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Metabolismo do Exercício: Parte 1

O ATP

O trifosfato de adenosina (ATP) é a única forma de energia química que pode ser
convertida em outras formas de energia utilizáveis pelas células. A energia livre
resultante da hidrólise do ATP permite a contração muscular e, dessa forma, a geração
de força e trabalho. Durante o exercício, a taxa de utilização de energia pode aumentar
até 30 vezes. Um complexo conjunto de processos metabólicos está envolvido na
produção, no armazenamento e na utilização dos substratos capazes de gerar ATP,
atendendo à demanda energética do exercício físico.
O ATP não pode ser acumulado em grandes quantidades, sendo o estoque intramuscular
de apenas cerca de 24 mmol/kg de matéria seca, suficiente para cerca de 2 segundos de
contrações musculares no exercício máximo. Apesar da intensa utilização desse
composto, seus níveis intracelulares não caem mais que 30 a 40%, mesmo durante
exercício intenso, uma vez que é eficazmente ressintetizado a partir do ADP e do AMP.

Fosfocreatina

A creatina é um composto que contém carbono, hidrogênio e nitrogênio, sintetizado nos


rins, no pâncreas e fígado (neste último principalmente) a partir de três aminoácidos:
glicina, arginina e metionina. Diariamente, aproximadamente 2 g de creatina são
convertidos, através de reação não-enzimática, em creatinina, que atravessa livremente a
membrana celular sendo posteriormente excretada pelos rins. A reposição dos estoques
de creatina se dá tanto por síntese endógena quanto pela ingestão na dieta onívora típica.
O estoque intracelular de creatina total gira em torno de 120-125 mmol/kg de peso seco,
resultando em cerca de 120 g no indivíduo de 70 kg, sendo 95% desse valor encontrado
no músculo esquelético. Apresenta-se nas formas livre (Cr) ou fosforilada (CP). Quando
fosforilada atua na refosforilação do ADP, mediante ação da enzima creatina quinase
(CK), contribuindo para a manutenção dos níveis intracelulares de ATP. Essa via
energética é predominantemente utilizada no início do trabalho de contração muscular,
bem como em esforços de curtíssima duração e alta intensidade. Dessa forma, tem sido
demonstrado que a suplementação dietética com creatina mono-hidratada proporciona
uma melhora significativa em atividades de alta intensidade, ao aumentar os níveis
intramusculares de creatina total (TCr) para cerca de 145 a 160 mmol/kg de peso seco,
bem como ao proporcionar um aumento da ressíntese de CP durante a recuperação.
Além de atuar como um tampão temporário de energia, mantendo a concentração
celular de ATP, o sistema da fosfocreatina parece possuir outras funções. A hidrólise do
ATP acarreta produção de H+, ao passo que a reação da CK promove o seqüestro de
H+. Esse acoplamento funcional impede a rápida acidificação do meio intracelular no
início da contração muscular. E, ainda, a hidrólise da fosfocreatina promove uma rápida
liberação de Pi durante a contração, o que parece estar relacionado com a ativação da
enzima glicogênio fosforilase e de enzimas da glicólise no início do exercício,
mantendo-se, assim, a produção de energia.
A reação da creatina quinase é reversível. Dessa forma, após o exercício, quando a
demanda por ATP diminui acentuadamente, a oxidação de carboidratos e lipídios
permite a ressíntese da fosfocreatina, repondo o pool intracelular desse composto. Essa
ressíntese de fosfocreatina pode ser severamente comprometida por baixo pH, baixa
tensão de oxigênio e/ou por uma redução no fluxo sangüíneo muscular.

Metabolismo do Exercício: Parte 2


Glicólise

O glicogênio é armazenado em grânulos no músculo esquelético, podendo ser


convertido a glicose-1-fosfato, entrando, assim, na via glicolítica. Devido à ausência da
enzima glicose fosfatase nesse tecido, o glicogênio intramuscular pode ser utilizado
somente pelo próprio músculo em atividade, ao contrário do fígado, onde essa enzima
possibilita a saída da glicose para a corrente sangüínea, de onde é captada pelos tecidos
periféricos.
Para que a glicólise aconteça, é necessário que seja alimentada com NAD+, necessário
na reação da gliceraldeído 3-fosfato desidrogenase. Em intensidades mais baixas de
trabalho, o suprimento de NAD+ citosólico é acoplado à geração mitocondrial de ATP.
Entretanto, em altas intensidades de exercício, quando a demanda por NAD+ excede a
capacidade mitocondrial de geração desse, o piruvato formado na glicólise é convertido
em lactato, regenerando o NAD+ e possibilitando, assim, a continuação da oxidação da
glicose e do glicogênio para a formação de ATP.

