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Reciclagem de resíduos sólidos urbanos incinerados por vitroceramização

C. F. M. L. Figueiredo1, M. S. J. G. Alendouro1, R. C. C. Monteiro1,


M. C. Ferro2, M. H. V. Fernandes2
1
Dep. de Ciência dos Materiais, CENIMAT, Faculdade de Ciências e Tecnologia,
Universidade Nova de Lisboa, 2829-516 Caparica
2
Dep. de Engenharia Cerâmica e do Vidro, Universidade de Aveiro, 3810 Aveiro

A incineração de resíduos sólidos urbanos (RSU) produz uma grande quantidade de escórias e cinzas (cerca de 300 kg e 30 kg,
respectivamente, por tonelada de RSU incinerada), que necessitam de ser recicladas por razões ambientais, económicas e sociais.
No presente trabalho, foi investigada a possibilidade de obter materiais vitrocerâmicos a partir das escórias produzidas por uma
incineradora de RSU localizada na região de Lisboa. Por fusão das escórias a 1400ºC durante 2 horas foi conseguida a vitrificação
total destes resíduos, sem ter que recorrer a aditivos, obtendo-se um vidro escuro muito homogéneo. A produção do vidro-cerâmico
por cristalização controlada foi alcançada recorrendo a duas metodologias: i) por tratamentos térmicos adequados de amostras de
vidro vazado; ii) por sinterização de compactos feitos a partir de vidro moído. Foram identificadas as mesmas fases cristalinas nos
materiais obtidos pelos dois métodos. A observação microestrutural revelou que as fases precipitadas estão uniformemente
distribuídas e que, nos materiais obtidos pela via de sinterização, existe apenas porosidade fechada. As propriedades dos vidros-
cerâmicos produzidos foram comparadas com as de materiais comerciais similares usados em construção civil.

Palavras-chave: Resíduos sólidos urbanos (RSU), vitrocerâmicos, vitrificação, cristalização.

1. INTRODUÇÃO

Um dos maiores problemas nos países desenvolvidos é o tratamento de resíduos sólidos urbanos (RSU) que, pelo seu
aumento crescente, criam um sério problema ambiental e económico. O método mais comum para tratamento de RSU
não recicláveis é o aterro, mas este causa muitos problemas tais como a emissão de odores e a contaminação das águas e
dos solos. Além disso, os elementos tóxicos presentes nos resíduos originais continuam ainda presentes no aterro, de
forma não controlada e desconhecida. Assim, a incineração de RSU tem sido considerada um método de tratamento
alternativo, especialmente em países com grandes densidades populacionais e onde o espaço para aterros é limitado. A
incineração de RSU resulta numa elevada redução do volume de resíduos, podendo chegar a atingir aproximadamente
90%, o calor proveniente da queima é usado na produção de energia (vapor, electricidade), não causa problemas de
maus cheiros e é considerado um método efectivo para tratamento de resíduos, que não causa problemas de saúde
pública [1].

A quantidade de escórias e cinzas volantes resultantes da incineração de RSU atinge entre 30 a 35% (em peso) do total
dos resíduos [2]. Ainda que as cinzas volantes não sejam classificadas como resíduos perigosos, de acordo com o
“European waste catalogue”, o acondicionamento das cinzas contribui para o aumento do custo global da incineração
[3]. O Instituto dos Resíduos (INR) estima que a produção total de RSU em Portugal é de cerca de 3 620 000 ton/ano,
tendo definido, em Julho de 1997, um Plano Estratégico de Resíduos Sólidos Urbanos (PERSU), que definiu, como
metas quantificadas, o aumento tanto da incineração como da reciclagem durante a próxima década [4]. Segundo dados
reportados ao ano de 1999, cerca de 61% da massa de RSU recolhida era depositada em aterros controlados, enquanto
que as unidades de compostagem processavam 5% do quantitativo global. Cerca de 8% de RSU eram incinerados e
apenas 4% eram reciclados O resto (cerca de 22%) era simplesmente despejado em lixeiras sem qualquer respeito pela
preservação da qualidade do ambiente. O PERSU indicava que até ao final de 2000 todas as lixeiras estariam seladas
[5]. Existe uma tendência crescente, por parte dos países desenvolvidos, em reduzir as quantidades de resíduos com
destino a aterros e proceder à sua reutilização e reciclagem. Assim, como resultado do aumento das normas actuais, que
reforçam as medidas de protecção ambiental, existe cada vez mais um maior interesse na procura de tecnologias
alternativas para a recuperação e reciclagem dos resíduos de forma a convertê-los em novos materiais comerciais [1,6].

