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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS


LICENCIATURA PLENA EM HISTÓRIA

MONOGRAFIA

O TEATRO ANARQUISTA EM PELOTAS - RS (1914-1919)

Cássia Ferreira Miranda

Pelotas, 2010
CÁSSIA FERREIRA MIRANDA

O TEATRO ANARQUISTA EM PELOTAS - RS (1914-1919)

Estudo realizado em cumprimento às


exigências acadêmicas do curso de
Licenciatura Plena em História, da
Universidade Federal de Pelotas, como
requisito parcial à obtenção do título de
Licenciado.

Orientador: Profª. Drª. Beatriz Ana Loner

Pelotas, 2010.
Aos meus pais Cézar e Gicelda que me
guiaram desde meus primeiros passos e a minha
irmã Raíssa...
AGRADECIMENTOS

Primeiramente à Deus por tudo que Ele é e por tudo que me faz ser.
À minha orientadora Profª. Drª. Beatriz Ana Loner. Seu exemplo, carinho,
orientação e incentivo foram fundamentais ao longo do curso.
Aos meus pais por terem estado sempre por perto dando todos os subsídios
materiais e principalmente os emocionais. À minha mãe pela doçura, garra e alegria.
Ao meu pai pela compreensão, zelo e amizade. Sou completamente apaixonada por
vocês!
À minha irmã Raíssa, a pequena da casa, que nos exige muito mais do que
amor. Que minhas conquistas sejam dela e que as dela sejam minhas.
Aos meus avós Jussara e Aldírio. Eles fazem dos nossos momentos juntos
sempre únicos e muito divertidos. À minha madrinha Jucelaine que sei que está
sempre por perto e torcendo muito por mim.
Aos meus bisavós Vital e Coraci pelo exemplo de vida e amor... e pelo
orgulho imenso que deixaram no meu coração.
Àqueles colegas que se tornaram amigos. À turma do “balança mas não
para”: Charlene, Edna e Flávia, pelas doses diárias de celebrações; à Kárita,
Vanessa e Odilon pelas conversas e gargalhadas; ao Rosendo pelo carinho e
auxílio. À todos eles, obrigada pelo apoio, presença e amizade.
À minha segunda família: Carla, Diego, Katherine e Igor, que estão sempre
presentes vibrando com minhas conquistas e me amparando nas minhas quedas.
Ao Nicollas, afilhado amado.
Ao Jean, a fina flor do meu jardim, por seu amor e paciência. Ao amigo
Alessandro que me ensinou o valor de uma verdadeira amizade.
À minha amiga Dirce Helena pelo apoio e incentivo nos delicados momentos
finais deste trabalho; e ao seu pai, Pastor Clarindo Filho, pelas orações.
À todos aqueles que de alguma forma estiveram presentes e contribuíram
para meu crescimento, meu agradecimento recheado de carinho.
“Teatro só faz sentido quando é uma tribuna livre onde se podem discutir até
as últimas conseqüências os problemas do homem”

Plínio Marcos
Sumário

Introdução 07

1. Movimento operário, anarquismo e teatro 09


1.1 O movimento operário 10
1.2 Anarquismo e suas limitações 12
1.3 O teatro libertário no Brasil 13
1.3.1 Características gerais 14

2. O teatro mostra sua cara 21


2.1 Anarquismo em Pelotas 21
2.2 Década de 1910 – efervescência teatral anarquista 23
2.2.1 Inauguração do Teatro 1º de Maio 25
2.2.2 Movimentação dramática do Grupo Teatral Cultural Social – GTCS 26
2.2.3 Solidariedade em cena 29

Conclusão 33

Bibliografia 35
Introdução

O presente trabalho tem como objetivo abordar o uso do teatro pelas classes
trabalhadoras ao longo da década de 1910, na cidade de Pelotas. Este teatro, em
sua maior parte anarquista, se desenvolveu com significativa freqüência e serviu
como instrumento de propagação das idéias libertárias. Para este fim, foram
utilizadas noticias de diversos periódicos: A Voz do Trabalhador e O Rebate. Outros
jornais também foram utilizados, embora como menor freqüência: Correio Mercantil
e A Luta.

No primeiro capítulo faremos um retrospecto do início do movimento


operário no Rio Grande do Sul. De que forma se deu a constituição do operariado,
as condições de vida da população imigrante e como começaram a se organizar em
associações mutualistas, sindicatos, associações de classe, uniões, federações e
confederações. Num segundo momento veremos a divisão do movimento operário
gaúcho. O início da organização da classe operária e a institucionalização do
movimento e, após 1904, a forma como despontou o anarquismo frente ao
socialismo. Após isso, veremos diversos aspectos de como era feito esse teatro
libertário e de que forma ele se fazia útil como germinador da semente anarquista.

No segundo capítulo nos deteremos a exposição de como foi o


movimento anarquista no Estado e, principalmente, na cidade de Pelotas, para
entendermos a inserção do teatro nesse meio. Em seguida, faremos um panorama
da efervescência teatral na década de 1910; peças, atores, dramaturgos, locais;
enfim, nos detalharemos na produção da cidade na época. Após, veremos a
inauguração do Teatro 1º de Maio, com sede na Liga Operária de Pelotas, e a
movimentação dramática do Grupo Teatral Cultura Social. Por fim, apresentaremos
alguns exemplos de como o teatro foi usado com fins beneficentes, na medida em
que os lucros das atividades eram revertidos em prol de algum companheiro ou
agremiação de ordem operária.
Finalizando concluímos acerca da importância deste teatro na cidade e no
movimento anarquista. Fazemos uma retomada juntamente com a análise do
trabalho.
9

1. Movimento operário, anarquismo e teatro

O marco inicial da nossa história está na chegada dos imigrantes no Brasil.


Com a industrialização do século XIX provocando mudanças sociais e econômicas
em nível global e o fim da Comuna de Paris fazendo com que vários refugiados
tivessem que fugir para o Brasil, o movimento migratório tornou-se intenso e se
formou um grande grupo de pessoas desejosas de concretizar as utopias sociais.
(Rodrigues, 1996)

“O tufão revolucionário soprava na Europa, empurrava o povo, reunia o


proletariado, contagiava os intelectuais liberais, invadia fronteiras, galgava
os mares e chegava à América Latina para fixar residência no Brasil.”
(RODRIGUES, 1996, p.2)

O Brasil necessitava de trabalhadores especializados e embora, em fins do


século XIX e início do século XX, tivesse um grande número de trabalhadores1, eles
tinham a força muscular, mas não a técnica. Fato este que fez com que o governo
brasileiro incentivasse a entrada em larga escala de imigrantes. Além disso, esses
trabalhadores também poderiam auxiliar no processo de branqueamento
populacional, objetivo maior do governo. (Oliveira, 1989) Ao chegarem aqui, os
imigrantes percebiam que seus sonhos e as promessas que os moviam eram
destroçados por uma burguesia pronta para alienar a todos os trabalhadores, em
troca do lucro. (Dean, 1989)

“Os acidentes de trabalho eram freqüentes, não havendo nenhum amparo


legal para o trabalhador que resultasse incapacitado. Não havia
aposentadoria nem auxílio algum em caso de doença. A alimentação e
moradia da família proletária estavam muito abaixo do mínimo necessário a
uma existência digna. Nos bairros operários não havia iluminação pública,
nem água, esgotos ou pavimentação nas ruas. Promiscuidade e falta das
mínimas condições sanitárias era o que se via à medida em que aumentava
o crescimento populacional. O capitalismo desenvolvia forças produtivas,
acelerava o processo de urbanização, mas, ao mesmo tempo, mergulhava
a população trabalhadora numa crescente pauperização.” (Leonardi, 1991,
p. 220)

1 Havia a numerosa população escrava; muitos deles já libertos necessitando de trabalho.


10

Unidos em associações mutualistas2, os trabalhadores iniciaram seu


movimento autônomo. (Hardman, 1991) Os sindicatos e as associações de classe
começam a crescer em número e se organizar em prol da luta operária. O Primeiro
Congresso Operário Brasileiro3 ocorreu no ano de 1906, do dia 15 ao dia 20 de Abril,
na Sede do Centro Galego – rua da Constituição, Rio de Janeiro. A partir daí o
movimento só cresceu, criaram-se uniões, federações e a Confederação Operária
Brasileira. Toda essa estrutura que se formou permitiu que o movimento
extrapolasse as reivindicações econômicas e se moldasse também para a instrução
e aperfeiçoamento do operário.

