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Introdução
Antônio
Daniela
[…] deve ter ocorrido algum problema familiar que fez com que DANIELA sa-
ísse de casa, já que segundo a comunicante a sua filha ligou no carnaval deste
ano dizendo que iria aparecer, mas que infelizmente até a presente data não foi
visitar a mãe. Assim sendo, passo à apreciação e deliberação de V. S., uma vez
que a presente sindicância encontra-se solucionada neste serviço de descoberta
de paradeiros. É o que me cumpre informar (SDP/DH 030/07).
Elói
Dona Inácia e Dona Neusa, desculpem estar dizendo essas palavras, mas eu
estou sem destino, sei que a minha vida vai ser um inferno saindo dessa casa,
nunca encontrei duas pessoas que gostassem tanto de mim. Vocês sabem que
eu não sou maluco, isso é coisa do destino, peço muitas desculpas por estar
saindo dessa maneira, não sei para onde vou, mas peço, por favor, guardem
todos os meus documentos para mim. Quincas. Pelo menos um bilhete eu deixei
pra vocês (SDP/DH 004/07).
Nos três meses seguintes, três mandados foram remetidos a Sílvia, inti-
mando-a a comparecer à DP, mas nenhum foi atendido. Em julho de 2008, o
caso foi enfim encaminhado ao SDP, onde o único registro produzido foi um
relatório em que o policial dele encarregado solicitava seu arquivamento.
No documento, o agente afirma ter telefonado para Sílvia e recebido a in-
formação de que Belmiro retornara dias antes.
O zelo dispensado a documentos por Quincas e Belmiro aponta para a
máxima importância e as múltiplas capacidades atribuídas a esses e a outros
papéis que certificam e asseguram identidades, relações e direitos não só em
repartições policiais, mas no contexto geral dos Estados. Artefatos gráficos,
como cartões de benefício do INSS, carteira da guarda municipal e, conforme
mostra Peirano (1986, 2006a, 2006b), carteiras de identificação civil, carregam
consigo o simbolismo da estabilidade, e são objetos de valor permanente em
função do status igualmente permanente atribuído aos vínculos que estabe-
lecem, manifestam e/ou garantem entre seus portadores e o Estado. “Docu-
mentos integram a parafernália basilar dos Estados modernos e de sistemas
legais: eles são sua cultura material” (Navaro-Yashin 2007:84, tradução livre)
e, nesse sentido, são mais que meros rastros materiais de poderes e fazeres de
Estado ou, como afirma DaMatta (2002), “a mão visível do Estado”.
Documentos são artefatos que, como toda prática burocrática, afirmam
a teleologia básica do Estado e sua autoridade quase demiúrgica sobre atos
oficiais de consagração (Herzfeld 1992; Bourdieu 1996). Sua produção, sua
circulação e seu arquivamento reproduzem tanto o Estado-ideia quanto o
Estado-sistema que, para fins de análise, podemos distinguir como partes
constitutivas do Estado moderno (Abrams 1988). Se, por um lado são ma-
terializações de vínculos entendidos como permanentes entre sujeitos e
Estados, performativamente fazendo desses sujeitos cidadãos, por outro,
documentos são também condições para que procedimentos, trâmites e
demandas sejam desembaraçados em diferentes aparatos de administra-
ção pública. O registro do desaparecimento de Belmiro, por exemplo, foi
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efetuado não porque Sílvia desejava que a polícia investigasse o caso, mas
para cessar responsabilidades advindas da ausência do guarda municipal
na perícia médica a que ele deveria comparecer. O documento policial que
certificasse o desaparecimento do guarda teria, se aceito por servidores da
guarda municipal, capacidade de interromper ou evitar processos adminis-
trativos e/ou judiciais que causassem transtornos e penalidades a Belmiro.
Seguindo essa cadeia, tal documento teria também capacidade de evitar
problemas à própria Sílvia, casada com o guarda no papel.
Não obstante, e indissociavelmente, esses papéis têm ainda uma
segunda capacidade: permitem que os sujeitos a que se referem e que os
possuem, portam e/ou colocam em circulação particularizem-se e inscrevam-
se de modo estável não só na realidade do mundo estatizado que habitam,
mas também e indissociavelmente no curso de suas próprias vidas (Caplan
& Torpey 2001:6-7). Lembremos, nesse sentido, que Belmiro desapareceu
levando consigo cartão da guarda municipal, carteirinha do INSS e um
álbum de fotos; e, ainda, que Quincas se apresentou, no bilhete deixado à
Neusa e Inácia, como alguém sem destino que, no entanto, preocupa-se em
manter seguros seus documentos. Se “documentos têm uma vida simbólica
dentro de um determinado Estado” (Peirano 2006a:35), eles não apenas
fazem dos sujeitos (propriamente documentados) cidadãos daquele Estado,
mas também “estabelecem o indivíduo como único e particular e produzem,
no mundo moderno, um máximo de singularização e uma individualização
idealmente absoluta” (Peirano 2006a:27).
