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O Acento: de regras a restrições


José S. de Magalhães*
A proposta deste capítulo é apresentar os fundamentos básicos da Teoria da Otimidade
(McCarthy e Prince, 1993; Kager 1999; Kager e Elenbaas; 2004) para lidar com o acento de
palavra nas línguas do mundo. Para tanto, percorreremos, de forma abreviada, os caminhos
traçados pela Fonologia Métrica e seus principais modelos (Liberman e Prince, 1977; Halle e
Vergnaud 1987; Halle e Idsardi 1995; Hayes 1995), os quais sustentam as proposições da Teoria
da Otimidade no que respeita, especialmente, ao seu conjunto de restrições denominado
Alinhamento Generalizado. Serão também elencadas as propriedades fundamentais do acento e
sua contraparte sob a análise via restrições, bem com a aplicação desta análise na descrição de
sistemas lingüísticos alternantes (línguas com múltiplos acentos por palavra) e sistemas não-
alternantes (um único acento por palavra). Por fim, enfocaremos o acento dos nomes no
Português Brasileiro.

1- A Fonologia métrica
Na fonologia gerativa clássica (Chomsky e Halle 1968) o acento era uma propriedade dos
segmentos individuais, e sua atribuição determinada por seqüências particulares de segmentos.
Como outros traços, o acento era definido binariamente [+acentuado] e [-acentuado], de modo
que os diferentes graus acentuais diferenciassem a proeminência principal das proeminências de
menor destaque em aplicações cíclicas que indicavam cada vogal acentuada de acordo com o seu
grau de proeminência. Assim, rotulava-se [+acento 1] o acento principal e [+acento 2], [+acento
3] (...) os demais, sem limite para a quantidade de níveis de acento possíveis, permitindo-se,
portanto, um sem-número de acentos. Essa concepção sofreria drástica transformação com o
advento da Fonologia Métrica, quando o acento deixa de ser interpretado como uma propriedade
das vogais e passa a ser associado diretamente à sílaba, sendo determinado pela cadência
relacional entre posições fortes (s-strong) e fracas (w- weak).
A relação entre elementos fortes e fracos foi formalizada por Liberman (1975) e Liberman
e Prince (1977) por meio de uma árvore métrica, como na representação abaixo:

(1) s

w s

s w s w s w s w
a) pa.ssa b) tem.po c) pa.ssa.tem.po
Em (c), o acento primário da palavra recai na sílaba “tem” por ser esta a única com todos os nós
rotulados por “s”. À sílaba com segunda maior incidência de “s” é atribuído o acento secundário,
definindo-se assim o que é e o que não é acentuado, além de identificar os graus de acento numa
determinada seqüência.
Liberman e Prince (1977) introduziram também um mecanismo de representação do
acento por meio de grade métrica. Nessa nova estrutura, o padrão acentual é representado por
colunas sobre as quais incidem algarismos que indicam a hierarquia das proeminências1.

*
Universidade Federal de Uberlândia – UFU, mgsjose@gmail.com
2

(2) s

w s

s w s w
pa.ssa.tem.po
1 2 3 4
5 6
7

Em (2), a coluna de maior extensão, identificada pelos algarismos 3, 6 e 7, representa a sílaba


com maior proeminência; a coluna dos algarismos 1 e 5 identifica um possível acento secundário.
Foi esse modelo o propulsor da abordagens posteriores que passaram a operar com a
grade métrica apenas (Prince 1983), ou com os elementos da grade agrupados em constituintes
(Halle e Vergnaud 1987; Halle e Idsardi 1995; Hayes 1995).

1.2- A Grade Métrica

Prince (1983) propõe que, para fotografar o acento das línguas, a grade métrica é
suficiente. Assim, a organização rítmica, instanciada pela cadência dos níveis de proeminência, é
representada por marcas horizontais projetadas sobre os elementos passíveis de portar acento e
pelas marcas verticalmente acumuladas na grade, como ilustrado a seguir:
(3) x
x x
x x x x
pa.ssa.tem.po

Além representar organização rítmica, a grade métrica se propõe a elucidar de forma


simples o choque de acentos, um fenômeno indesejável na maioria das línguas do mundo. Para
isso, são propostos três mecanismos: i- mova-x2; ii- inserção de marca, iii- apagamento de
marca. Esses procedimentos geram a grade perfeita, com a alternância entre elementos fortes e
fracos. Vejamos, abaixo, a atuação de “mova-x” para se eliminar o choque de acento entre a 2ª e a
3ª sílaba:
(4) 7 7
5..*..6 5 ˂-----6
1 2 3 4 1 2 3 4
a) ir mão zi nho b) ir mão zi nho

1
Neste modelo, os algarismos são alicerçados na grade a partir de uma condição de boa formação referida como
“Regra de Projeção de Proeminência Relativa”, segundo a qual “em qualquer constituinte em que a relação forte-
fraco é definida, o elemento designado como terminal de seu subconstituinte forte é metricamente mais forte que o
elemento designado terminal de seu subconstituinte fraco” (Liberman e Prince, 1977, p. 316).
2
“Uma entrada (marca de grade) é movida dentro de seu nível em posição de choque. Para onde ela se move?
Evidentemente, para a primeira posição que ela legitimamente puder ocupar. ‘Mova-x’ é um tipo de reajuste mínimo
da configuração da grade e, como tal, é um candidato natural a se considerar para o mecanismo formal de ajustes
rítmicos”. (Prince 1983, p. 33).
3

Neste modelo, o elemento mais proeminente de todos é projetado por uma “Regra Final”,
a qual atua sempre nas posições periféricas (à esquerda ou à direita do domínio), indicando o
acento primário.

1.3- Grade e constituintes: Halle e Vergnaud

Halle e Vergnaud (1987) acrescentam à grade métrica parênteses delimitadores de


constituintes, nos quais o acento deverá incidir. Esses constituintes podem ser limitados – com
dois ou três elementos – ou ilimitados. Cada constituinte projetará a marca de maior
proeminência, chamada cabeça, uma linha acima das demais, por meio de parâmetros bem
definidos.
Inicialmente, projeta-se, na Linha 0, uma marca sobre cada elemento licenciado a portar
acento para, depois, construírem-se os constituintes, seguindo parâmetros de direção particulares
de cada língua. Em seguida, o cabeça de cada constituinte da linha 0 é alçado à Linha 1, também
seguindo orientações de língua particular, como exemplificado abaixo:

(5) Linha 0: constituintes limitados, binários, da direita para esquerda, com cabeça à
esquerda.
* . * .
Linha 0 (* *) (* *)
bi . ci . cle. ta

Linha 1: constituintes ilimitados a partir dos cabeças da Linha 0

Linha 1 (* . * . )
Linha 0 (* *) (* *)
bi . ci . cle. ta

A construção dos constituintes, muitas vezes, pode vir determinada por elementos já
projetados, em virtude de o acento em algumas línguas obedecer à sensibilidade ao peso silábico.
Neste caso, as sílabas pesadas, isto é, aquelas com vogal longa, ditongo ou terminadas em
consoante, exigirão marcas projetadas direto na Linha 1, o que fará surgirem constituintes
obrigatórios, em oposição àqueles construídos pela aplicação dos parâmetros. Por exemplo, a
língua Koya3 (Centro Sul da Índia) é sensível ao peso silábico. Por essa razão, seus constituintes
ilimitados de cabeça esquerda são obrigatoriamente construídos da esquerda para a direita, devido
à projeção prévia das sílabas pesadas na Linha 1:

(6) * . * . . . * . . Linha 1
(σ σ) (σ σ σ σ) (σ σ σ) Linha 0 (3ª e 7ª sílabas pesadas)

