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GT 04 – Natureza, sociedade e direitos: políticas e conflitos na América Latina


e na Pan-Amazônia.

CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NA ILHA DE SANTA CATARINA, BRASIL:


GENTRIFICAÇÃO E APROPRIAÇÃO DA NATUREZA NA GESTÃO DO
TERRITÓRIO

Janice da Silva Marques1


science.br@gmail.com

RESUMO
O presente estudo busca analisar as relações entre a sociedade e a natureza na Ilha de
Santa Catarina. A construção civil e o turismo são as principais bases da economia local. O
turismo é calcado nas belezas naturais das praias, morros, manguezais e lagoas. Também a
cultura açoriana é apontada como atrativo turístico, através da arquitetura, culinária, folclore
e tradições religiosas, apesar da presença de numerosos sítios arqueológicos, inscrições
rupestres e oficinas líticas, registros dos povos originários. Construiu-se, assim, uma
formação identitária de origem açoriana, marca do colonizador. Foram realizadas pesquisa
teórica e a campo. Verificou-se a presença de processos de gentrificação e segregação
espacial. Também foram identificados casos de corrupção na gestão territorial e profunda
degradação do meio ambiente através da destruição direta de áreas de elevada importância
ambiental, tais como mangues e vegetação de restinga.

Palavras-chave: Florianópolis, licença ambiental, gestão territorial, Área de Preservação


Permanente.

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objetivo discutir a gestão do território e a relação entre a
sociedade e a natureza na Ilha de Santa Catarina, Brasil. Para tal, se debruça
especialmente em dois conflitos emblemáticos locais relativos ao estabelecimento de
empreendimentos de alto padrão: o caso dos beach clubs na praia de Jurerê Internacional; e
o Resort Costão do Santinho, localizado na praia de mesmo nome. A partir dos casos
estudados, buscou-se averiguar como se dão as dinâmicas de gestão territorial e como
estas são percebidas pela sociedade, no que diz respeito aos modos de vida e à
preservação do meio ambiente.

                                                            
1Doutoranda
do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul –
POSGEA/UFRGS, Brasil.

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Os citados empreendimentos foram escolhidos para a realização desta pesquisa por
apresentarem relações conflituosas entre a sociedade, a natureza e a gestão territorial,
representativas da situação em geral da ilha.
Como procedimentos metodológicos de coleta de dados foram utilizadas pesquisa
bibliográfica e documental (trabalhos científicos, legislação, publicações em livros, jornais,
revistas, internet etc), observação participante em campo, registro fotográfico e entrevistas
qualitativas com amostragem de acordo com Minayo (2004). Para as entrevistas foi
elencado um grupo de atores sociais de cada caso que buscamos tratar: comunidade nativa
da Praia do Forte (ao lado de Jurerê Internacional); e comunidade nativa da Praia do
Santinho.
Através de revisão bibliográfica e documental foi possível identificar um histórico de
exploração desenfreada no uso da terra – seja para agricultura, no passado; ou para
especulação imobiliária, no presente – e políticas que culminaram na formação da
sociedade atual através de processos de colonização, des-re-territorialização, gentrificação,
cosmopolitização e apropriação irresponsável da natureza com a ocorrência de numerosos
danos ambientais.
À luz das discussões sobre os impactos do colonialismo e do capitalismo na América
Latina, tais análises podem contribuir para o entendimento das relações socioambientais a
nível local como reflexo da subordinação latinoamericana no sistema global e para a
construção de pensamento crítico, racionalidades alternativas e políticas de fato
preocupadas com a questão ambiental na área estudada.

2. A ILHA DE SANTA CATARINA

A ilha de Santa Catarina é uma ilha costeira banhada pelo oceano atlântico,
pertencente ao município de Florianópolis, capital do estado. É formada pela união de
morros graníticos do embasamento cristalino que compõe a Serra do Mar por assoreamento
e sedimentação decorrentes da última regressão marinha (entre 6.000 e 5.000 anos atrás)
que culminaram na formação de planícies marinhas e aluvionais que constituem as áreas
baixas do território. Algumas destas planícies são de formação muito recente, como as
áreas de restinga, os campos de dunas e os manguezais. Nos morros graníticos encontram-
se incrustações de diques de diabásio e cobertura vegetal típica da Mata Atlântica
(Bigarella, 2002).