O período que estamos analisando é bem delicado em nível global e,


conseqüentemente, nacional. A Primeira Guerra Mundial trouxe efeitos lastimosos
para o Brasil. A taxa de desemprego aumentou, os salários atrasaram; ocorreram
greves de grande repercussão nacional. (Fausto, 1989) Alguns trabalhadores foram
deportados sob acusações de se tratarem de “agitadores estrangeiros”, tiveram seus
bens surrupiados, seus direitos ignorados, sua vida escamoteada.

1.1 O Movimento Operário

Entre as lideranças e correntes do movimento operário havia algumas


diferenças ideológicas. Ao analisarmos o movimento operário no Rio grande do Sul,
percebemos claramente sua divisão em dois momentos distintos. No primeiro
momento, a classe operária estava começando a se organizar, foi o período da
institucionalização do movimento operário, e se estendeu até 1904 quando o perfil
do movimento já estava mais definido. (Petersen, 2001) Nessa fase, os operários
tiveram como influência dominante a social-democracia alemã, fato que pode ser
comprovado na organização dos trabalhadores. Segundo Marçal 4, em seu livro

2 Estas a princípio tinham o objetivo de auxiliar o operário a sobreviver. Prestavam socorro à classe
no caso de alguma necessidade.
3 Após, houve outros encontros desse nível: o Segundo Congresso Operário Brasileiro ocorreu em

1913 e o Terceiro Congresso Operário Brasileiro em 1920, todos de inspiração anarquista.


4
Nesse livro, Marçal divide o movimento operário em três etapas distintas; porém esta divisão não foi
adotada aqui; visto que optamos por caracterizá-lo em duas etapas.
11

acerca das Primeiras Lutas Operárias do Rio Grande do Sul, se percebe, nessa
época, lideranças mais politizadas e posições mais firmes da classe.

“A construção de um partido operário será a grande aspiração destes


primeiros socialistas, pois ele é considerado o instrumento através do qual
se dará a derrocada da política burguesa; este será um tema recorrente no
discurso operário da época, cuja tônica, aliás, é tanto o apelo aos operários
para que se organizem a fim de enfrentar as condições adversas da
sociedade capitalista, como as críticas ao que era visto como descaso dos
trabalhadores por seus próprios interesses. Veremos que não serão poucas
as dificuldades que os militantes irão enfrentar neste sentido.” (Petersen,
2001, p. 61)

No entanto, deve-se ressaltar a presença dos anarquistas desde essa


época, que embora não fossem muito expressivos inicialmente, aos poucos foram
tomando papel de destaque.

“(...) já estava formada em Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande, uma


pequena vanguarda operária que pautava sua conduta pela cartilha da
social-democracia, embora muitas vezes metesse no mesmo saco Marx,
Proudhon e Bakunin.” (Marçal. 1985, p. 14) 5

Após 1904 o anarquismo desponta frente ao socialismo, pois este começava


a demonstrar um certo comprometimento com a classe dominante, fato negativo –
do ponto de vista operário -, que acabou por fortalecer ideologicamente o
anarquismo. É necessário atentar para a dimensão do envolvimento dos alemães
nesse processo. Beatriz Ana Loner - em seu artigo publicado no ano de 2007 acerca
do movimento operário - destaca que estudos mais recentes apontam para a grande
presença de brasileiros e portugueses na militância desse período, e o socialismo
teria sido um escape diante de uma desilusão com a República, embora se aceite a
influência européia nesse processo.

Além disso, os social-democratas ao se aliarem ao Partido Republicano Rio


Grandense, já não correspondiam mais às expectativas proletárias. Portanto os
anarquistas e anarco-sindicalistas entraram no controle de quase todas as
associações trabalhistas – destacando a Liga Operária de Pelotas e a FORGS -,
(Loner, 2007) chamaram os operários para a luta, realizaram greves, fundaram
jornais e coloriram a atmosfera operária com seus ideais libertários. (Marçal, 1985)

5
Destacando-se aqui que Pelotas e Rio Grande foram os locais onde surgiram as fábricas do tipo
moderno no Rio Grande do Sul; seguidos após por Porto Alegre onde, a princípio, tinha oficinas
artesanais e pequenas manufaturas.
12

O teatro, a poesia e a imprensa6 foram fatores chave da contracultura


libertária na construção da classe operária no Brasil. Visando o ideal da autogestão,
criticavam o Estado, desejavam abolir toda estrutura vigente e acabar com o regime
de explorados e exploradores, de ricos e pobres.

Nessa mesma linha, visando o combate à opressão, os sindicatos tiveram


um papel fundamental na luta operária. Vistos como o principal foco da ação
libertária, os sindicatos urbanos só foram regulamentados em 1907. (Segatto, 1987)
Dentre as lutas assumidas por essas organizações percebe-se a tentativa da
diminuição da jornada de trabalho para oito horas, o anseio pela aquisição do direito
do repouso semanal, as reivindicações pelo aumento salarial e o desejo da
regulamentação do trabalho infantil, assim como do feminino.

Com a intensificação dos manifestos através dos movimentos grevistas,


ocorridos entre os anos de 1917 e 1919, e o fato de o Brasil ter sido signatário do
Tratado de Versalhes (Segatto, 1987), ocorreram algumas mudanças legislativas no
tocante às relações trabalhistas. Porém, a maior parte das reivindicações só tiveram
resposta após 1930. (Dean, 1989)

1.2 Anarquismo e suas limitações

No tocante ao anarquismo, com o tempo acabou se mostrando limitado,


segundo Hardman (1991). Primeiramente se recusando a aceitar a organização do
proletariado para a luta contra o Estado; depois não querendo organizar a classe em
partido próprio e por fim, superestimando o papel do sindicato na luta. Devido às
repercussões dos movimentos grevistas do final dos anos de 1910, na década de
1920 o governo se viu obrigado a lançar seu olhar aos trabalhadores; foram
fechadas muitas associações e criadas leis contra os estrangeiros.

“Especialmente os libertários, que, caso fossem estrangeiros, estariam


sujeitos à deportação para seus países de origem e, se nacionais, à prisão

6Os principais expoentes desse movimento da imprensa estavam localizados em São Paulo, Rio de
Janeiro, Paraná e Porto Alegre.
13

ou ao envio para a Clevelândia, no norte do país, local insalubre, do qual a


maioria não retornou. Com um clima tão adverso, a maioria das lideranças
sobreviventes teve que desistir da militância.” (Loner, 2007, p. 520-521)

No ano de 1920, no Terceiro Congresso Brasileiro se percebia a influencia


dos congressos anteriores, porém, já se via o inicio do enfraquecimento dos ideais
libertários.