Outro caso ilustrativo dessa dupla capacidade dos documentos é o de
Elias, um vigia que vivia em uma quitinete vizinha à casa de Alice, uma de
suas três irmãs. Depois de quase duas semanas sem notícias dele, Alice co-
municou o desaparecimento do irmão em uma DP. O policial que a atendeu
redigiu, no registro de ocorrência em nome de Elias, que Alice havia estado
na quitinete do vigia, que “estava perfeita, com tudo arrumado, inclusive
com todos os documentos de Elias dentro da casa” (SDP/DH 051/07). Inves-
tigando registros de entrada de cadáveres no IML, o policial descobriu que
um homem com características físicas semelhantes às de Elias havia sofrido
um atropelamento fatal dias antes e encontrava-se no Instituto aguardando
identificação. Era Elias. Como fora atropelado sem portar consigo seus do-
cumentos, caso não fosse identificado por meio de suas impressões digitais,
além de reconhecido e reclamado por um familiar, o vigia seria sepultado
como indigente, em uma vala comum.15
O desaparecimento de Elias não apenas evidencia o simbolismo da esta-
bilidade carregado pelos documentos e a dupla capacidade advinda daí (a de
fazer dos sujeitos cidadãos, e a de permitir a inscrição desses sujeitos em suas
“APENAS PREENCHER PAPEL” 55
Álvaro
Por telefone a comunicante declarou que sua filha retornou para casa, após ficar
alguns dias na companhia de colegas; disse ainda que desde então procura
manter maior controle da menor, inclusive, a castigou com uma surra quando
chegou em casa. Foi orientado que a mãe providenciasse carteira de identidade
da menor (SDP/DH 131/08).
[…] que na verdade não ocorreu nenhum crime relacionado a seu desapare-
cimento; que saiu da casa onde mora com sua mãe às 22:00 horas aproxima-
damente, não dando satisfação a ninguém, não fazendo nenhuma espécie de
contato e reaparecendo 10 (dez) dias após o desaparecimento, dizendo que
estava aborrecida com a vida, cansada e extremada; que a declarante está muito
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arrependida de não ter feito contato com a família, que quando sair para passear
e demorar um pouco ligará para alguém de sua família, para comunicar onde
e com quem está; a declarante disse [...] que durante o período em que ficou
fora não sentiu vontade de falar com ninguém, atitude da qual se arrepende e
muito (SDP/DH 020/08).
fica bastante claro que esse fazer policial não só registra, mas também enseja
compromissos, obrigações e sentimentos com que as próprias famílias admi-
nistram casos de desaparecimento. Os documentos preenchidos, manipula-
dos e arquivados por policiais são, portanto, condutores de um processo de
delegação de responsabilidades da polícia para as famílias, cuja efetividade
deriva em larga medida da força social desses papéis.
Considerações finais
mesmo de que um sujeito está vivo, como é um dos casos tratados pela autora,
seriam experimentados no Brasil como abusos, irracionalidades, excessos e
evidências “do anonimato e da impessoalidade que são, no fundo, a tradução
burocrática de dramas essencialmente humanos” (:249). A interpretação da
autora assemelha-se à de DaMatta (2002), que sustenta que documentos
são “sinais de um intolerável e brutal, porque impessoal e mecânico, con-
trole político-burocrático” (:39). Em conjunto, ambos os autores colocam em
relevo o caráter opressor da imprescindibilidade de papéis e documentos e
apontam para experiências de frustração e humilhação por ela provocadas,
associando-as invariavelmente à ideia de impessoalidade.
A análise de registros policiais de casos de desaparecimento traz à tona
outras experiências e processos provocados pela imprescindibilidade de pa-
péis e documentos em repartições públicas, revelando inclusive frustrações
e tentativas de autoexoneração daqueles que têm a prerrogativa de produzir
e arquivar registros, e não apenas compromissos, obrigações e sentimentos
daqueles cujos desaparecimentos são objeto de registro. Revela, assim, que
a chamada opressão burocrática incide também sobre os próprios burocratas
que apenas preenchem papel e, como vimos no caso de Elói, executam um
tipo de trabalho “que pouco conforma, apenas informa” (SDP/DH 394/05).
Ademais, sugere que a própria ideia de opressão burocrática pode abarcar as
numerosas e inescapáveis exigências de papéis nos mais variados contextos
e situações, e também processos e afetos diversos, pouco ou nada impessoais,
provocados por esses papéis.
Notas
1
Todos os nomes próprios foram alterados para preservar as identidades dos
sujeitos enredados nos desaparecimentos narrados ao longo do artigo.
