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MODELAGEM DE TRANSPORTES: ESTADO-DA-PRÁTICA,

CRÍTICA, AVANÇOS E DESENVOLVIMENTOS

Júlio Celso Vargas


PPGEP – Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção
UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul

RESUMO
Esta é uma breve tentativa de sintetizar e produzir uma resenha crítica a respeito da modelagem tradicional de
transportes, qual seja, aquela baseada na estrutura de quatro etapas. A adequação e as limitações deste framework
são elencadas, analisando-as frente às tendências recentes de planejamento em transportes que, por sua vez, se
inserem no marco contemporâneo da mobilidade sustentável. Questões relativas à evolução teórica,
metodológica e tecnológica são tratadas, apontando alguns caminhos para a superação das restrições do modelo
Quatro Etapas e para um atendimento mais amplo, abrangente e preciso das demandas atuais da área.

ABSTRACT
This article reports a brief attempt to produce a critical review of the traditional transportation modelling
approach, which is based mainly on the Four Step structure. The adequacy and limitations of this framework are
presented, analyzing them in face of the recent tendencies of transportation planning, which, for its turn, are
embedded in the broad context of Sustainable Mobility. Issues regarding the theoretical, methodological and
technological evolution are discussed, pointing some roads for overcome the Four Step Model shortcomings and
for a wider, comprehensive and precise attendance of the current demands of the area.

1. INTRODUÇÃO
A modelagem de transportes (fundamentalmente da demanda) tem sido dominada nas últimas
décadas pela abordagem “tradicional” das quatro etapas (four step modelling), um framework
que pode ser visto como uma aplicação particular das Análises de Sistemas de Transporte
(TSA), estabelecido nos EUA durante a época de intenso desenvolvimento e crescimento
econômico do pós-segunda guerra, a partir dos anos 1950, quando houve um grande boom de
investimentos em projetos de infraestrutura rodoviária. Foi estabelecida formalmente a
ligação entre as viagens e as atividades (ou uso do solo), levando à construção desta
abrangente estrutura de trabalho.

Basicamente, é possível entender o Four Step em dois grandes estágios - um primeiro onde
as características dos viajantes e dos usos do solo são estudadas, calibradas e validadas para
produzir uma estimativa de demanda (geralmente apresentada na forma de matrizes O-D), e
um segundo onde tal demanda é carregada na rede de transporte, em um processo de busca de
equilíbrio formal de escolha de rotas.

As viagens são vistas como derivadas da necessidade de participação em atividades e, na


prática, os deslocamentos são modelados com base nas próprias viagens, a partir de dados de
origem e destino (ao invés de alguma eventual aproximação mais voltada às atividades-fim).
À medida que as etapas se sucedem no processo, a importância das características da própria
viagem aumenta, enquanto a das atividades diminui.

Essa lógica é amplamente aceita e empregada na prática, mas as críticas e o registro de suas
deficiências são crescentes, desde, aproximadamente, meados da década de 1970, pois, apesar
de ela ter funcionado bastante bem para os níveis agregados de análise e planejamento, tem
falhado em testes mais críticos de políticas de transporte, tanto do lado da demanda quanto do
da oferta (MacNally, 2007).

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Atualmente, as profundas mudanças na sociedade e a consolidação de novos paradigmas
urbanos, ambientais e energéticos surgidos naquela década têm levado a um significativo
movimento de contestação das lógicas tradicionais, sobretudo nos EUA, onde o processo de
espalhamento urbano com baixas densidades e separação de atividades, conseqüente
rodoviarização (com baixa cobertura de transporte coletivo e altíssima dependência do
automóvel), leva a pesquisa integrada em transportes e planejamento urbano a voltar sua
atenção fortemente para o problema da diminuição do uso dos veículos particulares.

Este objetivo relaciona-se às reflexões globais a respeito do clima do planeta (diminuição das
emissões de CO2), à racionalidade no uso dos recursos naturais, humanos e econômicos e à
própria racionalidade da vida nas cidades (que deve ser defendida), e também aos esforços de
reversão de tendências nocivas à saúde biológica do ser humano, cada vez mais sedentário e
dependente do veículo particular, em um contexto estruturado fortemente pelo conceito de
sustentabilidade (Ewing, 2002).

