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Introdução

Por cultura podemos entender um conjunto de práticas e hábitos cultivados e


transmitidos por grupos humanos, expondo um processo de adaptação e
entendimento dos homens, ao universo que os rodeiam. Esta interpretação é
contribuição da Filosofia, Literatura e Antropologia do século XIX e influenciou em
demasia as posturas e perspectivas metodológicas de outros campos das áreas das
ciências da humanidade, resultando, por exemplo, em uma antropologia histórica e,
na história cultural.
Podemos afirmar em uma visão acadêmica que sociólogos, historiadores,
filósofos, antropólogos, economistas, etc., tornaram-se sujeitos e objetos no século
XX, pois olharam para si e condicionaram suas metodologias como encruzilhadas,
mais que como destinos. Havia uma consciência acadêmica disto. Havia uma gama
de novos profetas. Profecias não somente daquilo que virá, mas do que nos enseja.
Uma profecia sobre o passado.
Por esta definição temos o passado, presente e futuro irmanados nas ações,
ideias e símbolos das sociedades estudadas e classificadas como primitivas ou não.
As dimensões temporais deixaram de ser conceitos, passando a ser cotidiano com
suas nuances assimiladas por termos mais abrangentes, como eternidade, pois não
há como não ver o passado no futuro e, estes, como sensações e práticas de nosso
presente. Quem diz o que éramos, somos e seremos é a biologia, química, física,
ciência política, economia, história, geografia, literatura, arte, música, cinema... um
caleidoscópio, as vezes com um tom somente.
Tais apresentações são, na primeira parte deste ensaio, a direção que esta
abordagem terá ao apreciar e apresentar as transformações nas quais estamos
inseridos envolvendo indivíduo, grupos de indivíduos, sociedades humanas, suas
relações internas e externas e as representações acadêmicas e populares que
destas podemos extrair. Estas referem-se ao impacto que as tecnologias da
informação e comunicação provocam no cotidiano das sociedades, evidenciados por
sistemas globais interligados e interdependentes. Da seguinte forma, esta
perspectiva se manifestará como ensaio e beberá na fonte da filosofia, história,
sociologia e literatura.
Na segunda parte haverá uma apreciação a partir da inserção das
Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) no ambiente escolar. Tais
considerações irão contemplar algumas premissas que socialmente constituem-se
como diretrizes públicas educacionais e como estas podem ser potencializadas.
Visto que em qualquer inserção tecnológica há um caminho necessário a ser
seguido, a forma como este deve ser e como poderá ser aproveitado ainda são
incógnitas, visto a própria negligência e fragmentação que os projetos políticos
pedagógicos sofrem, consequência direta de partidarismos, ideologias e sectarismos
que compõem nossa vida política e ajudam a definir nossa consciência pública.

