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O Menino de Pantufas.

Você busca a felicidade. Qual delas?

Por Eduardo RM.

Um retrato jazia jogado pela mesa de madeira


maciça marrom. Era um retrato muito agradável
de ver trazia uma sensação intensa ao ver uma
família feliz. Quem sabe por isso estava naquele
escritório que gerava um ar de intelectualidade,
que fora sempre proibido a entrada pelo pai.

Detalhes de madeira nas estantes, prateleiras e


cadeiras cercavam o interior daquele lugar tão
gélido, que antes fora vivido por um calor
aconchegante. Palco de antes, grandes vitórias,
conquistas e também de tristezas, era um lugar
perfeito para se emocionar e inventar alguma
grande história. Lugar bom, inclusive para
aqueles que tinham fins mais laborais, devido
aos lápis estavam por toda parte, borrachas em
cada um dos cantos da mesa e canetas em
pequenos potinhos beges, que também serviam
de acessório e introdução a decoração em estilo
retro do local. Saindo um pouco do escritório do
andar de baixo você perceberia que estamos
tratando de uma casa grande e espaçosa,
cercada pela decoração diferente dirigida as
personalidades distintas que habitavam aquele
local. Pode-se dizer que é uma casa típica de
classe média alta e com um ar envelhecido. Isso
será o cenário de meu pequeno conto baseado
em mares por onde navego hoje.
Gostaria de ter mais tempo com você, leitor. Mas
estou ansioso para contar-lhe essa historia. Rogo
para que quando minha narrativa pareça sem
características suficientes, utilize sua imaginação
para encaixar a história em sua vida. As vezes é
melhor imaginar do que ver.

Enfim, interprete a história da maneira que


desejar. Tire as conclusões que quiser.

Te convido para uma grande viagem !

Sinceramente seu,

Eduardo Rodrigues Missaka.

CAP 1: Urso na mão, pantufa no chão e morte no


ar.

“Eu sou pequeno mais tenho uma visão muito


forte daquilo que realmente acredito. Aposto
uma moeda, com você, leitor, nisso. Em minha
opinião, existem aqueles covardes (que sabem
que algo está errado, mas não o corrigem) os
cegos (que não vêem o que acontece) e os
corajosos (loucos que desafiam a realidade).
Certamente, sou covarde.” Divisão tão simples,
para uma coisa tão complexa, não é mesmo?”

Chovia forte naquela noite escura da casa dos


Oliveira. Sons de madeira rangendo
empesteavam o local, fruto já da idade da velha
casa e da madeira em péssimo estado. No
escritório, um ar de seriedade. Já era tarde da
noite quando aquela figura, envelhecida tanto
pela idade como pelos problemas que se
passavam recentemente sentiu uma pequena
dor no coração. O homem estava cansado,
queria dormir. Mas não podia.

Ele tinha que continuar trabalhando para


sustentar a família. Como poderia continuar
falando um “seja forte” aos seus filhos se ele
mesmo não cumpria o que dizia? O exemplo
deveria continuar existindo naquela casa gélida
como nunca, a ponto de fazer o homem
calorento vestir um casaco. Havia estranhado
isso, mas não a ponto de realmente se alarmar.

Parou um tempo para descansar, encostando-se


no encosto da cadeira preta e com tecido
azulado e pegando em mãos um retrato da
família rindo com a boca suja de seu filho do
meio. Como gostaria de que todos voltassem a
ter um sorriso sincero como o da foto colorida. É,
eram outros tempos, completamente antônimos
aos que se passavam agora. Notava-se que a cor
da moldura havia sido escolhida pelo filho
menor. Era um verde ou amarelo marca-texto,
cor favorita do pequeno Eduardo, Dudu ou ainda
“escritor mirim”.

Cedeu ao sono (e pode-se dizer que um pouco


mais que isso) e tirou um cochilo.

Por um tempo a casa se manteve em um silêncio


total. Até mesmo os rangidos respeitavam
aquela figura cansada dormindo. As madeiras
não ousaram a acordá-lo, tampouco a chuva
forte que se mostrou respeitosa ao cochilo do
homem.

Foi então, que o barulho de vidro quebrado


interrompeu o silêncio. O retrato jazia-se no
chão de carpete azul-fosco, que um dia já fora
mais brilhante. Pedaços de vidro cercavam a
área do impacto e a moldura se estraçalhara
com o estrondo. E a foto ficou nos felpos do
carpete, esquecida.

Aquele homem agora já não estava mais entre


nós, estava, Deus, diabo ou com o que meu leitor
quiser imaginar. Dormia eternamente naquela
noite escura e chuvosa, encima da mesa de
madeira de eucalipto escura. Com um pijama
comprado por sua filha maior e com uma das
mãos no peito entrou em sua posição final. A dor
fora muito grande a pressão havia sido muita...
Olhando mais de perto era possível, inclusive
notar uma lágrima escorrendo pelos sulcos de
seu envelhecimento.

Fora embora, esquecendo-se de dar adeus.

O cadáver jazia jogado pela mesa , quando


pequenos passos infantis se aproximavam da
grande ala do escritório. O menino, chamado
Eduardo, entrou hesitante no local gélido
segurando fortemente seu urso de pelúcia.
Estava de pijama e com pantufas do Mickey
Mouse verde quando sentiu- se com frio, pela
primeira vez no “local proibido”.
Abriu a porta cautelosamen te e entrou fazendo
uma pergunta que estava na sua cabeça a já
alguns dias:

- Papai, você prometeu que ia me buscar na


escola amanhã. Você vai mesmo não é?

Como olhava para baixo não percebera seu pai


deitado na mesa. Não ouviu resposta. Achou,
que então seu pai dormia, ou estava “mimindo”
um pouco. Com certeza, esse menino ainda não
conhecera a morte. Nem tinha idade para
conhecê-la.

No andar de cima dormia sobre a cama de


lençóis floridos delicados e colchas tão
chamativas quanto os lençóis uma mulher com
rosto de traços fortes e um corpo roliço. Devo lhe
apresentá-la, claro. Seu nome é Teresa. Dona
Teresa para os desconhecidos e Te para os
íntimos.

Acordou suando após um pesadelo horrendo.


Olhou em sua volta pelo quarto quadrado e alto,
repleto de quadros de pintores famosos (ou não)
com papéis de parede em tons pastéis escuros.
Não via sinal de seu marido. Decidiu descer para
chamá-lo de volta a seu lado.

E assim se sucedeu, foi indo lentamente


arrastando as sandálias confortáveis de uma
marca famosa qualquer em direção ao escritório.
Desceu as longas escadarias que davam ao
corredor do andar de baixo, cautelosamente para
não cair. Os degraus eram muitos e logo o sono
voltou. Mas não pararia por lá, continuaria até
descer e chegar na frente da porta do local
proibido, após passar pelo corredor onde fotos
da família serviam de decoração.

Um cheiro estranho exalava sobre aquele local.


Vira as pantufas de Eduardo na porta, e
estranhara o menino acordado a essa hora da
noite.Estava pronto para reprimi-lo. Um frio
percorreu-lhe a espinha. Sentia que algo ruim
estava (ou ainda já havia) acontecido, causado
provavelmente pelo pesadelo já vivenciado a
pouco tempo atrás.

Colocou a mão sobre a maçaneta redonda


dourada, que sem perceber refletia sua imagem.
Girou-a.

O filho estava lá, parado e imóvel esperando o


pai responder-lhe a pergunta. A cena foi demais
para Teresa. Uma dor forte na cabeça veio a seu
encontro e uma flecha atingiu seu peito. Poderia
o homem a sua frente estar morto?

Não, não era possível. Ficou olhando para os


dois, alternadamente.

Olhou para Eduardo naquele instante. Tinha que


tirá-lo dali. Não podia permitir que seu filho
sofresse.

Pegou sua mão gelada e disse, hesitante, mas


deixando clara a ordem:
- Filho, vá dor-mir. Por favor. Escute sua mãe.
AGORA!

O menino saiu correndo assustado. Não deixara


de perceber o rosto da mãe. Algo estava errado.
Havia feito algo?