Do ponto de vista específico da modelagem, o movimento é de migração da predição direta de


fluxos para, entre outros avanços, o entendimento das escolhas mais prováveis a serem feitas
pelas pessoas e firmas. Verifica-se a construção de uma estrutura de trabalho mais rica e
ampla, onde as viagens passam a ser vistas como padrões comportamentais no tempo,
relacionados com diferenças de estilos de vida e desejos de participação em diferentes
atividades (McNally, 2000).

Essa mudança conceitual, que enxerga os movimentos como o resultado de escolhas


efetuadas pelos indivíduos quando confrontados com alternativas, possibilita considerar uma
gama maior de opções políticas e operacionais e significa que, em tese, pequenas pesquisas a
respeito de padrões decisionais seriam capazes de gerar resultados preditivos robustos

Modelos baseados nessas novas abordagens poderiam, portanto, ser aplicados a muitas e
diferentes áreas, bastando, para tanto, um bom conhecimento do tipo de pessoas e empresas
que nelas se estabelecem (Button e Hensher, 2000).

2. DESCRIÇÃO E CRÍTICA DO FOURSTEP MODELLING


2.1 Modelos
Um modelo é uma representação de uma parte da realidade, recortando-a de acordo com um
determinado viés ou abordagem teórica e selecionando os elementos considerados relevantes
desde aquele ponto de vista. Como classificação rápida, podemos dizer que existem modelos
de diversos tipos, desde aqueles chamados de “básicos” até os matemáticos. Segundo a
definição de Marcial Echenique em “Models, a Discussion”, os modelos podem ser
triplamente caracterizados, em função de seu propósito, constituição e tratamento do fator
tempo (Echenique, 1968).

O primeiro diz respeito a “para que serve o modelo” e divide-se em descrição, predição,
exploração e planejamento. A segunda refere-se aos meios utilizados para representar a
realidade, dividindo-se em físicos e conceituais, onde os primeiros podem ser icônicos
(maquetes, por exemplo) ou analógicos, como é o caso dos mapas, e os últimos são
expressões do modo pelo qual pensamos o funcionamento de um sistema. Um modelo

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conceitual normalmente utiliza fluxogramas e esquemas para ilustrar as relações e os
componentes.

Daí são derivados os modelos matemáticos, que se utilizam das idéias encapsuladas no
modelo conceitual e as transformam em simbologia matemática para permitir que tais idéias
sejam testadas e empregadas também para predição e simulação (Torrens, 2000). Modelos
matemáticos tentam descrever ou prever o comportamento de determinado sistema utilizando
equações. Seu desenvolvimento pode ser feito de forma dedutiva – construção prévia do
modelo a partir de pressupostos teóricos e comparação de seus resultados com observações da
realidade - ou indutiva, na qual há a tentativa de inferir as regras de comportamento do objeto
de estudo baseando-se em dados previamente coletados.

A construção de um modelo matemático envolve ainda procedimentos de calibração,


estimação e validação, os quais consistem em etapas de escolha de parâmetros, verificação
da significância destes sobre as variáveis de saída e comparação de suas previsões com dados
não utilizados na sua formulação.

2.2 Enquadramento
A estrutura de modelagem “clássica” de transportes, que ainda se constitui no Estado-da-
prática, consiste em estimar os quatro componentes seqüencialmente (Geração, Distribuição,
Divisão Modal e Alocação na Rede) e alimentar os resultados de um componente para o
próximo, eventualmente retroalimentando-se de forma iterativa (Antunes, 2004).

Inicialmente, a estruturação da modelagem necessita de um enquadramento do seu contexto


de aplicação, tanto do ponto de vista do horizonte de planejamento quanto da abrangência
espacial. Segundo Florian (1988) o planejamento de transportes vinculado a um processo de
tomada de decisão real identifica para o primeiro aspecto três distintas e inter-relacionadas
perspectivas: estratégica, tática e operacional. A escolha de uma ou outra perspectiva está
relacionada a várias noções como nível de decisão a ser tomada e os investimentos possíveis e
consiste essencialmente na definição do que é endógeno e exógeno ao estudo.

