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Antropologia e Hamartiologia

Welerson Alves Duarte

AULA 9: A ORIGEM DO PECADO

Introdução

Poucos minutos diante do noticiário são suficientes para se perceber que há algo

de errado com o mundo em que vivemos. São tantas guerras, tanta violência, tanta

injustiça, gente morrendo de fome enquanto bilhões são gastos em armamentos. Toda

forma de injustiça contra o ser humano parece ser vista como normal no cotidiano.

Qual seria a causa de toda essa tragédia? Ao longo da história tem se visto o

homem buscando, propondo e aplicando soluções que, no entanto, não têm surtido

efeito. Por que o homem não consegue encontrar solução para estes problemas? A

continuidade da maldade sugere que o problema não se limita a estruturas sociais

corrompidas, mas que a natureza humana está afligida por uma inclinação para fazer o

que é errado.

1. A Origem do Pecado

Sabemos que Deus, ao criar o homem, deu-lhe sua imagem, instituiu um dia de

descanso e lhe deu a ordem de não comer da árvore do conhecimento do bem e do

mal. No capítulo 3 de Gênesis encontramos uma história mostrando que o homem não

obedeceu à ordem do Senhor.


Relegar a descrição do Gênesis à categoria de mito é ignorar a intenção do

autor, que narra um fato histórico e pretende que seja aceito como tal. Paulo reafirmou

a historicidade deste relato, quando escreveu que Eva havia sido enganada pela

astúcia da serpente (2 Co 11.3). Se os 3 primeiros capítulos de Gênesis não trazem

uma narrativa histórica, o restante da Bíblia não faz sentido. Qual o sentido de um

messias resgatador se o homem não foi criado para se relacionar com Deus e se não

houve a queda?

A respeito da queda Franklin Ferreira diz o seguinte:

A rendição de Adão e Eva a Satanás foi completa, assim como completo foi o

seu pecado contra Deus. Quando seguiram as sugestões enganosas de

Satanás, seus corações foram corrompidos, e eles passaram a ser dominados

pelo pecado e o mal. Satanás teve uma vitória, ganhando domínio sobre os

seres humanos e, por isso, sobre o cosmos. Quando rejeitaram a palavra de

Deus, tornaram-se indivíduos isolados, perdendo o sentido da harmonia que

existia entre eles e Deus, entre eles mesmos, e entre eles e a criação. Satanás

teve sucesso no estabelecimento do seu reino. Mas este era um reino parasita,

isto é, uma caricatura maligna do reino de Deus sobre toda a criação (Ferreira,

2007, p. 441).

Em consequência da queda o que era bênção se tornou maldição. O ter filhos,

algo que deveria trazer apenas alegria, agora traz sofrimento multiplicado. O trabalho

que deveria ser apenas bênção, uma vez que é um chamado a participar do cuidado

com a criação, foi acrescido de sofrimento.


Em consequência da queda aquilo que deveria ser harmonia se transforma em

competição. Homem e mulher que deveriam viver em concordância, agora competem

entre si.

Franklin Ferreira diz o seguinte com relação aos efeitos da queda:

Podemos agrupar as seis rupturas ou divisões ocorridas como resultado da

queda (Gn 3.8-20). A primeira divisão é a ruptura espiritual, ocorrida entre o

homem e o Criador (3.8-11). A segunda é a divisão psicossomática, ocorrida no

próprio homem, e que se manifesta na ambiguidade e esquizofrenia humana, na

necessidade egoísta de significado e amor, nos “sofrimentos da tua gravidez”

(3.16) e na morte (3.3-4, 19). A terceira é a divisão sociológica. O ser humano

está em conflito consigo mesmo e com seus semelhantes, e isto se manifesta no

conflito entre marido e mulher (3.12, 16-17) e no ciúme que Caim teve de Abel e

o consequente homicídio (Gn 4). A quarta divisão é a antrocológica, onde o

homem entra em conflito com a criação (3.17-19). A quinta divisão é a ecológica,

com o pecado se manifestando na própria criação, “maldita é a terra por tua

causa” (3.17 cf. 9.12), “ela produzirá também cardos e abrolhos” (3.18), pois “a

criação está sujeita à vaidade” (Rm 8.20; cf. Is 11.6s; 65.25). Mas a sexta

divisão, a divisão final, é a cruz. Mesmo em meio à miséria, o proto-evangelho –

a primeira revelação evangélica no Antigo testamento – é revelado (Gn 3.15)

(Ibid, p. 443).

