cultura e educação (Sr.
Araújo): uma reunião de jovens estudantes cabo-verdiano de todo Cabo Verde, primeiro.
Minha sugestão! Desculpe-me para mim isto é uma besteira pura. A comparação que o sr.
fez com os alunos do Estado Unidos, é absurda e não se compara. A minha filha com oito
anos veio falava portugues porque nunca estudou em Cabo Verdee não falava Sotavento
porque nunca teria frequentado casa de familiares ou pessoas de sotavento e foi colocado
directamente com alunos americanos e aprendeu inglês sem problemas nenhum. Está com
19 anos está num colégio americano. O senhor vai ser perdoado deste mas por favor não
faça mais comparações. (…) como diz o americano, Duh!!Ade? C ocre obrigam fala
badiu, Sr. Ministro!!!!

98
Entendo sobre a importância do ensino bilingue, mas penso que realmente sp esteve
longe dos seus potenciais nas cidades de Brockton e Boston. Serviu como um
“laboratório ilegal” para o ALUPEC quando o mesmo Ministro de Educação, M. Veiga
dizia que não estava à altura de ser usado como instrumento de ensino. Esses programas
tem deixado muito a desejar no lado da cidadania, pois “kulturalmente ” vem sendo uma
“training comp” para ideologias políticas. Pergunto: porque a discórdia entre os mais
jovens na questão da bandeira di país? Resposta: as aulas da historia recente nestes
programas são tendencialmente subjectivas. Os ‘proponentes” do ALUPEC pertencem à
mesma linha política. 2. Quanto ao numero maior de acesso, não podemos “reduzir”a
implementação do bilingue cabo-verdiano, como a única causa da formação de tantos
quadros. Os tempos e as facilidades de acesso a educação superior mudaram ( Isto
mesmo em Cabo Verde que continua com o português oficial) e será que não aumentaria
o número de conterrâneos concluindo o Liceu se o português fosse utilizado nos
programas cabo-verdiano nos Estados Unidos?
3 - geograficamente o Haiti é metade de uma ilha, e nos somos 9 ilhas. Neste caso,
fazendo com que CV teria mais variedades e menos migrações. Qual é essa mania dos
nossos nos Estados Unidos nos comparar com países das Caraíbas? Primeiro o Dr.
Mendes com a música Jamaica e agora o Dr. Macedo com um dos países mais
desorganizados do mundo, o Haiti.
4 – Tive o prazer de ouvir o Doutor Macedo na Assomada, e afirmo que a nível
linguístico-técnico, não sei se estava a “portuguesar” o crioulo ou a criolar o português.
5 – Na verdade concordo que nos Estados Unidos existe o “criolo vs. Português” e culpo
esses pedagogos proponentes do ALUPEC. O uso do lado emocional e as convicções
políticas deles, os levam a convencer muita gente a pensar que o português é somente
uma arma de neo-colonialismo.
6 – Acho que o nosso crioulo terá sempre esse lugar especial, independente da ilha de
origem, mas tenham mesmo muito cuidado com o genocídio linguístico. O movimento
nos Estados Unidos pode ser pessoalmente lucrativo para muitos. O mais importante é
que devem ter cuidado em “premiar” sentimentos de regionalismo\bairismo,
principalmente quando originalidade de cada variante e dêm tempo ao tempo. Com os
movimentos migratórios no país e a tecnologia chegaremos a ter uma variante.
Força nha terra. 11\12\06.

99
ÌNDICE

Introdução__________________________________________________ 9
Objectivos__________________________________________________11

1. A situação linguística de Cabo Verde__________________________12

2.Contexto comunicacional e situacional do uso das duas línguas

2.1. Contexto de comunicação oral _____________________________16


2.1.1. Família _______________________________________________16
2.1.2. Escola ________________________________________________16
2.1.3.Convívio social e eventos culturais _______________________ 17
2.1.4. As actividades religiosas_________________________________17
2.1.5. Nos Serviços Administrativos ____________________________17
2.1.6.Comunicação social _____________________________________17
2.1.7.Publicidade ___________________________________________18
2.2. Contexto situacional de comunicação escrita__________________19
2.3. A língua utilizada em situações formais de comunicação________21
2.4. A atitude linguística dos estrangeiros em Cabo Verde _________23

3. Caracterização linguística da língua cabo-verdiana _____________26

4. A língua cabo-verdiana e o processo de Crioulização ____________29


4.1. Os Estudos Crioulos _____________________________________29
4.2.Os universais crioulos _____________________________________43

5. A construção das línguas nacionais – o caso de Cabo Verde ______48

6. Análise da situação linguística de Cabo Verde no quadro do modelo


representacional _______________________________________________63

100
7. A política linguística vigente em Cabo Verde _____________________74

Conclusão____________________________________________________82

Referências __________________________________________________83

Anexo _______________________________________________________86

Índice ______________________________________________________100

101

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