Para o segundo aspecto, a modelagem necessita de uma boa representação discreta do espaço
contínuo, sujeita inicialmente à análise da abrangência da modelagem. Existe basicamente
uma divisão em estudos urbanos (large area studies) e estudos de área ou corredores
(small area studies). Os primeiros em geral trabalham com agregações e se utilizam do
modelo de quatro etapas clássico, exceto quando a perspectiva é operacional e de curto prazo,
levando a limitá-los a análises de alocação de tráfego com matriz de viagens fixa. Os últimos
quase sempre são de perspectiva operacional (eventualmente tática) e incluem estudos com
redes detalhadas que buscam determinar alternativas viárias, política de estacionamento, etc.

Ou estudos em que toda a área urbana é mantida, alterando-se os níveis de agregação interno e
externo e/ou, ainda, delimitando-se uma linha de contorno a partir da qual todas as viagens
que a atravessam são consideradas externas e associadas aos portões de entrada e saída.
Em resumo, a abordagem tradicional trata o ambiente de forma bastante agregada,
especialmente nas três primeiras etapas, dividindo a área a ser trabalhada em Zonas de
Tráfego (ZTs) - entidades espaciais relativamente grandes do âmbito intra-urbano.

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Para a etapa final - alocação de tráfego – é necessária a construção da rede mais detalhada,
composta por nós (cruzamentos, nodes) e arcos (segmentos, links), expressando as condições
“reais” da infraestrutura de transporte. Para articular as escalas (e as etapas da modelagem), as
ZTs passam a ser representadas por seus centróides e são ligadas à rede mais detalhada
através de conectores (portões ou gateways) que representam os pontos de acesso para as
viagens com origem ou destino naquela zona. Na prática, esta articulação será fortemente
influenciada pela disponibilidade de modelos computacionais, conforme será visto na seção
2.3 deste artigo.

Com relação aos atributos associados às entidades espaciais, a modelagem requer, para essas
ZTs, conjuntos de dados extensivos, tanto das características sócio-econômicas da população
e dos usos do solo, quanto das próprias viagens, obtidas, neste caso, por meio de pesquisas do
tipo “Origem e Destino”.

A incorporação de informações comportamentais e das chamadas “variáveis atitudinais” - as


quais se referem ao estilo de vida, preferências e posturas individuais - ao corpo de
investigação é avanço recente, inserido no marco contemporâneo de migração da modelagem
clássica das quatro etapas – “trip based” - para os modelos do tipo “activity based”.

Esta fase preliminar de montagem e recorte do estudo deve permanecer na agenda do


planejamento de transportes, mesmo considerando os notáveis avanços conceituais, teórico-
metodológicos e tecnológicos recentes que eventualmente apontem para um ambiente de
“hipersimulação”, pois tanto as restrições financeiras e operacionais das demandas reais
quanto a própria necessidade prático-intelectual de definição de “fronteiras” para a
modelagem, a tornam necessária.

2.3 As Quatro Etapas


GERAÇÃO (Trip generation)
É basicamente a “Quantidade de viagens”, estimada em quantitativos do tipo “veículos por
hora” (v/h). Compreende tanto a produção (geralmente das zonas residenciais) quanto a
atração (empregos, serviços, Pólos Geradores de Tráfego, etc.). Pode ser feita como função
das características das zonas ou como função das características dos domicílios. E pode ser
alimentada por dados “prontos”, como as EDOMs (Entrevistas Domiciliares) ou modelada
através de relações, no presente, entre o número de viagens geradas em cada zona de tráfego e
variáveis independentes que representem fatores sócio-econômicos. Estas relações são
normalmente tratadas através de modelos de regressão linear múltipla.

De acordo com Ortúzar & Willumsen (1990), pode-se obter melhores modelos de geração de
viagens se diferentes motivos forem identificados e modelados separadamente, bem como os
principais modos e alguns horários-chave, especialmente os de pico.

