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Eros Cativo

Dieter Duhm

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Trazido para o Brasil por

Tomi Streiff

Tradução

Márcia Neumann

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Sobre este livro:

“Não pode existir paz no mundo, enquanto existir guerra no amor.”

Engajado e direto Dieter Duhm descreve em seu livro a posição ocupada


atualmente pelo amor em nossa cultura. Ele desloca os temas não
solucionados em relação ao amor, como o ciúme, o amor livre, a fidelidade, o
desejo, a impotência, a moral etc., para o centro das questões a respeito da
verdadeira ausência de violência e da paz. A partir da vivência do amor livre ele
desenvolve uma nova perspectiva para um modo de vida, no qual amor
monogâmico e amor livre não se excluem por muito tempo. Ele delineia os
fundamentos intelectuais e sociais para uma cultura, na qual o ciúme não é
mais uma lei da natureza, os anseios sexuais não precisam mais ser
repudiados e a fidelidade entre dois amantes não fracassa mais em ideias
limitadas de amor. ”Amor que reconhece” é como ele chama o processo que
conduz a uma cultura sem repressão sexual, medo e violência.

Sobre o autor:

Dr. Dieter Duhm, nascido em 1942, em Berlim, é psicanalista, historiador de


arte e sociólogo e um dos líderes dos esquerdistas marxistas do Movimento
Estudantil de 1968, na Alemanha. Ele associa as ideias da revolução política
aos pensamentos de libertação individual e torna-se conhecido por meio de seu
livro “O Medo no Capitalismo”. A partir de 1975 ocorre seu distanciamento
oficial do dogmatismo de esquerda e a dedicação a uma alternativa
fundamentalmente humana.

Em 1978 cria o projeto “Bauhütte”, um experimento social de três anos, com 40


participantes, no Sul da Alemanha.

Desenvolve o “Plano dos Biótopos de Cura”, um planejamento concreto, de


como a paz mundial poderia ser introduzida.

Em 1995 funda junto com sua parceira Sabine Lichtenfels e outros o Centro de

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Pesquisa de Paz “Tamera”, em Portugal, com o objetivo de unir trabalhos
globais de paz com a construção de um novo modelo de vida e criar um lugar,
no qual as pessoas possam conviver com todas as criaturas em cooperação e
apoio mútuo.

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SUMÁRIO

Prefácio

Introdução

CAPITULO I: EROS CATIVO – MUNDO CATIVO

Então era isso

Sexualidade – Um poder mundial

Eros e Apocalipse

Não pode existir paz no mundo

enquanto existir guerra no amor

High-Tech na guerra, Neandertal no amor

Nós fizemos ao Eros o mesmo que fizemos aos rios

Eros e religião – a cura das origens

CAPITULO II: O TEMA SEXUAL

Nós queremos somente aquilo, mas o quê?

A parábola da montanha

Da felicidade do primeiro amor à monotonia do casamento

Amor livre e monogamia

A força da sexualidade desconhecida

Desejo de entrega, mas sem desprezo

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A ninfomania saudável e a fome de nossas células

A compulsão pela eterna mentira

Falsa moral e verdadeira ética

Desejo reprimido e vida por viver

Ontem à noite no bar

Meu amigo Martin

A sexualidade entre o desejo e a vergonha

Mulheres acima dos 40

O carinho e o momento depois

O mito do orgasmo

Impotência – energia sem saída

O dilema sexual do organismo

Será que sou suficientemente atraente? Reflexões a respeito da atração sexual

Um apelo às mulheres

Mas não se trata de sexo?

CAPITULO III: DOR ANCESTRAL E CIUME

A dor ancestral

O que é o ciúme e de onde ele vem?

A asma faz parte do respirar?