“Negação da luta política, de um lado, e repressão policial e jurídica, de


outro, eram as balizas das relações entre o movimento operário de
tendência anarquista e o Estado brasileiro.” (Hardman, 1991, p. 321)

Por fim, a fundação do Partido Comunista levou a desunião ao conjunto dos


libertários, pois muitos aderiram às idéias comunistas. Os comunistas começaram
então uma política de unidade sindical - com um sindicalismo uno e classista - e aos
poucos foram ganhando posições, outrora, anarquistas. (Segatto, 1987)

1.3 O Teatro Libertário no Brasil

Os principais agentes do teatro operário7 no Brasil foram os italianos,


portugueses e espanhóis, que já tinham contato com esse tipo de teatro em seus
países de origem. Aqui ele surgiu como uma continuidade da força imigrante, além
de uma forma de manter a unidade do grupo étnico. “O Teatro anarquista no Brasil,
ao longo de meio século de existência, realizou excelente obra de alcance
ideológico, e pôs em prática o sentimento de solidariedade humana.” (Rodrigues,
1988, p.170)

Sendo o teatro, em linhas gerais, já visto como fator social capaz de reunir
boa parte da população - além de ser um elemento cultural de grande importância
em consonância com a modernidade européia (Maranhão, 1991) -, para os
anarquistas ele representou muito mais do que isso. A arte dramática servia para
atrair novos militantes, visto que, ao se interessar pela dramatização, os operários
entravam em contato com o teatro - coordenado por anarquistas mais experientes -

7
Anteriormente, o teatro era exercido pelos grupos filo dramáticos, desvinculados de uma tendência
ideológica. Obviamente, com o surgimento de grupos libertários dramáticos, foram substituídos.
14

e, conseqüentemente, com as idéias anarquistas. Portanto, além da função


recreativa, ele servia como escola de aprendizagem, propagadora das idéias
libertárias. Instruía, divertia e atraía para a luta boa parte dos trabalhadores.

“É lícito dizer que um dos grandes méritos do movimento anarquista –


sempre ativo nos campos de trabalho, as ciência, da cultura, da
solidariedade humana a níveis nacional e internacional - foi sem duvida o
teatro social.” (Rodrigues, 1988, p. 174)

O teatro era então um defensor das idéias de transformação social. Atuava


junto aos operários e suas famílias com o objetivo claro de destacar os valores que
interessavam aos operários. Investindo na educação e dando margem à criação
cultural. As matinês nas quais ocorriam as apresentações do teatro proporcionavam
um momento ímpar de instrução dos operários, além de, através da identificação
entre o personagem e o espectador, contagiar todos com a causa operária.

Dentre os principais objetivos do teatro operário destacam-se: a divulgação


das idéias anarquistas numa linguagem ao acesso de todos; o combate ao Estado e
às desigualdades sociais; o incentivo ao operário em seu pleno desenvolvimento
cultural e educacional; e a obtenção de lucro através das atividades culturais para
periódicos, escolas e auxílio a todos da classe operária.

1.3.1 Características Gerais

Os textos trabalhados eram inicialmente importados da Europa,


principalmente da Itália e de Portugal. Havia poucas obras anarquistas produzidas
por brasileiros - quando havia. Eram feitas traduções dos textos europeus que, a
princípio, cabiam perfeitamente na universalidade dos problemas que queriam
abordar, visto que os objetivos da classe operária eram os mesmos.

É interessante determos um pouco o olhar sobre a importação dos textos


estrangeiros. É clara a preocupação com obras de ficção que auxiliem na formação
intelectual do trabalhador, sem necessariamente ser uma obra anarquista; porém a
encomenda de textos teatrais era de pequena proporção, como de uma peça teatral
para cada vinte textos.
15

É estranho esse descaso pela obtenção de textos teatrais visto que essa
atividade era nitidamente importante entre os trabalhadores. Isso só nos faz concluir
que eles estavam satisfeitos com as obras a que tinham acesso e não se
incomodavam com a repetição, inúmeras vezes, do mesmo trabalho.

Portanto, algumas peças costumavam ficar em cartaz durante décadas e


não há indícios de grandes alterações entre as apresentações. O fundamental era
que mostrassem a relação oprimido e opressor; a preocupação recaía quase toda
sobre a preparação do espetáculo e a organização do momento no qual ele ocorria.

Esse posicionamento se encontra presente na pesquisa de Mariangela Alves


de Lima e Maria Thereza Vargas: “O que se exige, portanto, é um deslocamento das
atenções da arte para a classe operária. Uma vez atingido esse ponto não importa a
incontável repetição de uma mesma obra ou seu acabamento formal.” (Lima e
Vargas, 1987, p.180)

Os operários eram recrutados nas fábricas e se reuniam, geralmente, por um


anseio de representar. Diversos eram os ofícios dos trabalhadores envolvidos nessa
arte e as associações que acolhiam os mesmos. Os compromissos artísticos
independiam da profissão ou da associação que pertencia o trabalhador, visto que
todas contribuíam para a emancipação da classe.

No caso paulista, analisado por Lima e Vargas, percebe-se que, após 1905,
o perfil de operário e o recrutamento do mesmo se modificam em relação ao
adotado anteriormente. Espera-se que o operário tenha disponibilidade para o teatro
e que já tenha participado de um treinamento oferecido por sua associação.
Buscava-se uma mão-de-obra mais especializada. Eram, inclusive, cobradas taxas
dos trabalhadores para auxiliar nas despesas do grupo. Essa questão deixa claro
que o grupo teatral era encarado como uma forma de “trabalho” e não apenas como
forma de proporcionar prazer descomprometido ao operário.

A disciplina era fundamental e não era aceito o fazer teatral apenas por
realização pessoal. O teatro era um trabalho de grupo, nenhum ator ficava em
destaque; um ator que em determinada peça era protagonista, em outra podia estar
16

desempenhando um papel secundário. Os ensaios eram permanentes e ocorriam,


por vezes, na casa dos participantes8. A regularidade e a intensidade desses
ensaios eram muito importantes: “Se todos os homens são artistas, o melhor
resultado é muito simplesmente resultado de mais trabalho”. (Lima e Vargas, 1987,
p.212)

A participação na atuação era de maioria masculina, havendo indícios da


presença feminina em alguns grêmios, porém era ínfima, o que demonstra a
tendência a poucas personagens femininas nas peças operárias e a representação
masculina em papéis femininos. Além disso, ao vermos os demonstrativos das
despesas das festas, vê-se também que as atrizes eram geralmente remuneradas, o
que sugere que a participação feminina não era algo bem quisto socialmente como
referente as “moças de família”.

Entre os militantes atuantes no teatro percebe-se, em geral, o desinteresse


pela teoria e a crítica do mesmo; esta é feita, geralmente, pelo militante vinculado a
imprensa.

Nesse sentido, a imprensa foi muito importante nesse grupo, servindo como
principal meio de comunicação das idéias e das atividades libertárias. Nos
periódicos anarquistas eram divulgados os eventos assim como eram também
publicadas as criticas aos mesmos, geralmente feitas sobre o texto e a eficiência na
atuação dos atores.

Infelizmente, há pouco material iconográfico do teatro. Há escassez de


fotografias ou até mesmo desenhos documentais na imprensa; as poucas
ilustrações se repetem e costumam marcar as datas importantes para o movimento
operário. Esse fato torna difícil, atualmente, visualizarmos os elementos que
compunham a cena dramática, assim como a composição espacial da mesma; logo,
a reconstituição visual desse teatro é algo, basicamente, especulativo. Assim, os
poucos registros que temos são dos textos e das críticas dos mesmos. (Lima e
Vargas, 1987)

8
Freqüentemente era um grupo familiar que compunha o núcleo mais permanente de um elenco.
17

Um fator que auxilia na compreensão da forma como se concretizavam


essas apresentações são as indicações dos locais onde elas ocorriam. Dessa forma,
pode-se avaliar como era a relação espacial entre o público e a platéia através do
espaço físico disponível. Geralmente era quase que um auditório, com palco raso,
sem profundidade, sem camarins, bastidores ou coxias, e sem capacidade para
agüentar pesos suspensos.

