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Marx entre Hegel e Althusser
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Marx entre Hegel e Althusser

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Até agora o marxismo de Althusser mereceu uma crítica que evoluiu na história contemporânea percorrendo seus próprios argumentos, contudo este texto de Franklin Trein toma outro caminho; avança sempre mais no sentido das raízes, dos fundamentos mais significativos do pensamento althusseriano, com o firme propósito de um entendimento radical de suas origens.

A tese de Althusser é de que, sendo o marxismo uma teoria da história, ele deve ser constituído como uma ciência. O problema, como mostra o autor, é que o entendimento de Althusser sobre o estatuto de uma ciência da história não é o do marxismo de Marx; senão, muito mais, o do racionalismo da tradição cartesiana que permeia permanentemente a discussão filosófica na França. Não são as respostas de Althusser que dão um viés racionalista a sua teoria, muito antes suas questões. O cartesianismo pergunta pela possibilidade de um conhecimento absoluto e responde que este só poderá ser encontrado em um pensamento abstrato; ou seja, aquele que, partindo de uma evidência, se encerra no movimento que segue, necessariamente, uma dedução lógica.

A crítica do autor, além de sublinhar muitos elementos que se tornam pétreos no pensamento althusseriano, nos conduz ao problema central do "corte" entre o objeto real e o objeto de conhecimento. O que decorre desta separação é a questão da garantia do conhecimento, uma pergunta insuperável para Althusser, que não tendo mais a quem recorrer, busca sua fundamentação no spinozismo.
LanguagePortuguês
Release dateJul 2, 2020
ISBN9786555237702
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    Marx entre Hegel e Althusser - Franklin Trein

    Editora Appris Ltda.

    1ª Edição - Copyright© 2019 dos autores

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.

    Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.

    Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS

    La philosophie est, en dernière instance,

    lutte de classe dans la théorie

    Loui Althusser

    Réponse a John Lewis

    Aos alunos que nunca ficaram

    em silêncio em minhas aulas

    Agradecimento

    Ao mestre Gerd Bornheim, que sempre

    esteve disponível para me ouvir

    Prefácio

    Althusser propôs uma nova leitura do marxismo de Marx. A motivação do filósofo francês e militante do Partido Comunista da França era criticar o stalinismo como perspectiva ideológica e a ditadura teórica. Isto resultou na necessidade de uma reconstrução do que Althusser entendeu serem as bases ontoepistemológicas do pensamento de Marx. Esta obra do Prof. Dr. Franklin Trein é resultado de uma leitura crítica de Althusser, leitor de Marx. Ela se destaca por sua singularidade decorrente de uma perspectiva que revisa não só os textos althusserianos como ainda suas influências, vindas do contexto teórico na França do período de formação intelectual de Althusser.

    Muitos críticos, marxistas ou não, concordam que Althusser foi o pensador mais influente dos movimentos de esquerda no Ocidente no período entre 1950 e 1989. Isto se traduz na produção de um significativo número de textos a favor ou contra Althusser. O exaustivo trabalho reunido nesta obra, por seu conteúdo crítico, sua forma clara, densa e concisa, se constitui numa contribuição singular para o conhecimento do pensamento althusseriano.

    O texto inicial contém uma síntese da tese de doutorado apresentada por Trein na Universidade Livre de Berlim em 1977. Ali estão examinados, detalhadamente, texto e contextos da obra de Althusser, o que permite identificar não só as muitas influências não marxistas na construção de sua perspectiva ontoepistemológica do pensamento de Marx como suas dificuldades de entendimento das origens da teoria marxista, especialmente de sua relação com Hegel. Os demais textos, embora tenham sido elaborados em diferentes momentos, contêm uma unidade temática que se amplia na medida em que se sucedem.

    No ensaio sobre "O Racionalismo no Pensamento de Althusser", encontramos uma breve, porém incisiva, análise dos primeiros textos althusserianos – Pour Marx e Lire le Capital. Esse primeiro detour estruturalista de seu pensamento é posto em evidência na medida em que a análise detida dos conceitos que constituem sua teoria se depara com elementos estranhos à perspectiva da filosofia de Marx. Trein conclui sua análise observando que o racionalismo de Althusser não é um racionalismo do objeto, ou da relação sujeito-objeto, ele é fundamentalmente um racionalismo do sujeito. Althusser não é representante de um racionalismo de tipo cartesiano. Seu racionalismo está muito mais próximo da tradição spinozista.

