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GioxcIo AGAMBEN HOMO SACER 0 PODER SOBERANO A VIDA NUA I Tradugée Hexriaue Bueco 2 reimpressio — sendo © primeito de todos 0 da sacralidade da vida — {que mio tinham sido imediatamente levadlos em conta. Mas, ro.que, em tl mbito, rantida nenbuma das nogdes que as cigncias humanas (da juisprudéncta i ante pologia) acreditavam ter definide ow havism peessuposto oma evidentes € que, a0 contrério, muitas delas exigiam ina urgénecia da catisteofe — uma revisto sem reservas pare LOGICA DA SOBERANIA | 0 PARADOXO DA SOBERANIA 1.1.0 paradoxo da soberania se enuncia: “0 soberano ests a0 mesmo tempo, dentro ¢ fora do ordenamento juridieo™ Se 0 soberano &, de fato, aquele no qual © ordenamento juridico reconliece 0 poder de proclamar o estado de excecio fe de suspender, deste modo, a validade do ordenamento, tentio “ele permanece fora do ordenamento jusidico &, 10° davia, pentence a este, porque cabe a ele decidie sea consti- twighe toto possa ser suspensa (Schmitt, 1922, p. 34). A especifiaigio “ao mesmo tempo" mio € tsvial: 6 soberano, tendo © poder legal de suspender a validade da lei, coloca-se legalmente fora da lei. Isto significa que o paradoxo pode ser Formulade também deste modor a lel est fora dela mesma ‘ou ent: “eu, 0 soberano, que estou fora lei, declaro que rag ha um fora da le Vale a pena refletir sobre a topologia implicita no para 1 133 18 131 1s we as ‘conduz com mo mais forte xzendo vioignci 40 mas uso, Somente uma aguda cominctivitis professorta pode in luzit os Fildlogos (em particular o curador da ja envelhecia tedigio erica oxoniana de Platao) a corrigir o Dian likaistaton dos cédices mais autorizados para reintegrar © verso pindirico (dain 1 blaictaton). Como Wilamowitz fez justamente observar (Wilamowitz, 1919, p- 95-97), biaién por demais raro em grego para que se possa explicar com tum lapso dle meméria Ce ainda menos com um lapsus calam, ©-0 sentido do jago de palavras platénico € perfeitamente claro: a “jusificagao da violencia” & aqui, na mesma medi, {um “fazer viokgncia ao mais uso" €nisto © nada mais consiste a “soberania” do ndmos de que fala Pindato {Uma intengdo andlogs guia tnto a citagao implica que Platio, no Protdgoras, poe nos labios de Hipias Vos homens presentes, ew presume que sejais todos parentes, familiares © eidadios por natueeza, n20 por lei, Por natureza © similar € parente do similar, mas © ndmos, iano (Ifrannos, nao basileis) dos homeas, comete muitas violéneias contra 3| inaturena", 337¢) quanto aquela, explicta, de Leis 690d ct seq (© axioms segundo o qual domina quem & mais fore) € multisim difunddo por naturezaeatre todos os viventes, ‘Como disse Pindaro tchano, Maso asioma que parece mais importante €0 sext ou sea, aquele que ondena que quem uipienteciteligente comande e governe e qu, PoRaMt, Sori ia opin Par, no po lena dizer que ocorta contra a natureza, mas segundo a patuceza, ou sefa, segundo o poder da lei sobre quem. Voluntarlamente a eta, endo por violencia, Em ambos os casos, 0 que a Platao interessa nao € tanto 8 oposigio entre physis © mémos, que estava no centro do Alebate sofistica (Stier, 1928, p. 245-246), quanto 3 coinci- ‘encia de violBncia e direito que constitui a soberania. No twecho citado das Leis, 0 poder da lei & definido conforme ‘com a naturcea (hata physin) e essencialmente ni violento, pois o que Platio toma a peito & precisamente acutralizar a Dposigio que, tanto pars os sofistas quanto (de modo tiverso) em Pindaro, justficava 4 confusio *soberana” de ia © Dike. 4 Todo o tatado do problems tidnde a matueza om elagio lel Ele nevriea 2 amas Mirman» eriginsiedade ds alma e de ido aqullo que pretence 20 genero da alma” lec, tebe e nomad) em Aizemon ser por matures” (8926). Quando Plat te, com tle, todos os representantes aqua que Leo Sus chara de “diet natural elissco”) die que lel deve ena sobre portato, aflemar a soberinla da lel sobre & natures ns Portanto, para colocar fora de foo a contaposigag sols de violencia edie, os sofas 4 opoayto serve prec Samente para Tun © principio de soberani, a unio de Bis e Dike 23 € 0 propio sentido desta conrapocigto, que havea Scldeme, que deve aql ser consierado de maneiea nov, A polemics sofsica contra 0 nomos em favor da natrezs {que se dexevolve