Recentemente, têm sido desenvolvidos alguns trabalhos de investigação sobre a reutilização de diferentes tipos de
resíduos sólidos produzidos por incineração [7-9]. No que respeita a cinzas volantes, uma opção promissora é
apresentada pela via da vitrificação (formação de um vidro) e consequente cristalização do vidro obtido, metodologia já
utilizada para resíduos de outras origens [10-14]. A vitrificação tem sido considerada um processo atractivo para o
tratamento de resíduos, por destruir compostos orgânicos perigosos e imobilizar metais pesados e elementos
radioactivos na rede vítrea, obtendo-se adicionalmente reduções de volume que variam entre 40 e 90% [6].

As cinzas volantes e as escórias têm normalmente sílica (SiO2), óxido formador de rede vítrea, como composto
maioritário na sua composição, mas incluem também apreciáveis teores de CaO, Al2O3, Na2O, Fe2O3, TiO2 e outros
óxidos minoritários, podendo ainda conter reduzidas quantidades de metais e ligas [9,15]. A vitrificação deste tipo de
resíduos, com uma composição química tão complexa, pode ser seguida de tratamentos térmicos adequados, para
promover a cristalização controlada, formando-se então um material vitrocerâmico, com propriedades optimizadas
relativamente ao vidro produzido pela fusão dos resíduos.

Os vitrocerâmicos podem ser produzidos pela via tradicional, submetendo as peças de vidro a um tratamento térmico
adequado para nucleação/cristalização, ou por uma via alternativa, que consiste na sinterização a altas temperaturas de
compactos de pós obtidos a partir do vidro [15]. O último método é especialmente usado quando se pretendem produzir
peças com formas mais complexas, que não podem ser obtidas pelos métodos tradicionais de conformação do vidro
(sopragem, laminagem, prensagem), tendo ainda a vantagem de não ser necessário ter em conta as características de
trabalhabilidade do vidro. Os vitrocerâmicos baseados em resíduos podem ter diversas aplicações, tais como painéis
usados em construção civil para pavimentos e revestimento de edifícios, podendo ainda ser usados no revestimento de
contentores da indústria química e de bancadas laboratoriais [6-9,16].

No presente trabalho de investigação, estuda-se a viabilidade de obter materiais vitrocerâmicos a partir dos resíduos
produzidos por uma incineradora de RSU. Foram levados a cabo dois processos distintos de preparação de materiais
vitrocerâmicos: i) cristalização controlada de peças obtidas por vazamento do vidro produzido; ii) sinterização de
compactos de pós obtidos por prensagem de vidro moído. São comparadas as características estruturais e
microestruturais, bem como algumas propriedades exibidas pelos materiais obtidos por ambas as vias de
vitroceramização.