    O texto que aborda o tema Marx Filósofo: um Crítico da Tradição Metafísica tem um significado especial no conjunto desta obra. Sem mencionar Althusser em qualquer momento de sua contribuição, ao examinar a formação filosófica de Marx e suas relações com a tradição filosófica do Ocidente, Trein contrasta seu entendimento, de forma clara e enfática, com o que encontramos nas páginas do filósofo francês.

    A crítica à Filosofia Idealista de Hegel cumpre uma tarefa semelhante ao texto anterior no conjunto de ensaios que complementam os argumentos que Trein desenvolveu em sua tese de doutorado. Em outras palavras, sem circunscrever sua apresentação crítica do hegelianismo a uma divergência com o entendimento que Althusser tem de Hegel, o autor desta obra destaca o conceito de dialética para fazer dele um elemento angular de sua crítica à perspectiva althusseriana. Este ensaio reforça o argumento da tese de que Althusser foi fruto de uma recepção de Hegel na França sob forte influência de divulgadores do pensamento hegeliano como Kojève e Hyppolite, ambos distantes da tradição marxista.

    Quando o leitor talvez já tenha se sentido satisfeito com a breve apresentação da filosofia de Hegel no ensaio anterior, Trein nos convida a mais uma incursão no pensamento hegeliano. Com Hegel e a Dialética, somos brindados com uma apresentação da obra do grande mestre do Idealismo Alemão que, sem dizer, oferece um verdadeiro fio condutor para a sua leitura. Seus textos mais importantes são apresentados de forma direta, simples e sintética, destacando sempre seu objeto, seu método e sua importância na tradição filosófica.

    Concluindo este volume, o ensaio A Relação entre Marx e Hegel retoma de uma só vez a extensa e complexa perspectiva assumida por Althusser em seu propósito de construção de um novo entendimento do marxismo de Marx.

    A análise que Trein constrói procura acompanhar o movimento da leitura althusseriana de Marx – que resulta na ruptura entre o jovem e o velho Marx – bem como dos críticos que se aproximam ou se afastam do marxismo. É significativo que o autor desta obra, mais uma vez, retoma como seu ponto de partida a questão da dialética. O que devemos entender desta sua insistência sobre a questão da dialética é a relevância que ele atribui ao que em sua tese de doutorado denominou de o racionalismo de Althusser. Embora Althusser tenha dedicado muitas páginas à contradição e ao que ele chama de dialética materialista, nosso autor entende que a questão, na ótica althusseriana, se converte em um problema teórico. A dificuldade está na relação entre uma teoria da história, a história como teoria e, por fim, a história concreta onde aquelas teorias tem o seu lócus. O que Trein pretende nos dizer é que o teoricismo althusseriano não comporta articulações entre estes conceitos. Nesta medida, a observação de Marx e Engels na Deutsche Ideologie "Nós conhecemos uma única ciência, a ciência da história. A história pode ser contemplada de dois lados, dividida na história da natureza e na história dos homens. Os dois lados não podem ser separados". Para Althusser, rigorosamente, esta observação não faz parte do marxismo, mas sim do ranço hegeliano ainda presente no jovem Marx.

    Concluindo, para Trein, a relação entre Marx e Hegel será sempre passível de crítica, não cabendo dar a ela a ruptura definitiva pretendida por Althusser.

    Uma última palavra. A bibliografia de apoio, citada nesta obra, é um bom testemunho do trabalho exaustivo de seu autor, uma característica de sua postura intelectual ao longo de toda a sua trajetória acadêmica.