3
A língua Koya acentua todas as sílabas pesadas e a sílaba inicial, esta independentemente do peso (Halle e
Vergnaud 1987).
4

A operacionalização do modelo de Halle e Vergnaud segue alguns princípios e condições,


entre os quais se destaca a condição de exaustividade4, que proíbe elementos fora dos
constituintes. Dessa forma, em sistemas binários, as palavras com número ímpar de sílabas terão
um constituinte degenerado, isto é, com apenas um elemento, como se vê em (7), caso ilustrativo
da línguas Maranungku5 (Norte da Austrália):

(7) * . * . * * . * . * . Linha 1
a- (1 2) (3 4) (5) (1 2) (3 4) (5 6) Linha 0
lán.gka . rá.te . ti wé.le . pe.ne . mán.ta

Este modelo vale-se ainda da extrametricidade, recurso bastante comum na fonologia


métrica, utilizado para tornar elementos periféricos invisíveis às regras de construção dos
constituintes métricos. A língua Warao6 (Venezuela e Guiana), em que o acento cai sobre as
sílabas ímpares a partir do final da palavra, mas nunca sobre a sílaba final, exemplifica o uso da
extrametricidade, representada por parênteses angulados:

(8) . * . * * . * . * . * Linha 1
b- (5 4) (3 2)<1> (8) (7 6) (5 4) (3 2)<1> Linha 0
yi.wà . ra.na. e na . ho.ró . a.há . ku.ta . i

Finalmente, para eliminar acentos subsidiários inexistentes, normalmente gerados em


obediência à condição de exaustividade, é proposto o mecanismo de “Conflation”. Por este
instrumento, constituintes de linhas mais baixas são mantidos somente quando o seu cabeça for
também o cabeça de um constituinte da próxima linha mais alta, como ilustrado em (9):

* * Linha 2
(9) ( * . * . . . * ) . . conflation ( *) Linha 1
(1 2)(3 4 5 6)(7 8 9) 1 2 3 4 5 6 (7 8 9)7 Linha 0

Supondo que (9) represente uma língua hipotética que não possua acentos subsidiários,
“Conflation” manterá apenas o cabeça do terceiro constituinte, uma vez que somente neste
constituinte o cabeça na Linha 1 é também o cabeça na Linha 2.
Bisol (1992, 1994) vale-se do modelo de Halle & Vergnaud (1987) para descrever o
acento primário no Português. Duas particularidades, no entanto, devem ser ressaltadas: primeiro,
a autora assume que o Português é sensível ao peso silábico apenas em final de palavra; segundo,
diferentemente da proposta original de Halle & Vegnaud, a construção dos pés é não-iterativa.

4
As demais condições são: a) condição de recuperabilidade: a localização dos limites dos constituintes métricos
deve ser recuperável, de forma não ambígua, a partir da localização do cabeça, e a localização do cabeça deve ser
recuperável a partir da construção dos constituintes; b) condição de maximalidade:cada constituinte tem um número
máximo de elementos; c) a condição de fidelidade:apaga, no output, as fronteiras de qualquer constituinte que não
tenha projetado um cabeça.
5
Língua com constituintes binários, cabeça esquerda, da esquerda para a direita.
6
Língua com constituintes binários, cabeça direita, da direta para a esquerda, com a sílaba final extramétrica.
7
O sinais sob os algarismos 1, 3, 4, e 7 indicam sílabas pesadas e, por isso, um asterisco é previamente projetado
sobre eles.
5

1.4- Grades e constituintes: Halle e Idsardi

Semelhante à proposta de Halle e Vergnaud (1987), o modelo de Idsardi (1992), relido em


Halle e Idsardi (1995), vale-se também de grades e constituintes métricos. Entretanto,
diferentemente de Halle e Vergnaud, agora basta um único parêntese para demarcar as fronteiras
métricas. A construção desses constituintes é governada por regras de projeção e de marcação,
como definidas a seguir:

(10) Regras da Linha 0:


a- parâmetro de projeção de proeminência (para sílabas pesadas, por exemplo) por meio de
um parêntese esquerdo ou direito
b- parâmetro de marcação da borda: parêntese esquerdo ou direito, à esquerda ou à direita,
do elemento mais à esquerda ou mais à direita.
c- parâmetro de construção de constituintes iterativos (parêntese esquerdo ou direito para
cada par de elementos)

Regra da Linha 1:
a- repetem-se os parâmetros (a) e (b) acima
b- parâmetro de projeção do cabeça: à esquerda ou à direita

Para evitar configurações indesejadas, como o choque de acento, a aplicação das regras é
submetida a restrições, cujos efeitos recaem diretamente sobre as representações métricas: “evite
(x(, evite (x#, evite x(x#, etc”.
A operacionalização desse modelo é exemplificada em (15) com duas palavras da língua
australiana Garawa (Austrália). Nesta língua o acento incide sobre as sílabas pares contando a
partir da borda direita da palavra e sobre a primeira sílaba, mas nunca sobre a segunda. Além
disso, o acento principal recai sempre sobre a sílaba inicial. A absoluta inexistência de acento na
segunda sílaba, o que evitará choque acentual com a primeira sílaba portadora do acento
principal, é captada pela restrição “Evite (x(”.

(11) O acento em Garawa


Parâmetros da Linha 0
a) Marcação da borda- EEE (atribua um (x x x x x x x x x (x x x x
parêntese Esquerdo à Esquerda do elemento nařiŋinmukunjinamiřa watjimpaŋu
mais à Esquerda)
b) Construção Iterativa de Constituintes: à (x x x (x x (x x (x x (x x (x x
esquerda, atendendo à restrição: Evite (x( nařiŋinmukunjinamiřa watjimpaŋu

c) Projeção do cabeça: à esquerda x x x x x x


(x x x (x x (x x (x x (x x (x x
nařiŋinmukunjinamiřa watjimpaŋu
Parâmetros da Linha 1
a) Marcação da borda: EEE (atribua um (x x x x (x x
parêntese Esquerdo à Esquerda do elemento (x x x (x x (x x (x x (x x (x x
mais à Esquerda) nařiŋinmukunjinamiřa watjimpaŋu
6

b) Projeção do cabeça: à Esquerda x x


(x x x x (x x
(x x x (x x (x x (x x (x x (x x
nařiŋinmukunjinamiřa watjimpaŋu

Um significativo avanço do modelo de Halle e Idsardi com relação aos anteriores é que,
diferentemente das demais propostas, a extrametricidade não mais necessita ser evocada por meio
de uma regra especial a fim de que certos elementos sejam ignorados. Agora, os efeitos da
extrametricidade são captados como manifestação específica de um parâmetro de marcação de
borda. Uma análise do Português com base neste modelo pode ser encontrada em Pereira (1999).

1.5- Grade e constituintes: Hayes

A fonologia métrica atingiu um dos seus mais altos graus de formalização com os estudos
de Hayes (1995), para quem a unidade portadora de acento é a sílaba. O autor apresenta um
modelo essencialmente paramétrico e restritivo, composto por um conjunto de constituintes
denominados pés. Um pequeno número de parâmetros é proposto para garantir as diferentes
configurações dos pés, conforme veremos a seguir.
1.5.1-Troqueu silábico: pé constituído por sílabas e com proeminência à esquerda. Este
tipo de pé ignora a estrutura interna das sílabas, conforme ilustrado em uma palavra da língua
Pintupi (Austrália):

(x .)
(12) Troqueu silábico: σ σ

(x .) (x .) (x .)
σ σ σ σ σ σ σ
t i.l i . r i.ŋ u l a m. p a . t j u

Diferentemente da proposta de Halle e Vergnaud, a condição de exaustividade não se


aplica neste modelo, conforme atesta o exemplo do Pintupi. Note-se que os pés binários são
escandidos da esquerda para a direita e, como a palavra possui um número ímpar de sílabas, a
sílaba final fica fora da escansão. No modelo anterior, a sílaba final formaria, sozinha, um
constituinte, em atenção à condição de exaustividade.
1.5.2-Troqueu Mórico: pé composto de duas moras também com proeminência à
esquerda, o que é visível quando constituído de duas sílabas leves. Moras correspondem a cada
unidade de tempo a partir do núcleo silábico. Uma vogal simples equivale a uma mora; uma
vogal longa equivale a duas moras; também o conjunto vogal seguida de consoante na mesma
sílaba equivale a duas moras8.