em tons sempre mal vos no corer do séeulo1V) pode sr considerads como a premises acces Gh oposiqao ene extdo de natureza e commonueali que Hobbes colocs a base de sun concepea0 dt soberana. Se panto sofas, anteirtae dupes, em die Tralee,» veknci do mais fone, para Hobe © preci tment eia mesma Wentdade de etado de rare © io Tenci thomo bomini lupus) uti © poder abelito do schernno, Ev aos ov est, au em seni sparen pena que leita o principio de soberani, indtingso Ce dic e vielen no homem fort dos otis ou no Soberanoobsino) Emiporate nota, de fat, qe, em Hobbes, o etd denature sobrevve na peseon do se relagio entre phys © centre violéncia ¢ le, € esta propria indistingo cons: litus @ especifica violencia soberana. O estado de natureza rio € portanto, verdadeiramente externa a0 némas, mas ‘us virtalidade, Ele (certamente na Idade Modem, mas provavelmente jd na sofistica) € 0 ser-em-poténcia do Uireo, @ sus autopressuposicao como “diteto natural. De resto, como sublinhow Strauss, Hobbes era perfeitamente consciente de que 0 estado de natureza no devia ser const derado necessariamente como uma época real, ¢ sim, sobre tudo, como um prinepio interno ao Estado, que se revela no ‘momento em que se o considera “como se fosse dissolvido” (ut tanguam dissoluia consideretur, td et, ut quatis sit natura Iumana... recte intelligatur: Hobbes, 1983, p. 79-80). A exterioridade — o direto de natureza e o principio de conser vacio da propria vida — ¢ na verdade © nucleo mais Intimo do sistema politico, do qual este vive no mesmo sentido em que, segundo Schmit, a regra vive da excesio, 2.4 Nao deve admirar, nesta perspectiva, que Schmitt ba seie justamente sobre o fragmento de Pindaro 2 sua teoria sobre 0 cariter originirio do “nomos da terra" ¢, todavia, no faga nenhuma alusio a sua tese sobre a soberania como decisio sobre o estado de excegio. O que ele quer aqui asseguras a todo custo € a superioridade do némes soberano ‘como evento constitutive do direito com relacao a toda ‘concepgio positvistica da lei como simples posicionaiento fe convengao (Geset2). Por isto, mesmo falando de “dmos soberano", Schmitt deve deixar na penumbra 2 proximidade cessencial entre ndmos estado de excecio, Usa leitura mais atenta revels, todavia, que esta proximidade € clartmente presente, Pouco mais adiante, no capitulo sobre as Primeiras linbas globais, ele mostra, de fato, como 0 nexo entte local ragio € ordenamento, no qual consiste © ndmos da terra, implica sempre uma zona excluida do diteito, que configuea um “espago livre ¢ juridicamente vazio", em que @ poder soberano nao reconhece mais os hinites Fixados pele ninios como ordem territorial. Fsta 2002, na época clissica do tus ublicum Europaeum, conesponde a0 nove mundo, identifi ceado com o estado de natureza, no qual tudo & licts (Locke In the beginning, all world wa America). O proprio Schanitt, assemelha esta 2ona beyond the line uo estado de exces, {que “se baseia de maneira evidentemente aniloga na ideia ‘de um espago delimitado, live e vazi0", entendido come imbito temporal e espacial da suspensio de todo direito Fle era, porém. delimitado com relaglo ao ardenamento Jurtdico normal: no tempo, atavés da proclamaca0, 20 Inicio, do estdo de guetr,¢, a0 final, ateaves de um ato de indenidade; no espago, por uma precisa indigo de seu Smbito de validade. No interior deste mito espacial e tem por, podia ocorter tudo aquilo que fosse considerado de fato necessiro segundo as eieunstincia. Para indicar esta siivagio, havia um simbolo antigo © evidente, ao qual Feferéncia até mesmo Montesquicu- a estitua da liberdade fou a da justiga eram veladas por um determinado periods Ge tempo (Schait, 1974, p. 100). Enguanto soberano, o ndmos & necessariamente conexo tanto com 0 estado de natureza quanto com o estado de excegio, Este utimo (com a sua necessiria indistincio de Bia e Dike) nao the € simplesmente externo, mas, mesmo na sua clara delimitagao, & implicado nele como momento em todos 0s sentidos fundamental, © nexo localieagto-orden ‘mento [4 contém, portanto, desde sempre em seu interior propria ruptura virtual na forma de um "suspense de todo revo". Mas o que entio surge (a0 ponto em que se cons era 2 sociedade tanguam dissoluta) &, na verdade, 180 0 estado de natureza (como estigio anterior