    Flávio Costa Balod

    Sumário

    1

    ALTHUSSER: TEXTO E CONTEXTO OU A FUNDAMENTAÇÃO RACIONALISTA DE SUA LEITURA DO MARXISMO DE MARX | 

    Apresentação – a propósito da relação entre Marx e Hegel | 

    1.1 Introdução | 

    1.2 Estrutura do texto | 

    1.3 Observações sobre a história da filosofia francesa enquanto milieu da recepção althusseriana do marxismo | 

    1.3.1 A Filosofia francesa e sua contribuição para a construção da teoria de Althusser | 

    1.3.1.1 Bachelard | 

    1.3.1.2 Foucault | 

    1.3.2 O Empreendimento teórico de Althusser: o reestabelecimento da cientificidade do marxismo | 

    1.3.2.1 Uma filosofia para a ciência da história | 

    1.3.2.2 O retorno ao verdadeiro Marx | 

    1.3.2.3 Ruptura epistemológica: Marx sem Hegel | 

    1.3.2.4 A teoria do conhecimento científico ou a autonomia da teoria | 

    1.3.2.4.1 A determinação do objeto teórico | 

    1.3.2.4.2 Do problema da teoria à teoria do problema | 

    1.3.2.5 Sobre a produção do conhecimento | 

    1.3.2.5.1 Sobre a produção teórica | 

    1.4 Racionalismo e autonomia da teoria | 

    1.4.1 As lições da crítica a Althusser | 

    1.4.2 Observações sobre os textos | 

    1.4.3 O racionalismo absoluto

    Referências | 

    2

    O RACIONALISMO NO PENSAMENTO DE ALTHUSSER | 

    2.1 Do abstrato ao concreto no processo de produção de conhecimento | 

    2.2 A produção teórica | 

    Referências | 

    3

    MARX FILÓSOFO – UMA CRÍTICA DA METAFÍSICA | 

    3.1 Introdução | 

    3.2 A Filosofia | 

    3.3 Marx filósofo | 

    3.4 O método do marxismo de Marx | 

    Referências | 

    4

    A filosofia idealista de Hegel | 

    4.1 Sua época, sua vida, sua obra | 

    4.2 A dialética | 

    4.3 O pensamento de Hegel | 

    4.4 O sistema filosófico hegeliano | 

    Referências | 

    5

    HEGEL E A DIALÉTICA | 

    Referências | 

    6

    A RELAÇÃO ENTRE MARX E HEGEL | 

    6.1 Introdução | 

    6.2 O conceito de dialética na filosofia de Hegel | 

    6.3 A filosofia da história de Hegel | 

    6.4 Marx e a História | 

    6.5 Mais uma vez a relação Marx – Hegel | 

    Referências | 

    1

    ALTHUSSER: TEXTO E CONTEXTO OU A FUNDAMENTAÇÃO RACIONALISTA DE SUA LEITURA DO MARXISMO DE MARX

    Apresentação – a propósito da relação entre Marx e Hegel

    Peter Furth¹

    Em primeiro lugar, é relevante observar que o Prof. Dr. Franklin Trein, autor deste livro, domina com grande propriedade o debate teórico contemporâneo na França, com ênfase nas questões epistemológicas que cercam a formação intelectual de Althusser. Tais características fazem de seu trabalho uma contribuição singular e de grande interesse para nosso debate, não somente entre marxistas, pois sua pesquisa histórica da formação do pensamento filosófico francês do final do século XIX e início do século XX, embora circunscrita ao seu objetivo, é bastante original e rica em detalhes. Certamente, a leitura desta crítica a Althusser nos abre novos horizontes de debate.

    O autor parte de uma questão sempre presente quando se trata de uma análise crítica da contribuição de Althusser, ou seja, como devemos entender as relações entre o pensamento de Marx e o estruturalismo. Não obstante, sua proposta é de que, ao invés de trilhar um caminho já bastante conhecido entre os críticos, na tentativa de compatibilizar temas e questões que se superpõem ou se tangenciam nas obras de Marx, de um lado, e de Althusser, de outro, se parta da hipótese de que o filósofo francês possa ter raízes teóricas fora das fronteiras do marxismo, mais próximas da tradição teórica racionalista, sempre presente na França depois de meados do século XVII.

    Assim, a perspectiva de análise enunciada tem dois desdobramentos. O primeiro explora conceitos e suas articulações no interior da tradição racionalista, herdeira do cartesianismo. Ela não tem a pretensão de estabelecer relações imediatas, diretas, entre a base epistemológica das teses de Althusser e os afloramentos do racionalismo no pensamento filosófico na França da virada do século XIX. Se os argumentos do autor, com base em elementos teóricos retirados da filosofia francesa, não pretendem esgotar a fertilidade daquele momento histórico, contudo, abrem um horizonte consiste para novas investigações sobre o pensamento althusseriano.