(x .) (x)
(13) Troqueu mórico: ˘ ˘ ou –

8
As moras são diretamente responsáveis pela caracterização do peso silábico, ou seja, sílabas com uma mora são
leves, enquanto sílabas com mais de uma mora são pesadas (vogal longa, ditongo ou vogal seguida de consoante).
7

O peso silábico é essencial no troqueu mórico. Os exemplos abaixo, da língua Fijiano


(ilhas Fiji) ilustram o troqueu mórico, neste caso obedecendo ao parâmetro de construção da
direita para a esquerda:

(x .) (x)
˘ ˘ ˘ ˘ –
(14) a- bi na ka ‘ bom’ b- se Nai

1.5.3- Iambo: pé com proeminência à direita, permitindo no máximo duas sílabas em sua
composição, de modo que a sílaba da esquerda seja sempre leve. O Iambo diferencia-se do
troqueu silábico não somente quanto à borda do pé em que está situada a proeminência, mas
também por ter como forma canônica uma sílaba leve seguida de uma sílaba pesada9.

(. x) (x)
(15) Iambo: ˘ – , preferencialmente, ou então –

Do mesmo modo que o troqueu mórico, o iambo pode também ser constituído de duas
sílabas leves, mas sempre com a proeminência à direita. Os exemplos da língua Creek
Seminolês (Estados Unidos), cuja direção de construção dos pés é da esquerda para a direita,
ilustram o iambo:

(. x) (. x) (. x)(. x) (x) (x) (x)


˘ – ˘ ˘ ˘ ˘ ˘ ˘ ˘ – – –
(16) a- to kol hoki t a b- apa taka c- ti: ni: tki:

Para lidar com situações em que, na escansão métrica, fica impossível construir pés
canônicos, ou que escapam às prescrições rítmicas, os constituintes são tratados como
degenerados. A construção de pés degenerados está, todavia, sujeita a certas condições, a saber:
(17) a- Proibição forte: pé degenerado absolutamente proibido
b- Proibição fraca: pé degenerado permitido somente em posição proeminente, isto é,
quando dominados por outra marca grade.
Se atenderem, pois, a essas restrições, os pés degenerados terão as seguintes
configurações:
(x)
(18) a- Troqueu silábico degenerado: ˘

(x)
b- Troqueu silábico degenerado: σ

(x)
c- Iambo degenerado: ˘

9
O símbolo ˘ equivale a uma sílaba leve, enquanto – refere-se a uma sílaba pesada.
8

O grau de proibição ao pé degenerado está diretamente ligado à noção de palavra mínima.


Para atender à exigência da palavra mínima, os vocábulos devem ser providos de pelo menos dois
elementos10, quais sejam: duas sílabas ou duas moras. Portanto, em sistemas que atendem a esta
exigência o pé degenerado é descartado.
Esse modelo é a base para a descrição do acento do Português feita por Lee (1994, 1995)
e por Massini-Cagliari (1995).

2- O Acento na Teoria da Otimidade


Conforme apresentado nas seções anteriores, o acento de palavra é governado por um
conjunto de forças em conflito, entre as quais estão o ritmo – pressão para que haja uma
distribuição regular entre posições fortes e fracas –; a sensibilidade ao peso – pressão para que a
proeminência se aloje na sílaba pesada – e a marcação da borda, que é a pressão para que o
acento esteja alojado nas bordas do domínio morfológico (Kager, 1999). A Fonologia Métrica
explica esses fatos por meio de regras aplicadas numa determinada ordem, a fim de garantir a
verdadeira representação dos fenômenos acentuais.
Diferentemente dos modelos métricos, a Teoria da Otimidade (Prince e Smolensky
1993/2002; McCarthy e Prince 1993a, 1993b, 1995; Kager 1999) dispensa a aplicação de
qualquer regra ou parâmetro. A Teoria da Otimidade (TO doravante) caracteriza-se por ser um
modelo baseado em restrições avaliadas em paralelo, não permitindo, portanto, processos
seqüenciados para atingir a esperada forma de superfície a partir de uma representação
subjacente. Mais do que isso, a estrutura de superfície passa a ser determinada por meio de
restrições universais e violáveis que interagem em uma hierarquia, a gramática da língua. Nesta
seção destacaremos, pois, os procedimentos da TO para efetuar essa tarefa, procurando mostrar
sempre que possível como as restrições estão intimamente ligadas às propriedades do acento.

2.1- Propriedades do acento e restrições


Dentre as restrições que operam para explicar o acento das línguas, há um grupo de
substancial importância denominado Alinhamento Generalizado (AG), proposto por McCarthy e
Prince (1993b, 2004). A principal noção advinda do AG é exigência de que bordas e constituintes
coincidam. Assim, a borda esquerda ou direita de constituintes prosódicos ou gramaticais de
alguma categoria-1 (Cat1) deve coincidir com a borda esquerda ou direita de algum constituinte
prosódico ou gramatical de categoria-2 (Cat2). Os tipos de constituintes prosódicos que podem
ser alinhados incluem categorias como mora(µ), sílaba (σ), pé e palavra prosódica. Já os tipos de
categorias gramaticais propensos ao alinhamento, incluem raiz, afixos, radical, etc. Em suma, o
AG vai operar para que algum pé, por exemplo, esteja alojado mais à direita na palavra, exigindo
assim que o acento esteja nesta borda; ou ainda que a sílaba mais proeminente esteja localizada
mais à esquerda dentro do pé, demandando, neste caso uma estrutura trocaica. Para melhor
compreensão desses fatos, vejamos os exemplos hipotéticos abaixo, considerando uma palavra
com cinco sílabas:

(19) a- σ σ σ (σ σ) b- (σ σ) σ σ σ

10
Retomando McCarthy e Prince (1986), Hayes (1995, p. 88) adverte que essa exigência só atinge itens lexicais da
categoria nome, verbo e adjetivo. Palavras funcionais não precisam ser escandidas em pé, pois estão presas a uma
palavra vizinha, podendo ser independentemente submínimas.
9

Em satisfação ao que o Alinhamento Generalizado pressupõe, o exemplo (a) atende a exigência


de que a borda direita do pé esteja alinhada com aborda direita da palavra, enquanto o exemplo
(b) satisfaz a exigência de que a borda esquerda do pé esteja alinhada com borda esquerda da
palavra. Portanto, tanto em (a) quanto em (b), se outros pés fossem construídos, estes estariam em
desacordo com o alinhamento. Como as restrições de alinhamento são gradientes (McCarthy e
Prince 1993b), cada sílaba entre o pé e a borda designada representa uma infração. Vejamos
como funciona essa gradiência:

(20) a- σ σ σ (σ σ) b- σ (σ σ) (σ σ) c- (σ) (σ σ) (σ σ)