A contradição fundamental do amor

CAPITULO IV: A LIBERTAÇÃO DE EROS

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Um processo mundial de amor emergente

Cultura sem repressão sexual

Amor que reconhece

A confiança é o remédio do corpo

Um outro conceito de fidelidade

A despsicologização do amor

Criar espaços para um novo encontro dos gêneros

Sexpeace e Greenpace - paz entre os sexos e paz com a natureza

Um lar para as crianças

Eros liberto

Bibliografia

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Prefácio

Eu escrevi a edição alemã deste livro há muitos anos, quando vivia e


trabalhava em Lanzarote. Naquela época eu concebi um projeto para Eros, arte
e terapia. Dentro do contexto do Centro de Pesquisa para a Paz Tamera, em
Portugal, que eu fundei em 1995 com minha companheira, a teóloga Sabine
Lichtenfels e outros este projeto tomou uma forma maior. Do circulo de leitores
daquele tempo surgiram amigos, que hoje trabalham juntos no projeto. A todos
eles eu gostaria de agradecer aqui. Não é fácil trabalhar em um projeto que
tem tanto a ver com as zonas consideradas tabu em nossa sociedade como
este. Eu fui descrito pela imprensa como “líder de seita” e “guru do sexo” e me
atribuíram exatamente as coisas, que nosso trabalho objetiva tratar e superar
profundamente. A meta é a supressão de toda violência e de todo medo da
área do amor sexual. Isto não deve acontecer por meio de apelos morais, mas
sim por meio da compreensão das relações e através de uma mudança real
daquelas estruturas, que – mesmo que seja apenas em pensamento – nos
conduzem ao medo ou ao ódio. Que meus leitores possam fazer uma imagem
daquilo, que é dito, pensado e realizado aqui. Eu adoraria ter outros
colaboradores e colaboradoras.

Nós vemos nosso trabalho para uma cultura erótica livre do medo como uma
parte do trabalho global de liberdade. Não poderá haver paz, enquanto existir
guerra no amor. A guerra dos sexos é a herança de uma época histórica de
cinco mil anos de dominação masculina. Esta dominação ocorreu por meio da
violência, da destruição da vida e da repressão sexual. O poder, que o sexo
masculino quis adquirir, foi o poder do extermínio da vida e não – como nas
culturas antigas – o poder da perpetuação da vida. O poder masculino se volta
primeiramente contra a dominância da mulher nas culturas superiores arcaicas,
mais tarde contra a mulher em geral. Entre as torturas da história (queima das
bruxas etc.) o “sexo fraco” foi transformado no sexo silencioso. O ser humano
“venceu”. Algumas pequenas histórias deste livro tratam de como esta “vitória”
se apresenta e de como ela é sentida na vida amorosa dos dois gêneros. Com
a humilhação da mulher o ser humano destruiu sua própria alegria de viver.
Porque os dois gêneros fazem parte um do outro, eles são as duas metades do

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Ser humano. Os dois sentem agora a mesma dor. É a dor indescritível da
história, que se repete diariamente nos relacionamentos infelizes, nas
esperanças fracassadas, nas resignações silenciosas, nas doenças
psicossomáticas, nos atos sexuais violentos, nas reações em cadeia cotidianas
de decepção e vingança, de vítimas e culpados. Nós vemos esta dor diante do
pano de fundo histórico de nossa sociedade. De forma análoga nós
procuramos em nosso trabalho de terapia ver as causas históricas da doença e
eliminá-las.

Quais são as causas históricas de nossos problemas amorosos? São os


ideogramas na “história de nosso corpo”: as informações de violência, medo e
desconfiança, que foram escritas em nossos organismos, que todos trazemos
em nós, porque todos nós resultamos desta história. Eu conheço apenas dois
métodos, que estão em condição de livrar o amor entre os sexos dos laços do
medo e da mentira e unir totalmente nossos corpos outra vez com as forças
terapêuticas do amor: o primeiro é a compreensão e segundo a criação de um
espaço de confiança real entre um numero crescente de pessoas.

Existe um pensamento político neste tipo de trabalho de liberdade: quando os


mesmos temas se apresentam diariamente milhares de vezes em nossas
relações, então uma solução realmente bem sucedida destas questões poderia
ter um significado exemplar. É como se de certa forma um “campo
morfogenético” estivesse à disposição da terapia na área do amor. Eu descrevi
esta ideia detalhadamente no livro “Textos políticos por uma Terra livre da
violência”. É uma das ideias fundamentais de nosso trabalho em Portugal. Ele
diz respeito a novos conceitos de amor e de comunidade assim como a novos
conceitos de autoridade e poder, de Deus e religião, de arte e criação.