DISTRIBUIÇÃO (Trip distribution)


“Para onde vão as viagens”. É a etapa que tem por objetivo estimar o número de viagens
distribuídas entre zonas de uma área de estudo, sem considerar os meios de transporte nem as
rotas utilizadas para a sua realização. Aqui é requerida a montagem de matrizes de origem e
destino (O-D) a fim de dividir entre vários destinos os totais de viagens obtidos para cada
zona na fase de geração (Paiva, 2005).

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Um dos modelos mais usados é o modelo gravitacional, que é uma analogia com a lei da
gravidade de Newton. Este modelo baseia-se na suposição de que as viagens entre zonas são
diretamente proporcionais à geração de viagem (respectivamente produção e atração) das
zonas e inversamente proporcionais a uma função de separação espacial entre elas
(impedância, relacionada com o custo generalizado da viagem) e pertence à categoria dos
modelos sintéticos, Ortúzar e Willumsen, (1990).

Outros modelos comuns são os de fator de crescimento que utilizam procedimentos de ajuste
baseados em uma matriz de viagens histórica anterior, como os métodos de Furness e Fratar.

DIVISÃO (REPARTIÇÃO) MODAL (Mode choice / Modal split)


Divisão em partes relativas aos diferentes modos dos fluxos entre os pares de Origem e
Destino (O-D). Esta etapa é quase sempre realizada após a distribuição, mas, em alguns casos,
essa ordem é invertida.

O modelo usado nesta etapa é, muitas vezes, uma função que representa a porcentagem de
viagens realizadas em transporte coletivo em relação ao transporte individual, ou entre
diversos modos. Relaciona-se a impedância dos modos em função do custo generalizado da
viagem (isto é, os atributos de utilidade, tais como custo e nível de serviço oferecido pelo
modo de transporte) às características dos viajantes (como renda e propriedade de
automóveis), normalmente utilizando modelos de escolha discreta tipo logit (com estrutura
simples ou hierárquica). Esta modelagem pode servir tanto para o dimensionamento de frota e
infra-estrutura viária para modos já existentes quanto para avaliar a demanda por um novo
modo.

Os desenvolvimentos nesta etapa da modelagem recaem fortemente na incorporação de


variáveis atitudinais (como visto anteriormente) e também em atributos do chamado
“ambiente construído” - ou estrutura urbana – que engloba diversas dimensões da forma
física e dos padrões de uso e ocupação dos assentamentos, nas escalas regional, urbana (a
cidade como um todo) e intra-urbana (bairro, zonas, setores da cidade, censitários, etc.).

A literatura reporta a adoção de inúmeras medidas dessas dimensões como variáveis


potencialmente explicativas do comportamento de viagens, geralmente palavras iniciadas pela
letra “D”: DENSIDADE (density), DIVERSIDADE (diversity) e DESENHO (design). Elas
compõem o standard internacional para as tentativas de modelagem do TB (travel behaviour),
especialmente neste aspecto que se refere à escolha modal relativa ao uso de veículos
particulares, transporte público ou caminhada. Podem vir acompanhadas por outras
medidas/expressões iniciadas por “D” como “acessibilidade do destino” – Destination
accessibility – “distância ao transporte público” – Distance to transit – “gerenciamento da
demanda” – Demand managment – e “dados demográficos” – Demographics (Ewing e
Cervero, 2010).

Para lidar com esses fatores, articulando o ambiente construído, o comportamento e o viés de
self-selection (pré-disposição de indivíduos com propensão a caminhar como modo de
deslocamento - ou utilizar meios de transporte “ativos” como a bicicleta - de escolherem
como local de moradia ambientes urbanos favoráveis a estes modos ativos) e dar conta dos
requisitos de causalidade dos fatores, a bibliografia reporta diversas metodologias e aponta
no sentido de que as abordagens que explicitamente incluem atitudes podem responder

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melhor ao critério de legitimidade, pois deixam pouco espaço para que resultados com
significância sejam atribuídos a correlações espúrias com variáveis não medidas, enquanto
aqueles que permitem múltiplas direções de causalidade e/ou envolvem medidas em múltiplos
pontos no tempo podem sobressair-se no critério de procedência no tempo (Cao, Mokhtarian
e Handy, 2009).