Teresa olhou de volta para o marido e ajoelhou-


se sobre o carpete. Sentiu os fiapos encostando-
se a sua pela e uma sensação de cócegas em
seu pé. Algo lhe impedira de rir. Colocou a mão
sobre os olhos tentando supor que aquilo fosse
um sonho. Um sonho não. Um pesadelo. Fechou-
os calmamente. Abriu-os.

Pronto, havia achado razão para chorar. Chorar


incansavelmente. Nem ela poderia resistir a
aquela figura. Nem ela, forte como sempre
pudera suportar aquilo. Era a gota d’água que
fez o pote transbordar, aliás, ser destruído.

CAP 2: Cegueira.

“O que aconteceu depois pouco importa. Uma


mulher, que sempre amara flores, em um
vestido de pijama azul e sandálias de uma marca
famosa qualquer jazia olhando para um cadáver
morto e sem vida. Jazia olhando... seu marido.

A casa se tornou uma confusão. Nem mesmo eu


fui capaz de entender o que ocorrera naquela
noite fria, sem vida e cinzenta naquela velha
casa. Vejam, por favor o dano que causaram
naquele dia a minha mãe.”
Eduardo estava com medo. Pessoas entravam e
saiam de sua casa. Medo de algo que não via.
Que não sabia ao certo o que era. Ficou lá
olhando pela abertura e a entrada de luz que se
fazia da porta grossa e semi-fechada. Apenas um
raio de luz entrava em seu quarto, que por sua
vez iluminava a o travesseiro em sua cama. Das
pessoas que passaram pelo local, poucos
notaram o pequeno olho sincero que os
observava. E os que perceberam, também não
ligaram. Tinham que remover aquele corpo dali.

Passos eram ouvidos pelo corredor com piso de


madeira. Alguns mais fracos, outros bem fortes
pisavam sobre aquela superfície lisa e madeiriça;
sons, as vezes nem tão harmoniosos quanto
pareciam. Eram passos preocupados, onde a
tristeza ou indignação (por ter que trabalhar a
essas horas da noite) eram descarregados
fortemente pelo chão, que nada tinha culpa do
ocorrido. O menino observava isso atentamente.

Eduardo pegou um pedaço de papel. Era


aspirante a escritor, e tinha o hábito de anotar
tudo. Não era um Paulo Coelho, e nem chegava
aos pés de Nelson Rodrigues. Mas era isso que o
divertia. Observar, olhar e entender seria seu
futuro lema. Um lema que o levaria a desbravar
mares nunca antes vistos, a desembainhar sua
mente e procurar de entender algo tão complexo
como a vida.
Questões, que admito ser muito complexas para
uma criança. Mas se, lhe ocultavam a verdade,
por que não descobri-la por si só?

Por que não arriscar-se?

Seus irmãos pensavam mais no chão, pode-se


dizer. Não procuravam saber a verdade, pois
achavam que já a sabiam. Não era necessário
esforçar-se inutilmente, e ficar mais triste do que
estavam. Invejavam o irmão menor por sua
própria ingenuidade. Queriam também não
saber, mas era impossível privar-se de uma coisa
tão óbvia aos olhos deles.

Mantiveram-se quietos e juntos. A idade não lhes


impedira de sentir medo. Não lhes impedia de se
sentirem sozinhos. Não lhes impedia de se
sentirem inseguros, naquela noite chuvosa e
naquele quarto rosa (obviamente da irmã) e
cheio de decorações floridas e cores vívidas. O
quarto estava mais cinza do que nunca, se
algum dia havia sido dessa triste cor. O carpete
rosa-choque também deveria dar-se ao trabalho
de transmitir felicidade. Mas como enxergar a
felicidade se uma nuvem de tristeza cercava
aquela menina, que beirava os 16 anos e aquele
menino de 11? Alguém lhes havia privado o
direito de serem felizes. Alguém ou algo. Fato:

Estavam mais cegos do que nunca.

Há quem diga que a mulher ficaria louca. Há


quem insista em suicido. Há quem fale em troca.
Quando falamos dessas palavras não falamos,
com certeza da mulher das coisas floridas e de
nome Teresa. Possuía uma estatura mediana em
relação as mulher de hoje. Rugas surgiram com o
tempo em sua face. Pés de galinha (ou quem
sabe de urso, ou ainda de tigre) domaram sua
face. Perdera o brilho da “mulheraça” que havia
sido um dia. Mesmo com tudo isso sempre foi (e
ainda é) uma mulher forte.

Mas agora, a mulher alegre chorava. O azul


jogava-se no infinito vermelho. Alguma
estabilidade havia se quebrado, se é que se pode
dizer que havia tido ao longo do decorrer dos
últimos meses. Não culpava ninguém. Ainda não
se dera ao luxo de pensar calmamente, tomar
um chá ou ir fazer compras. Estava sentada em
uma cadeira (que havia sido escolhida por ela
mesma, perceptível pela estampa de rosas) com
as mãos cobrindo o rosto impedindo-a de
enxergar claramente.

Sombras passavam e ela parecia não existir.


Homens entravam e saiam do local de trabalho
de seu antigo marido, que nunca permitiria
tamanha invasão. Daquela casa não estavam
indo embora apenas homens, e sim a esperança
e a vida. Não tinham hora para voltar e se (caso)
voltassem, não sabia se estariam iguais.
Momentos como os dias que passaram em
Campos, ou a ida aos Estados Unidos nunca mais
seriam os mesmos.
Não gosto de falar muito do sofrimento alheio.
Vamos deixar a mulher sozinha, por favor.

CAP 2: O menino de pantufas verdes.

O menino cansara de ficar observando pela


fresta da porta. Nem mesmo a ordem de sua
mãe para ficar parado poderia impedi-lo. O que
acontecera em sua casa antes tão pacata?

Estava disposto a descobrir. Abriu a porta com


medo de ser descoberto e impedido por algum
passante, mas suas expectativas foram
superadas. O longo corredor estava livre do
barulho e tudo parecia estar mais calmo, com o
longo passar do tempo. Ainda teve a astúcia de
esticar a cabeça a fim de enxergar o horizonte
do corredor.

Estava agora fora de seu quarto, com seu pijama


um pouco suado e suas pantufas chamativas.
Andava lentamente em direção ao escritório de
seu pai, deixando claro que isso se transformaria
em uma “missão impossível”. Desceu as escadas
cautelosamente, com a música do filme em
mente. Confesso que a cena era um tanto
divertido de se ver. O menino tinha que esticar a
perna para poder alcançar o próximo degrau. Ele
descia de uma maneira devagar e lenta, sujando-
se com as partículas de poeira que haviam
entrado na casa.

Eduardo continuou seu caminho até o escritório.


Um vento frio havia batido contra seu corpo.
Sentia que algo estava faltando naquele lugar,
algo essencial. Mas não conseguia saber o que.
Era como se algo tinha deixado aquele lugar de
um dia para outro. Um buraco precisava ser
preenchido.

Ao se aproximar do escritório, observou as


paredes brancas a sua volta, lotadas de quadros
lindamente bem emoldurados. Todos estavam
felizes e isso o fazia feliz também. Mas sua breve
risada foi interrompida por um choro que se
ouvia ao final do corredor. Andou calmamente
através daquela ala espaçosa, e longa.

O sorriso se tornara uma cara triste. Ficou


encarando a porta pensando quem chorava do
outro lado da tábua de madeira que os separava.
Sentia que conhecia aquelas pessoa, e sentia-se
triste por ela.

Abriu a porta com cautela e furtividade, e


arregalou os olhos quando viu aquelas lindas e
coloridas flores molhadas. Falamos é claro do
vestido de sua mãe.

Sentou-se brevemente na parede e ficou ouvindo


aquele choro triste. Ficou encarando suas
pantufas.

Uma equação (se é que ele entendia isso) surgiu


em mente.

Precisava escrever a grande descoberta.

Caderninho do Dudu.

Mamãe chora.
Se mamãe não está feliz, é porque está
triste.

Então tenho que deixar mamãe feliz.

Tudo pareceu tão simples. Era somente


necessário resolver a incógnita. Mas se já sabia o
resultado, o que lhe tanto faltava? Pensou o
menino de pantufas verdes, na noite chuvosa de
sábado.

Chegou a uma conclusão simples: a felicidade.

