You are on page 1of 3

Como a greve de caminhoneiros é lida pela esquerda e pela direita João Paulo

Charleaux 25 Mai 2018 (atualizado 28/Mai 15h22)

Liderança fragmentada, ausência de interlocutores e dispersão ideológica


dificultam interpretação política do movimento que parou o Brasil

Bloqueio caminhoneiros Bloqueio de caminhoneiros na BR-324, perto de


Salvador Os bloqueios de rodovias por caminhoneiros, iniciados na segunda-feira
(24), causaram desabastecimento de combustíveis, alimentos, entre outras
mercadorias, afetaram serviços, como o transporte público e a coleta de lixo, e
provocaram um dos mais graves abalos no governo do presidente Michel Temer
desde que ele teve início, em maio de 2016. A questão é como exatamente isso
ocorreu. Isso porque, atrás da palavra “caminhoneiros”, há uma sopa de pelo
menos nove siglas de entidades de classe e milhares de trabalhadores do setor
que não são ligados a nenhuma delas em particular. A pauta parte da redução
do preço do diesel, passa pelo preço do frete e do pedágio para, a partir daí, ser
reprocessada por grupos de direita e de esquerda, que agregam críticas à forma
de gestão da Petrobras, ao livre mercado, ao tamanho do Estado e à cobrança de
impostos. Nas estradas, há caminhoneiros que pedem “intervenção militar”.
Nenhuma central sindical lidera os protestos. Os próprios caminhoneiros não
erguem bandeiras de partidos, movimentos políticos ou balões infláveis com o
logotipo de sindicatos ou confederações. Parecem descolados dos atores
tradicionalmente envolvidos nas demandas trabalhistas, políticas ou sociais, e
preferem os grupos de Whatsapp às assembleias sindicais. O que se sabe sobre
as origens da greve Parte do movimento ocorreu de maneira espontânea,
organizado por trabalhadores autônomos da categoria. Parte foi estimulada por
uma cesta de organizações, inclusive empresariais, sobre as quais é impossível
saber com precisão o nível de representatividade e ação na greve. Uma das
entidades de caminhoneiros é a CNTA (Confederação Nacional dos
Transportadores Autônomos), que, no dia 15 de maio, havia enviado uma carta
ao governo reivindicando redução no preço do diesel e no preço do pedágio,
sob ameaça de deflagrar, no dia 21 de maio, uma paralisação nacional, como de
fato ocorreu. O acordo que o governo firmou com entidades de caminhoneiros
na quinta-feira (24), em Brasília, tem a assinatura de representantes de nove
organizações. Apesar da representatividade que o alto número de siglas poderia
sugerir, nenhuma delas foi capaz de cumprir a contrapartida exigida pelo
governo no dia seguinte: a desobstrução das rodovias. Segundo um anuário
elaborado pela CNT (Confederação Nacional do Transporte), com dados de
2017, os números sobre a frota de caminhões em atividade no Brasil são os
seguintes: há 1.088.358 veículos de empresas com caminhoneiros contratados,
553.643 veículos de caminhoneiros autônomos e 22.865 veículos de
cooperativas. A temperatura ideológica do debate “A verdade é que sabemos
muito pouco sobre a mobilização dos caminhoneiros”, escreveu Pablo Ortellado,
professor de gestão de políticas públicas da USP, que realiza trabalho acadêmico
de monitoramento de tendências políticas nas redes sociais. De acordo com ele,
houve “uma eufórica adesão da população mais despolitizada e, depois, uma
adesão dos ativistas de direita, acompanhada de uma hesitação dos ativistas de
esquerda”. Ortellado afirma que “a direita logo encampou as manifestações,
colando os protestos no ódio aos políticos e aos impostos altos” e, “no começo,
uma parte da esquerda apoiou, na chave anti-Temer, mas logo depois começou
a aderir a teorias conspiratórias de que os protestos são apenas mais um engodo
para criar o caos e facilitar a venda da Petrobrás, uma nova fase do ‘golpe’ ou a
intervenção militar”. Com isso, diz o pesquisador, as esquerdas “se isolaram ainda
mais do sentimento popular e deixaram a direita liderar a interpretação dos
protestos, inclusive impondo a uma parte deles um caráter pró-intervenção
militar.” À esquerda, discurso focado na Petrobras Para o PT, os protestos deram
a oportunidade de contrastar as políticas de gestão da Petrobras nos governos
de Dilma Rousseff e de seu sucessor, Michel Temer – com o intuito de mostrar
que a mudança, após o impeachment, foi para pior. Com Dilma, a Petrobras
controlava os preços dos combustíveis. Com Temer, a estatal passou a operar com