Neste sentido, o modelo conceitualmente ideal é o multivariado de equações estruturais.


Que pode ser recursivo (sem círculos de retroalimentação nem termos de erros
correlacionados entre variáveis endógenas diretamente ligadas) ou não recursivo (Cao,
Mokhtarian e Handy, 2009).

ALOCAÇÃO NA REDE (Traffic/trip assignment)


É onde se modela a escolha de rotas. Ela busca definir, para cada modo, as rotas utilizadas
entre cada par O-D. A alocação de viagens é o último estágio do modelo Quatro Etapas.
Entretanto, a etapa de alocação não necessariamente precisa ser antecedida pelas outras três,
isto é, os modelos de alocação podem ser utilizados sem que tenham sido feitas a geração,
distribuição e divisão modal, dependendo do problema em questão. A alocação pode ser vista,
portanto, como parte de um processo de modelagem mais complexo ou de forma isolada,
para avaliar impactos de medidas especiais como, por exemplo, medidas de gerenciamento de
tráfego em áreas urbanas.

Os modelos de alocação podem ser estáticos, utilizando uma matriz de viagens fixa e pré-
determinada, ou dinâmicos, representando a evolução do tráfego no tempo.

A modelagem incorpora aos segmentos e nós da rede (oferta) os componentes fundamentais


do custo generalizado que combinam atributos de tempo e distância (impedância) e também
as regras de circulação, direção das vias, mãos, restrições de conversão, semaforização e etc.
(Paiva, 2005).

A premissa básica na alocação é o pressuposto de que os viajantes são racionais, ou seja,


cada viajante escolherá a rota que oferecer o menor custo individual como percebido pelo
usuário. Vários fatores influenciam esta escolha: tempo de viagem, distância, custo monetário
(combustível e outros), congestionamentos, segurança, tipos de manobras necessárias, entre
outros. A obtenção de uma expressão generalizada do custo que incorpore todos estes fatores
é algo bastante complexo.

A existência de diferenças nas percepções dos usuários é o chamado efeito estocástico na


escolha de rotas. Os modelos de alocação podem incluir ou não os efeitos estocásticos e os
efeitos de restrição de capacidade (efeitos de congestionamento), sendo este o fator
principal a ser considerado na seleção de um modelo de escolha de rotas. Como regra geral,
considera-se que:

Modelos estocásticos são adequados a situações com baixos níveis de congestionamento na


rede, onde os custos (tempos) de viagem apresentam pouca variação em função do fluxo;
Modelos de equilíbrio estocástico são utilizados quando existem níveis médios de
congestionamento;

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Modelos de equilíbrio de Wardrop são usados em situações com altos níveis de
congestionamento. Nestes casos, é possível ignorar os efeitos estocásticos, uma vez que
alguns estudos mostraram que os fluxos modelados através de equilíbrio estocástico e
equilíbrio de Wardrop (para situações de altos níveis de congestionamento) apresentaram
pouca diferença.

A etapa de alocação é também tratada simplesmente por “modelos de tráfego” e depende


fortemente dos pacotes computacionais à disposição, os quais, como visto, variam bastante
em termos da agregação das entidades espaciais e variáveis do fluxo. Neste aspecto, os
modelos classificam-se em macroscópicos, mesoscópicos e microscópicos. Modelos
macroscópicos descrevem o tráfego com alto nível de agregação do fluxo, por exemplo,
através do volume por hora que passa por um determinado ponto.

Os modelos microscópicos descrevem o comportamento dos veículos que compõem a


corrente de tráfego, bem como suas interações com o ambiente viário e com outros veículos.
Modelos mesoscópicos estão em um nível intermediário de detalhes, descrevendo os veículos
individualmente, mas sem considerar suas interações (Ariotti, 2010).