Se para mamãe lhe faltava a felicidade, tudo que


precisaria era buscá-la. Buscar a felicidade era
algo tão simples ao olhar determinado e
castanho do menino. Tão próximo de ser
alcançado....

Começou a enrolar seu cabelo crespo, sem se


perceber que sua mãe já havia parado de chorar,
provavelmente teria cedido lugar ao sono. Ficou
olhando para a luz alaranjada do teto, também
da cor branca. Estava pensativo. Sua mente
estava a mil, tentando procurar uma solução
simples para o ocorrido.

Ficou sentado ali por um bom tempo, o suficiente


para o relógio em do vovô dar algumas boas
voltas e badalar altamente as 5 horas da manhã.

Depois de pensar muito e calmamente, havia


chegado a uma solução radical: se a felicidade
não vinha alegrar sua mãe, ele iria atrás dela.
Cansado de esperar, e apressado para descobrir
buscaria responder o que era a felicidade em sua
essência. Sim, um menino de 7 anos se lançaria
em uma aventura para procurar coisas que nem
os mais importantes filósofos e cientistas
conseguiram explicar. E que até hoje queremos
alcançar. Diante de tantas dúvidas e de algumas
(poucas) respostas se lançaria em uma aventura
inimaginável.

Teve um momento Robin Hood. Se sentia um


herói.

Se levantou daquela gélida parede, e abriu a


porta com força. Milagrosamente sua mãe ainda
dormia na poltrona.

Não teve coragem de acordá-la.

Encarou-a por um tempo, algo em torno de 15


minutos. Já se decidirá sobre o que fazer.

Beijou-a levemente na testa, dizendo baixinho


um “adeus”. Colocou o ursinho (que ainda
segurava) no colo de sua mãe. Suspirou e
finalmente disse um “seja forte”.

Sua jornada começava aqui. Já sentia um ar de


triunfo pairando sobre sua mente. Era o princípio
de uma jornada que não tinha hora para
terminar.

Alguns podem o chamar de louco, mas não é o


que tanto procuramos? O que havia de errado
em um menino de 7 anos procurar a felicidade
para dar-la a sua mãe? Seria algo tão difícil de
alcançar?

E foi com esses pensamentos em mente, que


decidiu preparar-se para sua jornada.

Saiu daquele escritório que já não parecia mais


tão frio, e foi procurar suas bugigangas para
poder buscar a felicidade.

Colocou em mente que o necessário era:

1. Sua bicicleta

2. Capa de chuva

3. Sua mochila

4. Seu bloquinho

CAP 3: Busca

“Buscamos algo na vida, disse eu posso afirmar.


Eu, como menino de 14 anos não sei explicar e
não há ninguém que me explique. A escola não
deveria ensinar isso? Ou trabalhamos e
estudamos simplesmente para alimentar um
sistema, que busca o bem de todos, mas ao
mesmo tempo o mal de cada um?”

O menininho vasculhava cada canto da casa a


procura dos objetos que dariam inicio a sua
busca.

Começara primeiro pelos mais fáceis, a capa de


chuva e a mochila que estavam provavelmente
jogados em algum canto de seu quarto. Saiu do
escritório, abotoando a camisa do pijama que já
exalava aquele cheiro de mal-seca, com o suor
que o menino criava. Colocara em sua lista uma
rápida troca de roupas.

Andou pelo extenso corredor, e subiu aquelas


longa escada, com grande dificuldade. Alto
degrau, por alto degrau, era preciso esticar a
perna e ainda usar a ajuda das mãos. Tardou
alguns minutos para subi-la dessa maneira, mas
o esforço valeria a pena. Se era para deixar sua
mãe feliz, tudo ele faria sem se importar com o
quanto se cansasse, sofresse ou chorasse.
Queria ver um sorriso da mulher florida, antes
tão alegre. Doía seu coração vê-la chorar, aquela
mulher tão forte que tomara conta dele por
tantos anos sem derramar uma gota de
ressentimento e tristeza.

Retribuiria o favor deixando-a feliz. Sim, faria


isso sem dúvidas.

Ao final da longa escadaria, pode observar o


relógio de números verdes ao fundo do corredor
superior. Já eram 5 da manhã, e nem sentira
uma gota do penoso sono.

Perdido em seus pensamentos longínquos levara


tempo para notar o barulho triste que saia do
quarto depois de finalmente chegar ao corredor
superior.

Ouviu outro choro. Outro choro conhecido.


Eram seus irmãos; esse choro ele conhecia, mas
também era raramente visto. Desviou de seu
quarto para espiar o que acontecia atrás da
porta do quarto de sua irmã. Vira algo raro: seu
irmão maior chorar. Estranho era a palavra que
definia isso. Um menino que antes impunha com
respeito sua independência, afirmando sua força
e coragem estava chorando.

Nem prestara muita atenção nisso. Se procuraria


a felicidade para um pouco importaria trazer um
pouco da fórmula mágica para os outros. Era um
pequeno esforço a mais a se fazer, mas sua
mente já levara em conta a situação e já
apresentara resultados. Era um menino sempre
um passo a frente dos outros.

Ficar parado observando o sofrimento alheio não


lhe parecia nem um pouco frutífero, e não
apresentaria realmente algum progresso
referente a sua busca.

Deixou seus irmãos chorando ali mesmo, e


voltou a seu quarto de uma maneira silenciosa.

Começou o trabalho. Vasculhou cada canto das


caixas de brinquedos decoradas que jaziam
embaixo da cama a procura de algum item da
lista. Ainda conseguiu achar, apesar de bem
escondida e empoeirada sua mochila de quando
era criança. Mochila verde, com alças pretas e
desenho de algum super-herói, daqueles que
crianças idolatram era o que mais chamara
atenção.
O menino não parou a revira-volta por ai. Ainda
tinha que encontrar a capa de chuva.

Abrira o guarda roupa de uma maneira agressiva


e jogou todas as roupas no chão. Escolhera as
favoritas, uma calça jeans e uma camiseta. As
vestiu em pouco tempo, e tratou-se de continuar
com a nem tão longa e já diminuída lista.
Demorou pouco até ele encontrar a capa de
chuva, em uma gaveta de meias. Nunca haviam
sido uma família organizada, e nunca haviam se
preocupado com isso.

O menino tratou-se de vestir a roupa


rapidamente, ainda que, um pouco confuso
sobre onde colocar os braços naquela coisa
plastificada e enrugada. Levaria um pequeno
tempo até conseguir se vestir.

Pronto, estava vestido com o bloquinho no bolso


e pronto para defrontar a manhã chuvosa na
cidade grande. Tudo que lhe faltava era a
bicicleta, que provavelmente já estava na frente
de sua casa devido aos passeios que fizera a
pouco tempo atrás.

Levando isso em conta, saiu do quarto e


novamente descera aquelas escadarias longas e
exageradamente altas, levando-o a duvidar do
porquê daquela coisa tão enorme. Mas, no final,
estava ganhando prática nisso: levara menos de
3 minutos para chegar a sala principal, que
recepcionava o corredor, e isso o deixaram um
pouquinho alegre. Olhou pelo amplo corredor e
lembrou-se de sua mãe.
“Preciso de uma desculpa” pensou ele

Sentou ali mesmo e retirou o caderninho do


bolso frontal da capa e um pequeno lápis que
ficava na espiral do bloco de anotações.

Escreveu em letras maiúsculas e grandes:

Mamãe fui na casa da vovó, já volto.

Levantou-se e seguiu pelo extenso corredor,


deixando ao lado do urso no colo de sua mãe a
mensagem, que obviamente tratara-se de uma
mentira. Era, inclusive previsível que a sua mãe
acreditasse na mensagem, já que a casa da mãe
de sua mãe estava apenas no final da rua.

O menino podia não saber de muitas coisas da


vida, mas era evidente que sabia mentir. Quem
sabe essa é uma das características que a as
crianças aprendem hoje em dia.

Olhou para a mesa de seu pai e perguntou aonde


ele estaria. Fora embora sem ao menos se
despedir?

Mas algo lhe parecia estranho: sobre a mesa de


madeira se encontrava o relógio favorito de seu
pai. Ele não entendera como seu pai havia saído,
para qualquer que fosse o local sem o relógio.
Decidiu pegá-lo para um possível encontro
casual na rua, como sempre o fizera quando
andava de bicicleta.
Colocou o relógio grande sobre o fino pulso e
saiu do escritório, local proibido ou como quiser
chamar, suspirando.

