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Apresentação

Ensinar a ler e a escrever não é tarefa fácil, especialmente, quando a proble-


mática da alfabetização intensifica-se. Entre nós, o ensino tem sido criticado; seus
resultados são vistos como fracos em vários aspectos, sobretudo com referência ao
aprendizado da leitura e da escrita. Múltiplos fatores contribuem para isso, entre
eles, os tratamentos dados à educação escolar e ao trabalho do professor que não
correspondem à sua importância social, além de outros problemas que afetam a
sociedade e, por consequência, as escolas. Apontar as dificuldades referentes ao
processo de alfabetização no sistema de ensino não significa falta de reconheci-
mento da ocorrência de avanços da democratização da educação escolar, marcada
nas últimas décadas pelo acesso à matrícula no ensino público.
As dificuldades referentes à alfabetização comprometem a realização de uma
das principais funções da escola – a de promover a socialização do saber ou do
conhecimento sistematizado. Como a escrita é utilizada para registrar os saberes
elaborados pela humanidade, ler é indispensável para participar do ensino e ter
acesso aos saberes que compõem a herança social da humanidade.
Ensinar é a principal função da escola, mas o ensino pode acontecer de di-
versos modos e conduzir a diferentes resultados. Até recentemente, alfabetizar
era sinônimo de escolher e seguir uma cartilha; hoje as coisas mudaram. Novos
encaminhamentos didáticos são propostos aos alfabetizadores. Porém nem sem-
pre a interação de quem ensina com o que é proposto ocorre de modo a permitir
a solução dos problemas na prática pedagógica. Por outro lado, a formação de
professores constitui assunto que merece muito mais atenção.
As novas propostas pedagógicas valorizam a capacidade humana de elaborar
conhecimentos. Os seres humanos utilizam aquilo que já sabem para atribuir
sentido ao que desconhecem, desenvolvendo espontaneamente conhecimentos,
inclusive os referentes à escrita. Assim, espera-se que o ensino aproveite essa
capacidade, ajudando o aprendiz a superar e a transformar suas noções pessoais,
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e por vezes distorcidas, para ter acesso ao conhecimento sistematizado, ao saber