Os temas abordados nas dramatizações eram aqueles que preocupavam a


classe trabalhadora no momento; por exemplo, carestia, greve, desemprego,
delação, exploração erótica das mulheres operárias, arbítrio legalizado do patronato,
condenação de um estado de apatia, companheirismo, luta, coragem, entre outros.
Tinham o claro objetivo de promover a mobilização operária, na medida em que,
assistindo a dramatização, haveria uma identificação com ela e uma constatação da
necessidade de uma atitude em relação à mesma.

“A arte libertária se concentra, portanto, nas pressões que a impedem de


realizar-se livremente. Há alguma coisa anistórica, inerente ao humano para
ser recuperada. As análises e críticas batem sempre nessa mesma tecla
única da repressão. É essa talvez a característica significativa do social no
sistema capitalista.” (Lima e Vargas, 1987, p.180)

Os encontros operários ocorriam geralmente em um sábado à noite e havia


manifestações de variados gêneros artísticos. Canções, conferências,
dramatizações9, poemas e o baile eram elementos que se repetiam nessas noites e
instruíam ludicamente as famílias operárias10. Por vezes, havia também esquetes11
didáticas, de no máximo dois atores, que se encaixavam antes ou depois de uma
das conferências, distante do drama principal. “Era hábito comemorar o 1º de Maio,
o 14 de Julho (derrubada da Bastilha), e o 13 de Outubro (fuzilamento de Ferrer)
com espetáculos teatrais.” (Rodrigues, 1988, p.173)

Nesses momentos, qualquer pessoa presente poderia interferir e


acrescentar algo que desejasse como, por exemplo, uma poesia. Era natural o
envolvimento de crianças na parte de variedades. Essa participação também se
dava devido às reivindicações operárias quanto ao trabalho infantil, assim como o

9 As encenações não estavam “engessadas” em apenas um estilo; havia dramas e comédias.


10 No momento do baile as crianças eram retiradas do evento.
11 Pequenas peças teatrais, com cerca de vinte minutos de duração.
18

feminino12. Logo, com direitos e deveres iguais na construção da nova sociedade, as


crianças exibiam seus dotes precoces e encantavam seus pais e a platéia.

Essa participação tornou-se mais regular, tanto que em São Paulo, de 1910
a 1918, ocorreram muitas festas organizadas por mulheres e com espetáculos de
elenco infantil. (Lima e Vargas, 1987)

Quanto a relação entre o espectador e o ator, quando a imprensa fala da


reação do público vê-se que havia geralmente um diálogo sonoro durante as
apresentações demonstrando satisfação ou reprovação ao andamento da história
encenada. Logo, como o espetáculo era a voz do operário, acabava por
proporcionar um estímulo à expressão da platéia, daqueles que estão se adaptando
ao cotidiano difícil do novo continente.

Outro fator interessante é a preocupação que se tinha com a questão


monetária nessas atividades. Geralmente o aluguel dos espaços para o
desenvolvimento desses encontros era dispendioso. Não havia tempo nem dinheiro
para a confecção de figurinos especiais para cada apresentação. O que também não
era algo vital para o bom andamento da mesma visto que o teatro reproduzia a visão
binária dos conflitos da classe, e a representação do patrão e do trabalhador era
semelhante. Se formos observar as críticas nos periódicos, percebemos que a
atenção dada ao caráter estético dessa representação era ínfima. E se formos nos
deter no espectador, notamos que o que realmente prevalece na memória dos
espectadores é a mensagem da encenação, o que ela proporcionou em nível de
sentimento e de troca de experiências. “Antes de mais nada, interessa a esse teatro
a clareza na transmissão de uma idéia já formulada no discurso verbal. E é sobre a
palavra que se apóia o espetáculo, ignorando o poder de sedução da imagem.”
(Lima e Vargas, 1987, p. 173)

Dessa forma, prevalece a ótica maniqueísta da vítima e do opressor; sendo


estes de grupos sociais antagônicos, as peças quase nunca levavam a um bom
desfecho.

12A figura feminina, na época, era vista como: “Escrava do homem, escrava social e serva da
burguesia” p. 250 (LIMA E VARGAS, 1987).
19

A duração das festas ia, geralmente, das 20h do sábado às 4h ou 5h da


manhã de domingo. Percebe-se que praticamente todo o tempo livre do operário era
aplicado nessas atividades visto que, até 1918, a jornada de trabalho poderia durar
até 14h. Logo era difícil para ele dispersar-se dos seus companheiros de classe ou
ideologia durante o período de lazer. A essa vida sobrecarregada se atribui também
a habitual falta de interesse do operário pela agenda teatral burguesa. Com a
condição de vida que tinham, não havia tempo nem dinheiro para acompanhar o
movimento cultural da cidade.

O baile, no final das festas, era alvo de debates quanto a sua necessidade e
congruência com a luta operária. Além disso, alguns afirmavam que esses bailes
facilitariam a imoralidade e a degeneração, não contribuindo para a instrução da
classe. No entanto, esse tipo de evento proporcionava a possibilidade de diversão e
até mesmo, da formação de amizades e uniões no seio da classe operária. “Essas
críticas a uma atividade puramente recreativa apenas manifestam as contradições
existentes no movimento libertário no que diz respeito à ‘moral’”. (Lima e Vargas,
1987, p.199)

A preocupação com o caráter transgressor desses bailes era tanta que em


alguns grupos teatrais havia estatutos que proibiam a apresentação do elenco em
certames que tivessem bailes - eles só poderiam se apresentar em noitadas
artísticas.

Deixando em segundo plano os debates da época quanto à presença


positiva ou não dos bailes nas festas13, não se pode esquecer que ao mesmo tempo
que há o caráter pedagógico desse movimento como um todo, ele também se
consolida como propulsor da preservação da unidade étnica e ideológica do
operariado. Um exemplo disso é o fato de que alguns militantes anarquistas mesmo
quando deixavam de ser operários não deixavam de freqüentar as festas da classe.

13
Aqui, esses debates, servem apenas para tomarmos conhecimento das questões que envolviam
esses bailes.
20

Outro fator bem interessante é o caráter solidário desses eventos. Serviam


para arrecadar fundos para os periódicos libertários, auxiliar companheiros presos,
doentes ou exilados.

Esta solidariedade presente reflete todo o ideal libertário que embasa a luta
desses trabalhadores e lhes dá forças pra lutar por uma sociedade mais justa,
igualitária e fraterna.

“Além do Primeiro de Maio, outros exemplos marcantes de solidariedade


internacional devem ser assinalados: o apoio a Revolução Proletária na
Rússia em 1905 e as denúncias contra a repressão czarista; a realização de
vários comícios pela libertação de Francisco Ferrer14, após o massacre da
insurreição operária de Barcelona, em 1909, a imediata solidariedade aos
bolcheviques e à Revolução Russa vitoriosa de outubro.” (Hardman, 1991,
p.314-315)

Embora não muito freqüentes inicialmente, com o passar dos anos as produções
teatrais brasileiras foram se destacando. Eis alguns nomes de peças libertárias: A
Manhã; Pecado de Simonia; Operários em Greve; A Greve dos Inquilinos; O
Infanticídio; Gaspar, O Serralheiro; Primeiro de Maio; entre outras. (Hardman, 1991)

14Francisco Ferrer foi o fundador do Ensino Livre e da Escola Moderna. Seu modelo educacional foi
fundamental para a cultura operária. Foi condenado ao fuzilamento após ser preso na “Semana
Trágica”, em Barcelona, no ano de 1909, durante um levante operário. (Hardman, 1991)
21

2. O teatro mostra sua cara

O anarquismo surgiu no Rio Grande do Sul, primeiramente, com os


sobreviventes da Colônia Cecília15, no Paraná, que para cá vieram quando ela foi
extinta, em 1893. Observa-se em um relatório do anarquista Polidoro dos Santos
relatos sobre o movimento libertário no Estado: os anarquistas chegaram a Porto
Alegre e logo realizaram um congresso operário. Em 1899 foi criado o Grupo dos
Homens Livres, com o objetivo de fazer propaganda escrita. Este grupo divulgou
diversos manifestos e avulsos de propaganda e fundou o periódico A Luta -
quinzenário anarquista que teve sua duração até 1910 e que foi muito importante,
pois serviu para conquistar mais operários para causa anarquista. (Petersen, 2001)

2.1. Anarquismo em Pelotas

No caso pelotense, Santos Barbosa publicou no número 4 do periódico A


Vida16 informações que remetem ao início do anarquismo na cidade. Nessa
publicação consta que o primeiro anarquista a chegar a Pelotas foi José Saul17,
sapateiro de origem italiana. (Petersen, 2001)

No ano de 1887 foi fundada uma sociedade conhecida como Congresso


Operário, na qual se reuniam operários e empresários. Esse Congresso foi criado
pelos fabricantes de calçados com o intuito de reivindicar acerca de uma tarifa
especial criada pelo gabinete de João Alfredo. A agremiação tinha o intuito do
congraçamento de todos os membros das classes operárias e manufatureiras de
Pelotas. Mesmo com características de uma associação mutualista, demonstrava
traços de associações operárias de caráter reivindicatório. O Congresso depois
trocou seu nome para Liga Operária.