Em 1780, Carl Wilhelm Scheele descobriu o ácido láctico. Muitos anos mais tarde, em
1922, Otto Meyerhoff e Archibald V. Hill receberam o Prêmio Nobel por seus trabalhos
acerca da energética do catabolismo dos carboidratos no músculo esquelético, os quais
demonstraram que o ácido láctico é produzido por meio da glicólise na ausência de
oxigênio. Desde então, assumiu-se que em altas intensidades de trabalho muscular, em
que a disponibilidade de oxigênio torna-se limitada, aquele composto é formado, sendo
então dissociado em lactato e íons H+, o que seria responsável pela acidose metabólica
que se instala nessas situações, contribuindo para o desenvolvimento da fadiga. De fato,
uma correlação entre a formação de lactato, que por sua vez se correlaciona à
intensidade do exercício, e a diminuição do pH muscular é verificada. Entretanto,
trabalhos recentes demonstram que não parece se tratar de uma relação de causa e
efeito, visto que o ácido láctico possui uma baixa constante de dissociação (pKa) de seu
grupo carboxila (3,87).
Assim, apesar de a correlação entre a formação de lactato e a acidose metabólica
muscular, como demonstrada há diversas décadas, de fato existir, essa seria explicada
pelo aumento na demanda por ATP do músculo em contração, suprida pela glicólise e
pelo sistema da fosfocreatina. Nesse caso, o ATP é suprido por fontes não-
mitocondriais, e íons H+ provenientes da glicólise e da hidrólise do ATP se acumulam,
uma vez que deixam de ser utilizados na respiração mitocondrial. Ou seja, de acordo
com algumas evidências, a causa da acidose metabólica não seria meramente a liberação
de prótons, mas sim um desequilíbrio entre a taxa de liberação e a taxa de
tamponamento desses prótons. E, ainda, a fonte de H+ não seria a molécula de ácido
láctico formado na glicólise anaeróbica.

Respostas metabólicas e integração do metabolismo no exercício físico

A utilização da fosfocreatina tem início assim que se inicia a contração muscular,


tamponando o ADP acumulado em virtude da taxa de hidrólise aumentada do ATP.
Esse aumento rápido dos níveis de ADP parece ser o estímulo inicial para o aumento da
hidrólise da fosfocreatina via reação da creatina quinase. Estudos demonstram que a
hidrólise da fosfocreatina é a principal fonte de regeneração de ATP nos primeiros 10 a
15 segundos de exercício de alta intensidade. Entretanto, é importante ressaltar que a
glicólise anaeróbica também contribui de forma importante para a geração de energia
nesse tipo de exercício, mesmo nos segundos iniciais, apesar de sua contribuição
aumentar de forma crescente à medida que a contribuição da fosfocreatina declina.
Devido à maior capacidade do sistema fosfagênico de produção de ATP por unidade de
tempo (~9 mmol/kg dm-1.s-1) quando comparado ao sistema glicolítico (~4,5 mmol/kg
dm-1.s-1), compreende-se a razão por que corredores de curta distância (100 ou 200 m)
apresentam maior velocidade nos primeiros segundos da corrida, a qual decai
progressivamente até o final da prova.
O músculo esquelético obtém sua demanda metabólica tanto a partir do metabolismo
oxidativo quando do anaeróbico. A escolha do combustível depende principalmente da
disponibilidade de substrato e oxigênio, mas também da demanda de formação de ATP,
que se relaciona com a intensidade do exercício e, conseqüentemente, com o tipo de
fibra muscular que é predominantemente recrutada. As fibras musculares do tipo I
(oxidativas de contração lenta), recrutadas em exercícios de intensidade mais baixa,
possuem alta capacidade oxidativa, apresentando maior capilarização, densidade
mitocondrial, conteúdo de mioglobina e atividade de enzimas oxidativas, sendo, dessa
forma, mais aptas a utilizar lipídios e carboidratos de forma aeróbica. Em contrapartida,
as fibras tipo II (glicolíticas, de contração rápida), que se dividem em IIa e IIb, são mais
aptas ao metabolismo anaeróbico, gerando ATP principalmente via fosfocreatina e
glicólise anaeróbica.
Dessa forma, observa-se um fenômeno de troca do substrato predominantemente
utilizado, à medida que a intensidade do esforço se eleva. Em esforços leves a
moderados, os ácidos graxos são substratos preferenciais, enquanto que, em
intensidades mais altas, acima de ~65% do VO2 máx, fontes de carboidratos (glicogênio
e glicose sangüínea) tornam-se os substratos principais para geração de ATP. A razão
para essa troca de substrato predominante parece ser o recrutamento das fibras de
contração rápida e o aumento dos níveis de adrenalina. Níveis elevados desse hormônio
aumentam a degradação do glicogênio muscular, ao estimular a glicogênio fosforilase, e
aumentam a atividade da via glicolítica.
A estimativa da contribuição dos carboidratos e lipídios no metabolismo energético
durante o exercício pode ser obtida pela relação entre o débito de dióxido de carbono
(VCO2) e o volume de O2 (VO2), que é denominada razão de troca respiratória (ou
quociente respiratório – QR). Tal método se baseia no fato de lipídios e carboidratos
diferirem quanto à quantidade de O2 utilizado e de CO2 produzido durante a oxidação.
Nesse método, exclui-se a pequena participação dos aminoácidos para geração de ATP.
Dessa forma, os valores de QR vão de 0,70, em que 100% do substrato utilizado seriam
os lipídios, a 1,00, em que 100% do substrato seriam carboidratos. Um valor de QR de
0,85 representa a condição na qual lipídios e carboidratos contribuem igualmente como
substratos energéticos.

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