2. MATERIAIS E METODOLOGIAS

Os resíduos usados no presente estudo consistiam em escórias produzidas numa incineradora de resíduos sólidos
municipais localizada na região de Lisboa. As escórias, tal como recebidas, tinham sido sujeitas a um tratamento prévio
no aterro, destinado à recuperação de metais, exibiam um aspecto macroscópico bastante heterogéneo, e tinham
partículas com tamanhos variáveis, desde alguns micrómetros até cerca de 1cm. Assim, as escórias foram britadas até
um tamanho de partícula menor que 500µm, secas durante 2 horas a 110°C e amostradas, por enquartação e com
recurso a um amostrador de Jones, para que as amostras fossem representativas do material de partida. A análise
granulométrica do material amostrado foi realizada pelo método de dispersão de luz. A composição química foi
determinada, dependendo dos componentes a analisar, pelas técnicas de espectroscopia de fluorescência de raios X,
espectrofotometria de absorção atómica e análise gravimétrica.

Amostras de resíduos com cerca de 60g foram colocadas num cadinho refractário de silimanite e aquecidas num forno
eléctrico a 1400°C durante 2 horas. Foi obtida a vitrificação total dos resíduos, conseguindo-se a sua fusão completa
nestas condições. Salienta-se portanto, que não foi necessário recorrer a qualquer tipo de aditivo, para se obter um
fundido homogéneo e com adequada viscosidade para ser vazado, o que indica a exequibilidade deste tipo de resíduo
para o desenvolvimento de produtos vítreos.

Por vazamento do fundido para um molde pré-aquecido, obtiveram-se amostras de vidro homogéneo e de cor escura,
que foram submetidas imediatamente a um recozimento à temperatura de 560°C durante 1 hora de forma a aliviar as
tensões residuais e possibilitar a sua manipulação futura. As amostras de vidro obtidas tinham a forma de placas com
cerca de 50x30x6 mm3. Algumas das amostras de vidro recozido foram partidas e moídas, tendo o pó obtido sido sujeito
a análise de difracção de raios X (DRX) para detectar o grau de amorficidade do vidro produzido.

Um processo alternativo consistia em vazar directamente o vidro fundido para água. Seguidamente, os pedaços de vidro
eram secos e reduzia-se o seu tamanho num moínho de bolas de ágata, até assegurar que o pó de vidro obtido tinha um
tamanho de partícula inferior a 63µm. O pó de vidro era prensado uniaxialmente a seco (a uma pressão de 100MPa)
para obter compactos cilíndricos (13mm de diâmetro e ~ 4mm de altura) ou compactos prismáticos (25mm x 4,5mm x
~4,5mm), que eram sujeitos posteriormente a um processo de sinterização.

O vidro produzido por fusão dos resíduos foi analisado por análise térmica diferencial (ATD), com o objectivo de
determinar a temperatura de transição vítrea e ter indicação das temperaturas adequadas para os tratamentos térmicos a
realizar posteriormente. Os ensaios de ATD foram feitos usando amostras de pó de vidro, com um tamanho médio
<63µm num equipamento Rigaku. As amostras foram aquecidas, a uma taxa de 10°C min-1, desde a temperatura
ambiente até 1100°C, em cadinhos de alumina e utilizando como referência alumina calcinada.

Os tratamentos térmicos seleccionados, para a cristalização controlada das placas de vidro vazadas e para a sinterização
dos compactos de pó de vidro, foram então realizados tendem por base os resultados da ATD. Durante tais tratamentos
térmicos, as amostras eram aquecidas a 5°C min-1 desde a temperatura ambiente até às temperaturas desejadas,
mantendo-se um patamar a essas temperaturas durante um certo tempo, ao fim do qual se desligava o forno, deixando as
amostras a arrefecer dentro do forno até serem retiradas à temperatura ambiente. Em alguns casos, as amostras eram
submetidas a um patamar intermédio para promover a nucleação.
As fases cristalinas precipitadas nos vitrocerâmicos produzidos pelos dois métodos de preparação foram identificadas
por DRX, usando pó obtido por fractura e moagem desses vitrocerâmicos. As microestruturas dos vitrocerâmicos
obtidos foram observadas por microscopia óptica e por microscopia electrónica de varrimento (SEM). As densidades do
vidro e dos vitrocerâmicos foram determinadas pelo método de Arquimedes e por picnometria de gás, e o coeficiente de
expansão térmica foi determinado por dilatometria aquecendo provetes prismáticos de dimensões 20mm x 4,5mm x
4,5mm a 10°C min-1, desde a temperatura ambiente até 700°C num dilatómetro Adamel Lhomargy DI 20.