Foi o pensamento político, que me induziu como “velho ativista de 68” (1968,
luta anti-imperialista e oposição extraparlamentar) a não abandonar
simplesmente o trabalho marxista, mas enriquecê-lo nos temas íntimos do ser
humano. Eu ainda me admiro até hoje, como esta ideia, que eu já havia
formulado em meu livro “Medo no capitalismo” (1972) pode rapidamente ser
totalmente convertida em posições terapêuticas apolíticas ou posições
esotéricas. Talvez esta despolitização tão rápida tenha sido apenas um

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passageiro reflexo histórico do declínio mundial do comunismo em sua forma
atual. Este fracasso global de um movimento inicialmente tão grande não teria
também resultado da incapacidade de solucionar as questões amorosas? Das
relações sociais de produção não surgem apenas bens materiais, delas surgem
também forças imateriais como amor ou ódio, inteligência ou estupidez, altivez
ou submissão. O comunismo anterior ainda não havia pensado nisto, seus
fundadores quase não tinham conhecimento a respeito destas relações, e
depois dos fundadores era quase impossível para alguém desenvolver
pensamentos próprios. A primeira metade do caminho havia sido percorrida, a
outra metade foi sufocada no cimento ideológico.

Os bens intelectuais, as forças vitais, as forças terapêuticas e as qualidades de


felicidade que serão produzidos por uma comunidade ou sociedade, também
dependem essencialmente, de como ela “organizou” sua vida amorosa, suas
relações sexuais, suas parcerias. Este é o complemento, que o marxismo teria
necessitado, para poder realizar ideais verdadeiramente comunistas. A
Esquerda resignou-se muito rapidamente, eles deveriam ter pensado mais,
porque não havia absolutamente nenhuma razão objetiva para abandonar o
novo desenvolvimento de pensamentos, que os jovens esquerdistas iniciaram
por volta de 1968, logo após cinco anos. A história não é contada em anos,
mas em décadas, quando se trata de introduzir reformas verdadeiras do
pensamento e da ação humanos. A chamada “revolução sexual” foi
interrompida, antes de ter começado realmente. Qual o espírito destes
revolucionários, que estavam dispostos a abandonar seus ideais individuais
logo após poucos anos e voltar à atmosfera rarefeita da tão odiada sociedade?
Eles não se renderam diante do Estado eles capitularam diante do amor.

A capitulação ante Eros faz parte daqueles processos da história, nos quais
diversas religiões, ideologias, estruturas de poder e ideais culturais se deixam
alinhar. A rendição diante de Eros pertence às causas, que induzem os
homens a procurar a cura de sua alma no Além e a aceitar os eventos
desumanos sobre a Terra. A capitulação ante Eros se encontra por detrás dos

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massacres diários de animais e detrás daquela ética, que permite a guerra e
proíbe o amor. Pessoas nas quais Eros é livre e nas quais o amor se realiza
protegem e cuidam das criaturas de sua comunidade, em vez de matá-las. É o
Eros liberto que nos traz esta profunda alegria de viver, que nós queremos
passar a todas as criaturas. É o amor físico e a felicidade espiritual, que nos
preenchem com verdadeira moralidade e compaixão. Neste ponto a nossa
tradição cultural, primeiro a judaico-cristã, depois a material-capitalista, inverteu
quase todos os valores. Todos os homens anseiam pelo amor sexual, todos
foram punidos por isto de uma forma ou de outra, e quase todos se curvaram
então à mentira coletiva segundo a fórmula: As uvas estão muito altas, então
elas estão azedas. A consequência desta tradição cultural inimiga da
sexualidade é uma estrutura coletiva de caráter, que se afastou tanto das
fontes sexuais da vida e do amor, que já nem mesmo procura a religação com
estas fontes.

É este espírito de capitulação, que ainda hoje em tantos amigos de outrora se


defende contra uma retomada do tema do amor? Os homens se defendem
contra o amor sexual, porque não querem se expor a nenhuma reedição de
uma dor antiga? É este medo latente da dor ancestral também a origem para o
deslocamento dos conteúdos revolucionários para a simples área terapêutica?
Esta mudança evidente da área política para a área terapêutica e esotérica
aconteceu porque ninguém mais podia ou queria acreditar em uma solução
social do tema sexual? É esta a razão de um vento tão venenoso contra o
nosso trabalho ter sido soprado exatamente pelos círculos de esquerda ou
pelos círculos feministas na Alemanha? É esta a razão para as ações
esbravejantes de muitos ex-companheiros de esquerda, quando sempre
inventam novas imagens antagônicas e perseguem todos os representantes da
nova era, como se neles enxergassem o Diabo?