Voltou para a sala, sem ao menos virar-se para


trás. Nem quisera perceber o que mais havia
sentido na entrada pela terceira vez ao
escritório. Não era isso que importava nesse
momento, tampouco as observações que fizera a
respeito do corredor repleto de imagens da
família emoldurados, dispostos das mais
criativas maneiras, sobre o corredor de paredes
altas e área extensa e ampla.

Nunca foi um menino detalhista.

CAP 3: Voando baixo, imaginando alto.

“Você pode até o chamar de louco, ou ainda de


burro, estúpido. Quem sabe você não estaria
com vergonha de admitir que o menino havia
tido mais coragem que você, ao enfrentar o
mundo cruel e injusto em busca da felicidade?
Burrice ou inveja? Visão sensata ou visão
idealista? Questão de perspectiva, como tudo na
vida.”

O olhar do menino era determinado. Não havia


ninguém que (caso) visse o menino, ou ainda o
observasse mais de perto duvidaria disso.
Mantinha essa posição ao andar sobre o
corredor, que já recebia luz vinda das janelas na
sala. Andava pisando suavemente sobre o chão.

Não havia o porquê se estressar.


Marcara no relógio que voltaria as 6 horas da
tarde. Hora razoável e que não causaria um
alarde tão grande. Voltaria bem na hora que seu
pai costumava voltar do lugar em que sempre ia,
aquele lugar distante que sempre o parecera
envelhecer mais. Volto a repetir, nunca foi
menino detalhista, mas era difícil não perceber o
cabelo branco que aparecia em um dia, o olhar
cansado em outro... tudo era tão normal e
cotidiano.

O menino nunca entendera porque trabalhar, se


isso sempre fizera seu pai tão mal, algo que, por
sua vez passava a sua mãe, e
conseqüentemente a seus irmãos e empesteava
a casa. Só que, para isso não existia um xarope
fajuto, muito menos um remédio caro que
pudesse curar. Com exceção de alguns
remendos, como sábados, domingos e raros
feriados passantes. Convenhamos, remendos são
remendos.

O menino. Perdido em seus pensamentos


novamente quase perdera a direção de seu
próprio corpo e batera na mesa de cristal de sua
mãe. Que alívio!

Isso o acordou para voltar a sua missão.

Olhou para a porta fixamente. Ao sair por ali, não


haveria volta que pudesse reverter o erro ou
sucesso. Era a hora da verdade, para provar se a
coragem do menino era realmente algo
verdadeiro ou um jogo de espelhos.
O menino deslizou levemente a mão pela
fechadura e pediu para que, qualquer que seja a
pessoa que estivesse “lá em cima” o ajudasse.

Girou a maçaneta até ouvir um “clac”.

A porta abrira-se e o vento, juntamente com o


cheiro forte da padaria da esquina empestearam
seu nariz. Vira que a rua não era tão ameaçadora
quanto parecia, apesar das críticas de sua mãe.
Não, não era nem de perto isso. Parecia algo
divertido. Sim, divertido.

Passou pela porta e pronto: estava desprotegido.

Ficou um tempo admirando a manhã calma de


uma segunda-feira, coisa que só ele teve tempo
de admirar.

A rua dele localizava-se no meio de um bairro


muito valorizado de casas da cidade grande. Ao
fim de sua rua, era possível encontrar um
pequeno , muito pequeno centro comercial onde
algumas lojinhas e uma padaria tentavam
sobreviver. É, estava bem longe de ser um
centro comercial. Estava mais para uma grande
confusão.

O menino havia dado-se, involuntariamente a


sorte de pegar o comércio se abrindo. Sentou-se
ali mesmo, na entrada de sua casa para observar
a movimentação do pessoal que ia sabe-se lá
para onde. Eram homens levantando barracas,
senhoras sentadas esperando e cachorros em
busca de seu café da manhã. Vendo isso, decidiu
que já era hora de escrever algo em seu
bloquinho.

O pegou e lentamente retirou o lápis da espiral,


pois precisava registrar o interessante momento.
Não realmente escrever, nesse caso iria
desenhar. Um desenho já era suficiente para
retratar aquela paisagem divertida.

Depois de realizar sua pequena obra, o menino


se levantou do encosto da porta de sua casa.
Precisava aproximar-se mais daquela cena.
Poderia ser a chance perfeita de comer alguma
coisa, ao mesmo tempo em que realizava sua
busca ou pesquisa. Pegou a bicicleta, jogada na
grama que cercava sua casa e se jogou na
calçada. Começou com algumas pedaladas
lentas, mas depois começou a acelerar. Sentiu o
vento forte em seu rosto, que jogava seus
cabelos ao vento. Era uma sensação muito boa.
Seria isso algum tipo de felicidade?

Não entendera direito a situação naquele


momento. Como aquilo poderia ser algum tipo
de felicidade?

Pedalando, mais lentamente chegou a uma


pensou um pouco mais centrado: haviam vários
tipos de felicidade. O menino surpreendeu-se
com seu próprio raciocínio, já que sempre
pensara que a felicidade fosse única. Mas havia
se enganado. Eram fórmulas diferentes com
resultados diferentes?
Continuou pedalando em direção ao comércio,
mas agora mais atento.

“ Se existem muitos tipos de felicidade, cabe a


mim encontrar a melhor delas. A que a minha
mãe mais gosta, pensou ele”.

A jornada havia finalmente começado, e com ela


uma série de perguntas.

Enquanto pedalava ainda notou várias pessoas


que o olhava na rua, admiradas de ver um
menino tão novo acordado tão cedo. Não se
passavam das 8, e a luz do sol ainda era bem
fraca. Era mais uma daquelas manhãs nubladas
e frias, que tudo parecia se tornar uma guerra
contra o sono. Percebeu isso enquanto passava
pelas várias grandes e diferentes casas de sua
rua. Nenhuma luz ameaçava interromper a
igualdade que aquela rua transmitia naquela
manhã, tampouco o barulho matutino da
confusão que jazia a já alguns metros de
distancia. Sem que o menino percebesse, a
chuva já havia parado e com isso já podia tirar o
capuz. Mas a chuva era, para ele, simplesmente
um detalhe. E não ligara para isso. As vezes, na
selva d epedras, a chuva se torna mais
psicológica do que física.

Ele continuou pensando e observando dessa


maneira até perceber que se ousasse dar uma
pedalada a mais bateria de carro com um carro
que estava estacionado na padaria.
Primeiramente,
Seus sentidos se aguçaram: o cheiro de pãozinho
fresco e de mais alguns quitutes já dominara sua
mente. Sentiu o estômago roncar, e precisou
reagir. Mas lembrara-se de um pequeno detalhe:
o dinheiro.

Entrou na padaria chateado e já com um ar de


desistência, pois não podia comer o pãozinho
fresco. Sentou-se no balcão e olhou a sua volta:

A padaria não era muito grande, era de um


tamanho médio. Tinha só um andar e cerca de 4
pessoas trabalhavam no balcão, onde ainda se
encontrava uma parede com os mais variados
tipos de pão desde italianos e franceses a alguns
tipos mais exóticos. Fora isso, somente algumas
mesas e o caixa, que ficava na saída com uma
porta de vidro grosso e verde lhe chamariam
atenção. Outra coisa que havia lhe marcado era
o único homem que não estava com um
uniforme branco. Deveria ser o dono do lugar, ou
coisa do gênero. O homem possuía um corpo
mais inchado, tinha uma barba longa e cinza e
era careca. Esse fora um homem, que
particularmente lhe chamara a atenção, pois era
o que fisicamente mais aprecia-se com seu pai.

O homem bigodudo que também o observava,


no caso seu Alfredo, não deixara de notar que o
menino olhava fixamente para ele. Como era o
dono da padaria acostumara-se com fofocas
diárias e sabia quem era aquele menino. Ficara
sabendo hoje do falecimento do seu pai.
A ganância tentou falar mais alto: pensou em
expulsar o menino caso não tivesse dinheiro.
Mas a pouca bondade que ainda restava em seu
coração o impediu de realizar tal feito.

Aproximou-se com passos longos e olhar


perceptivelmente falso e perguntou:

- Vai querer o que menino?