Capítulo 1

O novo homem na Rua

Há uma liberalização significativa da cultura. Esta é particular, considerando


este termo como o resultado de uma transformação dinâmica, orgânica e coletiva.
Ampliada a cultura a outros que não bebiam nas mesmas fronteiras – que é
permissão (o que podemos fazer) e restrição (o que não podemos fazer), virtudes e
tabus, genealogias do corpo e da mente, que geram instituições e que são geradas
por elas -, a cultura digere os homens pelos fazeres e diz a outros que sua fome
está chegando. Fronteiras estas que avançam e recuam; isto é próprio a todas as
sociedades. O que as unifica é o ritmo desigual com que estas se transformam e se
influenciam.
O universo das experiências é material e imaterial, simbólico e concreto; são
coisas úteis e inúteis, desconhecidas e nomeadas. No decorrer da vida, diga-se, das
relações antes expostas, estas dinâmicas tornam-se índice das identidades
individuais e coletivas, porém, estas são voláteis. O outro no qual nos tornamos
nunca será idêntico a nada que ele é, pois, aquilo que nos empresta também é
aquilo que o muda. Este é o século XXI. Intenso, liberalizante e uniforme.
Abracemos a cidade como metáfora. Novas avenidas definem os traçados
urbanos. Suas linhas dizem como e o que vão por elas. Veículos públicos e
particulares sugerem aos indivíduos para onde devem ir pois é expansão de sonhos,
projetos e interesses. Atropela como progresso e nisso, sua máscara cai, pois,
mostra uma faceta que não gostaríamos de nos aperceber. Aquela que diz o que de
fato querem de nós. O idílico futurista deixa de ser manifesto.
Este processo é o primado da razão – os ladrilhadores -, sobre corpo e alma
das nossas condições públicas e urbanas, mas, também é orgânica – semeadores -,
pois sua assimilação por cada qual que transita revela o espectro de um
envolvimento que é e não é linear, pois ao racionalizar o espaço não uniformizamos
a todos. Ser orgânico não diz que existem seres únicos sem qualquer referência e
comparação com o que estamos acostumados e sim, que há singularidades e
idiossincrasias marcadas nos corpos e almas dos sujeitos.
As luzes contrastam com os guetos. As vielas ofendem, e nisto o projeto da
modernidade diz que deixarão de existir para em seus lugares habitarem os
bulevares. Aristocratas, burgueses e operários, pobres e ricos, acadêmicos e
iletrados, miseráveis ateus e prósperos puritanos. Todos, em uma mesma cidade.
A cidade da modernidade desnudou-se com luzes, neons, cafés, “belle
époques” e seus “refinados” transeuntes. Junto estava a tifo, peste bubônica, febre
amarela, guetos, esgotos e prostitutas. Internaliza e externaliza estes contrastes.
Mostra-nos que o asfalto cobre a lama, mas não a faz desaparecer por completo.
Não raro o contrário se faz mais verdadeiro.
Pelas palavras de Charles Baudelaire poderíamos ir a um século e meio para
o passado:

De noite, um pouco cansada, você quis se sentar num café novo na


esquina de um bulevar novo, todo sujo ainda de entulho e já mostrando
gloriosamente seus esplendores inacabados. O café resplandecia. [...]
Plantado diante de nós, na calçada, um bravo homem dos seus
quarenta anos, de rosto cansado, barba grisalha, trazia pela mão um
menino e no outro braço um pequeno ser ainda muito frágil para andar. Ele
desempenhava o ofício de empregada e levava as crianças para tomarem o
ar da tarde. Todos em farrapos. Estes três rostos eram extraordinariamente
sérios e os seis olhos contemplavam fixamente o novo café com idêntica
admiração, mas diversamente nuançada pela idade.
Os olhos do pai diziam: "Como é bonito! Como é bonito! Parece que
todo o ouro do pobre mundo veio parar nessas paredes." Os olhos do
menino: "Como é bonito, como é bonito, mas é uma casa onde só entra
gente que não é como nós." Quanto aos olhos do menor, estavam
fascinados demais para exprimir outra coisa que não uma alegria estúpida e

profunda. (Baudelaire, Os olhos dos pobres -


http://www.vermelho.org.br/noticia/142410-1 -acessado em
20/05/2017)