Por indentação Vickers, usando cargas de 300g, foi caracterizada a dureza (Hv) tanto do vidro como dos vitrocerâmicos
produzidos. Os ensaios de resistência química dos materiais produzidos seguiram a norma ISO 719[17] determinando a
resistência hidrolítica de 2g de partículas de vidros e vitrocerâmicos de tamanho de grão variando entre 300µm e
500µm, quando aquecidas a 98°C em água destilada durante 1 hora, neutralizando depois com uma solução de HCl a
0,01 mol dm-3 [18].

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

As escórias após britagem, e antes da secagem, exibiam cerca de 2-3 % (em peso) de água. A análise química (Tabela
1) do material seco e amostrado revelou que o SiO2, óxido formador de rede vítrea, era o componente maioritário, mas
também indicou a presença, em quantidades relevantes, de CaO e Na2O (óxidos modificadores de rede vítrea) e de
Fe2O3 e Al2O3. Óxidos intermédios, como o P2O5 e TiO2, considerados agentes nucleantes, também se encontram
presentes conjuntamente com MnO, ZnO e PbO, que se apresentam em percentagens inferiores a 1%. A perda ao rubro
a 1000°C ocorre provavelmente devido à perda de compostos voláteis, associados a decomposição de diferentes
compostos, incluindo compostos orgânicos.

O difractograma de DRX (Figura 1) apresenta-se complexo, evidenciando esta análise diversidade de fases cristalinas
presentes nas escórias dos RSU incinerados. Foi identificada a presença de quartzo (SiO2), calcite (CaCO3) e ainda de
outras fases cristalinas como a anortite (CaAl2Si2O8), o fosfato de cálcio e magnésio (Mg3Ca3(PO4)4) e um silicato de
cálcio, sódio e alumínio (Ca0.8Na0.2Al1.8Si2O8).

Óxido Peso (%)


SiO2 52,0 S
Al2O3 5,9
Fe2O3 6,8
CaO 14,0
MgO 2,0
ZnO 0,3
PbO 0,3 C
Na2O 6,0 S
C
K2O 2,0 A NM S C
AM N N M CS MS
A A C
TiO2 0,5
MnO 0,1
P2O5 5,5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60
Perda ao rubro 5,5
2θ (grau)

Tabela 1: Composição química das escórias Figura 1: Difractograma de raios X das escórias tal como recebidas.
provenientes da incineração de RSU. S = Quartzo, C = Calcite, A = Anortite, M = Fosfato de cálcio e
magnésio, N = Silicato de cálcio, sódio e alumínio.

A análise por DRX das amostras de vidro vazado e recozido mostrou que estas eram completamente amorfas, indicando
que, com as condições usadas no presente estudo, se obtém vitrificação total das escórias sem recorrer a qualquer
aditivo.

A densidade do vidro, medida por picnómetro de hélio, foi de 2,72 e a densidade relativa dos compactos de pós de vidro
em verde foi de ~63%.

A curva de ATD para o vidro produzido (Figura 2) mostra uma transição vítrea a 630±5°C, seguida por um pico
exotérmico de cristalização com um máximo a 890±5°C. O ensaio de dilatometria indicou uma temperatura de transição
vítrea a 620±5°C.
<− Endo / Exo −>
200 400 600 800 1000 1200
Temperatura (ºC)

Figura 2: Curva de ATD para o vidro obtido a partir das escórias provenientes da incineração de RSU.