2
A expressão desaparecimento civil é utilizada (cf. Oliveira 2007) para marcar
diferença em relação aos chamados desaparecimentos políticos, tipificados pelo
Direito Internacional como desaparecimento forçado de pessoa. Definido no âmbito
do Tribunal Penal Internacional em abril de 1998, e regulado pelo chamado Estatuto
de Roma, por desaparecimento forçado de pessoas entende-se “a prisão, detenção
ou sequestro de pessoas por um estado ou por organização política, ou com a au-
torização, apoio ou aquiescência destes, seguidos da negativa de informar sobre a
privação de liberdade ou dar informação sobre a sorte ou o paradeiro dessas pessoas,
com a intenção de deixá-las fora do amparo da lei por um período prolongado. Esse
conceito foi mantido no Estatuto definitivo, enquanto crime contra a humanidade”
(Jardim 2011:14).
3
Faço uso do itálico ao longo do texto para destacar categorias e expressões
correntes no SDP que se revelaram fundamentais para a compreensão da rotina do
Setor. Propositalmente, entre as categorias e as expressões destacadas há tanto termos
administrativos formalmente constitutivos do trabalho policial (p.ex., ocorrência, fato
atípico e comunicante) quanto classificações e chaves interpretativas informais, mas
acionadas com regularidade pelos policiais (p.ex., problema de polícia e problema
de família). Essa reunião de categorias mais e menos formais responde, primeiro,
à intenção de não produzir uma abordagem formalista do objeto aqui em foco e,
segundo, ao entendimento de que práticas e representações informais vigentes em
repartições burocráticas são menos indícios de uma incompletude da burocratização
em certos países, e mais de que a burocracia é, na prática, uma questão de relações
sociais (Herzfeld 1992:177), e não um universo de pura funcionalidade, impessoa-
lidade e formalismo.
4
Ao final do mês de dezembro de 2009, quando encerrei o trabalho de campo
no SDP, a Delegacia de Homicídios passou por mudanças organizacionais e tornou-
se aquela hoje designada Divisão de Homicídios do Rio de Janeiro. O SDP segue
funcionando como um setor da Divisão.
5
Tendo por objetivo analisar os efeitos da produção, da circulação e do arqui-
vamento de documentos sobre casos de desaparecimento de pessoa, não descreverei
detidamente os tipos de documentos que compõem esses casos. Para uma descrição
pormenorizada desses papéis, ver Ferreira (2011:72-112; 295-297).
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6
Administrada pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), a
Rede Infoseg “integra informações dos órgãos de Segurança Pública, Justiça e de
Fiscalização em todo o país, provendo dados de pessoas com inquéritos, processos,
mandados de prisão, além de dados de veículos, condutores e armas. A Rede Infoseg
disponibiliza informações dos seguintes órgãos: Polícias Civis; Polícias Militares;
Departamento Nacional de Trânsito; Exército Brasileiro; Superior Tribunal de Jus-
tiça e Justiça Federal; Departamento de Polícia Rodoviária Federal; Departamento
de Polícia Federal; Secretaria da Receita Federal; Tribunais de Justiça Estaduais”
(Senasp, s/d, p. 3). Só acessam a rede servidores de órgãos públicos autorizados pela
Senasp para esse fim, mediante uso de senha pessoal. Todos os policiais do SDP têm
senhas para utilizar a Rede Infoseg.
7
Paes (2008) revela a definição policial de fato atípico ao descrever a rotina de
atendimento a cidadãos por policiais de delegacias do Rio de Janeiro: “em primeiro
lugar, os policiais realizam uma pequena entrevista com as pessoas para saber de que
se trata o evento (classifica o fato como crime ou não), depois, [...] procuram impor
uma definição legal ao crime, ver qual artigo do Código Penal pode ser atribuído
ao fato – em caso de suspeita ou se estiver sendo sustada a existência de crime, são
atribuídas algumas categorias administrativas, tais como remoção de cadáver, fato
atípico ou auto de resistência” (Paes 2008:173).
8
Sobre os caminhos e as decisões em torno da abertura ou não de inquéritos
policiais no âmbito da Polícia Civil do Rio de Janeiro, e sobre os procedimentos
inquisitoriais que marcam sua elaboração, ver Kant de Lima (1995) e Misse (2011).
Sobre os padrões de registro e produção de inquéritos no mesmo contexto, ver Paes
(2008) e Miranda et al. (2010).
9
Eilbaum (2012) chama a atenção para o fato de que, embora em seu uso
corrente nas delegacias do Rio de Janeiro a sigla VPI designe um tipo de conjunto
documental, originalmente se refere à etapa da investigação policial que antecede
e determina a instauração (ou não) de inquéritos policiais: “A sigla VPI provém do
§3º. do artigo 5º. do Código de Processo Penal Brasileiro. Refere-se a que, quando
uma infração penal é comunicada à polícia, esta deve, uma vez verificada a proce-
dência das informações, instaurar um inquérito policial. A partir do ato de verificar
as informações, a polícia passou a criar uma peça administrativa burocrática própria,
chamada VPI” (2012:414).