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Fossari (1991) destaca a presença de mais de uma centena de sítios arqueológicos
compostos por sambaquis, inscrições rupestres e oficinas líticas nas rochas basálticas,
encontrados nos mais diferentes recantos da ilha, datados desde 4.500 anos atrás:
“Os quais traduzem espaços ocupados por habitações, cemitérios,
manifestações artísticas e execução de artefatos. [...] Portanto se por
um lado contamos com cinco séculos de história escrita, por outro
temos diante de nós 45 séculos, pelo menos, de história não escrita
de sociedades humanas que ocuparam esta ilha muito antes de nós”
(Fossari, 1991 p. 16).

Segundo Mosimann (2002) a ilha era habitada pelos povos carijós quando da
chegada dos primeiros europeus no século XV por sua posição estratégica na rota das
expedições exploradoras como ponto de abastecimento de água e alimentos para as
embarcações que demandavam do Rio da Prata. Segundo o autor, após algum tempo de
convivência pacífica com os exploradores principalmente espanhóis, estes povos originários
vieram a ser escravizados pelos colonos vicentinos de origem portuguesa, morreram por
doenças contraídas dos europeus e grande parte fugiu para o interior do continente
abandonando progressivamente seu habitat, “embrenhando-se nas matas da floresta
atlântica, em direção ao planalto, num processo de migração forçada, antecipando-se ao
assédio criminoso dos paulistas” (Mosimann, 2002). De acordo com este autor, podemos
concluir que os povos originários sofreram um processo de des-re-territorialização, ao
abandonarem seu território original (des-territorialização) e serem obrigados a se re-
territorializarem em outro local.
De acordo com Nunes (2002) a ilha possui uma área em torno de 436,5 km
quadrados repleta de belezas naturais e, nas palavras da autora (Nunes, 2002, p.73):
“A cidade retrata um perfil cultural singular resultante de um processo
histórico de fusão de culturas, de assimilação, de trocas simbólicas
que aconteceram ao longo dos séculos. Neste notável universo
cultural destacam-se as as influências dos índios, portugueses,
espanhóis, negros, alemães, italianos, gregos, sírio-libaneses, e mais
recentemente, latinoamericanos e brasileiros de outros Estados”
(Nunes, 2002 p.73).

Segundo a autora, “o notável encontro de povos transformou o lugar em um exemplo


de diversidade cultural, mas a base de sua identidade está guardada nos primeiros anos do
povoamento açoriano” (Nunes, 2002).
Para Pauli (1991) a ilha é, antes de tudo, cidade de fundação bandeirante. “Importa
destacar este seu caráter bandeirante, não lhe retirando esta identidade em favor de etnias,
que posteriormente se estabeleceram em suas cercanias e penetraram a cidade” (Pauli,
1991). De acordo com o autor, o povoamento da ilha de Santa Catarina teve início em 1673,
como empreendimento agrícola mandado estabelecer por Francisco Dias Velho, que enviara
seu filho com mais de cem homens trazidos de São Paulo. (Pauli, 1991) aponta que

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“portanto, não apresentam substância as frequentes afirmações de que Florianópolis é uma
cidade açoriana, como se esta fosse a sua principal identidade”. Os bandeirantes foram,
portanto, os primeiros colonizadores a estabelecerem-se na ilha, trazendo o
empreendimento agrícola-pastoril, os escravos africanos e a religião católica, escravizando
e afugentando os índios.
A colonização açoriana veio a estabelecer-se a partir da segunda metade do século
XVIII e deixou a sua marca profundamente arraigada na identidade dos ilhéus através da
cultura, arquitetura, culinária, folclore e tradições religiosas. A partir de então começou
intensa destruição das matas para o aproveitamento agrícola que culminou em um processo
de desmatamento que eliminou em torno de 76% da cobertura vegetal original, encontrando-
se mata virgem apenas nas sumidades dos morros (Peluso Junior, 1991).
Para Pística (1991) foi significativa a contribuição de povos de origem não
portuguesa na formação identitária local, principalmente espanhóis, negros, alemães,
italianos, sírio-libaneses e gregos. “O ingresso de negros na Ilha de Santa Catarina está
anotado desde os primeiros estabelecimentos de náufragos. Depois eles vêm para o
empreendimento agrícola-pastoril de Dias Velho” (Piazza, 1991).
Nas últimas décadas, a ilha tem sofrido um progressivo processo de
cosmopolitização, devido ao crescente deslocamento para moradia e grande fluxo turístico,
tanto nacional como internacional. Novos moradores que buscam na “ilha da magia” uma
melhor qualidade de vida, com segurança e junto à natureza exuberante.