Com Baudelaire notamos não termos saído tanto de nosso presente. Não há
tempo sem particularidades, sendo estas, pessoais. É o que o define de forma
concreta, definitiva e efêmera. Um retrato de Paris, São Petersburgo, Rio de Janeiro
e o contato com os projetos que as modelavam como barro fresco, são mais que
imagens e teorias, pois vão para além do tempo cronológico. Há, neste exemplo, o
olhar dos pobres que nos chega por Baudelaire. Transeuntes de toda ordem e gosto,
e tudo mais que já foi dito e visto antes. Não se perderam ou deixaram de transitar.
Estão todos ali: as cidades são contemporâneas quando são nossas.
Com o século XXI, estas e novas avenidas, bulevares e guetos continuam a
esparramar-se, porém, temos dificuldade nova em mensurá-las. Aos olhos de uma
pretensa lógica acadêmica somam-se concreto, placas indicativas e sugestivas,
fibras óticas e frequências variadas. A cidade explode como cultura e os olhos de
uma época.
Culmina na máxima proferida por Sartre de que “o inferno são os outros”. As
vias de acesso são vias de contrastes e não possuem uma direção única. Vias de
mão dupla. Há mais intensidade e diversidade naquilo que se vê; e o que se vê,
fisicamente pode não estar ali, pois é também, subjetivo e virtual. Da intensidade e
identidade pelo que se é, as experiências são palpáveis através de outros meios e
sentidos somados àqueles legados pelo XIX.
Porém, existe um lançar-se em direção a vida, diferente daquilo que Martin
Heidegger e seu conceito dasein (Ser-aí), concluiu. A condição de “estar” e “ir” se faz
por clicks e toques em aparatos tecnológicos. Esta é a portabilidade que nos foi
legada por Steve Jobs. Heidegger encarava a nossa condição finita, que, bem ou
mal, sua cidade lhe permitia. A tecnologia expandiu, e o finito consegue ser infinito,
devido a amplitude constantemente atualizada pela vida e ação humana. Assim, as
diferenças que agora são livros abertos e atualizados instantaneamente produzem
um caleidoscópio existencial que define conhecimento, verdades e ações.
Como dinâmica produtiva capitalista e liberal nada mais natural. Esta inova e
destrói, cumpre sua égide expressa pela frase de Karl Marx, presente na obra
“Manifesto do Partido Comunista”, que “tudo que é sólido, desmancha no ar”.
Interligaram-se produção e consumo em tal escala, que é difícil não participar disto
nas atividades mais corriqueiras do dia a dia. Esta via estava nas letras escritas de
Adorno e Horkheimer. Produção e consumo para os frankfurtianos é o elo da cultura
como índice de controle e padronização.
Propagandas bem elaboradas ou modismos de diversos gostos, orientados
aos consumos dos mais variados produtos, podem definir ciclos produtivos afetando
regiões pela busca de matérias-primas específicas. Afetam-se modos de vidas
arraigados. Mudam-se pessoas e comunidades. Isto não é novidade, mas a
dinâmica e o ritmo são vertiginosos.
A cidade expressa uma mistura musicalmente semelhante ao jazz. É
democrática, popular e erudita, inovadora, única, mas como “gravação”, que pode
ser ouvida e assistida para além do evento; seu ritmo é sincopado e de notas
quebradas. Possui fãs de diversas classes, idades, origens étnicas e gêneros.
Nossas identidades estão neste ritmo. O jazz é diverso pelas influências. É ritmo
identitário.
Este processo produz o sujeito pós-moderno, conceptualizado como
não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade
torna-se uma “celebração móvel”: formada e transformada continuamente
em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos
sistemas culturais que nos rodeiam. É definida historicamente, e não
biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes
momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um “eu”
coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em
diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo

continuamente deslocadas”. (HALL, Stuart, 2006, p-12)