a cotação internacional do petróleo. “A alta dos preços dos combustíveis é
resultado direto da gestão privatista da Petrobras, da venda dos seus ativos, da
venda do pré-sal, do fim da política de conteúdo local”, disse a presidente do PT,
senadora Gleisi Hoffmann. Para ela, o problema “não está no tamanho do Estado,
nos impostos”, afinal, pergunta: “Como era possível antes ter gasolina mais
barata?!” O PSOL foi em linha parecida. O pré-candidato do partido à Presidência,
Guilherme Boulos, disse, em vídeo postado na internet: “O que estamos vendo
hoje no Brasil é resultado da política desastrosa de Temer e Pedro Parente na
[presidência da] Petrobras. Empresa pública tem que servir ao povo brasileiro e
não para dar lucro a meia dúzia de acionistas lá fora.” Tanto Gleisi quanto Boulos
defendem que o preço do petróleo e de seus derivados – incluindo o diesel, a
gasolina e o gás de cozinha – deve ser controlado pelo governo, mesmo que a
contenção de uma eventual alta implique na perda de lucros para a empresa e
seus acionistas (entre os quais está o próprio governo). Outra parte importante
do debate esteve focado, à esquerda, na tentativa de tentar definir se o
movimento era uma greve de trabalhadores ou um locaute, que é o nome dado
às paralisações nas quais os patrões é que impendem seus próprios empregados
de trabalhar, como forma de pressionar por uma determinada pauta. “Há os
interesses das transportadoras de médio e grande porte e o de trabalhadores.
Evidentemente, há uma disputa constante pela hegemonia na direção dessas
lutas. Classificar de saída a mobilização como locaute é algo de extrema
irresponsabilidade e ligeireza”, disse Gilberto Maringoni, que foi candidato ao
governo paulista nas eleições de 2014 pelo PSOL. À direita, foco nos impostos e
no ‘Estado enxuto’ O ex-presidente do BNDES Paulo Rabello de Castro, hoje pré-
candidato à Presidência pelo PSC, defendeu o equilíbrio entre “sensibilidade
social” e “racionalidade econômica” para resolver o impasse. Em geral, esse foi o
mote que predominou entre os liberais que defendem a independência da
Petrobras em relação às ingerências do governo, mas que não negam a
legitimidade das demandas dos caminhoneiros. João Amoêdo, pré-candidato à
Presidência pelo Novo, criticou o que ele vê como “um governo inchado” e
reclamou de que a Petrobras exerce um monopólio nocivo no setor. Ele defendeu
a privatização da empresa e declarou que “a manifestação dos caminhoneiros é
similar ao sentimento de muitos brasileiros, mas a luta deve ser contra o governo
e não contra o povo brasileiro” – numa crítica ao fechamento de rodovias que
impede a circulação de pessoas e de bens. O MBL (Movimento Brasil Livre), que
teve papel importante nos protestos que levaram ao impeachment de Dilma,
publicou mensagens como esta: “Vamos lembrar que política de controle de
preços levou a Petrobras a quase falir. O melhor jeito de resolver essa crise é cortar
gastos do governo para cortar impostos. Voltar à crise de 2016 não dá”.
Motoboys e escolares também aderiram Na noite de quinta-feira (24), a
paralisação parecia ter chegado ao fim, depois do encontro entre entidades do
setor e representantes do governo. Temer prometeu um mês de diesel 10% mais
barato, a partir de subsídio federal. Ou seja, usaria dinheiro de imposto para
bancar a redução do combustível dos caminhões. Na manhã de sexta-feira (25),
entretanto, não apenas havia rodovias bloqueadas por caminhões, como outras
categorias – como motoboys e motoristas de transporte escolar – também
tinham aderido. No início da tarde, o presidente fez um pronunciamento oficial,
em Brasília, dizendo ter autorizado o emprego das Forças Armadas para
desbloquear as rodovias. Expresso O que é locaute. E o que caminhoneiros e
empresários dizem sobre isso Um aviso importante Para melhorar a experiência
dos leitores e reduzir o uso de dados de internet na navegação pelo celular, o
Nexo retirou os conteúdos que apareciam ao final de suas páginas. Esta alteração
é experimental. Clique aqui se deseja enviar um comentário à nossa equipe sobre
a mudança.

Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/05/25/Como-


a-greve-de-caminhoneiros-%C3%A9-lida-pela-esquerda-e-pela-direita

© 2018 | Todos os direitos deste material são reservados ao NEXO JORNAL


LTDA., conforme a Lei nº 9.610/98. A sua publicação, redistribuição, transmissão
e reescrita sem autorização prévia é proibida.

You might also like