15 Colônia Cecília foi fundada pelo Dr. Rossi e era de características libertárias.
16 Jornal anarquista publicado no Rio de Janeiro, de 28/02/1915.
17 Saul tem seu nome citado na documentação da Liga Operária de Pelotas, que desde 1914, tem

presente em seus estatutos uma orientação sindicalista.(Petersen, 2001)


22

A Liga Operária foi a primeira associação a possuir um jornal – O Operário –,


que durou de 1892 até Julho do ano seguinte, e fechou sob alegação de problemas
financeiros; porém ao que tudo indica se tratava de uma atitude da diretoria em
concordância com os empresários que não aceitavam as idéias socialistas
emanadas pelos editores do jornal. Além do jornal, a Liga também realizou aulas
para seus sócios e os filhos deles. Porém, a diversidade dentro da Liga fez com que
fosse alvo de críticas:

“Como lamentam as fontes da época, aceitando todas as classes como


associadas, infelizmente em pouco tempo passou a colaborar com a
‘política burguesa’, que a reduziu à simples sociedade recreativa. Embora o
grupo socialista tivesse tentado durante dois anos dar uma direção operária
à sociedade, foi vencido pelos ‘retrógrados’.” (Petersen, 2001, p.71)

Na segunda década do século XX, passará a ter a influência anarquista e


resistirá até aproximadamente o ano de 1933. Em 189318 surgiu a Democracia
Social, outro periódico de tendência social-democrata, cujos colaboradores foram
afastados da Liga devido a sua inclinação ao socialismo. (Petersen, 2001)

Entre as associações que existiam na cidade19, o Centro Agrícola Industrial


e o Congresso Operário20 (posteriormente Liga Operária) são as primeiras de
representação classista: patronal e operária.

Também se destaca a União Operária Internacional, de 1897, na qual vemos


como um dos integrantes Antonio Baobad – operário de destaque – juntamente com
os chapeleiros das três fábricas que havia em Pelotas, pedreiros, mecânicos,
pintores, calceteiros, entre outros operários. A União era composta somente pela
classe trabalhadora, sendo que alguns componentes da União eram dissidentes da
Liga.

No final do século XIX também se percebe a existência da União Tipográfica


e do Centro Operário Primeiro de Maio.

18 Neste mesmo ano ocorreu a Revolução Federalista, que acabou por desarticular a atividade
militante operária.
19 Dentre elas mutualistas e beneficentes, artísticas ou bailantes.
20 Este fundado em 1887 durou apenas até o ano seguinte, possivelmente devido aos interesses

amplos e contraditórios que representava: estancieiros, charqueadores e industriais.


23

2.2 Década de 1910 – efervescência teatral anarquista

“Os anos dez constituíram um período muito criativo para as sociedades


teatrais em Pelotas, especialmente aquelas ligadas á corrente anarquista,
as quais conseguiram atrair a participação das mulheres, na platéia e no
palco.” (Loner, 1999, p. 135)

A década de 1910 foi de grande movimentação operária na cidade. Os


anarquistas se organizaram em Pelotas, enquanto grupo, no ano de 1913, com a
fundação de sindicatos e a Federação Operária de Pelotas21. Em Julho de 1914, é
criado o Grupo Iconoclasta Os Homens Livres, com o objetivo da propaganda
abertamente anarquista. Esse grupo organizou conferências encabeçadas por
Zenon de Almeida.

Diversas conferências ocorriam instruindo e saudando as classes


trabalhadoras. De acordo com notícia publicada no jornal Correio Mercantil do dia 14
de Maio de 1914, no dia anterior ocorreu a inauguração do Centro de Estudos
Sociais – CES – que tinha em sua comissão administrativa Antonio Gomes da
Silva22, Amadeu Alegria e Carlos Simões Dias. Esse Centro organizou e patrocinou
diversas conferências de cunho operário, embora, de acordo com Silvia Petersen,
seu tempo de duração tenha sido limitado.

Em relato feito por Santos Barbosa, presente na obra de Silvia Petersen, no


ano de 1914 houve grandes eventos ligados diretamente a Liga Operária de Pelotas,
nos quais o teatro era muito usado.

No ano de 1914 foi colocado um palco no salão principal da mesma a fim de


ser instalado o Teatro 1º de Maio. No jornal A Voz do Trabalhador n º 59, do dia
20/07/1914, saiu a informação de que em breve seria inaugurado o Teatro 1º de
Maio, na Casa dos Trabalhadores, e foi salientado a importância do palco social na
difusão das idéias de emancipação da classe trabalhadora. Neste mesmo dia, o
citado periódico também anuncia a fundação do Grupo Teatral Cultura Social –
grupo anarquista com peças dramáticas, cômicas e de caráter iconoclasta - com

21É importante frisar que a FOP esteve representada no Segundo Congresso Operário Brasileiro.
22Antonio Gomes da Silva era, também, redator-chefe e co-proprietário do diário local A Opinião
Pública.
24

sede na Liga (este grupo teve duração até o ano de 1918/19). Em agosto deste
mesmo ano foi inaugurado o Ateneu Sindicalista Pelotense, também de atuação
libertária.

Além desses grupos, havia o Grupo Dramático Lealdade (em 1915 e 1916);
Harmonia e Progresso (1915); o Arthur Azevedo (1917); Grêmio Dramático Amor à
Arte (1918); Culto a Arte (1918). A S.B. União Operária de Pelotas contava com um
palco-salão, assim como a Liga Operária de Pelotas. Em 1914 a União Católica de
Pelotas fundou um grupo de teatro com trabalhadores que sobrevive até hoje com o
nome de Teatro Escola de Pelotas. (Loner, 1999)

Destaca-se nesse período, Zenon de Almeida e Santos Barbosa. Ambos


operários anarquistas, brasileiros, teatrólogos e amadores dos Grupos do Rio de
Janeiro. (Rodrigues, 1992). Naquela Noite, Pecados de Maio, Pró Pátria, Famintos,
Ideal Fecundo, Cata-Vento, A Jaula são alguns textos de autoria de Santos Barbosa
– levantados por Edgar Rodrigues na Coleção Os Companheiros. Quanto a Zenon
de Almeida, é sabido que sua produção foi numerosa, salientando Fuzilamento de
Ferrer e Amores em Cristo como produções dele. Em Porto Alegre Zenon de
Almeida fundou, junto com Polidoro Santos e Cecílio Vilar, a Escola Moderna –
1913-1915 – da qual foi diretor. A escola era aberta para ambos os sexos; havia
curso de línguas, música, desenho arquitetônico e industrial, matemática, física,
química, ministrados por diversos professores. (Rodrigues, 1997) Tanto Zenon de
Almeida quanto Santos Barbosa tiveram seus trabalhos encenados pelo Grupo
Dramático Cultura Social23. Consta o drama Famintos, de Santos Barbosa, e a
comédia Amores em Cristo, de Zenon de Almeida, entre trabalhos realizados pelo
grupo. (Petersen, 2001) Em Pelotas eles tiveram ativa participação, juntamente com
Carlos Simões Dias, que comprovaremos mais adiante.