As placas de vidro foram aquecidas entre 850 e 1050°C durante vários tempos (desde 2 h até 10h), tendo-se verificado
que a cristalização volúmica começava a ocorrer apenas quando as amostras eram aquecidas pelo menos durante 4 horas
a 1000°C. A temperaturas mais baixas, a cristalização do vidro ocorria sobretudo à superfície das amostras, mesmo
quando se realizava um tratamento térmico a um patamar intermédio para promover a nucleação. Quando a temperatura
de tratamento era de 1050°C, as arestas das amostras começavam a deformar devido à ocorrência de amolecimento do
vidro.

As fases precipitadas nos vitrocerâmicos foram principalmente a volastonite (CaSiO3) e a diópsida


(Ca(Mg,Al)(Si,Al)2O6), como ilustram os resultados de DRX apresentados na Figura 3. Os resultados revelaram que,
para obter uma cristalização volúmica mais efectiva, o tratamento térmico mais eficiente para as placas de vidro era a
1000°C durante 10h (Figura 3 –A).

( A) DW ( B)
DW

DW DW
1000ºC,10 h W 1000ºC, 4 h DW
D W W
W D D W
DW D WD W
D W D WW
1000ºC,4 h DW WD DW
W
850ºC, 4 h
D DW
W
D D D W
850ºC,2 h + 950ºC,2 h DW WD D W A A AW A DAWD DW
W AWW

10 20 30 40 50 60
10 20 30 40 50 60
2 θ (grau)
2θ (grau)

Figura 3: Difractograma de raios X para o vidro e vitrocerâmicos obtidos por: (A) cristalização do vidro;
(B) sinterização de pós de vidro. Indicam-se as condições de tratamento térmico.
D = Diopsida, W= Volastonite e A= Anortite.

Os compactos de pó de vidro moído foram sinterizados entre 750 e 1000ºC durante vários tempos (desde 15 min até
10h) tendo-se verificado que se obtinha uma densidade alta e um maior grau de cristalinidade quando as amostras eram
aquecidas durante 4h a 850ºC. Nestas condições de tratamento, a volastonite e a diópsida são também as principais fases
cristalinas, mas uma fase extra, anortite (CaAl2SiO2O8), estava presente. Apesar da anortite se encontrar em amostras
sinterizadas durante 4h a 850ºC, esta fase não foi detectada em vitrocerâmicos obtidos por sinterização a temperaturas
mais altas, tal como é ilustrado na Figura 3 (B), nem em amostras sinterizadas por períodos mais longos.

A cristalização do vidro durante o processo de sinterização ocorreu a temperaturas mais baixas que no tratamento
térmico das placas de vidro. Este facto é atribuído à maior superfície disponível nas partículas dos compactos de pó de
vidro, que actua como local preferencial para iniciar o mecanismo de nucleação/cristalização heterogénea.
Figura 4: Fotografias obtidas por microscopia óptica de vitrocerâmicos obtidos a partir de: (A) vidro tratado
a 1000ºC durante 10h; (B) compactos de pó de vidro sinterizados a 850ºC durante 4h.

As microfotografias ópticas de amostras polidas de vitrocerâmicos produzidos pelas duas vias de vitroceramização são
apresentadas na Figura 4. A cristalização em volume é notória em ambos os casos, embora as microestruturas
resultantes sejam diferentes. O tratamento de placas de vidro a 1000ºC durante 10h (Figura 4-A) deu origem a uma
microestrutura mais fina e homogénea que a sinterização de compactos de pós de vidro a 850ºC durante 4h(Figura 4-B).
Contudo, observa-se que a preparação de vitrocerâmicos pela via de sinterização de pós resultou também em materiais
bastante densos, que exibiam apenas alguma porosidade fechada, o que leva a crer que esta metodologia de preparação
pode conduzir a materiais com propriedades satisfatórias para determinadas aplicações estruturais.

Figura 5: Fotografias por SEM das amostras vitrocerâmicas obtidas a partir de: (A) vidro tratado a 1000ºC durante 10h;
(B) compactos de pó de vidro sinterizados a 850ºC durante 4h.

