A percepção do legado colonial acerca da concentração de terras e as implicações
sociais relativas a ela torna patente a necessidade de ações políticas na contramão desta tendência. E, embora tal tema envolva instituições, movimentos sociais, discussões ideológicas, mazelas sociais e conflitos de interesses ao longo do processo histórico, convém não ser demasiado extenso e se ater, por hora, às ações políticas sob o contexto atual. À primeira vista, salta aos olhos que, em parte, o conceito de reforma agrária tem ganhado novos contornos, os quais o tornam ligado aos interesses do capital. De um conceito mais ortodoxo e que defendia a desapropriação dos latifúndios com o intuito de diminuir a concentração de terras e propiciar justiça social, a reforma agrária passou a dizer respeito à indenização financeira a titulares e grileiros de terras(necessariamente improdutivas), com intuito de atender a interesses mercantilistas. E isto é perceptível no Estatuto da Terra(1964), na Lei Agrária(1993) e até mesmo na lei maior, a Constituição Federal de 1988. É digno de nota que tal constituição, que por alguns é classificada como progressista, delimita a desapropriação apenas aos casos de improdutividade da terra. Além disto, determina o pagamento de indenização, em títulos da dívida agrária, aos seus proprietários. Vale acrescentar, ainda, que a MP 2.183 de 24 de agosto de 2001, editada durante o governo FHC, penaliza ocupações por movimentos sem terra. Porém, deve-se salientar, há a visão de que a reforma agrária deve se estender além das desapropriações de terras. Neste âmbito, é válido observar que nos últimos anos tornou-se comum no Brasil, como uma política de governo, a incorporação de assentamentos por meio da regularização de terras. Não é ponto de vista pacífico, entretanto, se isto de fato pode ser considerado como reforma agrária, uma vez que tal tipo de ação política não têm impactado de forma relevante a alta concentração de terras tão característica do país. Outro aspecto relevante a ser percebido são as ações políticas atuais não necessariamente ligadas à distribuição/redistribuição de terras, mas relacionadas ao desenvolvimento da agricultura promovida por pequenos agricultores e suas famílias. Muitas destas ações podem auxiliar e fortalecer os pequenos produtores. Exemplos são o PRONERA(Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária) e a lei de Assistência Técnica e Extensão Rural. Também não se pode falar de assistência ao pequeno produtor sem citar o MDA(Ministério do Desenvolvimento Agrário), o qual concentra vários programas voltados a este público. Programas estes, diga-se de passagem, tangentes a financiamentos, à regularização de terras, ao beneficiamento de alimentos, à garantias, ao acesso à educação etc. Ressente-se, todavia, de políticas que estimulem a permanência da juventude no campo, diminuindo o êxodo rural. Apesar de já terem começado articulações neste sentido, ainda não se faz sentir seus efeitos. Tais políticas são essenciais para a manutenção e valorização, no decorrer das gerações, do modo de vida do pequeno produtor e da agricultura familiar. E, ao passo que existem ações políticas com intuito de resguardar o pequeno agricultor e conscientes de que uma reforma agrária deve ir muito além da simples distribuição de terras, também há uma política muito mais intensa e que visa fomentar o agronegócio. Tal dualidade política, diga-se, propicia substancialmente o aumento dos conflitos de terras, uma vez que as terras dos pequenos produtores se tornam mais interessantes à gana insaciável dos grandes do agronegócio, os quais possuem poderosos meios de coerção econômica, política, jurídica e física para atingirem seus objetivos. Mas, concomitante a tudo isto, é preciso perceber que, em um país continental como o Brasil, não é de se esperar homogeneidade sobre esta questão em foco. Cada região apresenta suas especificidades no que concerne a este tema da reforma agrária e distribuição de terras. Sobretudo a região sul, cujo processo histórico de colonização foi essencialmente diferente ao das outras regiões. Então, considerando a ampla complexidade e diferenciação regional e social, é errático considerar uma política de reforma agrária única para todo país. Não menos obtuso é compreender a reforma agrária como mera política de redistribuição de terras ou de regularização de assentamentos. Ela, a reforma agrária, deve ir muito além disto. É evidente também que se deve desestimular, como política pública, o desenvolvimento da agricultura convencional, uma vez que ela, por concorrer nos mesmos espaços, coibe o salutar desenvolvimento do pequeno agricultor. Ou seja, a reforma agrária deve ser mais humana e, ao tempo que contrarie o sistema mercantilista hegemônico, ser mais afinada com o seu objetivo original: promover a justiça social.