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1. O Jusnaturalismo
O direito é um ensaio de ser direito justo, o que significa que ele envolve sempre um
conteúdo axiológico, mas, ao mesmo tempo, é obra humana e, como tal, mutável no tempo e no
espaço.
Desde as representações primitivas de uma ordem legal de origem divina até a moderna
filosofia do direito natural, passando pelos sofistas, estóicos, os padres da Igreja, os escolásticos,
os ilustrados e os racionalistas nos séculos XVII e XVIII, que a longa tradição do jusnaturalismo
vem se desenvolvendo.
Se não mais existia a polis, que para os gregos clássicos era o habitat da lei e da
civilização, oposta à barbárie, a moral estóica já não mais poderia ser uma moral política como a
de Platão e Aristóteles, mas uma moral segundo a natureza humana. Dessa moral segundo a
natureza, derivaria um direito natural, cujas matrizes teóricas os juristas romanos e, em seguida,
os padres da Igreja, iriam fazer decorrer suas concepções do direito natural.
Durante toda a Idade Média (seja sob o domínio da patrística, seja da escolástica), os
fundamentos do direito natural jamais deixaram de ser a inteligência e a vontade divina. Trata-se,
portanto, de uma teoria jusnaturalista de conteúdo teológico, compatível com uma sociedade e
cultura marcada pelo predomínio da fé.
Foi obra de HUGO GROTIUS a noção de que mesmo suposta a inexistência de Deus, os
preceitos do justo e do injusto continuariam válidos, uma vez que eles têm seu fundamento nas
leis imanentes à razão humana, que o racionalismo, já então dominante, aceitava como universais
e imutáveis no tempo e no espaço.
Num primeiro momento, com GROTIUS e HOBBES, essas leis racionais do justo e do
injusto foram entregues à guarda do Leviatã, do Estado absoluto. Contudo, quando as condições
sociais da época se transformaram em favor da burguesia ascendente e do mundo burguês, a
guarda do direito natural foi confiada à vontade geral de ROUSSEAU. Em KANT, temos o ultimo
grande representante do direito natural ilustrado, levando às ultimas conseqüências as premissas
teóricas da teoria iluminista, passou à história como expressão da teoria do direito racional.
O novo direito natural, o de nossos dias, sofrendo o embate da crítica histórica, dos
estudos etnográficos, da sociologia, não teve alternativa para estará altura dos tempos, senão se
fazer uma teoria do direito natural formal, um direito natural de conteúdo variável. Transformação
ainda mais radical do novo direito natural é a sua assimilação a uma axiologia ou estimativa
jurídica.
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Por ser um ideal valorativo, o direito natural é incompatível com a neutralidade axiológica.
Uma teoria do direito natural não pode servir para fundamentar uma verdadeira ciência do direito,
uma vez que, não sendo neutral para o valor essa teoria deixaria de considerar como direito um
ordenamento jurídico dado por considerá-lo transgressor das normas ideais de justiça eterna e
imutável.
2. O exegetismo
A moderna ciência do direito vem à luz no século XIX, e a primeira manifestação desse
fenômeno encontra na escola de exegese sua expressão mais característica.
Defendia-se o mais estrito positivismo legal, doutrinando que a sentença judicial deve
fundamentar-se exclusivamente no texto legal. A interpretação é mera exegese dos textos e sua
finalidade, a descoberta da intenção psicológica do legislador (legalismo estatista exarcebado).
Por mais que a escola alardeasse a plenitude da lei, o Código Napoleônico deixava
sempre alguns pontos de vazio estimativo, pois o constante ineditismo da vida diária criava, a
cada momento situações que o legislador desconhecera ou não previra. Alguns representantes
mais ortodoxos da escola, movidos pelo extremo legalismo, entendiam que nesses casos onde a
vontade do legislador não puder ser alcançada, o juiz deve abster-se de julgar, por falta de
fundamento. A maioria dos representantes da escola, contudo, aceitava a analogia como
procedimento de integração.
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O porquê mais evidente do seu estreito positivismo legal está na razão sociológica de ser
essa escola a expressão de uma classe social ascendente e recentemente instalada no poder.
Enquanto lutava para conquistar o poder social e político, desalojando dele a casta
aristocrático-feudal, a burguesia foi partidária do direito natural; sua expressão jurídica foi à utopia
jusnaturalista (relação entre posição jusnaturalista e atitude revolucionária). Mesmo quando
esteve aliada ao monarca absoluto, a burguesia entregou a este a guarda dos princípios eternos
do direito natural. Quando os interesses da burguesia e do monarca começaram a se distanciar, a
burguesia entregou à vontade geral rousseauniana à guarda do direito natural, dominando o todo-
poderoso Leviatã de Hobbes e assumindo o comando da sociedade moderna, que organizou em
bases novas e democráticas.
Chegada ao poder, a burguesia teve de legislar. E legislando, que outra coisa poderia
supor fosse tal legislação senão o próprio direito natural que ela lutara para fazer coincidir com o
direito positivo?
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Importante se faz distinguir aqui a teoria do direito e a prática diuturna dos tribunais, a
vida jurídica real, enfim. Esta jamais se rendeu inteiramente ao legalismo exegético ortodoxo.
Senão, como é possível entender que houvesse pleitos judiciais àquela época? Já que o direito
seria tão certo que não mais deveria envolver qualquer contenda. Na prática judicial, os
operadores de direito, consciente ou inconscientemente, jamais se entregaram às ideias estreitas
da escola da exegese.
Também no campo teórico, não tardou para que surgissem adversários e críticos. Hoje
não há quem creia na teoria da plenitude da lei. Sabemos que além da lei, existem diversas outras
manifestações do jurídico, outras tantas fontes do direito (costume, jurisprudência, doutrina, etc.).
Na realização da justiça, essa é a grande beneficiada quando os juristas teóricos e práticos
abandonam o rígido e inumano dura lex sed lex dos exegetas do Código Napoleônico.
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