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Devir-Imperceptível – Razão
Inadequada
Escrito por Rafael Trindade
6-7 minutes

Leitura por Maria Carolina Moracci,


Tocador de áudio

Um devir-imperceptível é mais como o som de uma explosão


estelar: silêncio puro” – D&G, Mil Platôs 4

O devir imperceptível é o último devir que podemos descrever, é


onde ele se afasta para além do que podemos colocar em
palavras. A Ética dos Devires encontra caminhos que só podem ser
experienciados, não interpretados, nem descritos. Não podemos
dizer o que existe para além do devir-imperceptível de cada um e
nem é de nossa conta. Cada um traça suas próprias linhas. Não
devemos imitar o devir dos outros, isso já é de certo modo falhar.
Todo devir é um portal que precisamos atravessar.

Devir é o mar no qual se navega (multiplicidade), é a superfície


plana que ameaça nos engolir. O devir-mulher é o porto do qual se
parte. Recolher as cordas, içar as velas, deixar para trás a
representação majoritária: homem-branco-heterossexual-etc…. As
minorias estão sempre mais próximas de devir. Apenas para fins
didáticos podemos dizer que depois do devir-mulher vem o devir-
criança, onde se aprende a jogar, aprende-se as regras do jogo

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para melhor brincar. Faz-se conexões, mergulha-se no múltiplo e


então entra-se em devir-animal! Neste momento, não somos mais
identidades fixas, somos enxame, matilha, manada, vírus!

Se o devir-mulher é o primeiro quantum, ou segmento molecular, e


depois os devires-animais que se encadeiam na sequência, em
direção a que precipitam-se todos eles? Sem dúvida alguma, em
direção a um devir-imperceptível. O imperceptível é o fim
imanente do devir, sua fórmula cósmica” – D&G, Mil Platôs 4, p.
76

– Heitor Magno

Ao deixar o porto e cruzar o horizonte, entra-se em devir-


imperceptível. Ele se mistura com a paisagem, é perspicaz, não se
deixa capturar. Está tão à vontade em seu espaço que não é
percebido, forças múltiplas se encadeiam sem dissolvê-lo.
Aumentar a potência é aumentar o número de dobras, aumentar a
complexidade. E lá, encontramos o silêncio, o inaudível, o inefável,
o sábio que se cala porque não há mais nada a ser dito. O sábio
mantém-se distante e misturado ao mesmo tempo, ele está no
centro e na borda, você pode vê-lo, mas ele não está lá. É como
um passe de mágica, uma potência que se apresenta, mas não
pode ser capturada.

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– Heitor Magno

Aprendemos assim a nos tornarmos mais sutis. Escapar do poder,


não ser pego pelo radar. Volta o anômalo, aquele que se destaca,
mas ao mesmo tempo não tem nome. Um avião que possui as
mais estranhas formas para não ser pego quando entra em campo
inimigo. O devir-imperceptível está sempre camuflado, ele
gasta o mínimo de energia e gera o máximo de potência, sua
fuga dos predadores é ativa. Seus grandes inimigos, aqueles que
querem mastigar sua carne suculenta, não o veem passar.

Mas como deslizar por entre as moléculas sem ser percebido? É


preciso tornar-se sutil, rápido, prestidigitador. “O malandro pra
valer, não espalha” (Chico Buarque), ele não é visto na manchete
dos jornais, “dizem as más línguas que ele até trabalha”. O devir-
imperceptível não arromba a porta, ele já tem a senha ou passa
pela fresta. Não ultrapassar um certo limiar de percepção, andar
pelas sombras, este é seu objetivo. Criar, sempre, mas longe dos
olhos ressentidos; expandir-se, mas evitando as armadilhas que o
poder coloca. Não se pode fazer isso sem eliminar o antigos
modelos molares. Agir silenciosamente pode ser o jeito mais vivo
de habitar este mundo.

As palavras mais quietas são as que trazem a tempestade.


Pensamentos que vêm com pés de pomba dirigem o mundo” –
Nietzsche, Assim Falou Zaratustra, “A hora mais quieta”

Esta é a diferença entre Fidel Castro e Che Guevara. Fidel fundou


um estado, Che foi para o Congo, depois para a Bolívia, onde
embrenhou-se nas florestas. O devir-revolucionário e o
imperceptível unidos. O mesmo vale para o devir dos soldados

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vietnamitas que assustava os soldados americanos: eles sumiam


por túneis rizomáticos sem deixar vestígios. Claro que é preciso
lutar, claro que estamos ativos e envolvidos pelos acontecimentos,
mas não nos deixamos qualificar pelo inimigo. Liberdade é ser
quem se é, sem se deixar capturar, nem pelos outros nem por si
mesmo.

Tornamo-nos usinas de modificações imperceptíveis e


incapturáveis” – Luiz Fuganti, Saúde, Desejo e Pensamento

– Heitor Magno

É preciso aprender a ser como tudo mundo. É diferente ser todo


mundo, no sentido do senso comum, do homem comum, da vida
comum; e devir-todo-mundo, no sentido de criar um mundo, povoar
um deserto. No segundo caso, algo nasce, uma transparência, uma
sociedade secreta. O devir-todo-mundo é uma ligação estreita com
a realidade, a tal ponto de não ser notada, de ganhar mais
velocidade do que os olhos podem acompanhar.

– Heitor Magno

Todos os devires criam outras existências, que passam por baixo


dos estratos molares. A Ética dos Devires é uma forma de tornar-
se cada vez mais imperceptível, porque não está fundado no
reconhecimento, não nasce nos olhos e consciências alheios, não

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busca a aprovação de desconhecidos, sua política é menor, sua


atuação é por matilhas, seu jogo lembra o de uma criança.

Devir todo mundo, fazer do mundo um devir, é fazer mundo, é


fazer um mundo, mundos, isto é, encontrar suas vizinhanças e
suas zonas de indiscernibilidade” – D&G, Mil Platôs 4, p. 77

Texto da série: Ética dos Devires

– Heitor Magno

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