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GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES
INTERNACIONAIS
Instituto de Estudos Estratégicos

Universidade Federal Fluminense

Relações Internacionais – 1° Período

Introdução às Relações Internacionais

Alunos: Alessandra Lima Pereira

Enzo Mello Barroso Menucci

Professor: Thomas Heye

Ensaio Acadêmico

Tema: As correntes do realismo e idealismo na obra “Vinte anos de


Crise” de Edward H. Carr relacionadas à política externa brasileira no
Mercado Comum do Sul.
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1.1 Idealismo

No intuito de entender a guerra, o idealismo surge como área de estudo, visando


suas causas e consequências para que futuramente se possa evitá-la. “O desejo
passional de evitar a guerra determinou todo o curso e direção iniciais do estudo” 1, e
o Idealismo tornou-se movido majoritariamente pela ânsia de paz em detrimento da
observação crítica do cenário internacional.

Essa corrente teórica não considera a guerra como instrumento: “a guerra é produto
de uma ‘falha de entendimento’2, os indivíduos, e, portanto, os Estados não a
desejam; as nações que, por alguma razão, não compartilham do interesse comum
na paz seriam irracionais e imorais”. Propõe, então, a criação de estruturas
institucionais internacionais, onde os Estados teriam um espaço de interação para a
resolução de conflitos sem recorrer ao uso da força, reconstituindo a ideia de
segurança coletiva – este seria o projeto da Liga das Nações como instituição
internacional da resolução diplomática de conflitos.

Carr não menospreza a utopia, pelo contrário, ele acha que “o desejo é o pai do
pensamento”, porém não se deve parar apenas na fase do desejo, pois um
pensamento focado apenas nessa fase é um pensamento ingênuo, imaturo. Por
outro lado, um pensamento focado apenas na análise é um pensamento de velhice;
o pensamento maduro deve combinar desejo + análise.

O Idealismo pressupõe a existência de uma harmonia de interesses entre os


indivíduos e os Estados; prega que os mais altos interesses dos primeiros coincidem
com os mais altos interesses do último, e, portanto, “ao visar seu interesse próprio, o
individuo visa o interesse da comunidade, e promovendo o interesse da

1 CARR, Edward Hallett, Vinte Anos de Crise: 1919 – 1939, pag 11. Brasília, Editora Universidade
de Brasília, 2001

2 CARR, Edward Hallett, Vinte Anos de Crise: 1919 – 1939, pag 37. Brasília, Editora Universidade
de Brasília, 2001
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comunidade, promove o seu próprio interesse” 3, derivando daí uma certa obrigação
ética de agir conforme haja mais benefícios para a comunidade como um todo.

O idealismo gerou algumas outras críticas, principalmente ao praticamente legitimar


a posição dos aliados (vencedores da 1ª guerra), na tentativa de desestimular os
demais Estados a fazerem novas guerras para reaverem seus prejuízos. Entretanto,
o idealismo visa à manutenção do status quo político e possui caráter normativo.
Estabelece determinados padrões de comportamento que todos os Estados devem
seguir para que não haja guerra, mas isso não é possível. A Razão de Estado,
conceito que pressupõe a tomada de medidas que visem a sobrevivência do seu
próprio Estado, impede que todos sigam esse padrões determinados.

Existem duas principais vertentes dentro da corrente idealista durante o período


entre guerras: o Idealismo Racional e o Idealismo Liberal. Para o Idealismo
Racional, a guerra, por ser desvantajosa e sem sentido, não faz parte dos Estados,
uma vez que estes são racionais. Em uma primeira análise, ela seria gerada a partir
de falhas na comunicação e suas vantagens seriam vulneráveis (como por exemplo,
a conquista de territórios). Há então a criação do Direito Internacional e suas
instituições, no intuito de convencionar regras impondo padrões para que o
comportamento dos Estados possa ser previsto.

O liberalismo liberal, foca majoritariamente no livre comércio e na democracia, que


segundo a filosofia da corrente, podem gerar paz. A opinião pública tem papel
importante para o idealismo, pois, a partir dos pensamentos de Kant e Rousseau
que diziam que as guerras eram consequências de disputas individuais dos
príncipes, chegou-se a conclusão de que governos democráticos tenderiam
naturalmente a paz.