10
Se, por um lado, o estatuto atribuído a VPIs e Sindicâncias é não só distin-
to, mas também inferior ao dos inquéritos policiais, a etnografia de Kant de Lima
(1995:68-69) revela que tais procedimentos oferecem uma margem maior de autono-
mia a policiais do que os inquéritos, uma vez que seu arquivamento não depende de
autorização por parte de um juiz ou promotor, e sim do arbítrio de um delegado.
11
A dicotomia problemas de família x problemas de polícia encontra eco entre os
(poucos) estudiosos dedicados ao fenômeno. De modo excludente, há interpretações
que classificam o desaparecimento de pessoas como uma das faces da “violência
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12
Em análise comparativa de padrões de atuação e operações policiais, Bayley
(2006) reflete sobre a complexidade da tarefa de definir a natureza do trabalho da
polícia e assegurar acesso permanente a ela. Para o autor, na prática de repartições
e operações, a definição do que é o trabalho policial se faz constantemente, levando
em conta “a descrição organizacional do que os policiais estão fazendo – patrulhando,
investigando, controlando o tráfego, aconselhando e administrando” (:118), além da
descrição do que usualmente fazem e, ainda, das múltiplas “situações com as quais
a polícia se envolve: crimes em andamento, brigas domésticas, crianças perdidas,
acidentes de automóvel, pessoas suspeitas, supostos arrombamentos, distúrbios
públicos e mortes não naturais” (:119). A administração policial de casos de desapa-
recimento como os tratados no presente artigo revela, contudo, que em determinados
contextos os próprios policiais definem o que é trabalho de polícia não a partir de,
mas em contraposição a, parte do que estão fazendo, do que usualmente fazem e das
situações que lhes são apresentadas.
13
A demarcação de uma fronteira entre um universo de crimes e criminalidade
em que é adequado haver intervenção por parte de poderes públicos e aquilo que seria
de ordem familiar, demandando soluções privadas, aparece também na administração
policial e judicial de casos de “violência doméstica” analisados por Muniz (1996),
Soares (1999) e Enne, Vianna e Carrara (2002). Embora a questão fuja ao escopo
deste artigo, vale apontar que o trabalho de Soares (1999), em especial, sugere que
há muitas aproximações possíveis entre o SDP e as Delegacias de Atendimento à
Mulher (DEAMs) do Rio de Janeiro, cujos funcionários “consideram-se diminuídos
em suas carreiras quando são deslocados de outras delegacias para o atendimento
de mulheres, pois acreditam que esse é apenas um trabalho de ‘assistentes sociais’
ou ‘psicólogos’. Veem-se como meros burocratas e desconsideram a singularidade
das histórias que lhes são contadas, diariamente, nos balcões” (:53).
14
Araújo (2008, 2012) vem desenvolvendo pesquisas sobre a incidência do
crime de desaparecimento forçado de pessoas no Brasil de hoje, a partir inicialmente
de etnografia junto a um movimento que reúne familiares de vítimas de violência
policial no Rio de Janeiro.
15
Sobre processos de classificação de cadáveres não identificados no IML-RJ,
ver Ferreira (2009).
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“APENAS PREENCHER PAPEL” 67
Documentos
Resumo Abstract
O artigo analisa registros policiais de The present article analyses police re-
casos de desaparecimento de pessoa cords for missing persons that were regis-
produzidos e arquivados em delegacias tered and filed in police stations of Rio de
de Polícia Civil do Rio de Janeiro entre Janeiro from 2005 to 2009. It argues that
2005 e 2009. Argumenta-se que esses these documents are not only material
papéis não são apenas rastros materiais traces of the facts therein registered, but
das ocorrências neles registradas, e sim also the driving forces for two main pro-
forças motrizes de dois processos princi- cesses through which missing persons
pais através dos quais desaparecimentos cases are managed. The first process is
de pessoa são administrados. O primeiro é a statement of position towards the cases
a tomada de posição por parte de policiais constructed by police officers out of the
diante dos casos, a partir do par de opostos opposing pair “a family problem” and
“problemas de família” e “problemas de “a police problem”. The second process,
polícia”. O segundo, que ganha sentido which makes sense within the framework
no marco do primeiro, é a delegação de of the first, is the delegation of responsi-
responsabilidades às famílias dos desapa- bilities to the missing persons families,
recidos, que acabam por gerir e mesmo who ultimately manage and even solve
solucionar os casos por meio de compro- the cases by means of commitments,
missos, obrigações e afetos. obligations and affection.
Palavras-chave Desaparecimento de pes- Key words Missing persons, Police re-
soas, Registros policiais, Documentos. cords, Documents.