construído pela humanidade em sua história.
Por vezes essas diretrizes são interpretadas como dispensa do apoio do trabalho
docente para o aprendizado da escrita, transformando a professora em observadora
dos procedimentos dos alunos em suas tentativas de ler e de escrever.
No trabalho didático, um dos grandes problemas é o de promover a passagem
da escrita espontânea para a escrita convencional. As tentativas de inovar o ensino
esbarram com dificuldades para superar a valorização dos enfoques subjetivos
e, por vezes, egocêntricos do aprendiz e desenvolver a escrita convencional. O
domínio das competências básicas de leitura e escrita não acontece sem a supe-
ração das garatujas e do uso indiscriminado de letras. Apenas a silabação ou o
mero contato dos alunos com materiais escritos são insuficientes para completar
o processo de aprender a ler e a escrever.
Se o ensino se reduzir a atividades sem organização didática adequada, pode
ocorrer que a compreensão particular e subjetiva conseguida pelo aluno não che-
gue a se transformar em saber. Assim, por um lado, o ensino tradicional exclui os
estudantes que não conseguem entender e acompanhar o trabalho do professor.
Por outro lado, temos propostas de ensino que valorizam a visão da escrita e a
realização dos alunos nas aulas, mas cuja aplicação não inclui essa interação dos
alunos no ensino e não completa a alfabetização. O indivíduo só, sem interlocu-
tores ou sem orientação, progride muito devagar. Esta situação desmotiva grande
número de alunos e seus familiares.
A rigor o grande desafio que se coloca para a educação escolar é o de trans-
formar o trabalho em sala de aula. Transformar inserindo a visão de quem aprende
no ensino, sem perder de vista as finalidades deste ensino, no caso, o desenvol-
vimento do aprendizado da leitura e da escrita, assunto que é objeto de reflexões
por parte de muitos professores.
Muitas questões emergem do atual contexto em que se encontra a alfabetização
na educação escolar, dentre elas: como favorecer a integração da visão particular
de mundo de cada criança com o que cabe à escola ensinar? Em que as novas
propostas didáticas diferenciam-se do ensino tradicional? Como aplicar novas
orientações para alfabetizar? Uma vez aprendidas “as primeiras letras”, de que
maneira orientar a produção textual? Essas são algumas questões que inquietam
os professores e, muitas vezes, conduzem à rejeição das propostas de mudanças
pedagógicas ou a uma miscelânea de procedimentos.
Diante dessas e de outras indagações apresentamos o livro Alfabetização:
propostas e práticas pedagógicas, composto por dez capítulos, resultantes de al-
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gumas de nossas observações sobre este processo nos últimos cinquenta anos, das
pesquisas que realizamos, em particular, com o grupo de pesquisas Alfabetização
e, especialmente, de nosso intercâmbio com os colegas professores da educação
básica e com colegas de outros países vinculados à Red Latinoamericana para
Trasformación de la Formación Docente en Lenguaje.
No primeiro capítulo, intitulado “As tendências pedagógicas: os conceitos de
leitura e de escrita”, são contrastados o ensino tradicional e o construtivismo, as
duas grandes correntes pedagógicas que marcam os discursos dos profissionais
da educação nos ambientes escolares. É atribuída ênfase aos conceitos de leitura
e de escrita que contribuem para diferenciar essas tendências.
Em “A leitura e a escrita: aprendizagem e ensino”, o segundo capítulo, são
examinados os enfoques dados ao processo de alfabetização em diferentes ten-
dências pedagógicas, sobretudo na didática tradicional e no construtivismo.
“A teoria de Piaget e o trabalho do professor no processo de alfabetização”
constitui o terceiro texto apresentado. Nele focalizamos alguns aspectos do cog-
nitivismo piagetiano e da psicogênese da escrita e suas implicações para a prática
pedagógica. Estudamos, também, algumas interpretações equivocadas da proposta
construtivista que ocorrem no ensino.
O quarto capítulo, intitulado “Metodologia do processo de alfabetização”,
contempla a questão dos métodos de ensino. Assunto que por vezes é visto como
desnecessário com base no pressuposto de que os métodos estão superados. Con-
tudo, este estudo é importante para a compreensão do processo de alfabetização
praticado em muitas escolas.
No texto intitulado “A educação infantil e o processo de alfabetização”, que
constitui o quinto capítulo, tratamos da inserção das crianças no universo da lei-
tura e da escrita e do papel que essa educação pode desempenhar neste processo.
Ênfase é atribuída à importância do respeito ao direito de as crianças viverem a
própria infância.
No sexto capítulo, “O ensino fundamental com nove anos de duração”, exa-
minamos a inserção da alfabetização no novo currículo deste ensino que se inicia
aos 6 anos de idade.
“As crianças, as professoras e as suas práticas em alfabetização” é o título do
sétimo capítulo. Nele são contrastadas as realizações em leitura e escrita de crianças
em idade pré-escolar e as práticas alfabetizadoras, realizadas pelos professores.
O oitavo texto, “A alfabetização e a pedagogia por projetos”, focaliza a
proposta de pedagogia por projetos apresentada por Jolibert e colaboradores,
que não distancia o letramento da alfabetização. Ênfase é dada à leitura e à
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escrita de textos em situações reais de comunicação, no decorrer da realização


dos projetos.
Em “O processo de alfabetização: o desempenho dos alunos ao longo do
tempo”, que compõe o nono capítulo, apresentamos o relato de uma pesquisa. Ela
foi realizada em busca de respostas para questões referentes ao que acontece na
vida escolar das crianças que se encontram em dificuldades no início do processo
de alfabetização escolar. Focaliza as relações que as crianças estabelecem com a
leitura e a escrita e, também, com os outros leitores.
No décimo capítulo, intitulado “A alfabetização e a formação de professores”,
focalizamos a questão da formação docente, considerando o atual cenário do
processo de alfabetização em nossas escolas.
Enfim, este livro não tem a pretensão de propor respostas completas ou con-
clusivas para as questões tão complexas referentes ao processo de alfabetização,
nem a de exaurir os temas que este processo envolve.
O livro traz para apreciação do leitor textos sobre questões presentes no co-
tidiano escolar, resultantes de esforços aplicados nas tentativas de aclarar alguns
aspectos da alfabetização.

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