    O procedimento crítico que sustenta este texto é digno de nota. A análise evolui dialeticamente da periferia dos argumentos de Althusser em direção ao seu núcleo fundamental. Trata-se de um movimento, que preserva aquelas que são as suas características mais marcantes, ou seja, em primeiro lugar, seu autodeclarado marxismo.

    O autor, em breve apresentação, sublinha o fato de que a obra de Marx e dos clássicos do marxismo só tardiamente se tornaram conhecidas e criticadas na França. Acrescenta que os primeiros momentos do debate em torno da teoria marxista foram marcados por dogmatismos de toda ordem. Por um bom tempo as perspectivas da tradição metafísica souberam fazer valer sua hegemonia nas discussões referentes ao marxismo. Destas observações se depreende que, em suas primeiras formulações, Althusser teve que se confrontar não só com consideráveis resistências teóricas como ainda com pesados argumentos de uma tradição mais do que secular.

    Em um segundo movimento, quando o objeto deste trabalho já se encontra bem delimitado, a crítica se volta para a questão das relações de Althusser com o estruturalismo. Esta questão, que é central no pensamento althusseriano, é tratada como ainda distante de seu núcleo mais originário. Ali, nos deparamos com um movimento singular onde fica explicitado que o pensamento althusseriano faz uma apropriação cuidadosa, seletiva, de conceitos do estruturalismo. Por sua vez, aquelas formas, próprias do estruturalismo, com frequência, se mostram compatíveis com perspectivas encontradas nos argumentos racionalistas. Ou seja, desde um ponto de vista epistemológico, estruturalismo e racionalismo são estruturas complementares na leitura althusseriana de Marx.

    Assim, como para aproximar sua análise do estruturalismo de Althusser, o autor recorre às contribuições de Gaston Bachelard, de um lado, e de Michel Foucault, de outro. A seguir, para contrastar com seu marxismo, nos vemos diante de Antônio Gramsci e de Jean-Paul Sartre. Não se trata, de modo algum, de apresentar estes dois últimos pensadores como autênticos representantes do marxismo de Marx. O filósofo italiano oferece um contraponto à filosofia social e política presentes na teoria althusseriana. Sartre, por sua vez, permite um confronto com a tese sobre o humanismo e o anti-humanismo, cara a Althusser, ao mesmo tempo em que nos aponta para o debate sobre as relações entre Marx e Hegel. Estas sim, centrais para o pensamento althusseriano.

    Até aqui o marxismo de Althusser mereceu uma crítica que evoluiu percorrendo seus próprios argumentos, contudo sem perder o objetivo de avançar, sempre mais, no sentido de suas raízes, de seus fundamentos mais significativos, com o firme propósito de um entendimento radical de suas origens.

    A tese althusseriana é de que, sendo o marxismo uma teoria da história, ele deve ser constituído como uma ciência. O problema, como mostra o autor neste livro, é que o entendimento de Althusser sobre o estatuto de uma ciência da história não é o do marxismo de Marx; porém muito mais o do racionalismo da tradição cartesiana que permeia permanentemente a discussão filosófica na França. Não são as respostas de Althusser que dão um viés racionalista a sua teoria, senão suas questões. O cartesianismo pergunta pela possibilidade de um conhecimento absoluto, e ele responde que este só poderá ser encontrado em um pensamento abstrato; ou seja, aquele que, partindo de uma evidência, se encerra num movimento que segue uma necessária dedução lógica.

    Está claro que Althusser não pode assumir as palavras de Descartes na sua expressão mais original. Porém, se afastar da formulação canônica do cartesianismo sem negar a força de seus argumentos é o dilema da filosofia althusseriana. Esta obra apresenta, primeiramente, o esforço de Althusser de limpar o marxismo de todo e qualquer empirismo. A crítica do autor, além de sublinhar muitos elementos que se tornam pétreos no pensamento althusseriano, nos conduz ao problema central do "corte" entre o objeto real e o objeto de conhecimento. O que decorre desta separação é a questão da garantia do conhecimento, uma pergunta insuperável para Althusser, que não tendo mais a quem recorrer, busca uma saída no spinozismo.