Se imaginarmos uma restrição de alinhamento exigindo que a borda direita do pé esteja alinhada
com a borda direita da palavra, apenas o exemplo (a), com um único pé perfeitamente alinhado à
direita, seria bem formado. Quanto mais pés forem construídos, mais distantes esses novos pés
ficarão da borda-alvo, portanto, mais violações cometerão, dado o caráter gradiente das restrições
de alinhamento. Assim, o exemplo (b) viola duas vezes a restrição, uma vez que a borda do
segundo pé, construído da direita para a esquerda, está duas sílabas afastado da borda direita da
palavra. O exemplo (c) comete cinco violações, duas pelo segundo pé e três pelo terceiro, sempre
observando da direita para a esquerda.
Algumas restrições que operam no âmbito do acento caracterizam-se como contraparte da
fonologia métrica para os fenômenos em questão (Kager e Elenbaas, 2004). Tomemos, como
exemplo, o ritmo binário alternante da língua Pintupi11 a qual coloca em conflito três situações: i-
a binaridade do pé; ii- a escansão exaustiva das sílabas, e iii- a posição dos pés com relação às
bordas da palavra. Três restrições, cada uma correspondendo a um desses fenômenos, captarão o
padrão alternante dessa língua: FOOTBIN exigirá que os pés sejam binários; PARSE-σ demandará
que as sílabas sejam escandidas; e ALLFOOT-X vai operar pela posição dos pés com respeito à
borda da palavra, no caso dessa língua, na borda esquerda. Apresentemos formalmente as
restrições:
(21) a- FOOTBIN: pés devem ser binários - duas moras ou duas sílabas (Kager 1999:161);
b- PARSE-σ: sílabas devem ser escandidas em algum pé (Kager 1999: 162);
c- ALLFOOT-LEFT12: a borda esquerda de cada pé deve coincidir com a borda esquerda
da palavra prosódica.

(22) Gramática de restrições do Pintupi: FOOTBIN»PARSE-σ»ALLFOOT-LEFT


/ti.li.ri.ŋu.lam.pa.t j u/ FOOTBIN PARSE-σ ALLFOOT-LEFT
j
a- (tí.li).(rí.ŋu).(lám.pa).t u * ** ****
j
b- (tí.li).(rí.ŋu).lám.(pa.t u) * ** *****!
c- tí.(li.rí).(ŋu.lám).(pa.t j u) * * *** ****!*
d- (tí.li).rí.ŋu.lám.pa.t j u **!***
e- (tí.li.rí.ŋu.lám.pa.t j u) *!
f- (tí.li).(rí.ŋu).(lám.pa).(t j u) *! ** **** ******

11
No Pintupi, o acento cai na primeira sílaba e em sílabas ímpares a partir da primeira, exceto na última; portanto
com pés binários contando da esquerda para a direita (Halle e Vergnaud, 1987)
12
AlignFoot-Left: Align (Foot, Left, PrWd, Left): Alinhe a borda esquerda de cada pé com a borda esquerda de
alguma palavra prosódica (McCarthy e Prince 1993b)
10

As forças em conflito no mapeamento do ritmo binário alternante do Pintupi passam, pois, a ser
traduzidas no conflito das restrições acima. Assim, o ranqueamento de FOOTBIN sobre PARSE-σ
exclui os candidatos (e) e (f) que, tendo todas as suas sílabas escandidas, não respeita a
binaridade, já que (e) inclui todas as sílabas em um único pé e (f) apresenta um pé monossilábico.
O ranqueamento de PARSE-σ sobre ALLFOOT-L é explicito na eliminação do candidadato (d) que,
com um único pé à esquerda, como deseja ALLFOOT-L, mantém 5 sílabas não escandidas. Os
candidatos (a), (b) e (c) empatam com relação a Parse, com uma sílaba não escandida cada um,
mas são perfeitos quanto à binaridade exigida por FOOTBIN. Fica, então, a cargo de ALLFOOT-L a
escolha do melhor candidato, o que faz de (a) o vencedor por cometer menos violações do que (b)
e (c). Portanto, o ritmo binário alternante a partir da margem esquerda da palavra, como é a
língua Pintupi, é definido pela hierarquia FOOTBIN»PARSE-σ»ALLFOOT-LEFT. Como veremos
mais adiante, para alcançar o ritmo binário alternante a partir da margem direita da palavra, caso
da língua Warao, basta apenas inverter a borda para alinhamento dos pés, ALLFOOT-RIGHT13.

A estrutura métrica das línguas é determinada, segundo Kager (1999, p. 143-146), por
quatro propriedades em comum as quais devem ser captadas pelas restrições universais da TO. A
primeira é a propriedade culminativa, segundo a qual os constituintes morfológicos14 e sintáticos
das línguas tendem a ter um pico acentual. Também relacionado a essa propriedade está o fato de
que certas línguas exigem que as palavras prosódicas tenham um tamanho mínimo, duas sílabas
ou duas moras, o que está associado ao tamanho do pé (FOOTBIN vista acima). A garantia de que
toda palavra gramatical tenha acento é efetuada pela restrição GRWD=PRWD.

(23) GRWD=PRWD: uma palavra gramatical deve ser uma palavra prosódica (Kager, 1999)

A segunda é a propriedade demarcativa, exigindo que o acento esteja localizado próximo


às bordas do constituinte. Restrições do Alinhamento Generalizado são as principais responsáveis
pela garantia desta propriedade, o que é efetuado nos seguintes moldes: LEFTMOST requer o
acento à esquerda e RIGHTMOST exige o acento à direita.

(24) a- LEFTMOST: Align (PrWord, Left, Head(PrWd), Left): alinhe a borda esquerda da
palavra prosódica com a borda esquerda do pé cabeça (McCarthy e Prince 1993b).
b- RIGHMOST: Align (PrWd, Right, Hd(PrWd), Right): alinhe a borda direita da palavra
prosódica com a borda direita do pé cabeça (McCarthy e Prince 1993b).

(25) Alinhamento Cabeça/palavra prosódica


/borboleta/ RIGHTMOST LEFTMOST
a- (bòr.bo) (lé.ta) **
b- (bór.bo) (lè.ta) **!

O candidato (b) acima apresenta-se com o pé portador do acento principal alinhado com a borda
esquerda da palavra. Isto está de acordo com a exigência de LEFTMOST, ranqueada baixo, mas
viola a restrição mais alta, RIGHTMOST, duas vezes. Estas violações ocorrem por a borda direita

13
AlignFoot-Right: Align (Foot, Right, PrWd, Right): Alinhe a borda direita de cada pé com a borda direita de
alguma palavra prosódica (McCarthy e Prince 1993b).
14
Estão excluídas aqui as palavras funcionais, como artigos, preposições e alguns pronomes, haja vista serem
prosodicamente dependentes, não tendo, pois, acento próprio.
11

deste pé estar distante duas sílabas da borda direita da palavra, como quer RIGHTMOST. Por esta
razão, vence o candidato (a).
Além dessas, outras restrições de alinhamento operam para assegurar que o acento esteja
posicionado em uma borda específica. No entanto, como existem várias línguas com acento
alternante, cujo ritmo cadencia posições fracas e posições fortes, as restrições de alinhamento
estarão em conflito com restrições rítmicas, estas para garantirem a terceira propriedade do
acento. Antes, porém, de passarmos à esta propriedade, vejamos outras restrições de alinhamento
e sua atuação:

(26) a- ALIGN( PrWord, Left; Foot, Left): A borda esquerda da palavra deve estar alinhada
com a borda esquerda de um pé (McCarthy e Prince; 2004, p. 74)
b- ALIGN( PrWord, R; Foot, Right): A borda direita da palavra deve estar alinhada com
a borda direita de um pé (McCarthy e Prince; 2004, p. 74)

Estas restrições serão sempre violadas quando nenhum pé estiver presente na borda especificada.
Assim, uma escansão como “ca.(mi.sa) viola a restrição (23a), porque o pé não está alinhado à
esquerda, enquanto “(ar.vo).re” viola (23b) pelo fato de o pé não estar alinhado à direita.
(27)
/camisa/ ALIGN-LEFT ALIGN-RIGHT
a- (cami). sa *
b- ca.(mi.sa) *!