23 Esse grupo foi criado pela FORGS – Fundação Operária do Rio Grande do Sul –, em 1914, no
intuído da elevação cultural dos operários. A FORGS teve sua fundação no ano de 1906, durante a
greve dos 21 dias, embora já houvessem referências a tentativa de constituírem federações operárias
anteriores a essa data.
25

2.2.1 Inauguração do Teatro 1º de Maio

O Jornal A Voz do Trabalhador n º 63 relata de forma bem estimada a


inauguração do Teatro 1º de Maio no dia 06 de Setembro de 1914. Segundo o jornal,
primeiramente houve o hino Filhos do Povo, cantado em côro, seguido de
conferência de Zenon de Almeida sobre o momento atual. A seguir o esboço
dramático de Famintos escrito por Santos Barbosa e encenado por ele, Lourival
Pereira, Antonio Luiz da Silva e Laila Anderson24. Durante o intermédio, observou-se
poesias sociais além de encenação feita pelo companheiro José Monteiro de uma
cena social de Santos Barbosa acerca de um soldado cansado de seu ofício e
ansioso pela paz. Durante essa cena, rompeu-se um coro interno com a Marselhesa
de Fogo. Após teve a comédia Amores em Cristo, de Zenon de Almeida, encenada
por Antonio Luiz da Silva, Lourival Pereira, Zenon de Almeida, Santos Barbosa,
Oscar Araújo, Antonio Ignácio Martins e Laila Anderson. Para finalizar, tocou a
orquestra 18 de Março.

Além desse periódico, o evento também foi divulgado no jornal O Rebate, do


dia 10 de Setembro de 1914, que ao noticiar o evento, ainda acrescentou que
finalizou a encantadora festa com a desopilante comédia em um ato de Zenon de
Almeida Amores em Cristo que trouxe a numerosa assistência em constante
hilaridade. Não faltaram aplausos aos esforçados amadores do novel grupo
dramático pelotense, revelando todos boa vontade e dedicação pela bela arte de
Talma. O Rebate tem, na listagem referente aos participantes da montagem teatral
daquele dia, a participação de Manuel Bordallo, José Monteiro, Guilherme Nogueira
e Adacto Rocha – não listados no periódico A Voz do Trabalhador. Quem inaugurou
o Teatro 1º de Maio foi o Grupo Teatral Cultura Social25. Este grupo tinha como sede
o próprio teatro e estava estreando naquele dia.

24 Laila Anderson foi uma estudiosa amadora do CTCS, assim como sua irmã Maria Anderson, que
logo aparecerá nas notícias.
25 No periódico nº 64 da Voz do Trabalhador, este grupo foi apresentado como GD Cultura Social,

que presumo ser referente a Grupo Dramático. Diversas vezes ocorreu a sigla GDCS que acredito se
referir ao mesmo grupo da sigla GTCS. Optei por deixar a sigla conforme apareceu na publicação.
26

2.2.2 Movimentação Dramática do Grupo Teatral Cultura Social – GTCS

O GTCS teve grande atuação na década de 1910. Diversas foram às vezes


em que apareceram noticias acerca de suas montagens. Esses indícios nos
remetem a observação do quanto o teatro era realmente um instrumento hábil e
eficaz para a instrução e aperfeiçoamento do operário. A seguir relatamos algumas
das noticias encontradas.

O jornal Correio Mercantil, do dia 17/06/1914, informou que o grupo estava


ensaiando o drama social Deus! e logo seriam distribuídos os papéis de Anarquista.

Quanto aos espetáculos, diversos foram os que o GTCS estava presente.


Em homenagem ao 29º aniversário dos mártires de Chicago, foi organizado em
conjunto com a Federação Operária de Pelotas, um espetáculo de propaganda. No
evento foi apresentado o drama de atualidade A volta, o Hino dos Trabalhadores e
uma conferência. (O Rebate, 11/11/1914). A farsa Pacatos foi apresentada dia 13 de
outubro; juntamente com a execução do Hino Canto dos Trabalhadores, a fala de
Zenon de Almeida – sobre Ferrer - e as peças Ideal fecundo e A volta26 de Santos
Barbosa. (A Voz do Trabalhador, 1º/12/1914)

Dia 31 de Março de 1915 o grupo apresentou espetáculo que teve


contribuição voluntária e contou com grande presença do operariado. As seguintes
montagens foram apresentadas: A sementeira; Lex (A Lei); adaptação feita por
Santos Barbosa do conto, do gênero grand grignol, denominado Antolin; A chaga; O
Sufragista; O novo águia e Urucubaca – ambas de Santos Barbosa. Ainda, as irmãs
Laila e Maria Anderson cantaram a Valsa Mísera, do mesmo autor das montagens.
Para encerrar a serata livre, o “companheiro” S. Pintoriano cantou um tango
revolucionário, juntamente com o número das irmãs Anderson. (A Voz do
Trabalhador, nº 69, 07/04/1915)

Em Maio de 1915 houve festival no Teatro 1º de Maio, que tiveram como


fundamentais organizadores o GTCS e o Grupo Musical 18 de Março. Em tal evento
houve um prólogo com A volta de Santos Barbosa; palestra cujo tema era Alforria

26 Drama anti-militarista.
27

Geral, também a cargo de Santos Barbosa; as irmãs Anderson interpretaram a


comédia Abaixo a palmatória, além de um terceto e declamações sociais. Por fim, foi
apresentada uma alegoria de Carlos Simões Dias denominada O sol de amanhã27.
(O Rebate, 15/05/1915 – A Voz do Trabalhador, nº 70) A peça Social A barricada, de
Santos Barbosa, foi apresentada pelo grupo no dia 14 de Julho de 1915. Após,
houve comício sobre a questão da paz. Santos Barbosa ainda palestrou sobre o
tema: As duas revoluções. (O rebate, 10/07/1915) No mês de Agosto, o drama em
três atos Germinal, de Carlos Simões Dias, foi apresentado no Teatro 1º de Maio.
Esse mesmo texto foi apresentado para aprovação dos camaradas do GTCS no dia
16 de julho. Nesse mesmo dia, a comédia Noivo por anúncio também foi
apresentada à leitura e aprovação do grupo. (O rebate, 17/07/1915 – 29/07/1915)
Em agosto, dia 21, o grupo se apresentou no Cinema Royal28, às 20h. O espetáculo
contou com a apresentação de O tuberculoso, de Carlos Simões Dias, Os pacatos,
de Zenon de Almeida, O homem das bombas, Noctivago29 e Pamonha e Comp.,30 de
Santos Barbosa. Além dessas participações, tocou a orquestra G.M. 18 de Março.
(O Rebate, 21/08/1915) Houve comemoração de aniversário do primeiro ano do
GTCS juntamente com o G.M. 18 de Março, que ocorreu no dia 06 de setembro e
contou com conferência do operário Torregrosa, palestra da senhora Amélia Gomes,
variado intermédio e a opereta livre – Amores de crianças. O evento ocorreu na
Casa dos Trabalhadores31. (O Rebate, 04/09/1915)

No ano de 1916 percebemos, através de publicações, que a Liga Operária


fazia regularmente nas noites de sábado e domingo espetáculos que eram bem
concorridos. (O Rebate, 15/05/1916) O operariado utilizava esses momentos para
reforçar seu comprometimento e conhecimento acerca da causa libertária, além de
divertir-se com seus companheiros. Foram apresentadas, no dia 26 de fevereiro de
1916, juntamente com um ato de variedades, diversas montagens do GDCS: Os
renegados, drama em dois atos de Santos Barbosa; O grande dia, ironia em um ato
de N. Vasco e P. Berthelot e Além da roça, comédia de Carlos Simões Dias. A
apresentação ocorreu no Teatro 1º de Maio. (O Rebate, 11/02/1916) O periódico O