A observação por SEM de ambos os vitrocerâmicos revelou claramente a distribuição e morfologia das fases cristalinas,
como é ilustrado na Figura 5. Verifica-se que ambas as microestruturas contêm cristais fibrilares com uma textura
dendrítica, característica bem evidenciada através da análise microestrutural por SEM das amostras após fractura. A
Figura 5(B) mostra ainda a presença de pequenos precipitados dentro do vidro residual.

Não foi encontrada diferença significativa entre as densidades dos vitrocerâmicos obtidos por cristalização controlada
das placas de vidro e por sinterização dos compactos de pós, que estavam compreendidas no intervalo de 2,76-3,10. A
porosidade fechada nas amostras sinterizadas não teve, aparentemente, um efeito apreciável na densidade final do
vitrocerâmico. A maior densidade dos vitrocerâmicos relativamente ao vidro de partida (que apresentava uma densidade
de 2,72), é devida à presença das fases cristalinas, diópsida e volastonite que têm densidades teóricas de 3,27 e de 2,92
respectivamente [16].

A dureza Vickers das placas vitrocerâmicas era semelhante à das placas do vidro de partida, apresentando valores entre
5,5-5,7 GPa. Os vitrocerâmicos obtidos pela via de sinterização de pós apresentaram durezas entre 2,5 e 5,4 GPa,
dependendo das condições de temperatura e tempo usadas no processo de sinterização. O estudo da toxicidade das
amostras mostrou que, tanto o vidro como os vitrocerâmicos produzidos pelas duas vias, pertencem à classe de
resistência hidrolítica de vidros ISO 719-HGB 1.
A caracterização das propriedades dos materiais produzidos no presente estudo revelou que os valores encontrados são
semelhantes aos de propriedades equivalentes características de materiais usados tradicionalmente em construção civil
(ex. mármore) [16].
4. CONCLUSÕES

Conseguiu-se uma vitrificação total das escórias provenientes da incineração de RSU por fusão destes resíduos a uma
temperatura de 1400ºC sem utilizar aditivos. Por tratamentos térmicos controlados das amostras do vidro produzido e
por sinterização, em condições específicas, dos pós obtidos por moagem do vidro, foi possível obter materiais
vitrocerâmicos. Ambos os métodos de preparação conduziram a vitrocerâmicos com alto grau de cristalinidade e
cristalização volúmica, onde a volastonite e a diópsida são as fases predominantes.

Dado que os vitrocerâmicos sinterizados apresentam apenas uma pequena quantidade de poros isolados, a via de
sinterização de pós de vidro conduz igualmente a materiais com propriedades aceitáveis para aplicações estruturais. O
vidro e os vitrocerâmicos produzidos neste trabalho exibem durezas Vickers de 4,1-5,7 GPa e uma massa volúmica de
2,7-3,1g.cm-3, que são valores típicos de materiais utilizados em construção civil, ex. mármores.

A vitrificação seguida da cristalização controlada do vidro, ou seguida da sinterização de pós de vidro, constituem
métodos de processamento adequados à transformação de resíduos provenientes da incineração de RSU em produtos
vitrocerâmicos, que dadas as suas atractivas propriedades físicas, químicas e mecânicas têm um grande potencial de
aplicação.

AGRADECIMENTOS

Os autores gostariam de expressar o seu agradecimento à VALORSUL S.A. (Empresa para a Valorização e Tratamento
de Resíduos Sólidos da Área Metropolitana Norte de Lisboa), ao Eng. L. Alves e especialmente ao Eng. Dinis de Sousa
pela sua ajuda durante a recolha dos resíduos no aterro de Mato da Cruz. Gostariam ainda de agradecer à Fundação para
a Ciência e Tecnologia o apoio financeiro concedido para a realização deste trabalho, incluindo as bolsas de
investigação concedidas a C. F. Figueiredo, M. S. Alendouro e M. C. Ferro.

REFERÊNCIAS

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