Professional Documents
Culture Documents
net/publication/320935389
CITATIONS READS
0 13
7 authors, including:
SEE PROFILE
Some of the authors of this publication are also working on these related projects:
QUALIDADE DE VIDA EM MULHERES COM EPISÓDIOS REACIONAIS HANSÊNICOS EM USO DE PREDNISONA NO MUNICÍPIO DE ROLIM DE
MOURA-RO View project
All content following this page was uploaded by Eraldo Carlos Batista on 08 November 2017.
RESUMO: O presente artigo teve como objetivo compreender a percepção de mulheres que
trabalham como profissionais do sexo sobre os fatores inerentes à profissão. Como método
utilizou-se a pesquisa qualitativa descritiva de natureza exploratória. Participaram três
profissionais do sexo com idade entre 26 e 35 anos. A coleta das informações forma obtidas
por meio de entrevista semiestruturada, a observação e diário de campo e a análise se deu por
meio da análise temática. Os resultados encontrados por meio dos depoimentos das
participantes mostraram a existência de ambivalência de sentimentos, perpassando a euforia até
o descontentamento com a profissão. Conclui-se que o trabalho como profissional do sexo
proporciona satisfação relacionada ao fácil acesso ao dinheiro, ao sentimento de liberdade e
autonomia, entretanto, os estigmas e os preconceitos vivenciados pelas mulheres provocam
sentimento de insegurança com relação ao futuro, tristeza e decepção.
1
Bacharel em Psicologia
Mestre em Psicologia, professor do Departamento de Enfermagem da Faculdade São Paulo – FSP de Rolim de
2
INTRODUCÃO
O termo prostituição, deriva do latim prosto, que quer dizer “estar às vistas, à espera de
quem quer chegar ou estar exposto ao olhar público [...] é a prática sexual remunerada habitual
e promíscua” (FRANÇA 2012, p.145). Os significados da palavra prostituição podem dar
conotação nos variados contextos, destacando-se os mais usuais: “expor algo publicamente”,
__________________________________________________________________________________________
Rev. Saberes, Rolim de Moura, vol. 3, n. 2, jul./dez., p. 63-75, 2015. ISSN: 2358-0909
64
A Prostituição Sob a Ótica das Profissionais do Sexo
________________________________________________________________________________________________________________
justamente a forte repressão do comportamento promíscuo que tanto fortalece esse imaginário
mantendo-o sempre presente.
Não existem motivos universais para que uma mulher se prostitua, cada prostituta teve
seus próprios motivos para nesse ramo ingressar. Algumas acreditam que não há maneira mais
prazerosa de ganhar a vida, outras não possuem alternativas, a não ser alugar o corpo. Umas
precisam colocar comida dentro de casa, outras precisam pagar a mensalidade da faculdade,
seja lá qual for a motivação para prostituir-se, as questões se avultam ao passo em que as
reflexões se direcionam ao tema (ROBERTS, 1998).
Apesar da pluralidade dos motivos, do ato de prostituir-se, algumas pesquisas
conseguiram determinar alguns problemas sociais que podem contribuir para o fenômeno social
“prostituição”. Pobreza, uso de substâncias ilícitas, estrutura familiar deficitária, abuso sexual
etc., são fatores que facilitam a entrada na prostituição (RODRIGUES, 2009).
Frente a estes fatos, não podemos considerar a prostituição como sendo uma noção única
e impermeável, na verdade existem várias prostituições, que nos desafiam a refletir sob
perspectivas amplas: Sociologia, Economia, Psicologia, Filosofia, Antropologia, Biologia e, é
claro, Políticas Públicas. E como resultado de reflexões nessas áreas notou-se mudança no
modo como a sociedade atribui significado a prostituição:
Nestas condições, o sexo revela-se como uma mercadoria que movimenta dinheiro,
sendo fonte de renda. Por vezes, há que se considerar, que alguns moralistas lutam
incessantemente contra a promiscuidade, pelo fato de não saberem lidar com seus desejos
promíscuos.