27
Fazia apoteose às ciências, ao trabalho e ao anarquismo.
28 Localizado no Capão do Leão.
29 Versos musicados.
30 Disparate cômico.
31 Algumas vezes aparece a referência a Casa dos Trabalhadores. Ao que tudo indica a Liga Operária

é considerada como tal; não há indícios de realmente ter havido uma entidade com esse nome.
28

Rebate noticiou, no dia 26 de abril, que o GDCS estava ensaiando o drama em um


ato O Disfarce e a comédia em dois atos O criado modelo - ambos de crítica social.
No dia 30 desse mesmo mês e no dia 1º de maio foi organizado um festival que
contou com grande publico. Os organizadores foram o teatro da Liga 32 e o Grupo
Musical 18 de Março. No dia 14 de maio foi apresentado o Diafante33 e Criado
modelo. No dia anterior teve conferência alusiva ao 13 de maio com ato de
variedades e a comédia Até na roça. (A Luta, 14/05/1916) No dia 20 de maio, o
palco da mesma foi agraciado com a deliberação de sua reforma. (O Rebate,
22/05/1916) Foi inaugurada, também no mês de maio, a série de matinês que o
GDCS faria. Naquele momento, estava ensaiando o drama A calunia e a comédia
Os dois ciumentos. (O Rebate, 22/05/1916) Em Outubro, o corpo cênico da Liga,
apresentou, em seu espetáculo mensal, a comédia de Pedro Vergara denominada
Os três. (O Rebate, 06/10/1916)

Como se percebe, a dicotomia drama-comédia é freqüentemente usada nas


noitadas libertárias. Além desses dois estilos vimos também a presença da ironia e
da farsa entre os propagandeados nos periódicos. A presença das conferências
também foi uma ação bem útil na medida em que se proporcionou um espaço para
fala e reflexão coletiva além daquele que as dramatizações proporcionavam.

Além das apresentações, foram encontrados registros referentes à formação


dos trabalhadores que serviam de instrumento da arte teatral. De acordo com o
jornal O Rebate, no dia 3 de dezembro de 1914 o Grupo Teatral Cultura Social
inaugurou um curso de arte de representação. As aulas eram voltadas para os
membros do corpo cênico da Casa dos Trabalhadores, sede social do Grupo. Esse
curso também foi noticiado pelo jornal A Voz do Trabalhador. Em abril de 1915 A
Voz do Trabalhador – nº 29 – anunciou que o curso foi suspenso, pois Santos
Barbosa estava enfermo.

O teatro realmente cumpriu o seu papel na cidade. Na medida em que


constatamos, através dos noticiários, que os encontros contavam com grande

32 Penso que o grupo de teatro da Liga, mencionado em várias noticias, é o GTCS; visto que este
tinha sede na mesma.
33 Acredito ter havido um equivoco na escrita e a correta ser, na verdade, Disfarce devido a

coincidência entre as grafias das peças que foram apresentadas e as que estavam sendo ensaiadas
pelo grupo no mês anterior.
29

número de participantes e boa parte dos informes vinha revestido de incentivos e


elogios, podemos afirmar que a arte dramática foi satisfatória ao chamar os
operários para a movimentação a favor de uma vida mais digna e humana.

O ‘”trio” formado por Zenon de Almeida, Santos Barbosa e Carlos Simões


Dias se destacou como grande fomentador da arte dramática, se envolvendo
intensamente com os espetáculos e com a criação de peças, fato que possibilitou
que Pelotas tivesse uma produção de textos dramáticos que em outros locais era
menos freqüente. Textos de crítica social independente do estilo denunciavam a
sociedade da época, ideais do anti clericalismo, o anti militarismo, entre outros,
enchiam os salões da Liga Operária. Algumas montagens contavam com vários atos
destacando o operário e, por vezes, homenageando a causa.

Aliado principalmente ao Grupo Musical 18 de Março, a diversos estudiosos


que contribuíam com suas conferências e ao público em geral – na medida em que
podiam contribuir no andamento das apresentações, se desejassem – o Grupo
Teatral Cultura Social teve grande êxito no que se propôs durante a década de
1910.

2.2.3 Solidariedade em Cena

Diversas foram as vezes, durante a década de 1910, que o teatro foi usado
como instrumento de auxílio à obtenção de recursos com fins beneficentes.

No jornal Rebate, de 28 de Novembro de 1914, vemos o programa de um


espetáculo que seria feito no Teatro 1º de Maio para auxiliar um menino sem braços.
Nesse evento foram reapresentadas as peças da estréia do Teatro, com a atuação
dos amadores O. Araújo, Manuel Bordallo, Darcy Cazarré, Walter Molina, Antonio
Luis Silva, Laila Anderson, menina Maria e o beneficiado, que fez várias tarefas
comuns com os pés.
Ainda no mesmo periódico, várias foram as publicações, no ano de 1915,
quanto a trabalhos apresentados com esse fim. As peças Tuberculoso e A chaga (?)
e o sufragista foram apresentadas, no dia 22 de Maio, às 21h - esse espetáculo foi
30

em benefício de duas viúvas. (O Rebate, 22/5/15) A fim de auxiliar o operário Àlvaro


Porto, que estava doente, houve espetáculo dia 26 de junho: se viu o drama A
recompensa, a comédia O homem das bombas e o intermédio alegórico Sol de
amanhã. (O Rebate, 26/6/15) No dia 3 de julho, o Sr. Idelfonso dos Santos era o alvo
das arrecadações e, para tal, se apresentou A volta, O tuberculoso, e A...iga34,
comédia infantil e variedades. (O Rebate, 3/7/15) No dia 26 de setembro, às
20h30min, foi a vez da Liga receber apoio: dedicado aos congressistas, o evento
contou com peça gênero grand Guignol denominada A Lei e adaptada por Santos
Barbosa, A mão, escrita por Santos Barbosa, e Noivo por engano, comédia de
Carlos S. Dias. Além das dramatizações, o evento contou com uma parte de
variedades. (O Rebate, 25/9/15) Todos esses eventos ocorreram no Teatro 1º de
Maio. O Centro de Feminino de Estudos Sociais realizou no dia 27 de novembro um
espetáculo variado em seu beneficio. No programa consta ouverture do G.M. 18 de
Março, um drama de Carlos Simões Dias intitulado Cenas da vida – que, de acordo
com o jornal O Rebate, faria revoltar o sangue do mais caduco trabalhador - e a
comédia Amores em Cristo de Zenon de Almeida. Também foi encenado um
intermédio, um ato de variedades com cinco musicas – terminando com a cançoneta
O bonequinho, cantada por João Monteiro - e a comédia de Carlos Simões Dias,
denominada Até na roça35. Os amadores que atuaram neste dia foram: Maria
Martins, Julia Ceciliano, José Monteiro, Carlos Simões Dias, Antonio S. Martins,
Armando Vinholes, Antonio Luiz da Silva, Italo Brum, Oscar Chagas, Dyrceu D. Dias
e Francisco Torregrosa. O jornal ainda destacou, entre eles, a atuação das
senhoritas Maria Martins e Julia Ceciliano e dos senhores Monteiro, Carlos Simões
Dias e A. Vinholes. (O Rebate, 29/11/1915)