2.1 Jurerê Internacional

O bairro Jurerê Internacional é um empreendimento imobiliário desenvolvido pelo


Grupo Habitasul, entre as praias de Jurerê Tradicional e a Praia do Forte. De acordo com
Pamplona (2014) o grupo adquiriu o terreno no balneário em 1980. Nesta época a área era
uma pequena vila, o que impactou a vida da população ali residente. São aproximadamente
3 km de praia, com infraestrutura turística e residencial, contendo vários tipos de prestações
de serviços para a população residente, pertencente a classe mais abastada da ilha. O lugar
é famoso pelas mansões de luxo e os badalados beach clubs - boates à beira da praia -
também voltados para o público das classes mais altas. O bairro foi totalmente planejado,
possui estação de tratamento de efluentes (ETE), praças, bosques e foi projetado com o
objetivo principal de sustentabilidade e proteção do meio ambiente.
Na figura 1 pode-se observar pelo próprio site do empreendimento a localização dos
beach clubs através dos marcadores em vermelho e branco. É possível reconhecer pela
imagem que todos localizam-se nitidamente em cima da vegetação de restinga.

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Figura 1: Localização dos beach clubs em Jurerê Internacional. Fonte: www.jurere.com.br

2.2 Resort Costão do Santinho


O complexo de luxo se localiza no canto sul da Praia do Santinho, com uma área
parcial literalmente edificada sobre a encosta do Morro das Aranhas, onde existe um
importante sítio arqueológico, outra área construída sobre um olho d’água e a maior parte
sobre a restinga. Possui também um campo de golfe situado sobre o Aquífero Ingleses, que
serve de abastecimento de água para as cercanias. O Morro das Aranhas é uma Reserva
Particular do Patrimônio Natural - RPPN , a partir da qual um dos pilares do
empreendimento é a conservação da natureza. Na figura 2 é possível observar parte do
complexo no site do hotel, com a propaganda do comprometimento do empreendimento à
gestão ambiental. O hotel possui infraestrutura contando com mais de 900 funcionários
divididos em setores de hospedagem, condomínios para moradia, SPA, salão de eventos,
boate, quadras de tênis, campo de futebol, campo de golfe e diversos tipos de
entretenimentos, além de uma estação de tratamento de efluentes (ETE) própria que,
segundo o site do empreendimento, “é uma das mais eficientes e modernas do sul do Brasil,
o que resulta num índice de pureza acima de 98% e permite a reutilização de 100% da água
tratada para irrigação dos jardins, campo de futebol, campo de golfe, lagoas artificiais e
lavagem de áreas abertas do complexo” (Costão do Santinho, 2017).

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Figura 2: Vista parcial do Resort Costão do Santinho. Fonte: www.costão.com.br

3 OPERAÇÃO MOEDA VERDE

A Operação Moeda Verde foi uma série de investigações da Polícia Federal iniciadas em
2006. Na época, os agentes apuravam se haviam irregularidades na construção de um condomínio
em Jurerê Internacional. A suspeita era que políticos e servidores públicos recebiam propina de
empresários para burlar a lei e liberar construções em terras da União e em Áreas de Preservação
Permanente. Foi descoberta uma enorme comercialização de licenças ambientais em um grande
esquema de corrupção.
Os atores investigados na Operação Moeda Verde são, além de empresários,
políticos e funcionários públicos das três esferas: municipal, estadual e federal. Na época,
22 pessoas tiveram prisão decretada, entre elas o proprietário do complexo Costão do
Santinho, Fernando Marcondes de Mattos e o coordenador do projeto no grupo Habitasul,
Hélio Scheffel Chevarria (Congresso em foco, 2007). De acordo com a reportagem da
Agência Folha em Florianópolis, durante as investigações, o prefeito de Florianópolis Dário
Berger “teve uma conversa telefônica monitorada pela Policia Federal em que discute a lei
de incentivo à hotelaria criada por ele com um interlocutor e diz que “gostaria de atender ao
empresário Fernando Marcondes de Mattos”, dono do Costão do Santinho” (Tortato, 2007).
Posteriormente o prefeito passou a responder a uma comissão processante na Câmara
Municipal.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

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Rangel (2015) problematizou a existência do fenômeno de gentrificação em
Florianópolis. De acordo com a autora, a cidade possui um histórico de expulsão e distinção
desde o final do século XIX, quando a população pobre e ex-escrava teve sua presença
inviabilizada na ilha pelas elites brancas locais através de “leis de controle social para
restringir sua presença em locais públicos como praças e ruas, impedindo ajuntamentos
para suas atividades sociais como festas, celebrações e reuniões” (Rangel, 2015). Muitos
fugiram e começaram as primeiras ocupações dos morros e encostas. De acordo com
Rangel (2015, p. 41):
“A modernização da cidade na região do Centro Hstórico é marcada
pela verticalização de prédios e pela mudança da predominância dos
tipos de serviços nos prédios ali encontrados, antes eram de serviços
públicos para tornarem-se sua maioria de serviços privados. Esta
mudança proporcionou o adensamento da população residente
central (juntando-se aos descendentes da antiga burguesia comercial
ali estabelecida antes da modernização), a maioria dos residentes
sendo profissionais liberais de classe média. As populações mais
pobres instalaram-se em áreas próximas ao centro, mas de difícil
ocupação como encostas de morros e áreas mais distantes na
periferia do aglomerado urbano” (Rangel, 2015 p. 41).