3. AVANÇOS E DESENVOLVIMENTOS
Segundo Banister (2007) existem dois problemas fundamentais na perspectiva tradicional do
planejamento de transportes em relação a uma abordagem alternativa que propõe
simultaneamente cidades com alta qualidade de acessibilidade e alta qualidade ambiental:
a visão de transporte como demanda derivada (e não como atividade per se, com valor
próprio) e a minimização de custo (tempo) de viagem como premissa inamovível.

A primeira deve ser questionada, pois hoje, cada vez mais, o lazer tem participação expressiva
no total de viagens, determinando que os deslocamentos produzidos pela própria vontade dos
indivíduos de se afastarem de seu lugar de moradia e/ou trabalho e fazerem coisas diferentes
em lugares distantes é uma atividade com valor intrínseco.

Há também a constatação de que está em andamento uma flexibilização nos tempos de


viagem em função das novas tecnologias, determinando que a visão convencional de viagem
como custo (o qual deve ser, portanto, o menor possível) começa a ser questionada. Existe
uma forte complementaridade entre as tecnologias de transporte e as Tecnologias de
Informação e Comunicação (TIC), pois i) viagens podem ser substituídas pelo trabalho em
casa ou ii) viagens espontâneas e “instantâneas” podem ser geradas (reserva de pacotes de
turismo na véspera, por exemplo) e iii) também existe um terceiro tipo de inter-relação entre
as tecnologias, na qual especialmente as compras têm seu padrão modificado, tornando-se
“multitarefa”, onde a escolha e a compra são feitas via internet e a busca ou a entrega se
realizam por meio de viagens convencionais. Há, ainda, uma transferência de poder do
produtor para o consumidor e os usuários passam a determinar e “customizar” suas atividades
e viagens (Banister, 2007).

A segunda também se apresenta como contradição, pois existe o desejo simultâneo de


aumentar as velocidades de deslocamento e de acalmar o tráfego... Há uma aparente
inconsistência no argumento da economia de tempo nas cidades, pois muito esforço é posto na
tentativa de acalmar o tráfego em nome de razões ambientais e de segurança e, portanto,

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mesmo que não seja explicitamente dito, é suposto que algum nível de congestionamento
seria desejável.

Como a noção de que um sistema de transporte completamente livre de congestionamento


nunca foi um objetivo realista, e tendo em vista que muito do que tem sido recentemente
debatido gira em torno do que seria um nível “aceitável” de congestionamento, o objetivo-
chave das políticas deve ser agora aquele do tempo razoável de deslocamento, ao invés do
tempo mínimo. As pessoas e empresas estão preocupadas com quanto tempo seus
deslocamentos devem levar, dentro de um grau razoável de certeza. É, portanto, a
confiabilidade do sistema que passa a ser crucial.

Ainda segundo Banister (2007), os métodos tradicionais de planejamento de transportes


(geralmente baseados no modelo quatro etapas) não estão capacitados para lidar com esses
conceitos de confiabilidade dos tempos de viagem e de viagem como atividade com valor
próprio, sugerindo que deve haver equilíbrio entre as preocupações relativas às dimensões
físicas (forma urbana e tráfego) e a dimensão social. Isso requer ações para reduzir a
necessidade de deslocamento – menos viagens – encorajar a troca de modo, reduzir o tamanho
das viagens e encorajar a eficiência dos sistemas de transporte.

Neste sentido, surgem os ITS (Intelligent Transport Systems), abordagem coerente com as
novas idéias de modelagem baseadas em agentes, desagregação e micro simulação, com
desdobramentos computacionais muito interessantes, avançando rumo a sistemas que
incorporam explicitamente os aspectos cognitivos do comportamento dos motoristas a fim
de representar a população como uma comunidade de agentes autônomos onde a demanda por
viagens resulta de um processo de decisão levado a cabo por cada indivíduo (Rossetti e Liu,
2005).

Modelos de micro-simulação permitem avaliar o impacto decorrente de mudanças na


infraestrutura viária e de medidas de gerenciamento de tráfego com mais detalhe e sem a
necessidade de intervenções reais no sistema de circulação, no âmbito de políticas avançadas
de gerenciamento de tráfego – ATMS, Advanced Traffic Management Systems – que
envolvem esquemas inovadores tais como sistemas responsivos de controle de tráfego e
sistemas de orientação de rotas (Araújo et. al, 2003) ou outros sistemas de informação
exógena.