Buscar uma afinidade entre o ideal cultural do autodesenvolvimento e o


efetivo movimento social na direção do desenvolvimento e progresso econômico não
é um índice contemporâneo. É moderno. Pertence ao advento do capitalismo
primitivo emoldurado pelo Renascimento quinhentista, porém, algumas certezas são
vistas desde fins do século XIX com um viés de dúvidas.
Dos autores que começaram a lançar dúvidas sobre a razão como condutora
do progresso, três se destacaram. Karl Marx ao desenvolver o conceito de ideologia,
Friedrich Nietzsche com a genealogia da moral e Sigmund Freud ao dividir o
indivíduo em três categorias que equilibram e desequilibram-se conforme os sujeitos
avaliados – definidos conceitualmente como Ego, Superego e Id, lutam frente a si e
ao mundo que os cercam. Lançaram-se luzes e sombras sobre o que somos, nossas
motivações e objetivos e o resultado prático destas ações.
Estes ideais de autodesenvolvimento e a ação para tal consecução não se
perdem. Podem, na pior das hipóteses, sofrer de um desequilíbrio estrutural o que
nos soa comum, visto habitarmos uma sociedade de classes, contudo, é neste que a
desesperança pode surgir, rivalizar e negar as condições de melhora. Estes
elementos representam-se através de choques e fugas que, em um ambiente
urbano forjam seus contrastes e lutas. Isto é a nossa civilização.
O choque pode ser exemplificado pela dimensão política. Evidenciar a
corrupção é falar sobre várias abordagens possíveis que a motivam: um
individualismo hedonista que é marca das sociedades ocidentais contemporâneas;
uma relação de proximidade entre interesses privados e públicos que questiona a
égide da livre-concorrência entre os pares que defendem a livre-concorrência ou a
gerência estatal.
Estes exemplos não se excluem, pelo contrário, completam-se tais
abordagens evidenciando a gama de interpretações críticas que tornaram armas dos
sujeitos contemporâneos. Na obra Fausto de Goethe, diz Mefisto: “Eu sou o espírito
que tudo nega! / E assim é, pois tudo que existe / merece perecer miseravelmente”.
(BERMAN, Marshall, 2010, p.62). Tudo negar é avaliar (e não é uma condição
exclusiva da academia; é primeiramente, popular). Crítica como constância
irredutível e inalienável. Com a ampliação das percepções provocadas pelas novas
tecnologias estes elementos são pólvora acesa, em constante combustão.
As fugas e outras resistências carregam um elemento psíquico e social
expresso pela negação e busca de novos elementos entendendo-os como núcleos e
grupos de pessoas e ideias-doutrinas de pertencimento. Com estes estamos no
definindo em instantes. As palavras por nós usadas determinam o que somos e
principalmente o que não somos. A perspectiva está expressa no significante e no
significado, mas, não nos reduzimos puramente a elas pois, a natureza cobra sua
parcela do que somos. Como manifestação temos a felicidade e a depressão, o
instinto de vida e morte. Homens entrópicos e solidários. Somos o lobo do homem
em visão mais realista (talvez “pessimista”) hobbesiana.
Assim se faz uma via contemporânea dos nossos tempos. Somos
interligados não mais somente por regionalismos e nacionalismos. Somos o time do
coração, santos de devoções, ideologias político-partidárias, classes e cristãos.
Homens e mulheres. Negros e brancos. Hétero e homoafetivos. Somos a ironia dos
meios de comunicação em massa. Estamos no século XXI e as cidades estão cada
vez mais invisíveis. Desnudas e cansadas por serem cidades.
Um véu nos aquece frente a um vasto mundo. Assistimos e somos assistidos
por uma grande história que agora também está na palma de nossas mãos. Este
véu dissimula o antigo com o novo, mesclando e tornando-os um só.
O mundo nada mais é do que a ideia que fazemos deste. E nós somos parte
deste mundo. Cabem sempre novas respostas as mesmas perguntas. E estas são
cada vez mais plurais. Há o medo de desintegrarmos a realidade só que é pelo
esfacelamento e atomização que nos apresentamos, opomos e unimos atualmente.

Capítulo 2

Educação, looping de uma montanha-russa.

Algumas considerações expostas na primeira parte ensejam esta abordagem.