Uma vez eu fui convidado junto com Sabine Lichtenfels para participar de uma
discussão sobre sexualidade e amor na televisão, em Friburgo. Quando nós
chegamos vimos diante da entrada uma multidão de pessoas, que fora
impedida de entrar por uma pequena fileira formada por jovens ativistas

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friburguenses. Foram distribuídos panfletos contra os lemas “sexistas” de
Dieter Duhm e Sabine Lichtenfels. Nosso estômago quase deu voltas, quando
vimos, como nestes panfletos, nossas ideias foram grosseiramente distorcidas
em seu contrário. Os distribuidores dos panfletos adquiriram suas
“informações” de uma brochura contra nós, que fora publicada na internet por
um grupo, cujo representante não nos conhecia absolutamente e nem nosso
trabalho. Eles escreveram com a intenção de por meio de compilações
chamativas de citações, impedir nossas apresentações públicas e a divulgação
de nossos escritos. Muitas pessoas leram esta brochura, mas não leram
nossos próprios escritos. Não é estranho o que acontece aqui? Quando nós
observamos os rostos das distribuidoras e dos distribuidores de panfletos, nós
pensamos que também poderíamos ter sido estas pessoas há 20 ou 30 anos.

Diante disso, nós não fomos tomados por nenhum impulso de ódio ou de
violência, mas sim por uma reflexão consternada. Por que eles foram incitados
tão duramente contra nós, e por que eles se deixaram incitar com tanta
disposição, sem ter se informado realmente uma única vez? Eu creio, que
depois de tudo que aconteceu nos últimos trinta anos sob o tema amor, sexo e
companheirismo, que quase todo mundo acabou com tantos hematomas, que
se sente feliz, por não ser mais uma vez tocado nos pontos da profunda
ansiedade e do profundo ferimento. Eu gostaria honestamente de comunicar
neste ponto, que neste livro tenho de abordar alguns temas, nos quais eu não
posso evitar totalmente este contato. Eu espero que nestes trechos não seja
tocada apenas a dor de sonhos de amor não realizados, mas sim a visão de
uma verdadeira e fundamental reconciliação. O conteúdo de todos os capítulos
gira em torno desta direção.

Nós vivemos o início de uma nova era. Abordagens reais para a formação de
uma nova cultura inclusive uma nova imagem do amor sexual estão em marcha
e não se deixarão mais retroceder. Minha motivação não está em seguir a
tendência contemporânea de medo ou repressão, mas sim uma confiança
duradoura, fundamentada historicamente. As colisões com os limites de nossa
época acontecem como consequência, de certa forma elas são nosso ofício.

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Quem hoje quiser deslocar fronteiras, para si pessoalmente ou para um
objetivo social, sempre se colocará em um ponto de decisão interior: Confiança
ou medo? Com os esclarecimentos deste livro eu quero fortalecer a confiança.
Onde quer que esta posição questionadora entre medo e confiança se torne
consciente para nós e estivermos em condição, de nos decidirmos pela
confiança, a vida nos abre novas possibilidades e os caminhos tomam muitas
vezes curvas surpreendentes. Também no amor. Veja teu parceiro amoroso
tua parceira amorosa à luz da confiança e lhe faça então a pergunta, que você
leva contigo há tanto tempo, e você provavelmente se surpreenderá com a
sinceridade da reação dele ou dela. Quem sabe não resulte em um novo
começo? É claro que não é fácil, depois de tudo que aconteceu voltar a ter
confiança, e eu entendo muito bem, porque muitas pessoas não querem mais
ouvir falar sobre isso. Mas por detrás de todas as brigas existe ainda – quase
como um eterno componente de nossa psique – uma quase não danificada
possibilidade de confiança e uma quase não destruída crença no amor. Se no
futuro existir realmente uma nova teologia, então esta é uma teologia da
escolha entre medo e confiança.

A história do anseio não resolvido pelo amor sexual é a história da violência.