    A leitura cuidadosa deste livro permite identificar resultados que não são anunciados explicitamente. Sem a pretensão de estar construindo uma crítica definitiva à contribuição de Althusser e reiterando sua consideração pelos aspectos positivos do pensamento althusseriano, que abriu uma nova e profícua fase de debates sobre a obra de Marx, o autor nos conduz com segurança e objetividade à origem de sua formação filosófica. Com grande rigor, cumprindo a tarefa de reconstrução do movimento dos conceitos que constituem berço teórico do pensamento de Althusser; o texto nos põe diante da obra de Octave Hamelin, um dos filósofos responsáveis pela renovação do racionalismo na filosofia francesa na transição do século XIX para o século XX.

    Não se trata, em nenhum momento, de explicitar uma relação direta entre Althusser e Hamelin, uma vez que ela não existe. O que nos é apresentado se limita ao contexto do debate teórico de uma época dominada pela problemática da proeminência da razão. A filosofia francesa, em um movimento que parte do cogito cartesiano e passa pela razão transcendental de Kant, com a exclusão de todo e qualquer apoio da experiência empírica, pretendeu encontrar na ordem dos conceitos a certeza da verdade. Em outras palavras, o pensamento de Hamelin afirma que o problema da verdade implica um processo cognitivo que conclui da realidade e da sua certeza apodítica, da qual, no entanto, essa própria realidade deve ser reconhecida.

    A conclusão do autor, legitimada por sua incursão na história do pensamento francês, não se faz esperar. Os momentos finais do livro conduzem ao consentimento de que, embora reconhecendo seus méritos, a contribuição de Althusser permanece presa a uma perspectiva que reproduz uma forma clássica de racionalidade, ao mesmo tempo em que enfrenta, sem resolver, o problema da dialética, um pilar irrenunciável do marxismo de Marx.

    Peter Furth

    1.1 Introdução

    A relevância da contribuição de Althusser (1918 – 1990) para a discussão sobre o marxismo nas últimas décadas não precisa ser lembrada aqui. Ao longo dos anos, o debate em torno do pensamento marxista retomou, com insistência, suas teses, ressaltando sua importância. Porém, foi nas décadas dos anos 60 e 70 do século passado quando assistimos as discussões mais intensas sobre sua recepção do marxismo e, não raro, as mais contraditórias. Isto serviu para mostrar o quanto é difícil apreender Althusser em suas raízes teóricas.

    Com frequência foi atribuído a Althusser o pertencimento a um círculo de problemas próprios do estruturalismo o que, via de regra, só levou a maiores incompreensões sobre sua teoria. Seus críticos se sentiram na obrigação de questionar o marxismo althusseriano, ou melhor, se deram a tarefa de perguntar pela correção de sua recepção do marxismo. Indagaram, de forma insistente, sobre a compatibilidade entre sua teoria e a teoria de Marx (1818 – 1883). Contudo as questões formuladas se mostraram erráticas em suas críticas e, desta forma, contribuíram mais para incompreensões do que para a identificação das fragilidades do pensamento do filósofo francês. Os críticos de Althusser enfrentaram dificuldades de entendimento tanto sobre o conteúdo ontológico quanto sobre o significado epistemológico de suas reflexões. Por um lado, raramente, eles fizeram uma análise que permitisse explicitar as raízes teóricas de suas teses; por outro, não cumpriram com o esforço de identificar na obra de Marx quais seriam os elementos relacionados às mesmas. A desconsideração de uma perspectiva metodológica que implicasse a clara separação do que é Marx e do que é Althusser contribuiu para muitas dificuldades. Nas diversas abordagens de sua obra, é possível encontrar leituras sobrepostas nas quais a teoria de Althusser toma o lugar do marxismo em várias de suas dimensões, ou ao contrário, são leituras onde o marxismo deve responder às questões postas por sua perspectiva e não por Marx. Deste modo, enquanto se perdia o próprio Marx em sua especificidade, se legitimou rapidamente um marxismo althusseriano. A crítica, nas suas muitas perspectivas, não leu Althusser em seu próprio texto, muito antes, leu um texto do marxismo na sua obra. As consequências foram inevitáveis; pois, na verdade, ainda que Althusser tenha tomado muitas precauções, seus argumentos não estão construídos sobre as mesmas bases ontoepistemológicas que sustentam a teoria de Marx.