A partir de alguns conceitos trazidos no bojo de reflexões de estudos sobre a prostituição
e suas nuances, bem como do quadro descritivo sobre o trabalho de mulheres profissionais do
sexo é que o presente estudo se apresenta. A complexidade do tema e do grupo estudado
impulsionou a busca pelo fenômeno, na dimensão subjetiva, a partir do vivido, e o que ele
significa para quem o vive. Nessa direção, a questão norteadora foi: qual o sentido atribuído à
prostituição como profissão pelas profissionais do sexo, vinculadas a uma casa de prostituição?
Partindo dessa questão, o objetivo do presente estudo foi compreender o sentido que
profissionais do sexo atribuem a sua profissão.
Diante disto, este estudo constitui uma tentativa de contribuir para a discussão sobre a
__________________________________________________________________________________________
Rev. Saberes, Rolim de Moura, vol. 3, n. 2, jul./dez., p. 63-75, 2015. ISSN: 2358-0909
66
A Prostituição Sob a Ótica das Profissionais do Sexo
________________________________________________________________________________________________________________
percepção das mulheres profissionais do sexo sobre os fatores envolventes na prostituição como
profissão. Destacando a concepção que essas mulheres possuem de sua atividade profissional
como os dilemas enfrentados no seu cotidiano, derivados do estigma a elas dirigido, das
contradições nas relações com os clientes, das dificuldades enfrentadas com seus familiares e
de suas perspectivas para o futuro.
2 MÉTODO
__________________________________________________________________________________________
Rev. Saberes, Rolim de Moura, vol. 3, n. 2, jul./dez., p. 63-75, 2015. ISSN: 2358-0909
67
A Prostituição Sob a Ótica das Profissionais do Sexo
________________________________________________________________________________________________________________
3
Que originou-se do masculino "cafetão". É o mesmo que CAFTINA, que no Dicionário Priberam da Língua
Portuguesa (2001), quer dizer: mulher dona de Bordel, que tem negócios de meretrizes. Senhora responsável por
uma casa de diversão masculina, bordel. Cuida das "meninas" e de suas respectivas agendas.
__________________________________________________________________________________________
Rev. Saberes, Rolim de Moura, vol. 3, n. 2, jul./dez., p. 63-75, 2015. ISSN: 2358-0909
68
A Prostituição Sob a Ótica das Profissionais do Sexo
________________________________________________________________________________________________________________
Bem, eu vim da capital, sou casada e tenho trinta e cinco anos. Para meu marido eu
falo que trabalho com confecções e venda de roupas (riso). Já estou nessa vida há mais de dez
anos. Por que eu quis fazer programa? hum ...estou nesta vida, porque meu marido é muito
parado, e não dá pra gente tudo que a gente precisa. Tenho 2 filhos, é um casal. Eu tiro uns
R$ 7.000,00 à R$ 8.000,00 mil por mês, sempre invisto o dinheiro, já comprei carro, uma moto,
uma casa, e já reformei a casa dos meus pais e sustento eles também. Az vezes me sinto sozinha
quando vou dormir.
Eu vim de uma cidade próxima a capital, tenho vinte e oito anos, sou separada e tenho
um filho. Meu filho fica sempre com minha irmã, também sustento ela. Eu estou nesta vida
porque aqui o dinheiro entra rápido. Então, com dois dias aqui e já ganhei R$500,00 e em
outro serviço ‘num’ consigo isso. ‘Num’ tenho estudo, meu ex-marido está preso eu não recebo
pensão, quando não venho prá cá vou pra outras cidades do estado e também para uma cidade
do estado de Matogrosso. Em Matogrosso é melhor pra ganhar dinheiro, mas eu gosto mais
desse lugar aqui. Eu não tenho nenhum problema com a dona daqui, essa Cafetina é dez (risos).
Eu não pego qualquer homem, eu sempre escolho. Uma vez eu tentei trabalhar em um
restaurante, mas não consegui, não deu certo, os homens ficaram me olhando e eu me senti
mal. As vezes aqui eu sinto uma solidão muito grande quando acordo...Sempre vou dormir de
porre, mas quando acordo com ressaca é terrível... eu não desejo essa vida pro meu filho de
jeito nenhum.
Eu tenho vinte e seis anos vim de outra cidade. Eu tenho outra profissão, eu fiz curso
de panificação, já trabalhei em algumas empresas, mas o dinheiro não dava, não era suficiente.