Nesta história todos nós nos transformamos em autores ou vítimas ou em
ambos. Nós vivenciamos a violência nos palcos de guerra da terra assim como
nas histórias familiares no lar. Compreender a monstruosa complexidade deste
tema significa compreender a si mesmo. E quem começou a se entender,
começou a ser muito mais perspicaz com a avaliação ou até mesmo com a
condenação dos outros. Os autores assim como as vítimas estão muitas vezes
ligados um ao outro por meio de estruturas internas semelhantes de medo e de
violência, ativas ou passivas, pois todos nós possuímos estas estruturas dentro
de nós. Uma verdadeira humanização e cura de nossa vida sobre a terra exige
definitivamente a humanização e a cura de nossas forças sexuais e de nossos
relacionamentos sexuais. Nós podemos eliminar esta cadeia infindável de
reações de anseio, decepção, vingança, violência e medo, quando nós
mesmos saímos dela e criamos novas estruturas, nas quais ela não pode mais
surgir.

O fim da guerra sexual é o fim da época patriarcal. Estruturas de confiança e

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de comunhão, em vez de estruturas de soberania. Eros é a fonte sagrada de
toda a vida. É difícil falar disto como homem depois de um período de quatro
mil anos de violência sexual e humilhação. Mas apesar de tudo é assim. Nós
temos de fazer tudo, para nos unirmos outra vez a esta fonte. Este não é
apenas meu desejo pessoal, mas sim a condição para um futuro digno de ser
vivido sobre o nosso planeta. Reconciliação em vez da continuação do estado
de guerra. Toda a terra espera por isto. Uma cultura livre da violência nasce de
uma nova relação dos sexos e de uma nova relação com nossas fontes. Como
nas culturas arcaicas, estas fontes ainda se chamam Eros e religião. A cura
está lá, no ponto em que as duas se convergem novamente. As novas
operações de paz de nossa época, os caminhos espirituais e os centros
mentais de luz somente poderão desenvolver sua plena força curadora, quando
puderem empregar suas forças espirituais para a libertação total do amor
sexual e não mais para sua repressão. Existem algumas testemunhas e co-
formadores de nosso tempo, que depois de uma longa passagem por
experiências ecológicas, políticas e espirituais também chegaram exatamente a
esta conclusão. Eu penso na ecologista profunda Joana Macy, em Robert
Jungk, em Ernest Bornemann, em Peter Caddy (criador da Fundação
Findhorn). Eles e outros se depararam ao fim de suas obras com o inevitável
significado da sexualidade para a cura da terra. Neste contexto eu gostaria de
aludir às citações, que estão impressas na quarta capa deste livro.

A prática espiritual exige uma prática de vida verdadeira e ela encontra o seu
centro através da verdade no amor. Eu não escrevo isto como guru, mas sim
como questionador, como buscador, como lutador e até mesmo como
duvidante. Mas apesar disto eu sei que é assim. Em sempre soube através de
meus anseios, que existe alguma coisa no mundo que traz a resposta e a
realização. Não haveria absolutamente nenhum anseio, se também não
houvesse uma realização. Também não haveria sede, se não houvesse água.
A realidade existente sempre contém em si mesma esta correspondência de
dentro e fora, de desejo e realidade, de prece e realização – este mistério
ancestral de todo ser humano realmente crente.

Eu dedico este livro a todos os amantes, a todos, que com o coração disposto
ao amor estão a caminho da nova margem; a todos que estão à procura uma

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fidelidade verdadeira, que não mais obrigue à mentira. Eu o dedico às crianças,
que chegam até nós, aos animais e às plantas, que precisam da proteção e da
participação dos homens. Eu o dedico aos trabalhadores da liberdade, que não
se deixam distrair por meio de parolas espirituais precipitadas e de meias
verdades, mas que estão dispostos a se colocar pela incorruptibilidade da vida.

A serviço do afeto para tudo, que tiver pele e pelos.