O rosto do menino que ainda usava pantufas


verdes se iluminou. Não havia nem que
responder para tal pergunta tão oportuna.
Simplesmente apontou para uma baguete, ao
fim do balcão que um homem de terno e gravata
comia e para uma laranja que estava dentro de
uma daquelas maquinas de padaria.

O homem bigodudo entendeu o pedido e o


repassou para uma atendente qualquer que se
prontificou a realizar o serviço. Trabalho feito,
perderia hoje alguns centavos.

Alfredo estava prestes a retirar-se quando o


menino curioso lhe fez uma pergunta e o
impediu de ir embora para atender outros
clientes:

- Moço, o que faz você feliz?

O homem olhou para trás e estranhou a


pergunta, mais já sabia lidar com casos como
esse. Essa não fora a pergunta menos sutil que
havia recebido hoje.
Mexeu no bigode e franziu a testa, enquanto
com um sotaque um pouco luso-brasileiro disse:

- Pergunta difícil, mas menino vou lhe dizer que


se hoje tivesse dinheiro estaria muito feliz. Se eu
tivesse dinheiro, hoje estaria dormindo, ao lado
de uma piscina aquecida e cercado de mulheres
bonitas. .

O menino riu e entendeu a resposta, que foi dita


com clareza. Seria dinheiro uma das melhores
felicidades a se comprar para sua mãe? Ainda
não sabia ao certo.

Mas precisava descobrir e para isso todavia já


bolara um plano: ficaria olhando novamente para
o homem, e na oportunidade que tivesse pediria
um pouco de dinheiro para comprar algo a sua
mãe.

Depois de um tempo o lanche do menino havia


chegado. A baguete com manteiga e o suco de
laranja estavam realmente ótimos. Mas sabia
que não estava ali por causa disso: precisava
continuar com sua busca.

Acabou a comida realmente rápido. Sentiu algo


forte na barriga mas não se importou com isso. O
plano havia começado.

Ficou olhando para o homem trabalhar,


querendo que ele se virasse e viesse conversar
com ele. Mas confesso que o plano do garoto não
havia sido um dos melhores. O homem não se
virava, e o tempo passava depressa. Não
esperava que o homem fosse demorar tanto e
precisava pensar depressa se não quisesse
perder tempo.

O menino deixou o tempo passar mais um pouco


e resolveu agir. Haveria de reformular o plano
que antes parecia perfeito, para alguma coisa
que se enquadrasse na situação. Pensava em ir
falar com o homem pessoalmente, mas não tinha
certeza se lhe era educado, muito menos digno
pedir alguns trocados. Foi ai que pensou que,
mesmo se seguisse com seu antigo plano ainda
estaria sendo “folgado”, como dizia. Ou no
mínimo algum mendigo pedindo dinheiro.

Precisava achar um jeito de conseguir algum


dinheiro, e rápido.

Quem sabe ao se lembrar-se do sofrimento do


seu pai lhe veio a idéia que parecia resolver
alguns de seus problemas: trabalhar. Não
exatamente trabalhar, mas sim ajudar um pouco
a figura bigoduda que já parecia um pouco
cansada ao servir as massas de pessoas que
entravam na padaria. Talvez, essa fosse a
solução.

Pois bem, o plano estava armado: perguntaria se


o homem precisa de ajuda e caso sim, daria
suporte no que pudesse e no final pediria alguns
trocados.

Pronto, o plano estava pronto. Tudo que lhe


faltara era executá-lo agora.
Pulou do banco e procurou alguma maneira de
entrar no balcão. Passou pelas inúmeras mesas e
rodeou o balcão em busca de alguma maneira
para entrar.

Era impossível não deixar de notar o menino de


pantufas que circulava aquele lugar tão
inesperado. Alguns achavam uma coisa bonita
de se ver, outros já partiam para um “cadê a
mãe desse menino” ou se não um “deve ser da
rua”, mais sinceramente o menino não se
importava com coisas tão banais.

Depois de muito procurar sobre o balcão


decorado com azulejos azuis, conseguiu achar
uma portinhola que o levaria para dentro (ou
atrás, não sei dizer) do balcão. Uma sensação de
sucesso veio –lhe a cabeça: esparava que fosse a
primeira de muitas.

Mas deixando de lado o egocentrismo e o famoso


“seachismo” voltamos a história.

O menino ia entrando cautelosamente pelo


pequeno quadradinho. Passara para o outro lado
e viu uma (grande) mulher mexendo em uma
(grande) máquina de café. A esperou sair para
que pudesse entrar e saiu correndo para o outro
lado, onde se encontrava o senhor de bigodes.
Tratou-se de ser furtivo e silencioso, coisa nem
tão difícil com suas pantufas, que não
ameaçavam fazer um ruído sequer sobre o chão
branco e (provavelmente) recém-limpo da
padaria. Como não poderia ser diferente, o
menino desenhou a situação:
DESENHO

A mulher saiu, e logo veio a sua chance: correu


como nunca para o outro lado, sem desviar o
olhar. Nem percebera que havia derrubado uma
panela e chamado a atenção das outras 3
pessoas do balcão, mas do jeito que era
desastrado isso era algo de se esperar. Mas no
final. pouco importava, já que seu objetivo
principal era apenas chegar ao homem de calça
bege, sapatos marrons e camisa azul.

O menino estava atrás do homem virado de


costas. Pensou na maneira mais eficiente de
chamar a atenção do bigodudo, como resolveu
apelidar Alfredo. A solução veio como quase de
imediata: o (in) famoso puxão de camisa.
Puxou levemente a camisa azul com retalhos
xadrezes do homem branquelo e, esperou uma
reação raivosa do homem.

O homem virou para trás e surpreendeu-lhe não


ver ninguém. Mas Eduardo puxou novamente
sua camisa, o que o fez finalmente olhar para
baixo. Deu-lhe vontade de expulsar o menino,
mas ainda sentia pena daquele menininho. Tão
novo, tão inocente....para perder-se um pai.

O coração do pobre homem quase derreteu-se.


Mas sempre havia sido um homem forte que
nunca mostrava suas fraquezas. Limitou-se a
apenas um:

- O que foi?

O menino o olhou nos olhos, e ignorando a


maneira desrespeitosa com a qual o homem
havia respondido e disse:

-Posso trabalhar aqui?

O homem começou a gargalhar. Fora a melhor


coisa que ele ouvira nos últimos anos,
principalmente vinda de um garoto (comparado
com ele) rico. Mas no fundo, gostara do espírito
do garoto, que o lembrava em sua infância de
(muito, muito) tempo atrás. Enxugou a lágrima
(que não consegui definir se era causada pelas
risadas ou pelas lembranças de sua infância
muito distantes) e pegou um banquinho
escondido atrás da pia em que secava os pratos.
Tirou o menino do chão que não se importou em
ser levantado do chão por um completo
estranho. Colocou-o em sua perna e disse, agora
com uma voz descontraída:

-Então você quer dar uma ajudinha aqui, não


miúdo?

O menino estranhou a palavra –miúdo- mas não


era isso em que se centrava nesse momento.

- Sim, ajudo onde puder.

Alfredo mexeu no bigode, que como o menino


havia percebido era mais que um hábito, e sim
um vício.

Alfredo estava com um olhar ganancioso,


ambicioso mas ao mesmo tempo sincero e
honesto. Por um lado admirava o menino, e pelo
outro uma vontade queria abusar da boa
vontade e conseguir trabalho “grátis” (ou ainda
escravo, para as pessoas mais exageradas).

Sempre foi muito racional, e decidiu


primeiramnte fazer um “test-drive” do menino.
Chegara a uma conclusão: se o menino provasse
ser realmente digno de ganhar os (tão suados)
centavos o daria. E assim o fez, combinando com
o menino:

- Muito bem, pequeno?

-Eduardo.

-Isso, Eduardo. Seja bem vindo ao barco! Você se


acha realmente capaz de me ajudar?
O menino não teve dúvidas e respondeu com um
certo tom de felicidade:

-Claro!

-Pois bem, me chamo Alfredo. Você me ajudará


hoje até a hora do almoço. Trato?