Essa abordagem parte do pressuposto de que as tentativas de solucionar problemas de


congestionamento através da modificação dos mecanismos de controle da estrutura física (a
rede viária) - o lado estático do sistema – têm tido sucesso moderado, mas ainda superior
àquelas que tentam lidar diretamente com a demanda por meio de estratégias de redução de
viagens em horários de pico, redução da demanda para uma capacidade viária limitada por
meio de estratégias como aumento da ocupação dos veículos, apoio ao transporte público ou
migração para modos menos impactantes, través de políticas sociais, de saúde, administrativas
(do tipo mais leve, conhecidas como soft policies), ou de gerenciamento do próprio sistema de
transporte - tanto as tradicionais (taxas de congestionamento, impostos sobre a propriedade de
automóveis, restrições de ingresso em determinadas áreas, etc.) ou que envolvam aspectos
culturais (compartilhamento de carro entre vizinhos, por exemplo).
Também políticas relativas à restrição da publicidade de automóveis podem atacar o problema
dos congestionamentos, mas, por terem caráter impositivo/restritivo, aparentam “invasão” da

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esfera dos direitos individuais – aspecto caro ao imaginário de muitas civilizações. Aqui se
adentra efetivamente no debate relativo ao gerenciamento da mobilidade, que, como visto,
pode ser efetivado de muitas maneiras.

A abordagem que fundamenta os modelos baseados em agentes propõe que a melhor


maneira de lidar com o problema é atacar o core dinâmico e comportamental do lado da
demanda, buscando de alguma maneira, influenciar o comportamento dos motoristas para,
especialmente, reorientar padrões de tráfego para rotas alternativas ou alterá-los para períodos
fora do pico.

Esta é a abordagem subjacente a grande parte dos ITS, os quais procuram aumentar a
eficiência do sistema através da aplicação de soluções distribuídas que abranjam as
necessidades dos usuários, em bases individualizadas. Neste caso específico, a modelagem
representa a população de motoristas como uma comunidade de agentes autônomos onde a
demanda por viagens resulta de um processo de decisão levado a cabo por cada
indivíduo da população em relação às rotas e horário de partida. Um cenário simples de
simulação é delineado, onde a informação anterior à viagem (pré-trip) é disponibilizada aos
usuários individualmente, de maneira a permitir a observação dos efeitos no nível agregado
(Rosseti e Liu, 2005).

Os resultados de simulações mostram que a performance geral do sistema é bastante afetada


pela informação exógena, e esses resultados são atribuídos à formação da demanda e à
topologia da rede. A expressividade oferecida pelas abordagens cognitivas baseadas em
“predicate logics” tais como a utilizada neste trabalho, mostra-se uma promissora
aproximação à modelagem de comportamento complexa, permitindo a representação de
muitos aspectos mentais envolvidos no processo decisório (Rosseti e Liu, 2005).

Em outro contexto, mas na mesma linha de raciocínio, o reconhecimento de que as decisões


de viagem e as localizações co-determinam uma a outra e, a partir daí, o reconhecimento
de que o planejamento dos transportes e do uso do solo devem ser coordenados, rapidamente
se espalhou entre os planejadores Americanos desde o início do desenvolvimento dos TAS e o
“Ciclo de Retroalimentação de Transporte e Uso do Solo” (landuse-transportation feeddback)
se tornou um conceito comum na literatura.

A primeira geração dos modelos agregados e integrados de uso do solo e transportes tornou
possível tratar conjuntamente os efeitos de ambos. Esse foi um grande passo em comparação
aos modelos de demanda de tráfego/viagens nos quais o desenvolvimento dos usos do solo era
tomado como exógeno. A vantagem era a habilidade de modelar a influência do transporte
sobre o espaço, usualmente na forma de modelos de interações espaciais ou acessibilidade.
Enquanto a maioria das firmas está interessada em ter boas conexões viárias, a maioria das
famílias deseja viver em residências unifamiliares, localizadas em ambientes aprazíveis, o que
é, diga-se de passagem, a causa principal para a suburbização e o sprawl (Wegener, 2005).