Dieter Duhm

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Introdução

Eu escrevi este livro porque isto foi inevitável. O tema do amor sexual
precisava ser visto e trabalhado por outro ângulo. Este é o tema da nossa
época, mesmo que os motes atuais às vezes digam algo diferente. A temática
do anseio sexual figura no centro de nossos pensamentos e sentimentos
íntimos. Nos dias atuais a quantidade de pessoas que sofrem e que adoecem
em função da sexualidade reprimida é maior do que a quantidade de pessoas
que sofrem e adoecem por causa de toxinas ambientais. Em minha vida, onde
quer que eu tenha me engajado – seja nos grupos revolucionários do
movimento estudantil, no movimento alternativo que surgiu na década de 1970,
ou em meu trabalho como professor e terapeuta – em última instância eu
sempre me deparei com este tema. As tentativas de resolvê-lo em
comunidades ou em experimentos com o amor livre, não tiveram êxito até o
momento. As diferentes abordagens terapêuticas ou espirituais também não
ajudaram muito. O núcleo do problema está profundamente associado aos
nossos hábitos cotidianos de pensamento e de ação. Por este motivo enquanto
estes costumes persistirem o problema pouco pode ser visto e muito menos
solucionado. A era da revolução sexual seria passado, diz-se hoje. No entanto,
na realidade ela ainda não começou de fato no interior do ser humano. Como
se já pudessem conduzir ao centro da coisa, as tentativas realizadas até hoje
foram muito desorientadas e muito emocionais. Também não se trata
primariamente de revolução, mas sim de conhecimento.

Eu escrevi este livro para o amor, também e exatamente porque eu tinha de


apontar seus pontos obscuros. Para que tais passagens não se tornem muito
pesadas, algumas vezes eu escolhi um tom mais leve. Eu espero que este livro
possa ser lido e entendido por todas as faixas etárias. Se alguém não
compreender imediatamente alguma coisa, isto não é importante, porque em
outros pontos isto será esclarecido. Eu gostaria de mostrar, que existe uma
possibilidade realista do amor sexual, que é livre da hipocrisia, do medo e do
ciúme. Eu quero encorajar às leitoras e aos leitores que pensam como eu e a

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todos os amantes, a encontrar esta possibilidade dentro de si mesmos e a agir
adequadamente. Se existir para nós e nossos filhos um futuro digno de ser
vivido, então ele se encontra em uma nova forma do amor sensual.

Este livro não tem de ser lido do início até o fim. A leitura deve ser iniciada, no
capítulo do índice, no qual o ponto mais interessante é abordado. Quem achar
que os primeiros capítulos apresentam um balanço negativo deve pular estas
páginas sem escrúpulo e primeiro procurar os aspectos mais agradáveis. Com
isto não será perdida nenhuma teoria importante, porque quase todo trecho
constrói por si próprio uma relação, que é compreensível mesmo sem maiores
esclarecimentos. Apesar do peso do tema, eu não desejo às leitoras e aos
leitores nenhum novo pesadelo, mas sim esperança verdadeira e alegria
antecipada. O amor não é mais um conto de fadas, nós podemos realiza-lo, se
o compreendermos.

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CAPITULO I

EROS APRISIONADO – MUNDO APRISIONADO

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É exatamente aí que reside o problema

A maioria das pessoas é muito corajosa em sua luta diária contra a


sexualidade. Elas se esforçam em não deixar transparecer suas fantasias e
seus impulsos. Elas compram para si mesmas roupas sérias, fazem uma
expressão séria e colocam um chapéu sério. Elas falam sobre coisas íntegras,
como, por exemplo, onde passaram as férias, como foi o tempo e onde é
possível comer bem. Os desejos secretos na piscina ou no bar elas revelam no
máximo aos seus amigos mais íntimos, se é que elas os têm. Se elas
pertencem à classe intelectual, falam então sobre arte ou religião ou sobre
psicanálise. Elas falam tão sinceramente e tão deliberadamente como os
monges nos antigos mosteiros, nos quais o sexo era praticado secretamente e
logo depois por medo de serem descobertos e punidos tinham de reprimi-lo
ainda mais. É monstruoso o empenho que as pessoas empregam para parecer
diferente daquilo que são diante dos olhos de seus semelhantes. Mas os
semelhantes também são apenas pessoas. Elas jogam exatamente o mesmo
jogo, que nós chamamos de “cultura”, “compostura” ou “moral”. Será que nós
não poderíamos chegar aos poucos a outro consenso? Todos se sentem
obrigados a esconder uns dos outros alguma coisa muito essencial. A
Antropologia, esta é a ciência do ser humano, esconde o sexo no ser humano
como a maçã esconde seu caroço. Então acontecem coisas estranhas, que
não combinam com a imagem habitual. É aí que a esposa de um professor
após a morte de seu marido descobre em sua gaveta mil fotos de estudantes
com anotações precisas, de quando e onde ele dormira com elas. Ela não
soube de nada disto durante quarenta anos. É aí que uma mulher toma
calmantes durante muitos anos, para lutar contra seu desejo ninfomaníaco por
1000 homens e permanecer fiel ao seu marido. É aí que alguém violenta
menininhas, e logo se descobre, que foi o tio bonzinho, que mora ao lado. A
gente poderia prosseguir infinitamente com esta série. Todo homem e toda
mulher sabe do que eu estou falando. Nosso mundo cotidiano e nossas
fantasias secretas são até hoje dois mundos diferentes, um que é mostrado e
outro que é escondido.