O homem estendeu a mão para o menino, gesto


que ele já conhecia vendo alguns amigos do
trabalho de seu pai. Sempre sonhara, em um dia
poder fazer isso. Quem sabe, isso o fazia sentir
mais importante ou mais útil em algum aspecto.

O homem de bigode havia finalmente amolecido


um pouco. Que não se encantaria com tamanha
dedicação do menino de pantufas?

O menino o olhou e pode ver que o homem, ao


fundo era uma boa pessoa. Não sabia ao certo
como havia de perceber isso, mas simplesmente
sabia.

- Trato – respondeu ele com uma voz séria.

Seria agora, um homem de negócios.

CAP 4: O padeiro e o menino.

“Pergunta: Você trabalha para viver ou vive para


trabalhar?”

O trato estava feito. O homem de bigode e o


menino de pantufas estavam agora trabalhando
juntos, como Batman e Robin – pensou o menino.
Aquilo certamente merecia uma foto, se
houvesse uma câmera próxima. Chegava até a
chamar atenção de alguns olhares atentos da
padaria, que comiam calmamente seu café da
manhã.

Decidiram que já era hora de começar.

O Bigodudo pensou em algo que o menino


pudesse ajudar. Ajudar na produção de pães?
Melhor não. Lavando pratos? Nunca. Suco de
laranja? Perigoso.

Enquanto pensava, o menino saiu de seu colo e


retirou seu bloquinho para registrar o feito. Isso,
quem sabe, foi o que incentivou o homem a
colocá-lo no balcão como atendente, idéia que
lhe pareceu perfeita.

Chamou a atenção do menino.

-Você vai usar o seu bloquinho para atender as


pessoas no balcão, exatamente como eu fiz com
você. Seja sempre gentil e sempre sorria. E se
perguntarem a sua idéia, fale que tem 13, mas é
baixo para sua idade.

O homem nem sequer abriu espaço para alguma


observação ou alguma sugestão do menino.
Podiam ser muito diferentes, mas concordaram
de forma recíproca de que essa parecia ser a
melhor alternativa.

- Você vai ficar bem? – perguntou o bigodudo.

O menino nem precisava responder,


simplesmente fizera um sim com a cabeça e
preparou-se para seu serviço. Vendo a
independência do menino, decidiu que podia
retirar-se para fazer a contagem de lucros do dia
anterior, momento que lhe mais dava prazer.
Chamou alguns de seus funcionários e explicou o
porque do menino de pantufas no balcão. Foi
uma conversa rápida e logo todos voltaram ao
trabalho.

O menino já começara. Anotou os pedidos dos


homens de terno no canto direito do balcão, e
terminou ao atender a mulher de óculos do canto
esquerdo.

Era impossível não se cativar com aquela


figurinha, de pantufas e com seu bloquinho.
Alguns o admiravam por isso, outros percebiam
a dedicação em seus olhos castanhos e
honestos. E, como todos queriam falar com a
nova celebridade, pediam mais coisas. Ele
parecera haver nascido para isso.

Uma mulher (e muitas outras pessoas)


perguntou:

-Por que você está trabalhando?

O menino sempre sorria e respondia a mesma


coisa, sem se deixar abalar pelo crescente
trabalho que estava tendo:

-Para encontrar a felicidade.

Sinceramente ninguém naquele balcão azulejado


havia entendido a resposta do menino. Apenas
fingiam entender, falando um “muito
interessante” ou um “continue assim” para não
parecerem burras frente aos outros
expectadores. Às vezes não queremos ver o
óbvio, e por isso não percebemos que o que o
menino fazia não era nada demais ou
impressionante.

Mesmo assim, o menino continuava a responder


a mesma pergunta, enquanto virava-se para trás
para repassar o pedido a seu Alfredo ou a
qualquer um dos outros funcionários, que
sinceramente, se divertiam com os olhares
confusos das pessoas. Também não entendiam o
que acontecia, mas mesmo assim era divertido
observar aquele menininho esticar as pernas
para poder alcançar o balcão e anotar os
pedidos.

Era um fenômeno: a padaria estava lotada, e


com a lotação o dinheiro entrando.

Alfredo percebera o bom negócio que fizera do


banquinho a pia de lavar, elogiando-se por sua
própria sabedoria.

O menino realmente merecia o dinheiro que


tanto queria, inclusive um pouco mais que isso.
Merecia um parabéns. Não um “meus pêsames”
e sim um “obrigado”.

O tempo foi-se passando enquanto pessoas


saiam e entravam em uma confusão
generalizada. Seu Alfredo pensava seriamente
sobre isso. Não queria sobre-carregar o menino,
que era muito novo.

Levantou-se daquele banquinho e foi em direção


do menino.

Colocou a mão sobre seu ombro e disse:

-Pantufas, venha comigo por favor.

O menino estranhara o tom de voz do bigodudo


e seu apelido “pantufas”, mas o que mais lhe
assutara havia sido o tom de voz do homem, que
dessa vez parecia estar mais calma.

O menino o seguiu atento para sua expressão. O


homem, que já estava um pouco velho, sentou-
se lentamente sobre o banquinho, com as mãos
sobre suas pernas. Olhou no rosto do menino e
disse um “parabéns”.

Retirou do bolso um envelope branco que o


menino sabia o que continha. Abriu a mão do
menino e colocou-o, fechando a mão da criança.

O menino olhou fixamente para o envelope, com


um olhar franco. Estava curioso para saber a
quantia que recebera, tanto esperada.

A abriu e lãs estava aquela nota alaranjada e


com aquela cara de quem nunca havia visto isso,
gritou:

- 50 reais!

O homem riu e pediu silêncio.


Abraçou o menino e disse:

- Quer aprender a fazer pão?

A pergunta era um tanto inesperada, mas o


menino achou uma proposta bem interessante.
Nunca fora um menino de muitas palavras, mas
certamente o momento exigia pelo menos um
agradecimento.

- Quero sim, obrigado.

-Então me siga !

O menino alegrou-se. Com as aventuras que


passava agora, já se esquecera de sua mãe
chorando em casa, por algum motivo que ele
ainda não descobrira, e nem queria descobrir. Se
comprometeu a trazer-la a felicidade, e não
retirar-lha a tristeza.

Enquanto isso, a mulher acordava ainda sem se


lembrar do que havia acontecido na dura e
chuvosa noite passada. Se espreguiçou como
sempre fazia, e colocou a mão a frente dos olhos
para proteger-se da luz forte que entrava pela
janela e iluminava os móveis, evidenciando sua
cara triste. Não levara muito tempo até que visse
o urso e o bilhete no chão. Abaixou-se e pegou o
bilhete cautelosamente e o leu. Não ligara muito
para o que estava escrito. Ir para a casa da avó
não era um grande problema, principalmente
com os seguranças do bairro que rondavam a
rua.
Mas não foi lendo o bilhete que se lembrara do
ocorrido. Simplesmente olhar para a mesa já a
fizera sentir um golpe forte no coração e a fez
desabar de novo. Voltou a sentar-se na cadeira e
a ficar olhando para a mesa. Não planejava ir tão
cedo ajudar os filhos com a perda do pai, muito
menos contar a verdade ao filho menor. Tinha
que se mostrar uma mulher forte, como sempre
fora. Mas nesse momento, não tinha realmente
vontade de fazer nada. Queria apenas ficar ali, e
imaginar que o marido ainda estava lá. Que ele
ainda lhe dizia um “te amo” ou um “você é
linda”.

A mulher estava lá, sentada e com lágrimas


sobre os sulcos de sua face de traços fortes, com
um celular jogado no chão com mais de 7
mensagens e 20 ligações. Pediu para Deus para
ficar sozinha, com ele. Apenas por alguns
minutos, segundos a mais. Aproveitaria cada
instante.

Mas agora já era tarde, e nem lhe deram tempo


de dizer adeus.

Nem lhe deram a chance de ter esperança.

Enquanto uma era corrompida pela tristeza, o


menino divertia-se com o bigodudo e já
aprendera uma coisa ou outra sobre como fazer-
se um bom pão. Não era talentoso na coisa mas
era certamente habilidoso ao balancear os
ingredientes. Naquela cozinha apertada, com um
forno prata grande, azulejos brancos e formas
cinzas reluzentes, o menino ganhara um amigo.
Um amigo mito improvável, mas ao mesmo
tempo bem-vindo.