Eu tinha um salário de R$ 2.000,00, mas aqui eu ganho muito mais. Sobre o que eu penso sobre
essa profissão? Bem aqui não é fácil, mas como falou a Paola. o dinheiro aqui entra rápido,
eu não faço o que não quero, somente aceito programa com homem... com a Cafetina me dou
bem, até mesmo porque eu não fico em zona com a dona enjoada, e eu mando pra ‘PQP’ se for
__________________________________________________________________________________________
Rev. Saberes, Rolim de Moura, vol. 3, n. 2, jul./dez., p. 63-75, 2015. ISSN: 2358-0909
69
A Prostituição Sob a Ótica das Profissionais do Sexo
________________________________________________________________________________________________________________
chata. sobre meu futuro? Hum... eu não sei o que vai acontecer quando eu ficar velha, nem
quero pensar.
5 ANÁLISE E DISCUSSÃO
Quanto a relação das prostitutas com a Cafetina, observa-se certa independência por
parte das profissionais do sexo, sendo que estas podem optar pela escolha de seus clientes, bem
como estabelecer seus horários, além de poderem escolher quando trabalhar ou não. “essa
Cafetina é dez” (Paola); “não fico em zona com a dona enjoada, e eu mando pra ‘PQP’ se for
chata” (Flor). Porém, mesmo com certa “liberdade”, as profissionais ainda estão sujeitas aos
mandos da Cafetina, e mesmo assim, permanecem nesta condição pelo “dinheiro fácil”, mesmo
descrevendo sua profissão como desagradável e sinalizando o interesse em deixar a prática.
Outro fator importante é a relação da profissional com o cliente. De acordo com os
depoimentos, as interações estabelecidas e referidas pelas participantes do estudo denotam certa
autonomia na hora de negociar o programa “eu não faço o que não quero, somente aceito
programa com homem [...]” (Flor); “eu não pego qualquer homem, eu sempre escolho”
(Paola). Contudo, elas possuem a clareza de que essas interações são mediadas pela incidência
do estigma que traz dilemas no contexto da negociação e na realização do programa.
Com relação ao tempo que faziam programas, observa-se que as entrevistadas estão
nessa atividade há pelo menos 07 anos. “Estou nessa vida há mais de 10 anos” (Gigi); “faço
programas desde meus 20 anos” (Paola). “Entrei nessa vida aos 19 anos” (Flor). A
__________________________________________________________________________________________
Rev. Saberes, Rolim de Moura, vol. 3, n. 2, jul./dez., p. 63-75, 2015. ISSN: 2358-0909
70
A Prostituição Sob a Ótica das Profissionais do Sexo
________________________________________________________________________________________________________________
No que se refere a perspectivas para o futuro, fica evidente certa insegurança por parte
das participantes. Tal evidência pode ser notável diante do que foi relatado por algumas das
profissionais: “eu não sei o que vai acontecer quando eu ficar velha, nem quero pensar” (Flor).
Por se tratar de uma profissão onde o corpo é o produto de oferta, a preocupação com a idade
foi relatada por todas as participantes do estudo. A idade da prostituta é considerada, por elas,
como um dado do perfil que exerce grande influência, no âmbito da concorrência pelo cliente,
especialmente no momento de negociarem as condições do programa (GUIMARÃES;
MERCHÁN-HAMANN, 2005).
Nesse sentido, o trabalho excessivo é visto a priori como uma forma de conseguir o
máximo de recursos financeiro em curto prazo. De acordo com as entrevistadas, existem
cidades com maior procura pelos serviços sexuais “quando não venho prá cá vou pra
Chupinguaia ou Sapezal. Em Sapezal é melhor pra ganhar dinheiro, mas eu gosto mais desse
lugar aqui” (Paola). De acordo com uma das participantes para “aproveitar o momento bom
pra ganhar dinheiro já cheguei a fazer oito programas por dia em Chupinguaia” (Flor).
__________________________________________________________________________________________
Rev. Saberes, Rolim de Moura, vol. 3, n. 2, jul./dez., p. 63-75, 2015. ISSN: 2358-0909
71
A Prostituição Sob a Ótica das Profissionais do Sexo
________________________________________________________________________________________________________________
“eu sinto uma solidão muito grande quando acordo. Sempre vou dormir de porre, mas quando
acordo com ressaca é terrível [...] eu não desejo essa vida pro meu filho de jeito nenhum”
(Paola).