Busca-se entender o papel da pedagogia institucional e orgânica para pensarmos
uma estrutura adequada para uma educação libertadora e adequada aos tramites no
século XXI. Por libertadora iremos além, porém, sem negligenciar, de uma
perspectiva relativa aos meios nos quais estamos inseridos.
Está aí um dos paradoxos da educação. Por ser dinâmica e conservadora,
uniformizadora e revolucionária. Dificilmente uma proposta educacional não seja
esta manifestação da ironia própria a nós desde os “modernos românticos”.
Dificilmente a ideia e a prática educacional não foram enxergadas por estes viesses.
Como estrutura funcional e pública temos que olhar para o Estado como
provedor de políticas públicas, para a iniciativa privada como grupos de interesses e
geradores de divisas que geram impostos e trabalho e para os paradigmas globais
que são oferecidos, como projetos possíveis, necessários, inovadores e
“compráveis”. Estes elementos expõem a educação no seu projeto social e político.
Possuímos, por isso, referências as quais podemos nos apegar, pois tudo que
permeia nossa particular realidade também são índices de preocupações e ações
identificadas em outros locais e fronteiras. Expressa assim, a relação que existe
entre o mundo que temos contato e como criamos os meios para reproduzi-lo,
cerceá-lo e (ou) expandi-lo.
Como índice de tais certezas teríamos a interpretação técnica e acadêmica do
que é notório, recorrente e comum, por isso, vamos apresentá-las. Cabe aqui
colocar uma ressalva. É possível que a própria história, a “história de um povo ou
nação”, esteja sendo negligenciada, pois, o que é resposta e evidência para um
grupo pode não ser a especificidade que deveria ser amplamente valorizada por
outro.
Isto produz uma outra ressalva. As necessidades que podem estar em
evidência caso “nossa” história não seja fruto de uma “negligência”, pode, na
verdade, serem simples perspectivas de um grupo, consequências destes terem
optado por um viés metodológico e não outro. Estes dois senões são objetos de
investigação, porém, não serão tratados neste artigo.
Assim, teríamos como pano de fundo para pensarmos a educação (uma
espécie de assinatura da nossa época), elementos presentes, difundidos e
dissecados academicamente, que seriam:
 Complexidade, interdependência e imprevisibilidade;
 Informação, excesso de informação e ruído;
 Rapidez dos processos e suas consequências;
 Escassez de espaços e de tempos para abstração e reflexão;
 Preeminência da cultura da imagem e do espetáculo;
 Transformação das coordenadas espaciais e temporais de comunicação;
 Homogeneização cultural;
 Surgimento de novas classe sociais – inforricos e infopobres.
A educação insere-se então, como prática comum e necessária, no interior
destas premissas e prerrogativas - os ditos paradigmas. É instrumento de uma
interpretação acadêmica que se projetaria sobre o corpo social, e também é vontade
política. Envolve em várias perspectivas os processos de desenvolvimento individual
e coletivo de uma sociedade e a socialização destes saberes.
No contexto atual está relacionada com questões que envolvem uma relação
didático pedagógica, onde as tecnologias de informação e comunicação não podem
ser negligenciadas. Em verdade, nunca foram, pois, “tecnologias” são instrumentos
de época e culturalmente podem ser amplamente utilizadas ou mal utilizadas. Há
inúmeras formas de abordarmos estas condições pois, esbarram em questões que
pertencem tanto ao âmbito político-econômico, quanto cultural-religioso. E não há
forma de nos divorciarmos disto.
Mas, retomando aquilo que compete a esta parte do ensaio, isto, amplitude e
inserção tecnológica, não é uma novidade. Desde a invenção da prensa de
Gutemberg e a descrição espacial dos saberes expressas nos livros, as categorias
do pensamento influenciaram radicalmente as formas como retratamos e explicamos
a realidade, os saberes e as verdades.
Quem nos oferece uma importante contribuição para pensarmos e
entendermos este processo, é o filósofo francês Pierre Lévy. Ao buscar uma “origem”
moderna para esta relação, evidencia o autor o legado de René Descartes e sua
“dúvida metódica” e o método de exposição analítica de Pierre de la Rameé. Tais
estruturas, contribuições destes filósofos, condicionaram as formas dispostas em um
livro e a sua difusão/popularização, porém, estes não foram criados a partir do livro e
sim que este possibilitou que tais moldes orientassem toda uma nova cultura que
difundiu-se, inexoravelmente.
Demonstrar passo-a-passo os elementos que descrevem a natureza e o
raciocínio são comuns as nossas ideias e práticas didáticas, mas estas foram fruto
de sujeitos e tecnologias prementes a um tempo, naturalizadas e arraigadas ao
nosso ser contemporâneo. Toda tecnologia é uma revolução que se dá em partes e
sem data para acabar.
Não se trata de identificar a prensa mecânica como a “ciência” ou o
“progresso” [...]. Mesmo assim, podemos sustentar que a invenção de
Gutemberg permitiu que um novo estilo cognitivo se instaurasse. A inspeção
silenciosa de mapas, de esquemas, de gráficos, de tabelas, de dicionários
encontra-se a partir de então no centro da atividade científica. Passamos da
discussão verbal, tão características dos hábitos intelectuais da Idade
Média, à demonstração visual, mais que nunca em uso nos dias atuais em
artigos científicos e na prática cotidiana dos laboratórios, graças a estes
novos instrumentos de visualização, os computadores. (LÉVY, 1993, p-
99).