Apesar de certas limitações tradicionais dos modelos LUT – a abordagem holística que
incorpora teorias técnicas, econômicas e sociais debaixo do mesmo guarda-chuva – eles
podem ser usados para explicar este componente essencial da dinâmica urbana que é o ciclo
de retroalimentação do transporte e uso do solo (Joutsiniemi, 2010).

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No âmbito das evoluções gerais da teoria e da modelagem em transportes, os LUTM avançam
agora apontando para os modelos desagregados baseados em atividades, como por
exemplo, o ILUMASS, financiado pelo Ministério da Ciência e Educação da Alemanha, cujo
objetivo é implementar um modelo microscópico totalmente integrado de transporte, uso do
solo e meio-ambiente – Land Use, Transport and Environment Models - LTE (Wegener,
2005).

Como visto, a evolução do uso do solo, dos transportes e do meio-ambiente é o resultado de


um grande número de decisões e ações de diferentes atores, sejam eles indivíduos, famílias,
proprietários de terras ou empresas e a aceitação das políticas de planejamento por parte
desses agentes determina o sucesso do planejamento. Tendo em mente que as decisões
individuais são importantes para a eficácia do planejamento, suas ações devem ser levadas
em consideração. Reside exatamente aí a força dos modelos microscópicos.

Uma importante contribuição importante do ILUMASS é modelar o uso do solo urbano, as


viagens e o transporte de mercadorias de forma microscópica. Enquanto isso já é bastante
comum na simulação dos fluxos do tráfego, ainda não é prática comum na modelagem
da demanda de viagens e, menos ainda, na modelagem do uso do solo (Strauch et al. 2005;
Wegener 2004). Segundo Torrens (2010), é possível encampar idéias da Teoria da
Complexidade e articulá-las com as técnicas existentes para chegar a uma estratégia
simulatória híbrida para os sistemas urbanos. Isto pode ser feito a partir das áreas onde os
modelos LUT funcionam a contento – os níveis macro e meso – deixando a micro-escala para
sub-modelos de simulação dinâmica que podem se utilizar dos recursos dos autômatas
celulares e dos sistemas multi-agentes (multi-agent systems – MASS).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de robustos e bastante testados na prática, os modelos convencionais de transporte
(basicamente a abordagem das quatro etapas e toda a família de submodelos a ela vinculada)
sempre sofreram com sua debilidade teórico-conceitual. Seus pressupostos são relativamente
fracos, pois abordagens como as gravitacionais ou de maximização da entropia nada mais são
do que tentativas de descrever e prever fluxos observados em termos estatísticos ou analogias
com princípios e comportamentos puramente físicos, sem nenhum fundamento
comportamental (Arentze et. al, 2000).

Modelos de escolha discreta, desenvolvidos a partir do final dos anos 1980, são muito
melhores nesse sentido, pelo menos se ainda permanece aceitável a idéia de que as escolhas
individuais de modo, destino e rota são o resultado de um comportamento de maximização da
utilidade pessoal ou, no mínimo, de que o princípio de maximização da utilidade é uma
representação adequada dos processos individuais de tomada de decisão.

Porém, como visto na seção anterior, este princípio também está em cheque, pois a premissa
da minimização do tempo de viagem – entendida de forma radical e estanque como “custo” –
deve ser relativizada em modelos que se pretendam mais avançados, complexos e capazes de
capturar com mais qualidade a essência dos padrões contemporâneos de deslocamento.

REFERÊNCIAS:
Active Living Research (2009) Active Travel - The Role of Self-Selection in Explaining the Effect of Built
Environment on Active Travel. RESEARCH BRIEF.

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Araújo, D. et. al (2003) – Método de Calibração de modelos de micro-simulação de tráfego através de
otimização multivariada. Revista Transportes, ANPET, v. XII, No 1.
Ariotti, P. (2010) Método para Aprimorar a Estimativa de Emissões Veiculares em Áreas Urbanas Através de
Modelagem Híbrida em Redes. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Engenharia de
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