    1.2 Estrutura do texto

    Althusser, que teve o mérito de motivar toda uma geração a se apropriar do marxismo, lendo ou relendo O Capital, também se tornou responsável pela não leitura do texto original de Marx, uma vez que, em muitos momentos, os textos de Marx foram substituídos por seus protocolos de leitura.

    Do exame crítico da obra de Althusser e de seus divulgadores, fiquei convencido de que a frequente pergunta por seu marxismo só poderá ser respondida de forma satisfatória após um exame intenso e abrangente de sua teoria. Para não incorrer em equívocos e confusões, como muitos de seus críticos, e ainda por razões metodológicas, que recomendam se evitar o tratamento de problemas diferentes dentro de uma mesma análise, inicialmente a questão da relação de Althusser com Marx será posta entre parênteses. Assim, perguntar pela autonomia da teoria não tratará de nenhum modo da relação entre ambos. Ela deverá se concentrar, em primeiro lugar, na identificação das raízes da autonomia fora do marxismo. Só posteriormente a discussão sobre o marxismo de Althusser buscará os elementos de ligação com Marx. Este procedimento permitirá a construção de um novo plano para o debate que ocupa tanto espaço entre os marxistas europeus e não só entre os europeus, também em outras regiões do mundo onde chega a influência teórica da Europa.

    Não é o objetivo deste texto elaborar uma alternativa à recepção althusseriana do marxismo, ainda que de algum modo ficarão explícitas as diferenças entre o que Althusser entende e o que eu entendo como sendo a contribuição de Marx. Isto aparecerá em diversos momentos onde, para apresentar meus argumentos, não terei outra opção senão que dizer o que apreendo como relevante no marxismo de Marx.

    No primeiro momento do livro, farei uma breve introdução à problemática do pensamento de Althusser. Ali será apresentada a teoria althusseriana sem a pretensão de examinar todos os seus problemas, me concentrarei tão somente naqueles que deverão contribuir, mais tarde, para a construção dos argumentos desta obra. Contudo será suficiente para expor não só a rica diversidade de suas origens teóricas, algumas contraditórias, como ainda para examinar aspectos relevantes das diferentes correntes de pensamento que, no diálogo de Althusser com seus pares, contribuíram para a sua formação intelectual.

    Deste modo, esta análise do problema da autonomia da teoria em sua obra tem início com uma apresentação esquemática do período histórico de sua formação acadêmica. Vou revisar a interação entre teoria e política naquele período para, desta forma, poder caracterizar as condições particulares da recepção do marxismo na França na primeira metade do século XX. Buscarei evidenciar as características do idealismo que dominava aquele período da história do debate teórico entre os franceses.

    Na segunda parte do livro, vou me dedicar à discussão teórica na França contemporânea, limitando a abordagem àqueles autores que tiveram uma participação mais relevante na formação da teoria althusseriana. Nesta medida não há como evitar a consideração pontual de pensadores que, em maior ou menor grau, contribuíram para a formação intelectual de Althusser quando este ainda buscava apoios para a sua formação filosófica. No meu entendimento, especialmente dois filósofos franceses do século XX, foram referências importantes para a Althusser: Bachelard (1884 – 1962) e Foucault (1926 -1984).

    Em Bachelard vamos encontrar principalmente os conceitos de corte epistemológico e da relação entre epistemologia e ciência. Da Arqueologia de Foucault será recuperada a sua concepção de conceito e de sistema bem como seu postulado a respeito do desenvolvimento da ciência.

    A estrutura da análise que desenvolverei na segunda parte deverá ser entendida como uma primeira aproximação da questão da relação de Althusser com teorias não marxistas. No que diz respeito à análise da formação e da função de uma dimensão intrínseca de sua teoria, ou seja, da restauração da cientificidade do marxismo, se fará indispensável uma análise mais radical da relação entre Althusser e os dois pensadores citados. Isto acontecerá ao longo dos momentos seguintes.

    Sob o título de: O Empreendimento teórico de Althusser: o reestabelecimento da cientificidade do marxismo será trado, inicialmente, o problema da construção althusseriana do materialismo dialético. A questão da leitura sintomal que, neste livro, aparecerá ali pela primeira vez, nos dará a oportunidade de examinar as relações de Althusser com

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