Nesse caso observa-se, que se por um lado a profissão proporciona certa liberdade,
autonomia e principalmente uma remuneração desejável, por outro lado, esta mesma profissão
revela-se como um peso na vida dessas mulheres, onde o estigma é experimentado no caso em
questão, de forma subjetiva. Conviver com essa “marca” é conviver com o estigma e
preconceitos impostos pela sociedade, é ter segundo Goffman (1988) o seu registro negativo,
descrito pela autora como identidade deteriorada. Ser prostituta é viver em plena condição de
exclusão, já que sua profissão interfere nas suas interações, seja no momento de exercer a
profissão, seja no momento de buscar serviços médicos ou mesmo em diferentes âmbitos da
vida íntima e social, Guimarães e Merchán-Hamann (2005), ou seja, a mulher fica assim,
marcada para o resto da vida.
Em termos gerais, percebe-se nos depoimentos das participantes, que a prostituição
como profissão surge da insatisfação, do desejo de mudar de vida, e esperança que esta
atividade possa atribuir-lhes um caminho, permitindo-lhes de certa forma, juntar dinheiro para
algum empreendimento, o sustento da família e o delas próprias. Porém, é notável o sentimento
de incerteza sobre o futuro...
Submeter-se a este contexto de exploração e riscos pode também ser explicado pelas
péssimas condições de vida dessas mulheres, por não terem estudo, não receberem
oportunidades no atual mercado de trabalho. Por fim, além de enfrentarem os riscos da
profissão, ainda se submetem aos julgamentos e olhares de desprezo e repúdio por parte da
sociedade em geral, sobretudo de grupos que defendem ferrenhamente a moral e os “bons
costumes”.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora, fosse notável a existência de algumas dificuldades iniciais no que diz respeito
a ordem conceitual e definição do caminho metodológico a percorrer, o estudo possibilitou a
inferência de alguns apontamentos conclusivos. De maneira geral pode-se observar, que as
profissionais do sexo, participantes demonstraram por meio dos seus discursos, ambivalência
nos seus sentimentos. Apresentando-se euforia e sentimentos positivos com relação a sua
profissão, porém demonstraram emocionalmente fragilizadas, indefesas e inseguras quanto as
suas perspectivas para o futuro como profissionais do sexo.
__________________________________________________________________________________________
Rev. Saberes, Rolim de Moura, vol. 3, n. 2, jul./dez., p. 63-75, 2015. ISSN: 2358-0909
73
A Prostituição Sob a Ótica das Profissionais do Sexo
________________________________________________________________________________________________________________
Também, foi possível concluir, que as profissionais do sexo, pertencem a uma classe
social desfavorecida, o que é ainda mais preocupante, pois a prostituição se fortalece com a
falta de oportunidades existente no país. Fato esse, que infelizmente corrobora outros resultados
de pesquisas realizadas no Brasil. O estudo ainda evidencia o ingresso dessas mulheres à
prostituição ao baixo nível socioeconômico aos quais são inseridas. Ou seja, são mulheres
oriundas da periferia, com baixa escolaridade e baixo poder aquisitivo. Nesse sentido, faz-se
necessário novos estudos dessa natureza, na região com maior número de participantes e com
grupos de mulheres que exercem a prostituição em outro contexto.
Por fim, entende-se que é preciso dar voz a estas mulheres, é preciso ouvi-las, é preciso
colocá-las em debate. Os avanços esperados na efetivação do exercício dos direitos daqueles
que trabalham como profissionais do sexo, não só dependem dos esforços dos defensores
externos dessa causa, mas acima de tudo, quando o principal ator envolvido for ouvido.
REFERÊNCIAS
__________________________________________________________________________________________
Rev. Saberes, Rolim de Moura, vol. 3, n. 2, jul./dez., p. 63-75, 2015. ISSN: 2358-0909
74
A Prostituição Sob a Ótica das Profissionais do Sexo
________________________________________________________________________________________________________________
PARKER, R.; BASTOS, C. A Aids no Brasil 1982-1992. Rio de Janeiro: Relume Dumará,
1994.
__________________________________________________________________________________________
Rev. Saberes, Rolim de Moura, vol. 3, n. 2, jul./dez., p. 63-75, 2015. ISSN: 2358-0909