no qual os homens rectiriam), mas o estado de exeegio, Estado de natures ¢ estado de excegao sto apenas as duas faces de um nico processo topoldgico no qual, como numa fita de Moebius ‘ou em uma garrafa de Leyden, o que era pressuposto como texterno (o estado de natureza? ressurge agora no interior (como estado de excecio), e 0 poder soberano ¢ justamente cesta impossibilidade de discernie externo e interno, natu tera ¢ excegio, phyistse némos. O estado de exceio, 1oR0, ‘mio € tanto uma suspensio espaco-temporal quanto uma figura topoldgica complexa, em que nao $6 a excegao e a regra, mas até mesmo o estado de natureza e 0 diteito, fora ¢ o dentro transitam um pelo outro. E justamente nesta zona topologica de indistingio, que deveria permanecer ‘cults aos olhos da justiga, que nés devemos tentar em ver disso fixar o olhar. O proceso (que Schaitt desereveu rinuciosamente ¢ que nds estamos ainda hoje vivendo) através do qual, de modo claro ji a pani da Primeira Guerra Mundial, © nexo constitutive entre localizagio e ordenamento do antigo némos da terra se rompe, arrastando 2 ruina © Inteizo sistema das limitagdes reciprocas e das repras do tus ‘publicum Europacim, em na excecio soberana 0 seu furi- mento escondido, O que ocorreu e ainda esti ocorrendo sob rnossos olhios & que o espaco “juridicamente vazio" do estado de excego (em que a let vigora na figura — ou sei, etimolo- ficamente, na fiegdo — da sua dissolucio, e 80 qual pods portanto aconiecer tudo aquilo que o soberano julgava de fato necessisio) ircompeu de seus confins espayo-temporais «,esparramando-se para fora deles, ende agora por toda parte 4 coincidie com 0 ordenamento aormal, no qual tudo se {orna assim novamente possivel Se quiséssemos representar exquematicamente a relagio lente estado de natures e estado de deo tl qual se configura no estado de excega0, poderiamos recor a dois citculos Gu, de inicio, apresentamve como distintos (ig. 1) © depois, no testo de excegso, mostram esta, na realidad, um no interior Ado outro dig 2). Quando a excesao tendle a omnar-se 4 reRe, fs dois citculos coinckem em absolut indisting3o i. 3) CO © Figura Figura Figua [Nesta perspectiva, o que esté ocorrenda na extugosliva ‘mais em geval, 0s processos de dissoluglo dos organismos stata Gadieionais na Europa oriental mio devem set vistos ‘como tom reemergir do estado natural de Ista de todos conta Todos, que prenuncia a consituicao de novos pactos soctais fede nos localzagoes nacional-estatss, mas, aes, COW @ ‘Mla lz do estado de exceyio como estratira permanente ‘de des-localizagao © des-locacio' juridico- polities. Nao se {rats portanto, de um retrocesso da organieagio politica Uirecio de formas supers, mas de eventos premonsenios {que anuaciam, com arautos sangrentos, 0 nove dos da terra, que (seo principio see o qual se basin no for reaver cd e colocado novamente em questi tender a extender Sobre todo. planeta Tesonderen ete angen Iain ie cats, unqueeisnvesigand ops ‘hom uti ctr ca, so tc ut soos equ sats man a ehusad tae empire ns «quad his ines compensa renee un see nel INTRODUGAO (0s gregos mo possuiam um terme tnico pasa exprimie © aque nds queremos dizer com a palavra eida, Serviamse de dois terms, semintiea ¢ morfologicamente distintos, ainda que fepontvels a um étimo comunt zo, que exprimia o simples fato de viver comum a todos os seresvivos Canim, homens fou deuses) e bias, que indicava a forma ou maneiea de viver prépria de um individuo ou de um grupo. Quando Plo, 80 Filebo, menciona trés generos de vida e Arist6tees, nx Btbica nicomachea, distingse & vida contemplativa do Fildsofo (sos tbeoreticés) da vida de prazer (bios apolausticds) © da vida politica (bios poled, eles jamais poderiam ter empregado'o {ermo 208(que, sigaifcativamente, em grego carece de plural) pelo simples fato de que para zmbos nao estava em questao de modo algum a simples vida natural, mas uma vida quali ‘cada, um modo particular de vida. Aristteles pode decerto fala, teferindo-se 20 Deus, de uma 206 arise hai aidias, vida mais nobre ¢ eterna (Met. 1072, 28), mas somente enquanto pretende sublinhar 0 fato nao banal de que até mesmo Deus € lum vivente (assim como, no mesmo contexto, serve se do ter mo 20¢ para definir, de modo jgualmente pouco trivial, 0 210 do pensimento}, mas