Geralmente, as guerras são fruto de governos ditatoriais, monárquicos e não de


governos democráticos, já que durante uma guerra a população é a camada mais
atingida. No entanto, o argumento de “levar a democracia a todos” também pode ser
utilizado para começar guerras.

3 CARR, Edward Hallett, Vinte Anos de Crise: 1919 – 1939, pag 59. Brasília, Editora Universidade
de Brasília, 2001
4

O Livre comércio seria uma alternativa mais viável que os conflitos armados porque
se acreditava que a partir dele todos lucrariam. Entretanto, o liberalismo se mostrou
com expansão indeterminada, passando a visar a eliminação da concorrência. Logo,
a ideia de que o interesse individual é o mesmo do interesse do conjunto passou a
ser cada vez menos utilizado, pois nessa competição o interesse individual estava
acima da impossibilidade de prejudicar o próximo. Estabeleceu-se uma ideia de bem
comum que não se mostrou na prática, uma vez que passou a ser um disfarce para
os interesses de um pequeno grupo dominante do sistema internacional.

1.2 Realismo

Tucídides com Anarquia, sobrevivência e balança de poder; Maquiavel com o


Estatocentrismo e a razão de Estado, juntamente de Hobbes com Estado de
Natureza (guerra de todos contra todos), estatocentrismo, racionalismo e anarquia,
podem ser considerados a tríade de principais autores da teoria realista.

Para os realistas, o Estado é o principal ator. É o único importante no Sistema


Internacional, independentemente de sua política doméstica. Apenas sua ação no
plano internacional é considerada. Essa característica gera a anarquia do Sistema
Internacional: O Estado é soberano e não existe nenhuma autoridade que o
transcenda, ou seja, não há um “leviatã” internacional. A sobrevivência é o principal
interesse dos Estados, sem o qual é impossível atingir qualquer outro objetivo.
Cada Estado determina sua própria posição no Sistema Internacional, ou seja,
demonstra sua capacidade. Os Estados agem de forma egoísta porque nenhum
outro Estado vai tentar protegê-lo ou ajudá-lo; não há busca pelo bem comum.
Entretanto, para garantir sua segurança, o Estado pode criar alianças para fazer
frente a um Estado mais forte e equilibrar a balança de Poder.

Carr ressalta que “os três princípios essenciais, implícitos na doutrina de Maquiavel,
são as pedras fundamentais da filosofia realista” 4. Destaca-se em um primeiro
momento que a história é determinada por uma lógica de causa e consequência. O
“esforço intelectual” visa à compreensão da história, mas não é viável que haja a

44CARR, Edward Hallett, Vinte Anos de Crise: 1919 – 1939, pag 85. Brasília, Editora Universidade
de Brasília, 2001
5

utilização da imaginação, forma como muitos idealistas agem. Depois, o


reconhecimento de que sem os acontecimentos históricos não é possível que as
teorias surjam. E por último, a ética é uma função da política. “Maquiavel
reconheceu a importância da moral, mas pensava não poder existir nenhuma moral
efetiva onde não houvesse uma autoridade efetiva. A moral é produto do poder” 5.

Quanto a Thomas Hobbes, filósofo e teórico inglês no século XVII, também se pode
perceber a profunda influencia que possui na corrente realista. Em sua obra O
Leviatã, de 1651, ele analisa o estado de natureza humano. Devido possuírem
vontades e em um determinado momento desejarem a mesma coisa, os homens
disputariam uns com os outros. Assim, a guerra e consequentemente a
demonstração de força seriam as formas para obter esses bens, como também para
obter a sobrevivência. Logo, o homem em seu estado de natureza é inclinado à
barbárie. Nesse sentido, conclui-se que Hobbes considera que as relações entre os
homens é anárquica e é exatamente dessa maneira que os realistas enxergam o
cenário internacional. A arena das Relações Internacionais, de acordo com esse
esquema interpretativo, reproduz o cenário hobbesiano de incerteza e guerra
perpétua de todos contra todos, no pré-civilizacional estado de natureza. Composto
por Estados soberanos, o Sistema internacional é palco propício para diversos
conflitos entre eles, a fim de manter sua soberania e sobrevivência. As estratégias
no âmbito da segurança são, então, de fundamental importância para os realistas.