No ano de 1916 ainda mais intensas foram as atividades. A Sociedade


União Operária teve espetáculo no seu palco salão em beneficio da D. Maria
Felicidade. Com a promoção da troupe infantil Guerra, ocorreu o drama Coração de
mulher e Artistas sem contrato que, de acordo com o jornal Rebate, de 16 de junho,
seria um disparate tragi-cômico-lírico. No dia 27 de fevereiro, o operário Heleodoro
Porto foi o beneficiado pelo festival que ocorreu no Teatro 1º de Maio. Ainda no
mesmo teatro, no dia 18 de março ocorreu outra velada a favor da biblioteca da Liga,

34 Não pode ser compreendida a denominação na integra, devido ao estado do jornal.


35 Tem como tema alguns costumes rio-grandenses.
31

que teve como homenageada a Comuna de Paris e foi dedicada ao G. M 18 de


Março. (O Rebate, 1/3/16) No palco salão da Liga ocorreu espetáculo com
ouverture, pela banda Guarany; Famintos, drama; O grande dia, comédia; ouverture,
pela banda Rio Branco, e variedades. O evento foi anunciado no jornal O Rebate –
dia 24 de junho – em prol da S. M. Rio Branco, dedicado ao Sport Clube Rio Branco,
Sport Clube São Gonçalo, Gremio Sportivo Guarany e S. M. Nova União. Programa
ouverture, pela banda Guarany, Famintos, drama, O grande dia, comédia, ouverture
pela banda Rio Branco e variedades.

No dia 15 de Julho ocorreu festival cujo alvo das arrecadações era os


curtumeiros. (A Luta 14/5/16) No teatro da Liga, dia 14 de julho, às 20h30min, foram
apresentadas as peças Na barricada e Que três (comédia em um ato) em benefício
da orquestra. (O Rebate, 11/7/16) No palco salão da Liga houve um variado
espetáculo, no dia 4 de novembro, dedicado a S.R. Progresso da Juventude, tendo
como beneficiário o popular amador Darcy Cazarré. Neste dia, ocorreram as
seguintes atrações: O Disfarce (drama, 1 ato); Um homem sério (sátira, 1 ato);
variedades à guisa de revista e Fora de horas (comédia, 1 ato). Contou com a
participação dos amadores Darcy Cazarré, Santos Barboza, Carlos Dias, Alvaro
Porto , Italo Brum, Filinto Moura, Antonio Luiz, Joaquim Avendano, Maria Martins e
Ida A. e Silva. Por fim, houve o baile. (O Rebate 4/11/16) No dia 19 do mesmo mês,
houve espetáculo em favor de um operário, que ocorreu na Liga e teve a
representação de A Lei, Um homem sério, O homem das bombas e Que luz. (O
Rebate, 18/11/16)

No dia 11 de maio de 1918, um operário enfermo foi o alvo das rendas das
comédias representadas: Uma mulher por 3 quartinhos e o Caixeiro da taverna. O
Grupo Teatral Cultura Social, que esteve suspenso por um tempo, teve reestréia no
início de outubro com a comédia Os impalpáveis. Essa apresentação foi em
benefício da Escola Racionalista – anunciado no jornal O Rebate, de 15 de agosto.

O palco da Liga Operária continuou tumultuado em 1919. Esse ano foi


marcado por uma série de eventos com a finalidade de ajudar companheiros
grevistas. No dia 31 de maio houve grande espetáculo do Grupo Teatral Cultura
Social – no Teatro 1º de Maio, a fim de arrecadar fundos para o auxílio dos grevistas
32

da Fábrica de Chapéus Pelotense e das costureiras grevistas. Houve palestra,


comédia e variedades. O periódico O Rebate publicou mais de um anúncio
lembrando os operários de tal evento e frisando a importância da participação no
mesmo. (O Rebate, 24/5/19 e 26/5/19) Em junho teve apresentações na Liga, que
tiveram como agraciados a mesma e o Núcleo Comunista de Pelotas. (O Rebate,
5/6/19) Em julho, o GDCS realizou espetáculo em beneficio da Liga - o resultado
seria usado na confecção de manifestos e folhetos. (O Rebate, 20/5/19) Além da
Liga, também o grupo G.D. Amor a Arte se mobilizou, no mês de agosto, para ajudar
companheiros grevistas. Neste caso, os estivadores foram os contemplados. Além
deles, dia 25 do mesmo mês, o benefício foi para a Banda Musical Lyra Artística –
de acordo com o Rebate, o ingresso tinha o valor de 500 réis. (O Rebate, 20/5/19)
Ainda em maio, o mesmo periódico noticiou que o Grupo Amor à Arte estava
ensaiando um drama denominado Helena, a fim de auxiliar uma amadora do grupo.
(O Rebate, 3/7/19) Este drama foi apresentado em julho, juntamente com um ato de
variedade. (O Rebate, 03/07/19)

Percebemos que diversos foram os auxílios prestados a companheiros


libertários e também grande foi a movimentação da classe operária que movia a
engrenagem teatral para que fossem arrecadados os valores necessários.
33

Conclusão

Em meio a uma sociedade difícil e a condições de vida precárias, os


imigrantes recém chegados no Brasil se estabeleceram e aos poucos começaram a
se organizar para lutar pelos seus direitos. Na cidade de Pelotas não foi diferente.
Unidos em associações mutualistas, os operários aos poucos foram se organizando
e servindo como esteio para outros companheiros que estavam chegando. Logo
criaram sindicatos, associações de classe, uniões, federações e culminaram na
Confederação Operária Brasileira.

O anarquismo pode se desenvolver mais plenamente após o ano de 1904 e


teve grande influencia até a criação do Partido Comunista - que fez com que alguns
libertários se afastassem do anarquismo e aderissem ao comunismo.

A década de 1910 foi realmente de grande importância para a história do


movimento operário na cidade. Foi nesses anos que o teatro se desenvolveu mais
plenamente e atingiu boa parte da classe servindo não só como meio de diversão,
mas também – e principalmente – para contribuir com a consolidação e evolução da
classe operária. Diversos operários aderiam à causa através da arte dramática que
defendia os ideais de transformação social: divulgava as idéias anarquistas, criticava
o Estado e as desigualdades, auxiliava no desenvolvimento cultural do operariado e
era, por vezes, beneficente, auxiliando diversos operários e organizações libertárias.

Encarado com seriedade por aqueles que o faziam, ele era ensaiado e
apresentado enfatizando temas que preocupavam a classe trabalhadora no
momento. O mais valorizado era a troca que os textos proporcionavam com o
espectador, não se prendendo a ideais estéticos. O momento em que ocorria a
maioria das apresentações era durante as seratas, que se constituíam de uma
coletânea de apresentações variadas e uma explanação, muitas acabavam com um
baile.
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A Liga Operária de Pelotas foi uma entidade que fomentou grandemente o


movimento operário pelotense. Inaugurou em seus salões o Teatro 1º de Maio que
foi sede do Grupo Teatral Cultura Social. O Grupo Teatral Cultura Social apresentou
uma série de peças de diversos estilos: drama, comédia, tragi-comédia, farsa, dentre
outros, e, aliado ao Grupo Musical 18 de Março, promoveu uma série de eventos
para o operariado.

Nomes como o de Zenon de Almeida, Santos Barbosa e Carlos Simões Dias


ficaram marcados dentro da produção artística da época. Estes homens
proporcionaram à cena dramática de Pelotas uma variedade de textos a serem
dramatizados – características não muito presentes em outras cidades onde o teatro
também foi usado como propagador das idéias anarquistas. Outro exemplo bem
significativo foram as diversas contribuições freqüentes das irmãs Anderson nas
montagens, provando que a mulher também estava atuante neste processo.

O teatro então mostrou sua cara. Desenvolveu-se de maneira humana e


fraterna. Serviu para auxiliar os operários a galgar melhores condições de vida, além
de proporcionar momentos de confraternização e lazer cultural que eles não
encontrariam em outros lugares senão naqueles eventos. Chamou operários para a
causa libertária e provou ter um grande potencial no que se refere ao ser humano e
seus sentimentos.
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