O menino estava realmente “colocando a mão na


massa”.

- Para começar, misture todos os ingredientes –


disse o homem animado. Depois, com essa
massa forme um vulcão, e depois jogue a água e
misture, novamente tudo.

O menino de 7 anos até que se dava bem com a


tarefa dada-lhe a ele. Não parou para perguntar
nenhuma vez.

-Muito muito bom, muito bom. Agora só falta


uma coisa – disse o português.

O menino, ingênuo, respondeu alegremente:

- O forno?

- Não – respondeu – amor. Se você algum dia


quiser algo, faça isso com determinação e amor,
e garanto-lhe que vai conseguir tudo na vida.
Menino, você tem garra. Se algo não vier a você,
vá até ele que terá o que quiser na vida.

Falando isso, colocou a mão sobre o ombro do


menino.

- Agora, outra pergunta.

- O que foi? – perguntou.


- Por que você quis tanto dinheiro?

O menino parou por um tempo e suspirou, era


uma longa história.

- É porque minha mãe não esta feliz. Ontem ela


chorou muito, e decidi que precisava buscar a
felicidade para ela. Como você mesmo disse, se
a felicidade não vem até você, vá até ela.
Descobri até agora que existem vários tipos de
felicidade, e que devo procurar o melhor tipo
para minha mãe. É algo que prometi a mim
mesmo

O homem se espantou com 2 coisas:

Primeiro: o menino certamente devia ser algum


tipo de gênio ou super-dotado pelos atos que já
fizera e pela sua independência já aos 7 anos.

Segundo: com o fato de o menino ainda não


saber da morte do pai, coisa que até ele que só
falara com o pai 1 vez sabia

Mas resolveu deixar o segundo item para ser


resolvido com a mãe.

Ambos estavam agora mais calados, esperando


o pãozinho sair do forno e perdidos em seus
pensamentos distantes. Levavam algum tempo
para raciocinar a troca de experiências e dicas
de vida.

Nesse tempo, o menino teve tempo de escrever


uma coisa:
“Ficar com o bigodudo e aprender a fazer
pão foi muito legal. Quem sabe eu tenha
sido feliz fazendo isso. Por isso, levo um
pãozinho fresco para minha mãe e o
dinheiro, que depois usarei para comprar
alguma coisa legal para ela.”

O menino sentiu-se orgulhoso com o bom


trabalho que havia feito. Finalmente descobrira
como era bom ganhar seu próprio dinheiro. Mas
no fundo, sabia que ainda existiam milhares de
tipos diferentes de felicidade a serem
encontrados. Sabia, ainda, que essa poderia não
ser a que a sua mãe mais gostara.

O forno abriu-se e o cheiro exalou: não havia


coisa melhor do que acabaram de fazer. O
homem retirou a forma e o pão brilhava com
uma cor alternada entre bege e marrom,
mostrando a qualidade do que haviam
produzido. Tamanho grande o feito, que o
menino resolveu dedicar um desenho a ele. Um
desenho que, ao lado de dois orgulhosos havia
ficado perfeito.

Alfredo arriscou-se a tentar pegar um deles


enquanto ainda estavam fervendo. Resultado:
uma mão queimada e vermelha.

O menino abriu um sorriso humilde e sincero.


Haviam se tornado amigos, amigos realmente do
peito. Um padeiro e um menino de pantufas.

O padeiro durão era o que mais emocionava-se:


não havia tido um bom amigo a muito tempo.
Não rira como havia rido hoje por décadas. No
final, valeu a pena abrir-se a uma nova aventura.
Não só a uma nova aventura, mas um novo
conto. Estava incluído para sempre agora na
jornada e na vida de um menininho esperto e
emocionante.

Uma lágrima quis percorrer seu rosto. Mas o


homem não quis ceder a vez. Gostaria de ter um
filho como aquele, bravo, forte e inteligente. Mas
nunca tivera grandes amores: era mais
importante para ele conseguir dinheiro. Mas vira
agora que essa não era uma das melhores
alegrias de vida. Aprendera muito hoje, e
certamente dormiria com idéias e uma cabeça
novas, tudo influenciado por um garotinho de 7
anos.

Foi nesse clima, emocionante e sincero que o


menino olhou para o relógio do pai e se espantou
com o horário: já passavam-se das uma da tarde.
Por um lado, o tempo passara de devagar. Mas
pelo outro, tinha pouco tempo de sobra.

CAP 5: Religião.

“A ganância é a busca (exagerada) da felicidade


através do dinheiro”

A mulher havia parado de chorar. Levantou-se


novamente da cadeira em que havia ficado
sentada por quase um dia inteiro e foi preparar
um café. Saiu daquele escritório com frio, e com
os braços cruzados sobre o ombro. Nunca havia
se sentido tão sozinha em sua vida, e também
nunca havia visto aquela casa tão quieta. Passou
por aquele corredor, lotado de imagens do
marido e das crianças, lugar em que ela tanto
havia se empenhado em fazer.

Parou ali mesmo para admirar seu trabalho.


Pegou com a mão uma foto do marido,
emoldurada com a mais bela das madeiras. A
abraçou forte contra o peito e não conseguiu
conter uma lágrima brilhante que escorreu e caiu
na foto. Nem percebera isso. Estava perdida nas
mais antigas lembranças. Entre elas, uma
pequena conversa que teve com seu marido:

“-Amor, o que acontece, você está se sentindo


bem?

- Trabalho, querida. Trabalho.

- Você precisa descansar um pouco. Se continuar


assim, pode ser que aconteça algo de errado.

-Tem razão, se eu continuar assim fazendo


CORPO MOLE irei ser despedido. Ai assim algo
estará errado.

-Mas...

-”Mas nada, deixe-me continuar.”

Ao acabar seu pensamento tornou-se a chorar.


Estava triste por sua última conversa com o
marido ter sido uma discussão, e não
simplesmente um abraço ou um beijo.

Sentia saudade dele.


Lá estavam os dois: de barriga cheia, sentados
em uma cadeira de olho no último pãozinho da
forma. Alfredo ficou olhando e babando com
aquele último pedaço, e já ia pegá-lo quando
Eduardo o impediu.

-Esse é pra minha mãe – disse ele.

O homem entendeu a mensagem e se


desculpou, encabulado. A mãe do menino
merecia pelo menos isso depois de tudo que
havia passado, e certamente o homem não
deixaria sua arrogância estragar uma amizade.

Mas quem sabe, aquele homem houvesse


aprendido algo naquele dia frio e gelado de
Dezembro (coisa muito incomum). Havia
aprendido a ser feliz de outra maneira? Quem
sabe.

O homem olhou para o teto e relaxou-se. “É,


quem sabe mesmo”.

O menino não deixou essa passar e achou que o


homem havia dormido. Mas logo percebeu que
ele voltara a posição normal na cadeira
vermelha. Interrompendo um pouco o clima, o
menino disse:

- Que horas são?

- 3. Respondeu o homem.

Eduardo notara que havia perdido muito tempo


nessa brincadeira. Deveria continuar com a
tarefa que havia decidido cumprir a si mesmo.
Foi então que “Pantufas” disse:

- Eu tenho que ir.

O bigodudo não escondera a expressão triste


dessa vez, mas certamente compreendera que o
menino havia de ir embora alguma hora, e
também sabia que como ele vivia perto ainda o
veria algum dia desses.

- Pois bem, então vá menino. Não se esqueça


nunca do que eu lhe ensinei, e se algum dia
achar a felicidade, me diga. Vou estar a todo
ouvidos. Se algum dia precisar de trabalho,
venha me avisar!

O menino fez um sim com a cabeça.

Ambos se levantaram e se dirigiram a saída,


onde os outros funcionários os esperavam. Um
dos três segurava um pequeno pacote
embrulhado com uma sacola branca e, com as
escritas “para o melhor padeiro”. Entregaram o
pacote ao menino. Aquela cena não precisava de
palavras, muito menos de gestos para ser
explicada. O menino marcara o coração de todos
naquele lugar.