Entretanto, a concepção realista também possui problemáticas. A primeira


caracteriza-se pelo fascínio dos realistas pelo passado. Segundo Carr, “o realista,
enraizado no passado, pensa em termos de causalidade” 6, dessa forma, não há
perspectivas em alterar o cenário contemporâneo do realista. Carr ressalta que o
maior vício do realista é a esterilidade, ou seja, a improdutividade de elementos
capazes de alterar a situação atual do Sistema Internacional. Por ser definido como
anárquico, o cenário político internacional está sempre esperando uma próxima

5 CARR, Edward Hallett, Vinte Anos de Crise: 1919 – 1939, pag 85. Brasília, Editora Universidade
de Brasília, 2001

6 CARR, Edward Hallett, Vinte Anos de Crise: 1919 – 1939, pag 18. Brasília, Editora Universidade
de Brasília, 2001
6

guerra, o que acaba gerando uma concorrência de poderio dos Estados. Há ainda a
questão da governabilidade, já que não existe nada acima dos Estados que possa
estabelecer a ordem. Carr afirma que “embora preponderante em termos lógicos,
não nos dá as fontes de ação que são necessárias até mesmo para o
prosseguimento do pensamento”7.

2. Política externa brasileira no MERCOSUL: Realismo ou Idealismo?

Afundado em uma crise política de proporções lamentáveis, o Brasil encontra-se


com muitas dificuldades para reerguer-se. Seja em âmbito econômico ou âmbito
político, a situação está extremamente caótica, conferindo má fama no cenário
Internacional. Estado presente em diversos blocos políticos e econômicos, como o
BRICS, o país já vem enfrentando “desentendimentos” com a Rússia, por exemplo.
Por ser o maior representante do Mercosul, o Brasil naturalmente possui maior
destaque quando comparado às outras nações integrantes do bloco. Entretanto,
essa maior notoriedade pode ser encarada como um problema em momentos de
crise, pois dificulta negociações e interações no cenário internacional a todos os
países membros.

Na votação ocorrida no dia 27/06/2017 (terça-feira) 8 parlamentares da União


Européia enviaram uma carta à Bruxelas pedindo a não firmação do acordo de livre-
comércio com o Mercosul, visto os recentes acontecimentos na política doméstica
brasileira e o ar de instabilidade que se apresentou com a delação do empresário
Joesley Batista sobre o presidente Michel Temer 9. O acordo, que teve suas
negociações iniciadas em 1999, entrava agora em uma das fases finais do processo.

Outro ponto importantíssimo para o entendimento da atual relação do Brasil com o


Mercosul e sua política externa é a falta de uma agenda para as futuras ações

7 CARR, Edward Hallett, Vinte Anos de Crise: 1919 – 1939, pag 117. Brasília, Editora Universidade
de Brasília, 2001

8 CANAL RURAL, Crise no Brasil afeta acordo entre União Europeia e Mercosul.

9 FOLHA DE SÃO PAULO, Temer é gravado por dono da JBS em conversa sobre Cunha.
7

internacionais. Uma das mais duras críticas ao atual governo brasileiro é a de não se
preocupar com suas relações exteriores como deveria. Talvez a crise econômica, e
sobretudo política, do Brasil exija uma maior “concentração de forças” na política
doméstica, subtraindo a pouca influência que a diplomacia exerce desde
acontecimentos recentes10.

Para um país que emergia como um grande nome da diplomacia, ou ao menos


tentava, o Brasil, que antes dialogava com autoridade com países da África e da
América do Sul, que buscava relações mais estreitas com a China e a Ásia em geral,
que pleiteava um assento permanente no Conselho de Segurança da Organização
das Nações Unidas, agora se vê perdido e sem um programa de política externa
desenhado.