A origem do pecado na raça humana, portanto, se encontra na transgressão de

Adão no paraíso.
2. A Natureza do Primeiro Pecado

Formalmente pode-se dizer que o primeiro pecado consistiu em o homem comer

do fruto proibido, o que configurou a desobediência. Porém, segundo Franklin Ferreira

a essência do pecado original não se resume a desobediência. Ele diz o seguinte:

É essencial entender corretamente a natureza do primeiro pecado. Muitos

cristãos têm a ideia errônea de que a questão em jogo era se o ser humano

tomaria ou não do fruto da árvore proibida. Em outras palavras, a questão era

apenas a de obedecer ou não a um mandamento específico de Deus. Então, sob

essa perspectiva, a solução do pecado é entendida como uma questão ligada à

obediência. Tal maneira de pensar propõe que a essência do discipulado, da

santificação e da vida cristã consiste em obedecer às leis de Deus. O resultado é

o legalismo, ou algo até pior, a noção de salvação por meio das obras. Mas tal

pensamento não entende o ponto principal da questão. (...) Na verdade, ele

implica uma mudança radical na cosmovisão do homem. (...) Adão e Eva

enfrentaram uma escolha clara. Acreditariam na palavra de Deus, que

representava para eles a própria autoridade de Deus? Ou elevariam sua própria

razão acima da palavra de Deus, a fim de avaliá-la e decidir por si mesmos se

seria a verdade ou não? Quem seria a autoridade final, Deus ou homem? (Ibid,

p. 452).

O homem cedeu à argumentação de Satanás, o qual torceu as palavras do

Senhor, usando de meias verdades. Nossos primeiros pais cederam à tentação de

serem iguais a Deus, de serem independentes, ou seja, o pecado original foi a


declaração, por parte do homem e da mulher, de sua independência da autoridade do

Senhor. Seu ato de desobediência foi resultado do pecado de declarar sua autonomia

de Deus e tentar tomar o seu lugar.

3. Os resultados do Primeiro Pecado

Os resultados do primeiro pecado se manifestaram imediatamente nas vidas de

Adão e Eva. Primeiramente o homem se tornou totalmente depravado. Isso não quer

dizer que cada ser humano pratica todo o mal imaginável, mas significa que temos

capacidade para isso. Significa que cada ser humano está totalmente perdido e que

cada aspecto da humanidade está contaminado pelo pecado. A queda deixou o ser

humano corrompido nos aspectos físico, emocional, psicológico, mental, moral e

espiritual.

Outro resultado do primeiro pecado foi a perda da comunhão com Deus. Em

decorrência disso o homem foi alienado não só de Deus, mas do semelhante, da

criação e até mesmo de si.

O homem perdeu a amizade de Deus e se tornou objeto de sua ira. Foi alienado

do semelhante em virtude da perda de confiança entre o primeiro casal. Isso fica

evidente quando o homem, tendo sido confrontado por Deus, ao invés de assumir a

responsabilidade pelo que havia feito, culpou a mulher e até mesmo a Deus pois, sua

resposta foi “a mulher que tu me deste”, ou seja, a culpa é da mulher e do Senhor que

a deu.
A alienação da natureza é manifesta pela corrupção da mesma. A alienação de

si mesmo se mostra na perda do significado da vida. O homem entrou numa busca

desenfreada de poder, bens e todo tipo de vícios, na tentativa de dar sentido à vida.

Um terceiro resultado foi a morte. O ser humano foi condenado ao processo de

envelhecimento e morte física. Não apenas isso, mas instalou-se, além da morte física,

a espiritual, da qual já falamos quando nos referimos à separação de Deus, e a morte

eterna, que é a condenação final do ímpio.

Além disso, em decorrência de seu primeiro pecado, o homem foi expulso do

paraíso onde tinha comunhão íntima com Deus. O homem foi retirado de um lugar de

ordem, onde suas necessidades eram plenamente satisfeitas, e lançado em um mundo

selvagem e cheio de perigos.

Terríveis foram as consequências do primeiro pecado sobre a raça humana, a

qual perdeu a imagem de Deus em seu sentido restrito. A respeito do pecado original o

filósofo Blaise Pascal disse o seguinte:

Pois não há dúvida de que nada existe que choque mais a nossa razão do que

dizer que o pecado do primeiro homem tenha tornado culpados aqueles que,

estando tão afastados dessa origem, parecem incapazes de dele participar. Tal

decorrência não nos parece apenas impossível. Parece-nos mesmo muito

injusta, pois existe acaso algo mais contrário às regras da nossa miserável

justiça do que condenar eternamente uma criança incapaz de vontade, por

causa de um pecado de que parece ter participado tão pouco, cometido que foi

seis mil anos antes que ela viesse a ser. Nada por certo nos choca mais
rudemente do que esta doutrina. E, no entanto, sem esse mistério, o mais

incompreensível de todos, somos incompreensíveis a nós mesmos. O

enredamento de nossa condição assume as suas implicações e formas nesse

abismo. De maneira que o homem é mais inconcebível sem esse mistério do

que esse mistério é inconcebível para o homem (PASCAL, 2001, p. 48).

A doutrina do pecado original parece uma ofensa à razão, porém é o que dá

sentido à condição humana. A doutrina do pecado original explica a razão de tanta

miséria e injustiça e o porquê de as soluções humanas não serem eficazes.

Leituras obrigatórias:

Pecado Original, de Gordon Lyons

Pecado Original, de Ronald Hanko

As Consequências do Pecado, de Gildásio Reis

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