Todos o acompanharam para a saída de porta de


vidro verde, onde estava a bicicleta chamativa
do menino o aguardava. Retirou o bloquinho e
sentou-se, desenhando cada uma das pessoas
daquele lugar, como numa foto. Uma coisa
chamava atenção: se você olhasse bem,
perceberia que o menino desenhara um homem
bigodudo com um menino de pantufas Mickey-
Mouse verdes.

Detalhe: todas as pessoas ficaram esperando o


menino desenhar para dar-lhe um adeus. E todas
as pessoas da padaria ficaram olhando para
aquele grupo de pessoas, chegando a achar que
eram pedófilos. Realmente coisa engraçada.

O menino terminou o desenho e guardou-o na


capa de chuva, que ele ainda vestia. Já era hora
de procurar algum novo tipo de felicidade e
encontrar alguém que lhe respondesse a
pergunta – o que faz você feliz?

Sinceramente não sabia por onde começar, e


olhando para o céu nublado a chuva parecia
ameaçar novamente aquele bairro pequeno.

Olhou para trás e fez um gesto de despedida


com as mãos. Os funcionários retribuíram como
alegria, e logo o menino subiu na bicicleta verde
e partiu. Pedalou até sair da pequena lombada
do estacionamento e depois acelerou. Queria
achar alguma coisa antes que a chuva o
achasse.

E lá se foi o menino: jogado em sua busca e


dedicado a procura de algum resultado. Não
voltaria tão cedo quanto achava que voltaria, e
por causa disso resolveu estender seu prazo até
as 8 da noite enquanto pedalava sobre as
esburacada calçada esquerda.
Os funcionários vestidos de branco o ficaram
vendo até que ele sumisse na neblina que se
formava naquela tarde de segunda em
dezembro. Realmente de algo havia servido vim
trabalhar em uma segunda-feira. Voltaram para
dentro da padaria e retornaram a seus postos,
servindo pãezinhos e doces com a última
imagem que viram em suas mentes.

Enquanto isso, o menino continuava a pedalar


rapidamente em busca de algo que o voltasse a
se inspirar. Realmente não teve muito tempo:
enquanto andava sobre a sua rua - dessa vez
indo na direção oposta a do comercio – alguns
pingos molhados caíram sobre seu rosto. Isso ele
conhecia bem: a chuva estava por vir (ou
melhor, voltar). Pedalou mais depressa em busca
de algum abrigo. Passou a sua casa
despercebido (não era detalhista, mas isso não
era realmente um detalhe) e continuou a pedalar
em busca de algum lugar público com um teto
para se proteger. Primeiramente pensou em
voltar para a padaria, mas isso seria perda de
tempo.

A chuva começava a piorar e o céu a escurecer.


O menino colocou o capuz da capa de chuva
amarela sobre a cabeça, e rezou para que a
chuva parasse. Virou um pouco a bicicleta para
desviar-se de um cachorro pequenino e quase
caiu. Sua missão agora, acabara de se tornar
uma jornada perigosa. Sofreu ao tentar retomar
o controle da roda frontal da bicicleta, que
deslizava e escorregava sobre a calçada daquela
rua ampla. Logo, os buracos começaram a
atrapalhar também.

Foi só depois que quase caiu da bicicleta que


avistou, no horizonte uma Igreja. Sua mente já
pensara em tudo: se esconderia lá até a chuva
passar.

Acelerou um pouco mais para ficar (mais)


molhado do que já estava e arriscar-se a pegar
um resfriado.

Tinha a imagem da Igreja em sua mente – no


caso, uma pequena paróquia construída sobre
uma escadaria com cerca de 5 degraus altos,
grandes portas, uma cruz sobre o teto triangular
da capela e paredes pintadas de branco- e sabia
que se não chegasse rápido lá algo poderia
acontecer.

Felizmente, depois de quase esborrachar-se no


chão e ter um destino horrível com a rua
conseguiu chegar à escadaria e deixar a bicicleta
(carro, para a imaginação do menino) apoiada e
desceu. Algo o deixava com medo para entrar (já
que estava molhado e sujo, e ainda poderia
interromper algo). Mas ponderou que sua saúde
era mais importante que sua imagem, e subiu
aquelas escadarias (ele estava realmente
começando a ficar irritado com tantas escadas)
longas e grandes. Degrau por degrau subiu
aquela “montanha” e levou cerca de 3 minutos
para subir.
Encarou aquela porta de madeira grande e
fechada e sentou-se para criar um pouco de
coragem. Esse descanso não durou muito, já que
o frio falou mais alto e levou a ultima decisão do
menino: abrir a porta.

Colocou a mão sobre aquela porta (de empurrar)


e a pressionou, ouvindo um barulho alto.
Empurrou com toda a força que tinha e a porta
começou a dar abertura a uma luz forte, que saia
sobre a fresta daquele lugar tão polêmico.
Prestou atenção em tudo que ouvia, fazia e
enxergava.

Achava que ia se censurado logo após sua


entrada mas se surpreendeu: as pessoas dentro
daquele lugar não estavam bravas ou
indignadas, muito pelo contrário. Nem
perceberam a entrada do menino,
provavelmente porque estavam muito ocupadas
rindo alto e gargalhando.

Um ar de alívio percorreu o corpo do menino e


ele se sentiu leve, como se tivesse se livrado de
algum peso. Finalmente poderia descansar.

Observou a sua volta: o lugar era maior do que


parecia por fora. Era uma sala grande e muito
fortemente iluminada, com bancos madeiriços
eu se vê em Igrejas e paróquias normalmente,
paredes iluminadas com uma luz amarela e
lotado de pessoas, principalmente nas primeiras
fileiras. Algo lhe havia chamado a atenção:
O menino saiu andando com passos lentos; não
queria chamar atenção daquelas pessoas tão
felizes.

Por outro lado pensara: se elas estão felizes,


poderão me dizer o que fizeram para serem
felizes.

Mas não quis arriscar interromper a cerimônia:


sabia que o chamariam de louco se fizesse isso
na frente de todos. Por isso, resolveu sentar-se
no último banco de madeira e observar com
atenção o que acontecia naquele lugar tão
divertido.

Obviamente, decidiu retratar o que vira. Retirou


do bolso o bloquinho com o lápis grafite e
começou a desenhar calmamente a cena.
Passava o lápis lentamente sobre o papel,
desenhando e dando muita atenção ao rosto das
pessoas. Outro detalhe que lhe chamara atenção
era o padre: sempre havia achado que pessoas
assim eram velhas e chatas, mas enganava-se. O
padre era vivo, novo e alegre e usava roupas em
um branco e azul vivo. Não passara 1 minuto
entre o intervalo de uma risada ou outra.

O menino encima do desenho escreveu:

A religião pode trazer a felicidade?

CAP 6: O padre alegre.

Voltando a mulher florida...


Pegou outro quadro dela com seu marido.
Lembrara-se do mais feliz dia de sua vida: seu
casamento.

Outra lágrima já dava lugar ao caminho feito da


outra, e em pouco tempo, chorava rios
novamente.

“- Hoje é o dia mais feliz da minha vida.

- Se hoje é o dia mais feliz de sua vida, é o meu


também. Posso te contar uma piada?

Era uma vez...”

Lembrara-se de tempos antigos, em que seu


marido ainda a fazia rir (e muito). Era e sempre
foi um piadista, sempre animando a todos e a
qualquer coisa.

Queria ouvir uma última piada dele, e se


arrependia de não haver rido o suficiente.

Suas pantufas já estavam bem sujas, depois ter


circulado quase todo seu bairro, e sem que
percebesse, haviam feito marcas no chão (que
milagrosamente ninguém havia percebido). O
menino já nem prestava atenção no que o padre
dizia. Seu sono não o deixava prestar atenção
em nada e tudo parecia ficar mais escuro.

Seus olhos começaram a fechar, mas se


manteve acordado colocando em mente que não
podia dormir numa hora dessas. Seus olhos iam
se fechando cada vez mais longamente e em
espaços mais curtos de tempo. Tudo parecia
mais quente e aconchegante. Até mesmo aquele
banco de madeira parecia uma deliciosa cama
daquelas de sonhos, cobertas por lençóis
limpinhos.

Não conseguiu. Encostou-se no banco de


madeira e colocou a cabeça sobre as mãos. Tirou
as pantufas e as deixou no lugar onde as
pessoas se ajoelhavam, gesto que chegava a
parecer desrespeitoso.

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