Essas restrições funcionam de modo antagônico àquela apresentada em (21c) e sua contraparte,
repetidas abaixo em (25):

(28) a- ALIGNFOOT-RIGHT ou ALLFT-R: Align (Ft, R, PrWd, R): Alinhe a borda direita de
cada pé com a borda direita de alguma palavra prosódica (McCarthy e Prince 1993b).
b- ALIGNFOOT-LEFT ou ALLFT-L: Align (Ft, L, PrWd, L): Alinhe a borda esquerda de
cada pé com a borda esquerda de alguma palavra prosódica (McCarthy e Prince 1993b)

Note-se que as restrições em (30) fazem referência aos pés com relação às bordas da palavra,
enquanto em (32) a exigência é sobre as bordas da palavra com relação aos pés. Para satisfazer
(30) basta que um pé esteja alinhado com a borda designada da palavra, não interessando se há ou
não outros pés. Por outro lado, (32) requer a borda da palavra alinhada com borda de algum pé;
portanto quanto mais pés forem construídos, mais violações ocorrerão. Essas duas restrições, em
confronto com PARSE-σ vão determinar os sistemas com escansão exaustiva das sílabas.

(29) Escansão não exaustiva: ALIGNFT-L»PARSE-σ, ALLFT-R


/borboleta/ ALLFT-Right PARSE-σ ALLFT-LEFT
a- bor.bo (le.ta ) ** **
b- (bor.bo) (le.ta) *!* **
c- (bor.bo) leta *!* **
12

(30) Escansão exaustiva dos pés: ALIGNFT-L»PARSE-σ, ALLFT-R


/borboleta/ PARSE-σ ALLFT-L ALLFT-R
a- bor.bo (le.ta ) ** **
b- (bor.bo) (le.ta) *!* **
c- (bor.bo) leta ** **

A terceira propriedade do acento é a propriedade rítmica, ou seja, as línguas tendem a


alternar sílabas fortes e sílabas fracas em intervalos regulares (Prince 1983). Isso significa que
tanto os grandes intervalos sem proeminência, denominados lapsos, quanto as proeminências
adjacentes, ou choques acentuais, são indesejáveis. A restrição FOOTBIN, apresentada em (19a) é
fundamental para garantir a alternância rítmica, juntamente com PARSE-σ; todavia, para eliminar
lapsos e choques de acento, a teoria conta com as restrições abaixo:

(31) a- *LAPSE: duas sílabas adjacentes não acentuadas são proibidas (Alber, 2002; Kager e
Elenbaas, 2004).

b- *CLASH: sílabas acentuadas adjacentes são proibidas (Kager 1999).

Os tableaux (36, 37 e 39), exemplificam a atuação das restrições acima em favor da


alternância rítmica perfeita.

(32) Alternância rítmica: *LAPSE»ALLFT-L


/σ σ σ σ σ/ *LAPSE ALLFT-LEFT
a- (σ! σ) (σ~ σ) σ *! **
b-  σ (σ! σ) (σ~ σ) * ***
c- (σ! σ) σ (σ~ σ) *! ***

No tableau (39), com os pés troqueus alinhados à esquerda, os candidatos (a) e (c) são eliminados
por terem duas sílabas adjacentes sem acento, violando, assim, a restrição alta *LAPSE.

(33) Alternância rítmica: *CLASH»ALLFT-L


/σ σ σ σ σ/ *CLASH ALLFT-LEFT
a- (σ! σ) (σ~ σ) (σ~) ** ****
b-  (σ!! )(σ~ σ) (σ~ σ) *! * ***

Neste exemplo, também com pés troqueus alinhados à esquerda, o candidato (b) é excluído pela
presença de duas sílabas adjacentes acentuadas. Embora não conste do tableau, a estrutura
métrica dos candidatos deixa clara a interferência da restrição PARSE-σ, exigindo que todas as
sílabas sejam escandidas. Línguas dessa natureza não obedecem a exigência da palavra mínima,
ou seja, que os pés sejam minimamente dotados de duas moras ou de duas sílabas. Em TO, essa
exigência é aferida pela restrição FOOT-BIN (Kager; 1999, p. 161):

Ainda associada à propriedade rítmica do acento, Kager (1999) avalia que muitas línguas
evitam que a sílaba final da palavra seja acentuada, o que a deixará fora da escansão métrica,
13

contrariando Parse-σ. Na Fonologia Métrica, esta tarefa era executada pelo instrumento da
extrametricidade o qual tornava invisível às regras a sílaba final da palavra. A contraparte da
extrametricidade na TO é restrição NONFINALITY, como descrita abaixo:

(34) NONFINALITY: o cabeça prosódica da palavra não cai na sílaba final (Prince e
Smolensky; [1993] 2004, p. 42; Kager, 1999, p. 165)

Outro efeito dessa restrição, e que a associa diretamente à propriedade rítmica do acento, é a
manutenção da alternância binária em línguas com acento antepenúltimo, como o português.
Nesses casos a sílaba final não será escandida, permitindo a formação de um pé dissilábico
portador do acento primário a partir da borda direita da palavra15.
(35)
/ marmore / NONFINALITY PARSE- σ
a- (mar.mo).re *
b- (mar.mo) (re) *!

A quarta propriedade do acento é a sensibilidade ao peso: o acento tende a ser atraído


por sílabas pesadas (vogais longas, ditongos, sílabas com coda). A restrição abaixo é a
responsável direta por garantir esta propriedade:

(36) WSP: sílabas pesadas devem ser proeminentes (Prince e Smolensky 1993)

A obediência irrestrita à esta restrição poderá desafiar a restrição *CLASH, que opera
contra choques de acento, como ilustrado no tableau abaixo, em que H significa sílaba pesada:

(37) Sensibilidade ao peso: WSP»*CLASH


/HH/ WSP *CLASH
a- (H́ )(H̀ ) *
b-  (H́ H) *!

As restrições apontadas em cada uma das propriedades acima são apenas exemplos de
como a TO lida com cada situação. Seria ilícito afirmar, portanto, que somente o conflito entre
tais restrições bastaria para se alcançar o resultado desejado com relação ao acento das línguas.
Por isso, outras restrições entram em jogo a fim de que não somente essas propriedades, mas
também cada particularidade concernente ao acento seja explicada.
Apesar de as restrições apresentadas acima, especialmente as que compõem o AG, serem
eficientes na descrição dos sistemas de acento de ritmo alternante, seja binário, seja ternário, a
simetria das restrições provoca como conseqüência indesejada a super-geração de sistemas de
acento. Logo, além de produzir os padrões de acento existentes, padrões não atestados também
emergem (Hyde, 2001; Alber 2002).