fala de uma z0€ politike dos cidadios de Atenas n2o teria feito sentido. Nao que © mundo clissico fo tivesse familiatidade com a idéia de que a vida natural 3 simples 20¢ como ta, pudesse ser em st um bem. Em um tech da Politica (1278, 23-31), depois de haver secordado que © Fin da cidade € viver segundo o bem, Arstteles exprime, als, com insupervel lide? esta consciéncia: Este (o viver segundo 0 bem) & o fim supremo seja em ‘comm pars todos os homens, sep para cada um separad ‘mente. Estes, porém, unemse e mantém a comunidade politica até mesmo tendo em vista 0 simples vives, porque existe provavelmente uma cena porgio de ber até meso tno mero fato de viver (hata ro 26m auld mcrion); se nto 1g um excesto de dificuldades qyanto a0 modo de viver (hata ton bion), € evidente que a halor parte dos homens ‘suporta muitos sfrimentos ese ape a vida (206), como Sernela houvesse uma espécie de serenidade (euemerta, belo dia) e uma docura natural A simples vida natural & porém, exclufda, no mundo elis- sco, da pels propriamente dit ¢ restafirmemente confinads, como mera vida teprodutiva, 20 Ambito do ofhos (Pol. 1252a, 26:35). No inicio de sua Politica, Arst6teles usa de todo zel0 para distinguir o ofkondmos (o chefe de um empreendi- mento) e o despotes(o chee de Familia), que se ocupani dx reproducao da vida e de sua subsisténcia, do politico & cescarnece daqueles que imaginam que a diferenca entre eles seja de quantidade © nio de especie. F quando, em um trecho que deveria tomarse canénico para a tradigio politica do Ocidente (1252b, 30), define a meta da comunidade per Feit, ele o faz justamente opondo o simples fato de viver (10 226n) 8 vida politicamente qualificada (10 eft 26»): ginoméne ‘men of tof 26n héneken, ofsa dé tot et zén “nascida em vista do viver, mas existente essencialmente em vista do viver bem’ (na tradugao latina de Guilherme de Moerbeke, Que tanto Tomés como Marsilio de Padua tinham diante dos olhos: facta quidem igitur ivendi gratia, existens autem gratia bene vivend. E verdade que um celebérrimo trecho da mesma obra define ‘ homem como polititon zéor (1253a, 4): mas aqui @ parte 0 fato de que na prosa dtica 0 verbo bidnat nao é praticamente uuside no presente), politico nao € um atriburo do vivente como tl, mas & uma diferenca especifica que determina o enero don (logo depois, de resto, a politica humana & distinguida daquela dos outros viventes porque fundada através de um suplemento de politizacio ligedo 8 linguagem, sobse uma comunidade de bem e de mal, de justo € de ijusto, e nao simplesmente de prazeroso e doloroso). E em referdncia esta definigto que Foucault, 20 final da Vontade de saber, resume © processo através do qual, nos limiares da tdade Moderna, «vida natural comega, por si ver, a ser incluida nos mecanismos e nos cileulos do poder esata, e 2 politica se wansforma em biopolitica: “Por milenios, © homem permanecet o que era para Aristieles: um animal vivente e, além disso, capaz de existéncia politica; 0 homem smoderno é um animal em cuja politica esti em questio a sua vida de ser vivente.” (Foucault, 1976, p. 127) Segundo Foucault, 0 “Kimiar de modernidade biol6gea de uma sociedade situa-se no ponto em que a espécie © 0 individuo enquanto simples corpo vivente tomamse a aposta que esti em jogo nas suas estratégias politicas. A partir de 1977, os cursos no Collige de France comecam a focaliza a passiyem do “Estado territorial” a0 “Estado de populagio’ & © conseqdente aumento vertginoso da importancia da vida biolégica € da savde da nagao como problema do poder soberano, que se transforma entao progressivamente em *governo dos homens’ Foucault, 1994, v- I, p. 719). "Resulia lav uma espécie de animalizagio do homem posta em pratica através das mais soisticadas Genieas polices, Surgem entio na historia seja 0 difundirse das possibilidades das ciéneias Inumanas « socias, seja a simultdnea possibilidade de pro- {eger a vida e de autoriaar seu holocausto.” Em particular, 0 desenvolvimento e o trnfo do capitalismo nao teria sido possivel, nesta perspectiva, sem o controle disciplinar fe: tuado pelo novo biopoder, que criow para si, por assim dizer, através de uma série de tecnologias apropriadas, os *corpos déceis" de que necessitava Por outro lado, jd no fim dos anos cingiienta (ou seja, {quase vinte anos antes de La volonté de savoir) Hannah Arendt hhavia analisado, em Tbe human condition, © processo que leva 0 homo laborans e, com este, a vida biol6gica como tal, 4 ocupar progressivamente 0 centro da cena politica do moderno, Era justamente a este prinado da vide natural sobre a acto politica que Arendt fazia, als, remontar a transformagao e a decadéncia do espaco pablico na socie: dade moderna. Que a pesquisa de Arendt tenba permanecido praticamente sem seguimento € que Foucault tenha podide abrir suas eseavagoes sobre a biopolitca sem nenhuma refe- réncia a ela, €testemunho das dficuldades e resisténcias que fo pensamento deveria supenir nesse Ambito. E justamente a cess diffculdades devenrse provavelmente tanto 0 fato de (que, em Tbe human condition, a autora curiosamente mio festabelega neniuma conexao com a8 penetrantes anilises que precedentemente hvin dedicada a0 poder totalititio (las uiais esté ausente tod e qualquer perspegtiva biopoltica, {quanto 4 circunstincis, também singolar%de que Foucault jamais tenha deslocado a sa investigao para as eas por texceléncia da biopolitiea modesna: 0 campo de concenteaga0 ‘estestrutura dos grandes estados toaltirios do Novecentos. |A morte impedia que Foucault desenvolvesse todas as implieagdes do conceito de biopoliica e mostrasse em que sentido teria aprofundado ulteriormente 4 sua investigacio: ftts, em todo caso, 0 ingresso da 208 na esfera da polis, politizacao da vida nus come tal constitu o evento decisive {da modernidade, que assinala uma transformacio radical das categostas poitico-ilosbicas do pensamento lissico.F pro: viel, aliis, que, se a politica parece hoje atravessar um uradoura eclipse, islo se d& precisamente porque ela exi -mi-se de um confronto com este evento fundador da moder fnidade. Os “enigmas” (Furet, 1985, p. 7) que nosso século [século XX propos &razio histrica e que permanecer 3tvais Co mazismo & 56 0 mais inquietante entre eles) poderio ser salvides somente no terteno — a biopolitica — sobre © qual foram intricados, Somente em um horizonte biopolitico, de fato, seri possivel decide se as categorias sobre culas opo~ sides fundou-se a politica moderna (direta/esquetda; pri vado/pablico; absolutismo/democracia et), e que se foram progressivamente esfumando a ponto de entrarem hoje numa ‘erdhdera e pripria zona de indiscernibiidade, deverio ser Aefinitivamente abandonadas ov poderio eventualmente reencontrar 0 significado que naquele proprio horizonte haviam perdido, E somente um reflexio que, acolhendo a sugestao de Foucault € Benjamin, interrogue tematicamente 2 felacio entre vida nua e politica que governa secretamente as ideologias dt modernidade aparentemente mais distantes fentee si poderi fazer sair © politico de sua oculacio e, 20 ‘mesmo tempo, restituir @ pensamento 3 sua vocacio pritica, Uma das oientacoes mais constantes do trabalho de Foucault € 0 decidida abandono dla abordagem tradicional do problems do poder, baseada em modelos juridico- instiucionais (a definieao da soberania, a teoria do Est {do}, na diregao de uma andlise sem preconceito dos modos ‘coneretos com que o poder penetra no proprio corpo de seus Sujitos e em suas formas de vida. Nos ultimos anos, como resulta de um seminieio de 1982 na Universidade de festa anilise parece orientar-se segundo duas distintas dire- trizes de investigagio: por um lado, estudo das téenicas politicas (como 2 ciéncia do policiamento) com as quais © Esudo assume ¢ integra em sua esfera © cuidado da vida natural dos individuos; por outro, o estudo das feenologias ido eu, através dis quais se realiza © procesto de subjetivacio gue leva o individuo a vincular-se 2 propria identidade € 2 propria conscignciae, conjuntamente, a um poder de controle extemo. E evidente que estas duas lihas (que dio continu dade, de resto, a duas tendéncias presentes desde 0 inicio no trabalho de Foucaulo) se entrelacam em varios pontos & remetem stim centeo commun, Em um) de seus dltimos esertes, cle afiema que 0 estado ocidental moderno itegrov uma proporgio sem precedentes técnicis de individualizagio Subjetivas e procedimentos de totalizagio objetivos e fala de ‘um genuino “duplo vinculo politico, constituido pela indivi

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