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É neste último que acontecem nossos dramas íntimos. Em milhões de jovens,
em milhões de adultos. Através de todas as camadas e de todos os partidos
políticos da sociedade. Independente de todas as relações religiosas, políticas
ou morais. Para a vida sexual interior de uma pessoa não importa se ela
pertence ao Partido Verde ou ao Partido da União Democrática Cristã, se ela é
budista ou cristã, se exerce a profissão de um padre ou de um homem de
negócios. Nós todos já conduzimos algum dia uma luta heroica contra nosso
desejo, nós todos já fomos vencidos algum dia por ele, mesmo que tenha sido
apenas na fantasia. Todos nós já lutamos algum dia também contra a fantasia,
para que nos mantivéssemos limpos, e todos nós nos “sujamos” bastante com
isso. Porque a luta contra o impulso é o óleo constante, com o qual
alimentamos nosso fogo escondido.

Para que isto fique claro: Eu não falo de nossos avós, mas sim de nós. Eu não
falo do puritanismo da Era Vitoriana em meados do século dezenove, mas sim
do estado de crise sexual no fim do século vinte. A alegada revolução sexual
pouco modificou até agora as estruturas básicas de nossos sentimentos e
pensamentos. Em cada um de nós ainda se encontra uma semente que não
germinou. O desenvolvimento da espécie humana depende de seu
descobrimento e desabrochar.

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Sexualidade: Potência Mundial

A sexualidade domina a literatura e o cinema, o turismo e as indústrias de


entretenimento, a propaganda e o formato dos automóveis. Adicionemos a isto
suas forças inconscientes, seus efeitos, sua abrangência e sua sedução e
veremos que ela como um sistema nervoso extremamente refinado atravessa o
corpo inteiro de uma sociedade. Todos reagem a ela, quer queiram quer não. A
sexualidade é a potência mundial numero um, antes dos EUA, da OTAN ou de
outros sistemas potenciais do ser humano.

Quem assiste a um bom filme pornográfico ou lê uma publicação pornográfica


e não se indigna imediatamente, pode sentir uma profunda comoção. O que é
isto? Aquele que assiste uma cena sadomasoquista em um filme pode sentir
que apesar do susto inicial ele próprio de repente se entusiasma. Quem se
deixa tocar desta maneira, e se deixa entregar por algum tempo à excitação,
perceberá que esta de alguma forma chega ao seu âmago. Um poder que pode
abalar tanto tem de ser um poder fenomenal. Qual? Quem se entrega às suas
fantasias mais excitantes ou “sujas”, sem mentir para si mesmo, percebe o tipo
de corrente de força que nelas flui. Que força? São sinais de uma ânsia infinita,
de uma vida não vivida e de um grande prazer secreto, que aqui se injetam em
nossa vida cotidiana.

Quem diante de seu anseio não cai mais uma vez nos velhos subterfúgios e
hipocrisias morais, quem não se deixa mais enrolar por meio de explicações
psicológicas ou terapêuticas, quem não se deixa mais acalmar pela cadência
da massa, mas está decidido a acompanhar este tema, sabe alguma coisa
sobre o significado da sexualidade.