(38) Sistemas de acento produzidos pelo Alinhamento Generalizado


a1) Warao: troqueus alinhados à direita a2) Araucaniano: iambos alinhados à esquerda

15
Ver Hyde (2001, 2002) para um implementação de NONFINALITY a todos os níveis prosódicos e Magalhães (2004)
para uma proposta alternativa de exclusão dessa restrição a partir da construção de pés trissilábicos.
14

x x x x x x
(σ σ)(σ σ)(σ σ) (σ σ)(σ σ)(σ σ)

x x x x x x
σ(σ σ)(σ σ)(σ σ) (σ σ)(σ σ)(σ σ) σ

b1) Pintupi: troqueus alinhados à esquerda b2) Não atestado: iambos alinhados à direita
x x x x x x
(σ σ)(σ σ)(σ σ) (σ σ)(σ σ)(σ σ)

x x x x x x
(σ σ)(σ σ)(σ σ)σ σ(σ σ)(σ σ)(σ σ)

Os exemplos em (a1) ilustram padrão de acento trocaico com alternância mínima, caso de
obediência à grade perfeita (Prince, 1983), cuja imagem espelho (sistema iâmbico também com
alternação mínima) é comprovado pelo Araucaniano (a2). Isso é corretamente captado pelo AG.
No entanto, os exemplos em (b) demonstram que o sistema trocaico com lapso final – duas
sílabas seguidas sem acento – não possui atestada a sua contraparte iâmbica. A TO não consegue
evitar que este padrão venha à tona. Os tableaux a seguir (46 a 49) ilustram esses fatos:

(39) Sistema trocaico alinhado à direita (Warao): yiwáranàe ‘terminou’


/yiwaranae/ FTBIN PARSE-σ ALLFT-R
x x * **
a-  yi(wa.ra) (na.e)
x x x *! ** ****
b- (yi)(wa.ra) (na.e))

(40) Sistema iâmbico alinhado à esquerda (Araucaniano): elúaènew ‘ele me dará’


/eluanew/ FTBIN PARSE-σ ALLFT-L
x x * **
a-  (e.lu) (a.e) new
x x x *! ** ****
b- (e.lu) (a.e) (new)

(41) Sistema trocaico alinhado à esquerda (Pintupi): puliNkalatju ‘sentamos sobre a montanha’
/ puliNkalatju / FTBIN PARSE-σ ALLFT-L
x x * **
a-  (pu.liN) (ka.la) tju
x x x *! ** ****
b- (pu.liN) (ka.la) (tju)

(42) Sistema iâmbico alinhado à direita (não atestado):


/σ σ σ σ σ σ σ/ FTBIN PARSE-σ ALLFT-R
 x x * **
15

a-  σ(σ σ) (σ σ)
x x x *! ** ****
b- (σ) (σ σ)(σ σ)

Como os tableaux acima revelam, o AG faz emergir tanto padrões de acento existentes quanto
não existentes. A este respeito, o verdadeiro problema da análise pela Teoria da Otimidade está
evidenciado no tableau (46) onde a contraparte iâmbica do Pintupi emerge, mas não existe
realmente. Contra esse tipo de situação, várias outras propostas surgiram, entre elas a de Hyde
(2001) que desmembra as restrições em múltiplas outras a fim de que se tenha maior controle
sobre as marcas e as projeções na grade; a proposta de Alber (2002) dispensa restrições
demandando todos os pés à direita (ALLFT-RIGHT) em prol das restrições rítmicas *LAPSE e
*CLASH somadas a ALLFT-LEFT, entre muitos outros16.

EXPLICAR MELHOR ISSO

3- O acento dos nomes no Português Brasileiro: análise via restrições


O sistema de acento dos nomes no Português Brasileiro (PB) divide-se dois subsistemas:
um regular e outro irregular. No padrão regular estão incorporadas as palavras com acento
penúltimo terminadas em vogal (maioria absoluta na língua) e as palavras com acento final
terminadas e sílabas pesadas, incluindo aquelas com consoante abstrata (Bisol, 1994)17.

3.1- Padrão regular

(43) (x .) (x .) (x .)
a) por.ta pa.re.de bor.bo.le.ta

(x) (x) (x)


b) mar tro.feu co.ro.nel

(x) (x) (x)


c) cha© ca.fe© pi.co.le©

Para explicar o padrão de acento do PB, contamos com os princípios da TO, incorporando
elementos da fonologia prosódica em que sílabas projetam moras e moras projetam posições na
grade métrica. Essas posições podem ser preenchidas (representadas por x) ou podem permanecer
vazias (representadas por □). Para melhor compreensão dessas representações, vejamos a
ilustração a seguir:

16
É vasta a literatura em Teoria da Otimidade que vem estudando os sistemas de acento das línguas. Não está nos
propósitos deste texto elencar todos os trabalhos. Uma breve consulta ao aquivo online http://roa.rutgers.edu é
suficiente para descobrir a riqueza das pesquisas nesta área.
17
A descrição do acento do Português Brasileiro apresentada aqui segue de perto a proposta de Bisol (1992, 1994),
desenvolvida por Magalhães (2004, 2008). Importante também verificar Massini-Cagliri (2000) e Lee (1994, 2008),
entre outros.
16

(44) (x □)
µ µ
| |
ca. sa

Neste exemplo, cada sílaba projeta uma mora no plano métrico e cada mora projeta sua posição.
No entanto, enquanto a posição da primeira mora é preenchida, a posição da segunda permanece
vazia, o que demonstra com clareza que a sílaba inicial carrega a proeminência dessa palavra.
Cumpre salientar, que, qualquer que seja a composição do plano métrico, a hierarquia
prosódica deve ser sempre respeitada. Assim: a sílaba tem como cabeça uma mora; o pé tem
como cabeça uma sílaba, a palavra prosódica tem como cabeça um pé, etc, com ilustrado abaixo:

(45) x prominência cabeça (pé/palavra)


x x prominência cabeça (mora/sílaba)
(x x) (x x x) prominência no nível da mora
µµ µµ µ mora (a 3ª mora é o cabeça da 3ª sílaba)

σσ σ σ sílaba (a 3a sílaba é o cabeça do 2o pé)

ft ft pé (o 2o pé é o cabeça da palavra)

PrWd palavra prosódica

Passemos, então, à representação do aceno regular dos nomes no PB. Por questão de
espaço, não discutiremos neste texto os argumentos para o ranqueamento das restrições
envolvidas, nem a motivação independente de cada uma18. Listemos, pois, as restrições
envolvidas na análise:

(46) a- PRWD-RIGHT: a borda direita de cada palavra prosódica é alinhada com a borda direita
do cabeça de algum pé.
b- GRIDµ-HEAD: uma marca de grade (x) deve ocupar a mora cabeça de algum pé.
c- PROJ-SON: toda soante pertencente a algum pé deve projetar uma posição na grade
(por extensão uma mora).
d- PARSE-σ: toda sílaba deve ser escandida em algum pé.
d- *SHARED-µ: cada segmento na rima deve projetar sua própria mora (proibido mora
compartilhada em qualquer sílaba).

Em palavras terminadas com sílaba pesada, o conflito fundamental ocorre entre PRWD-
RIGHT e PARSE-σ:

18
Para discussão completa sobre a motivação independente envolvendo cada uma dessas restrições, bem como sobre
o argumento de ranqueamento entre elas, consultar Magalhães (2004, 2008).
17

(47) /kalox/ > [ka.lox] ‘calor’


/kalox/ PRWD-RIGHT PARSE-σ
□ (x □)
µ µµ
*
a-ka. lox
|
(x □ )
µ µµ
| || *!
b- ka . lox

PRWD-RIGHT exige que a silaba cabeça do pé esteja alinhada com a borda direita da
palavra. Por isso, embora viole PARSE- σ, a melhor configuração é aquela que metrifica apenas a
sílaba final, o que faz o candidato (a) vitorioso19.
Da relação entre essas as restrições GRID-µHEAD e PW-RIGHT emerge o output ótimo em
palavras terminadas em duas sílabas CV, como mostra o tableau a seguir.