A autora aponta casos de revitalização urbana na ilha relacionados com a


gentrificação, ressaltando como a banalização do conceito de gentrificação tem ocorrido na
mídia e mesmo no meio científico com o maior volume de tentativas do uso do termo e
menor rigorosidade científica da utilização do mesmo “para ser apropriado de forma otimista
por grupos de atores sociais com poder ligados à tomada de decisões políticas na cidade”
(Rangel, 2015).
Em registros históricos reunidos por Gerlach (2015), é possível identificar a formação
da classe política municipal pelas elites locais, famílias em maioria envolvidas com a
iniciativa privada, fato que persiste até hoje (Figura 3).

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Figura 3: Registro fotográfico de políticos influentes do início do século XX. Fonte: Gerlach (2015).

A rodovia que dá acesso ao bairro de Jurerê Internacional, foi nomeada “Jornalista


Maurício Sirotsky Sobrinho”, em homenagem ao fundador do Grupo RBS (Rede Brasil Sul).
Nesta rodovia situa-se o imponente clube de eventos Stage Music Park, famoso por receber
grandes atrações musicais nacionais e internacionais dos gêneros mais influentes no Brasil
e no mundo. O clube localiza-se completamente em cima da vegetação de mangue (Figura
4).
As políticas de infraestrutura e desenvolvimento urbano, visam atrair moradores e
turistas de alto poder aquisitivo. Desta maneira, criam-se espaços elitizados, incluindo as
praias e as áreas naturais, através da inacessibilidade às camadas de baixa renda por um
sistema de transporte público de péssima qualidade, enormes distâncias a serem
percorridas sem automóvel e valores elevados de prestação de serviços e lazer. De acordo
com Harvey (1989) a localização de estruturas físicas como rodovias é fundamental na
segregação espacial. No caso da Ilha de Santa Catarina, o gerenciamento territorial das
estruturas físicas, não somente provoca segregação espacial, mas também impactos
socioambientais na estrutura urbana da cidade.

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Figura 4: Entrada do Stage Music Park, em cima do manguezal na Rodovia Mauricio Sirotsky Sobrinho.
Fonte: Autora.

A Operação Moeda Verde foi desencadeada a partir de denúncias contra um hotel


em Jurerê Internacional, erguido sobre a nascente do rio Faustino. Também os beach clubs
situam-se em cima de vegetação de restinga (Figura 5). De acordo com a lei nº 12.651 de
25 de maio de 2012 considera-se Área de Preservação Permanente:

“área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função


ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a
estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de
fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das
populações humanas” (Brasil, 2012).

Enquadram-se nestas, portanto, as nascentes, os manguezais, as encostas e a


vegetação de restinga.

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Figura 5: Beach club sobre a vegetação de restinga. Fonte: Autora.