É necessário que o Brasil assuma uma postura de saída dessa crise nos ambientes
externos e organizações multilaterais defendendo os seus interesses de Estado,
algo próximo do que já foi feito quando o país firmou a criação do Mercosul 11, junto
com a Argentina, o Uruguai e o Paraguai, e conforme foi se destacando como maior
influência no bloco. Da mesma forma que essa organização, no qual segurança
alimentar e energética são de extrema importância, representa uma alternativa às
organizações internacionais ao se apresentar com uma face de soberania sul-
americana, tratando com prioridades assuntos relativos a esses próprios Estados.

Em contrapartida, deve-se compreender que esses recentes pensamentos


exteriorizados pela União Europeia relativos ao Mercosul são apenas mais uma
dificuldade a ser enfrentada pelo bloco, que tem de lidar com o afastamento do
Uruguai, o chamado “Uruexit” 12, e com a negação do pedido de ingresso da
Venezuela em 2012.

10 CELESTINO, Helena. Diplomacia sem dinheiro.

11 Embora tenha assumido, também, uma postura idealista ao fazer parte de um grupo de países que fundavam
uma organização internacional e multilateral. O mesmo pode ser inferido das evoluções políticas e
econoômicas do Mercosul, com a criação de um parlamento e do anseio por uma cadeira como membro efetivo
do Conselho de Segurança da ONU.

12 MARTÍNEZ, Magdalena. ‘Uruexit’: o Uruguai se afasta do Mercosul.


8

3. Considerações finais

Há um relativo tempo, o Brasil já não é mais aquele influente regional e parceiro


diplomático do auge de sua emergência econômica. O país enfrenta problemas
internos graves com acusações de golpe institucional no governo e com o presidente
enfrentando denúncias de corrupção, sem contar as tentativas de saída da crise
econômica através de medidas de austeridade que desagradam grande parcela da
população.

A ação tomada pelos parlamentares europeus quanto ao afastamento do bloco sul-


americano é nada mais do que compreensível, dada a instabilidade do maior nome
do bloco.

A presidência de Trump e suas promessas de afastamento da China, maior parceiro


econômico do Brasil, são, também, uma grande razão para ficarmos atentos aos
próximos passos, uma vez que o próprio Mercosul vai de encontro ao seu declínio
econômico e a China se sobressai como grande negociador com o próprio Uruguai
depois dos distanciamento do Mercosul.

Em conforme com o que foi apresentado, é crucial para que o Brasil, embora incline-
se ora para o idealismo, ora para o realismo, que assuma um plano de política
externa definitivo de interesse puramente nacional seja com a Europa ou com a
China, em confronto à quase paralisia atual da diplomacia brasileira.
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4. Referências Bibliográficas

CARR, Edward Hallett, Vinte Anos de Crise: 1919 – 1939. Brasília, Editora
Universidade de Brasília, 2001.

CANAL RURAL, Crise no Brasil afeta acordo entre União Europeia e Mercosul,
2017. Disponível em: http://www.canalrural.com.br/noticias/noticias/crise-brasil-afeta-
acordo-entre-uniao-europeia-mercosul-67925, acessado em 28 de junho de 2017.

FOLHA DE SÃO PAULO, Temer é gravado por dono da JBS em conversa sobre
Cunha, 2017. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/05/1884926-
audio-mostra-temer-dando-aval-a-compra-do-silencio-de-cunha-diz-jornal.shtml,
acessado em 28 de junho de 2017.

AMARAL,Roberto. Análise: O Brasil, a América do Sul e a integração regional, 2014.


Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/internacional/o-brasil-a-america-do-
sul-e-a-integracao-regional-8749.html, acessado em 28 de junho de 2017.

CELESTINO, Helena. Diplomacia sem dinheiro, 2015. Disponível em:


https://oglobo.globo.com/mundo/diplomacia-sem-dinheiro-17231054, acessado em
28 de junho de 2017.

MARTÍNEZ, Magdalena. ‘Uruexit’: o Uruguai se afasta do Mercosul, 2016. Disponível


em: http://brasil.elpais.com/brasil/2016/12/23/economia/1482447953_714254.html,
acessado em 29 de junho de 2017.

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