(48) /casaco/ ‘casaco’


/ca.sa.co/ GRID-µHEAD PRWD-RIGHT
□ (x □)
µ µ µ
| | | *
a- ca. sa. co

x (x □)
µ µ µ
| | | *! *
b- ca. sa. co

Esse tipo de relação em que não há um conflito evidente entre as restrições é denominado
Limitação Harmônica (McCarthy e Prince 1993, McCarthy 2002). Nesse caso, as violações
provocadas por um candidato (a) são um subconjunto das violações causadas por outro candidato
(b), ou seja, o primeiro limita harmonicamente o segundo20.
Muitas vezes, para a satisfação de restrições ranqueadas alto, surgem no plano métrico
configurações consideradas mais marcadas do ponto de vista fonológico. Nesses casos, as
conseqüências sempre se abaterão sobre as restrições mais baixas no ranking. Um caso
representativo desse fenômeno ocorre quando, para satisfazer GRID-µHEAD e PARSE-σ, dois

19
Não apresentaremos nenhuma possibilidade de pés com cabeça à direita (estrutura iâmbica). Para argumentos
contra essa configuração, ver Bisol (1992, 1994), Massini-Cagliari (1995) e Magalhães (2004, 2008). Para
argumentos a favor, ver Lee (1994, 1995).
20
McCarthy (2002) avalia que a limitação harmônica (harmonic bounding) deve sempre ser preterida em favor do
argumento para o ranqueamento.
18

segmentos na rima passem a compartilhar a mesma mora, violando a restrição *SHARED-µ


ranqueda baixo. Isso é o que ocorre em palavras paroxítonas, com a penúltima sílaba pesada:

(49) /fɛsta/ > [fɛ́s.ta] ‘festa’


/fɛsta / GRID-µHEAD PARSE-σ *SHARED-µ
(x □)
µ µ
/\ | *
a- fɛ́s. ta

(x□) □
µµ µ
|| | *!
b- fɛ́s.ta
|
x
(xx □)
µµ µ *!
|| |
c- fɛ́s. ta

Todos os candidatos acima cometem uma violação a PRWD-RIGHT, por isso esta restrição não
aparece no tableau. O candidato (c) possui uma estrutura em que todos os segmentos projetam
suas próprias moras; em virtude disso, GRID-µHEAD, ranqueada alto, é violada, justificando a
exclusão deste candidato. O candidato (b) não só satisfaz GRID-µHEAD como também apresenta
cada segmento com sua devida mora em atenção a *SHARED-µ; mas, como o pé foi constituído
sem a inclusão da sílaba final, a violação a PARSE-σ o elimina. Finalmente, o candidato (a), para
satisfazer as duas restrições ranqueadas mais alto, é forçado a que os dois segmentos da rima na
sílaba acentuada compartilhem a mesma mora, violando *SHARED-µ; porém, como esta restrição
é dominada na hierarquia, este candidato surge como vencedor. Logo o argumento para o
ranqueamento entre essas restrições se justifica pelo fato de que se *SHARED-µ fosse ranqueada
acima de PARSE-µ, o candidato (b) venceria ou, se fosse ranqueada acima de GRID-µHEAD, seria
output ótimo o candidato (c).

(50) Ranqueamento parcial, acento regular: PRWD-RIGHT, GRIDµ-HEAD » PARSE-σ, PROJ-


OBSTR » *SHARED-µ

3.2- Padrão Irregular

Bisol (1992, 1994) diferencia o padrão regular do irregular assumindo que, neste último,
alguns elementos são lexicalmente extramétricos. No entanto, não contaremos com esse
instrumento da fonologia serial nem com a restrição NONFINALITY da Teoria da Otimidade para
lidar com acento irregular, ou subjacente.
19

(51) (x .) (x .) (x .)
d) pi.re<s> ni.ve <l> re.vol.ve <r>

(x .) (x .) (x .)
e) fos.fo.<ro> ar.vo.<re> nu.me.<ro>

Apesar de, nos casos irregulares, o acento ser lexicalmente atribuído, a TO não admite
nenhum comando sobre as formas subjacentes – Riqueza da Base – o que impede que acento
tenha uma posição fixa no léxico. Assim, todos os fatos devem ser explicado por meio da
hierarquia de restrições.
Listemos, pois, a restrições que estão envolvidas na definição do padrão irregular do PB,
além das que já foram mencionas na subseção anterior:

(52) a- STRESSFAITHFULLNESS: acento no input deve se conservar na mesma posição no


output.
b- µ-PROJECTION: toda mora deve projetar uma posição na grade.
c- PROJECT-OBSTRUENT: toda obstruinte pertencente a algum pé deve projetar uma
marca de grade.
d- *SHARED-µWEAK: cada segmento na rima deve projetar sua própria mora em sílaba
não acentuada (Proibido mora compartilhada em sílaba não acentuada).
e- DEP-µ: proibido inserir mora.

Comecemos com as palavras paroxítonas terminadas em consoante, cuja atenção deve ser
voltada para a sílaba final, conforme ela termine em consoante obstruinte (pires, lápis);ou em
consoante soante21 (líder, jovem).

1º caso: paroxítonas com sílaba final terminada em consoante obstruinte: pires, lápis,
ônus.

(53) /píres/ > [pí.ris] ‘pires’


x GRIDµ-HEAD PROJ-OBS µ-PROJ
/píres/
(x □ )
µ µ
| | *
a- pi res

(x □ )
µ µµ
| || * *!
b- pi res

21
Há ainda casos de paroxítonas com as duas sílabas finais terminadas em consoante, como em “revólver, que não
serão discutidos aqui.
20

x
(x x □)
µ µµ *!
| ||
c- pi res

Os candidatos acima satisfazem as restrições mais altas STRESSFAITH e PARSE-σ e violam uma
vez cada um a restrição PRWD-RIGHT, razão pela qual essas três restrições não figuram no
tableau. A decisão sobre qual será o vencedor ficará, pois, a cargo de restrições mais baixas.
Independentemente de qual seja a configuração métrica do output, STRESSFAITH garante que o
cabeça, ou seja, a coluna mais alta esteja sobre a penúltima sílaba. Dessa forma o candidato (c),
com todas as projeções garantidas, é eliminado por violar GRID-µHEAD que não aceita uma marca
de grade posicionada sobre uma mora não cabeça do pé. O candidato (b), com a mora final
projetada, mas sem nenhuma posição na grade, satisfaz GRIDµ-HEAD, embora viole as duas
restrições ranqueadas mais baixo, já que a mora sem posição no plano métrico viola µ-
PROJECTION. Com isso, a consoante obstruinte fica sem posição na grade e viola PROJECT-
OBSTRUENT. Portanto, GRIDµ-HEAD domina as duas restrições mais baixas, mas entre µ-
PROJECTION e PROJ-OBST não há ranqueamento necessário, haja vista que neste ponto o candidato
(a) limita harmonicamente o candidato (b), emergindo assim como vencedor.