Tal relação entre a tecnologia aplicada e o resultado obtido pode tanto ser
uma diretiva discriminada em um projeto, mas também é uma incógnita, pois ao
oferecer e potencializar elementos formativos e cognitivos aos estudantes, não
significaria ter a certeza de que todas as variáveis possam ser antecipadas.
Formariam novos homens, e estes, novos outros homens.
Escolas inclusivas tem de ter e ser o perfil de uma instituição pública. Isto
refere-se não só ao público como aos objetivos oferecidos a este. Neste perfil
destacado acima – contemporâneo a tecnologia e reativo as necessidades
estruturais de uma região onde a escola estiver locada -, o vínculo particular/geral e
geral/particular é premente e necessário. Como princípios que devem ser
respeitados podemos apontar três para destes não nos esquecermos:
- Ser capaz de atuar com autonomia;
- Ser capaz de interagir em grupos socialmente heterogêneos;
- Ser capaz de utilizar instrumentos e recursos de maneira interativa.
O conjunto é a ossatura de um projeto geral, contudo, os ditos instrumentos e
recursos são particularizados e compreendem a nossa narrativa e entendimento da
história. As tecnologias de comunicação e informação refletem-se nos processos de
desenvolvimento e socialização evidenciando a relação entre o ser e o fazer.
Condicionam-se pela variável tecnologia. Na educação isto reflete-se na questão
cognitiva, social e educacional. Na vida poderia ser chamada de alteridade, pois
estar no lugar do outro é também querer ser o passado o presente e o futuro. Diz,
Castells, citado por Cesar Cool et al:

As localidades deslocam-se dos seus significados culturais,


históricos e geográficos e reintegram-se em redes funcionais ou em
colagens de imagens, induzindo um espaço de fluxos que substitui o dos
lugares. O tempo é apagado no novo sistema de comunicação quando o
passado, o presente e o futuro podem ser programados para interagir entre
si em uma única mensagem. O espaço de fluxos e o tempo atemporal são
as fundações materiais de uma nova cultura que transcende e inclui a
diversidade dos sistemas de representação historicamente transmitidos: a
cultura da virtualidade real, onde fazer acreditar é acreditar no fazer.

(COOL, 2010, p-59).

Cabe então entender que tipo de tecnologia se faz presente e o que esta
torna possível. Três elementos materiais aí se destacam: o projeto tecnológico, o
técnico-pedagógico e as práticas de uso.
O projeto tecnológico é uma locução entre a estrutura física – estruturação de
laboratórios de informática e conexão banda larga –, softwares e desdobramento de
ações possíveis pela rede mundial. Esta última inserção faz referência sobre a Web
2.0 que possibilita a experimentação, reflexão e geração de conhecimento
individuais e coletivos. O que isto nos diz é que qualquer projeto tecnológico-
pedagógico tem que primeiro ter um know-how sobre aquilo que de fato tem mãos
para poder melhor utilizá-los (ou ter noção de qual proposta é realmente viável e
possível).
Tal percepção nunca será exclusivamente uma competência do Estado,
entendido como política-pública, ou do educador, que orientará e mediará este
processo. A relação é íntima, por isso, caso o uso de tais tecnologias carente de
alguma infraestrutura crucial, sua execução estará sempre aquém do desejável.
A outra variável é o aluno. Este deve ser visto como agente em um ambiente
virtual. Como foram apontadas algumas premissas das TICs, estas seriam pontos de
partida para entendermos tal dinâmica que se faz concomitante ao aspecto
tradicional da educação no Brasil.
As mudanças que seriam de fácil prognóstico se dariam no processo de
socialização educacional, nas concepções epistemológicas e nos projetos de vida,
ampliadas devido as novas abordagens oferecidas a estes estudantes.
A socialização educacional vincularia uma didática mais participativa visto que
qualquer produção pode influenciar e ser influenciada por outras experiências
similares, estejam estas sendo produzidas no ambiente escolar comum aos
estudantes ou com outras instituições de ensino.
Esta transição pode ser percebida pela evolução dos conceitos. Marshall
McLuhan ao cunhar o termo “Galáxia Gutemberg” apontava para a individualização
do sujeito devido a prensa e a tipografia. A alfabetização conduziu os sujeitos ao eu
que fala além da oralidade e dos nós que ouvimos para além das convenções
simplistas e discricionais de espaço e tempo. Mas esta transmutou-se conduzindo-
nos a “Galáxia Marconi”. Os sentidos expandem-se e interligam-se. Mass Media e
supercultura popular.
Os nacionalismos existem por redundâncias políticas, mas não como
condições de vivências, como já apresentado neste artigo. Como a ideia de
pertencimento pode ser afetada por transformações tecnológicas – com McLuhan
temos a prensa, tipografia e a televisão, por exemplo – não há como negligenciar um
posicionamento crítico aos novos aparatos tecnológicos e a inserção, ou, melhor
dizendo, encaminhamento, dos estudantes nesta dimensão.
O que deve sempre ser evidenciado é que neste processo, esta ocorrerá
invariavelmente seja com ou sem a participação da escola ou da educação como
projeto e processo na vida do sujeito.
Já as concepções epistemológicas referem-se a como produzir – ferramentas
disponíveis, metodologias diversas e amplos conteúdos, que apresentariam
qualquer possibilidade de interação extremamente variadas. Textos, vídeos, áudios,
imagens e diálogos estão ao alcance de um click. Estes podem ser discriminados,
mesclados, resultando em novas abordagens, significando a heterogeneidade do
conhecimento e, dos estudantes envolvidos.
Esta aproximação entre sujeitos e conteúdos resultaria em uma visão mais
ampla sobre as possíveis ações que estes poderiam ter em suas vidas. As
perspectivas vygotskyana e freiriana se complementariam neste processo didático-
pedagógico exatamente por sempre enfatizarem a relação entre cultura e interação
social como pilares para o desenvolvimento psicológico dos indivíduos.
Estes elementos nos dão a escola como cidade – a metáfora exposta no
primeiro capítulo. É dinâmica, ampla, cartesiana e ilógica. Varia conforme o meio e
age sobre este mesmo, transformando-o. Multifacetada por ser interligada com o
universo, expõem a crítica da pessoa e do coletivo. Uma aula precisa ser a diretriz
para as certezas e incertezas. Que estejam dispostas as ferramentas, não só os
aparatos tecnológicos mas também, os corpos docentes e discentes.
Amputa-se a certeza e valoriza-se a experiência amparada não somente por
uma simples condição de replicar, mas pelo criar, e assim, replicar. Não se
negligencia a teoria porque é necessário também saber fazer a tecnologia e isto
deve ser distendido em uma visão ampla, pois permite a autonomia do sujeito.
Incorpora-se a fala como expressão que cria o mundo e a si mesmo. Ludwig
Wittgenstein, Maurice Merleau-Ponty e Manuel Castells são alguns discricionários
deste aporte. A fala é a síntese do universo e este, é o conjunto e as partes de todas
as coisas.
Nossos estudantes são definidos como nativos digitais. Isto significa que
estes já são a tecnologia em rede. Não é mais a rede que tece as pessoas e sim
estes que a ampliam por aquilo que são. Falas globais e interligadas.