No caso dos beach clubs o conflito foi desencadeado pela própria Associação de
Proprietários e Moradores de Jurerê Internacional (AJIN), que moveu um processo
enfocando somente a “perturbação do sossego” em 2004. Como nada fora resolvido, em
2008 moveu o processo corrente, envolvendo a situação de APP. Cerca de 5 anos depois o
Ministério Público Federal (MPF), a Advocacia Geral da União (AGU) e o Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) juntaram-se à causa. Do
outro lado estão seis empresas, a Fundação Municipal de Meio Ambiente (FLORAM) e a
prefeitura de Florianópolis.
Na última terça-feira, 24 de outubro, o Tribunal Regional Federal da 4º Região, em
Porto Alegre, determinou a demolição parcial das estruturas. O advogado do grupo
Habitasul, considerou a decisão uma vitória e disse que a vegetação nunca esteve tão
conservada como agora (G1 SC, 2017).
Nas entrevistas realizadas com a comunidade tradicional da Praia do Forte, vizinha a
Jurerê Internacional, observou-se que a maioria dos entrevistados são a favor dos beach
clubs e do empreendimento Jurerê Internacional. Segundo um entrevistado, o bairro “traz
mais segurança para a vizinhança”. De acordo com outro, os beach clubs “movimentam a
economia, trazendo mais turistas com poder de compra, o que favorece os pequenos
empreendedores da praia do Forte”.
Na praia do Santinho a comunidade em geral é a favor do Resort Costão do
Santinho. Quase todos os entrevistados enfatizaram a geração de empregos e muitos
manifestaram que o empreendimento é “ecológico, pois cuida da natureza”. A exceção foi
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um surfista, natural de Porto Alegre, o qual é morador da praia há 32 anos e acompanhou a
construção do empreendimento. Ele afirma que o hotel não reaproveita totalmente a água
tratada como proclama, despejando certa parcela de efluentes com resíduos químicos no
olho d’água local e diretamente na restinga.
Não foi possível, ainda, averiguar a alegação do entrevistado, porém em estudos
futuros pretendemos realizar a análise da qualidade das águas referidas. Também
pretendemos verificar a afirmação do advogado do grupo Habitasul quanto à evolução da
vegetação de restinga em torno dos beach clubs.
Para Lopes (2011) o empreendimento Costão do Santinho afronta os princípios do
direito ambiental e a legislação ambiental brasileira em suas relações com o poder público.
O autor destaca o “risco de contaminação do Aquífero Ingleses com o manejo do gramado
de um campo de golfe”.
Em ambos os casos estudados, pôde-se verificar uma perda de identidade dos
habitantes locais, no âmbito do imaginário e do real, pela influência avassaladora da
globalização nas ideias e nos modos de vida. A lógica da globalização, seja na economia,
como na cultura, parece prevalecer na Ilha de Santa Catarina.
De acordo com Karl Polanyi em seu livro The Great Transfomation, a expansão
incontrolada do liberalismo em meados do século XIX introduziu no planeta o sistema de
mercado baseado na falacia central em transformar em bens e mercadorias a natureza e a
força de trabalho. O autor considera este um marco na história da humanidade (Alimonda,
2011).
Escobar (2011) aponta a necessidade da defesa das cosmovisões dos grupos
tradicionais latinoamericanos a partir do reconhecimento de seu território ancestral de
grupos étnicos; respeitos às suas culturas, costumes, valores e diferenças; e o
reconhecimento de que seus conhecimentos tradicionais são fundamentais para sua relação
com a natureza e sua identidade. Esta necessidade de construção de racionalidades
alternativas à imposta hegemônica e a necessidade de autonomia dos povos, apontam para
a emergência de uma epistemologia política e de um pensamento ambiental genuinamente
latinoamericanos. O autor destaca a importância do lugar e de expressões ou articulações
regionais no contexto da globalização. “Processos regionais com ações baseadas no lugar
necessitam dialogar com as múltiplas dinâmicas do capital e da cultura” (Escobar, 2011).
O aumento das lutas dos povos originários pela reivindicação de seus direitos, do
respeito de sua cosmovisão e da autonomia de seus territórios, caracteriza um tipo de “giro
eco-territorial”, o qual consiste numa filosofia de “bem viver” com uma visão ecológica de
respeito ao meio ambiente. O reconhecimento do conceito dos povos andinos de
“Pachamama” ou “Mãe Terra”, de uma relação de profundo respeito à natureza.

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Na Ilha de Santa Catarina, neste estudo prévio, não foi encontrada tal manifestação.
A cidade parece dominada pela ideia de capitalização do espaço e da natureza. Esta última,
tomada aqui não como recurso direto, mas como patrimônio paisagístico e cultural para
exploração turística e especulação imobiliária desenfreadas.
Alimonda (2011) propõe uma visão de Ecologia Política que incorpore
sistematicamente o econômico, o ecológico, e o cultural definindo este campo como o
estudo dos conflitos distributivos econômicos, ecológicos e culturais. É uma busca pela
decolonização das ideias, dos modos de vida, da maneira de pensar.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O fenômeno de gentrificação que ocorre nas cidades latinoamericanas não se


processa da mesma maneira que o conceito clássico europeu. Na Ilha de Santa Catarina,
ele ocorre em concomitância com a capitalização do espaço e a apropriação da natureza na
gestão territorial. Gestão marcada por corrupção, segregação espacial, desvalorização do
meio ambiente e desrespeito à legislação.
Gonçalves (2006) chama a atenção para “a centralidade do conceito de território
para enfrentar o desafio ambiental contemporâneo”. Em Florianópolis, a gestão territorial
definirá o futuro das belas paisagens e da tão apreciada qualidade de vida local, que estão
profundamente ameaçadas se a racionalidade vigente permanecer.

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