2o caso: palavras paroxítonas coma sílaba final terminada em soante


Nesta situação, é crucial o ranqueamento de STRESSFAITH e *SHARED-µWEAK sobre
GRID-µHEAD. De um lado, a importância do ranqueamento STRESSFAITH»GRID-µHEAD se deve
ao fato de que em palavras com acento lexical, cuja silaba final termina em coda soante, o acento
não vá parar na posição default do acento regular (penúltima sílaba) para evitar que uma mora
não-cabeça de pé projete um marca de grade; de outro lado, *SHARED-µWEAK»GRID-µHEAD vai
impedir que a estrutura trocaica se configure às custas do compartilhamento da mesma mora por
dois segmentos em sílaba acentuada. A palavra /líder/ ilustra, no tableau abaixo, esses fatos:
(54) /líder/ > [lí.der] “líder”
/lí der/ STRESSFAITH *SHARED-µWEAK GRID-µHEAD
x
(x x□)
µ µµ *!
| ||
a- li der

□ (x□)
µ µµ
| || *!
b- li der
|
(x □ )
µ µ
| /\ *!
c- li der
21

O candidato (c), ao evitar que cada um dos segmentos na rima final projete sua própria mora,
detém uma estrutura em que há o compartilhamento de mora por dois segmentos na rima de
sílaba não acentuada, sendo então eliminado por violar *SHARED-µWEAK. O candidato (b), com
representação igual à de acento regular (calor), é excluído por violar STRESSFAITH, que exige o
acento lexical posicionado na mesma sílaba do input, mesmo esta sendo leve e a sílaba final
sendo pesada. O candidato (a), apesar de apresentar uma marca de grade sobre uma mora não
cabeça de pé, violando GRID-µHEAD, emerge como vencedor, pois atende às duas restrições mais
altas.
Resta ainda a descrição das palavras proparoxítonas, as quais na fonologia métrica são
explicadas por meio da extrametricidade para excluir sílaba final, tarefa executada na TO pela
restrição NONFINALITY. Esta análise, entretanto, dispensa esses recursos. Vejamos, pois, como
com tratar desses casos, começando com a palavra ‘fôlego’.

(55) /fólego/ > [fó.le.go] ‘fôlego’


x STRFAITH RIGHTMOST GRID-µHEAD
/fo.le.go/
x
(x x □)
µ µ µ
| | |
a- fo le go *
|
Ft
|
PwD
x
(x □) □
µ µ µ
| | |
b- fo le go *!
|
Ft
|
PwD
x
□ (x □)
µ µ µ
| | |
c- fo. le .go *!

Ft
|
PwD
22

O candidato (c), com acento na penúltima sílaba é imediatamente excluído pela restrição
STRESSFAITH, devido ao deslocamento do acento. O candidato (b), com o pé cabeça da palavra
alinhado à esquerda, viola a restrição ranqueada alto RIGHTMOST e, por isso, é também
eliminado, apesar de satisfazer GRID-µHEAD. O candidato (a) viola GRID-µHEAD por apresentar
uma marca de grade fora do domínio da mora cabeça do pé, mas obedece às restrições mais altas,
mantendo o único pé construído alinhado à direita da palavra Prosódica e o acento lexical
fielmente posicionado; logo, tal candidato emerge como output ótimo.
Conforme já referido, o princípio da Riqueza da Base impede qualquer imposição sobre o
input. Logo, postular um acento lexical além da terceira sílaba a contar da direita é perfeitamente
lícito neste modelo. Por outro lado, como a língua não permite acento que infrinja a janela de três
sílabas, cumpre à hierarquia de restrições executar a função de impedir, no output, o acento
principal além da terceira sílaba a contar da direita. Essa tarefa, no Português Brasileiro, é
desempenhada por RIGHTMOST, STRESSFAITH e PARSE-σ. Como mostra o tableau abaixo, o
padrão regular de acento emergirá, caso o acento lexical ultrapasse a janela trissilábica do acento:

(56) /mólekula/ > [mo.le.kú.la] ‘molécula’


x STRESSFAITH RIGHTMOST PARSE-σ
/molekula/
x
(x □) (x □)
µ µ µ µ
| | | |
a-mo.le.ku.la

ft ft

x
(x □) (x □)
µµ µ µ
| | | |
b- mo.le.ku.la *!

ft ft

x
(x x □)
µ µ µ µ
| | | | *! *
c- mo.le.ku.la

ft

O candidato (a), vencedor, limita harmonicamente os demais. O acento lexical ocorre no output
como acento secundário; portanto, não viola STRESSFAITH, que não faz qualquer referência à
qualidade do acento. O candidato (b) apresenta o acento lexical como acento primário, mas viola
23

RIGHTMOST. O candidato (c) viola não somente STRESSFAITH mas também PARSE-σ, já que a
primeira sílaba não fora escandida22.
Outra possibilidade de acento lexical seria a posição final, com sílaba leve. Lembremos
que, no Português Brasileiro, o acento final ocorre apenas em palavras terminadas em sílabas
finais pesadas (Bisol, 1992, 1994). Caso o contexto não seja este, o acento da palavra será
penúltimo. Vejamos, pois, no tableau abaixo o comportamento da hierarquia de restrições para
acento final no input, caso em que o conflito crucial ocorrerá entre DEP(µ) and STRESSFAITH:

(57) /folegó/ > [fo.lé.gu] ‘fôlego’


x DEPµ STRESSFAITH
/fo.le.go/
□ (x □)
µ µ µ
| | |
a-fo le go *

ft

PwD
□ □ (x□)
µ µ µµ
| | ||
b- fo.le.go• *!
|
ft
|
PwD

Neste caso, há duas alternativas: a) adicionar uma mora, ou b) retrair o acento para a esquerda. O
candidato (b) assume a segunda opção, violando DEP(µ). Esta restrição é ranqueada alto no
Português Brasileiro, uma vez que não existe nenhum alongamento fonológico na língua.
Portanto, DEP(µ) domina STRESSFAITH e o candidato (b) é excluído. O candidato (a) escolhe a
primeira opção. Para satisfazer DEP(µ), o acento é retraído à esquerda, violando a restrição
ranqueada baixo STRESSFAITH e, mesmo assim, emergindo como vencedor23.
Caso o acento lexical ocorresse sobre a terceira sílaba a partir da direita, ele permaneceria
nesta posição. Isso aconteceria em atenção a STRESSFAITH, embora violasse PARSE-σ, como
demonstrado em tableaux anteriores.

Em síntese, com base nos fatos do PB aqui apresentados, a gramática de restrições da


língua assim se configura:

22
A primeira sílaba, se escandida dentro o único pé presente, ultrapassaria o tamanho permitido a este constituinte
(Ver Magalhães (2004, 2008) para detalhes acerca do conjunto de princípios da teoria fonológica que regem a
proposta aqui apresentada).
23
O acento final em palavras terminadas em vogal só acontece caso a palavra tenha uma consoante abstrata
subjacente (Bisol 1992, 1994). Ver Magalhães (2004, 2008) para os princípios que regem esta proposta.
24

(58) DEP » STRESSFAITH, RIGHTMOST, *SHAREDµ-WEAK » PRWDRIGHT, GRID-µHEAD » PARSE-


σ, PROJOBST, µ-PROJ » *SHARED- µ

4- Considerações Finais

Este capítulo percorreu os caminhos dos principais modelos fonológicos voltados para a
descrição dos sistemas de acento das línguas, culminando com a apresentação da Teoria da
Otimidade. Preocupamo-nos em trazer à tona as idéias centrais de cada modelo. Destacamos que
a Teoria da Otimidade, ao dispensar o uso de regras ou parâmetros para análise de ritmos
alternantes, ou não-alternantes, vale-se de um conjunto de restrições denominado Alinhamento
Generalizado que associa borda e constituintes prosódicos. As propriedades do acento
(demarcativa, culminativa, rítmica e sensibilidade ao peso) são captadas de maneira relativamente
simples por meio do conflito entre as restrições de alinhamento e entre restrições que exigem o
acento em sílabas pesadas, proíbem o choque, excluem seqüência de sílabas sem proeminência,
requerem a escansão silábica, entre outras. Por fim, foi apresentada de forma sucinta uma
proposta para lidar com o acento do Português Brasileiro. Dessa proposta, entre outros fatos,
mostrou-se que palavras paroxítonas terminadas em consoante soante têm representação métrica
diferente das paroxítonas terminadas em obstruinte, e que não há necessidade de chamar pela
extrametricidade, em sua contraparte sob o enfoque com restrições – NonFinality – para
descrever o acento irregular. Apenas o conflito de restrições da língua executa todas essas tarefas.

PÉSSIMO, SERÁ REFEITO

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