Conclusão

“Sou Homem: a nada do que é humano eu me considero estranho”.


Terêncio

Gostamos de máximas, aforismos, frases prontas e ditados populares. São


estes a porta de entrada e saída para nossa necessidade de dizer e explicar sem
rodeios o que é o mundo a nossa volta. Entretanto precisamos de textos rebuscados
exatamente para mostrar que ações não devem estar reduzidas a impressões
primeiras, percebidas sem reflexões ou estudos.
É difícil mensurar de forma prática as nuances que envolvem qualquer
processo de transformação social exatamente porque são constantes e estamos
particularmente envolvidos neste. Mas é necessário.
Agir de forma profissional é condição elementar pela escolha que fazemos
pois estamos em contato diário com os reflexos da política pública educacional, seja
do município, estado ou União, mas esta área é quase um ditado que se segue já
tentando prever o que será do lugar onde vivemos. Potencializar os sujeitos
envolvidos e oferecer ferramentas que permitam a todos alcançar um grau de
civilização é dizer o que se quer para o coletivo, por isso, a necessidade de saber o
mínimo daquilo que se faz.
Alcançar metas e objetivos é tão necessário quanto saber que estes podem
transformar-se em outros dilemas e perspectivas. A condição de ser humano implica
isto e por isso, acaba nos unindo. Requer instrumentalização e aprimoramento
constante, coisas que em nossa realidade presente, parecem ser uma grande
carência e uma possibilidade sem fim. Esbarramos assim no instante.
Ao não acharmos nossa máxima ou aforismo temos exatamente estas. As
tecnologias passadas mostraram que os esquemas teóricos espacialmente expostos
podem traduzir e nos conduzir a/pela verdade. Sendo os indivíduos causas e
consequências das tecnologias temos um caminho. Não se faz qualquer projeto sem
entender as máquinas, redes, pessoas e instituições, pois estão nelas o que somos
e como agimos.

Referências:

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