No fundo qualquer um sabe. Mas nós convivemos com nossos semelhantes


em uma cumplicidade secreta da dissimulação. Nós com certeza
ameaçaríamos imediatamente nossa existência social – casamento, reputação,
profissão e posição social -, se disséssemos a verdade a respeito de assuntos
sexuais. Imagine, um professor chega pela manhã à sala dos professores e
relata aos seus colegas, que fantasias ele usara naquela noite para se

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masturbar. Ou a Câmara dos Deputados se reúne para discutir o aborto, e um
deputado revela suas fantasias sexuais, para trazer o tema para uma base
verdadeira e humana. Imagine, que em algum lugar sobre o palco social e
político deste mundo alguém começasse, neste sentido a falar como pessoa e
não como alguém que oculta sua verdadeira aparência atrás de uma máscara!
Os contemporâneos ficariam pasmos. A sinceridade sexual está até agora em
irreconciliável oposição ao modo de vida público, à moral, à ciência, à religião
etc. A franqueza sexual nos colocaria de imediato diante de um fato muito
chocante, ou seja, o de que toda esta vida adaptada tem diante de nossos
desejos e anseios reais alguma coisa de ridícula e de profundamente falsa.

Faz parte das perversões do espirito humano e também da história de sua


cultura, que um fenômeno como a sexualidade, algo que atravessa com suas
forças físicas e psicológicas toda a sociedade como um sistema nervoso
central, tenha sido banida para a simples esfera íntima e particular. Se
quisermos evitar que um número ainda maior de pessoas se afunde na não
superação de sua vida privada, este erro precisa ser corrigido o quanto antes.

A sexualidade é aquilo, que movimenta tudo. Por este motivo ela é um tema
público de importância primária e tem de ser vista e tratada assim em qualquer
cultura mais ou menos inteligente. É muito importante para a saúde interior de
uma sociedade se o seu sistema nervoso sexual ainda continua na escuridão,
dentro e fora da consciência pública, ou se está integrado consciente e
publicamente na vida social. Enquanto as forças sexuais permanecerem
reprimidas na esfera da fantasia individual existirá o perigo de uma ruptura da
represa, porque a força natural da sexualidade não se deixa reprimir. Em algum
momento se forma no âmago de qualquer sociedade reprimida sexualmente
uma mistura explosiva de sexualidade e violência, que então não conhece mais
nenhum limite em sua descarga apavorante. Cruzadas, Inquisição, guerra e
campo de concentração também são sempre as consequências psicológicas
de uma sociedade programada de forma errada na área sexual. Até agora, a
história do ser humano é marcada por uma violência, que nós não podemos
mais ignorar. Isto continuará assim, se nós não construirmos estruturas básicas
para uma sexualidade sem mentira e repressão e para uma transformação das
energias sexuais da violência para o amor sensual.

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Existem atualmente muitos círculos políticos e espirituais, onde a sexualidade é
tão reprimida, que a luta interior, que aqui ainda continua a acontecer em nome
da repressão, quase não pode ser ignorada. Existem outros círculos onde as
questões sexuais são discutidas o tempo todo. Eu não sei a quem uma ou
outra modalidade ainda pode ser útil. A discussão sobre questões sexuais terá
primeiramente um sentido, quando existirem ou forem possíveis novas
experiências. E então as discussões não serão mais necessárias. Todo homem
e toda mulher gosta de sexo, se pode desfrutá-lo sem medo e humilhação.
Sobre isto a gente não precisa discutir. As discussões acontecem sobre a base
do principio da velha repressão e da antiga dogmatização. Uns constroem seu
dogma sobre a base do casamento e da monogamia, os outros sobre a base
do amor livre, os terceiros sobre a base da ascese, os quartos sobre a do
orgasmo mental da yoga tântrica etc.. Todas estas ideologias e todos estes
dogmas sejam de caráter chauvinista, feminista ou religioso são uma batalha
sem sentido contra a verdade. Enquanto se discutir sobre se o amor
monogâmico ou o amor livre seria “o certo”, eu me decidiria pela abstinência.
Na realidade não existe absolutamente nenhuma diferença entre o amor
monogâmico e o amor livre. Um se desenvolve a partir do outro. A questão é
apenas até que ponto chegam nossa coragem e nosso desejo, para entender
verdadeiramente as experiências. Aqui se encontra de fato uma escolha, que
cada um tem de fazer individualmente. É bom, quando ele tem bons amigos
para isto. (Quando eu digo “ele” eu penso nos dois gêneros; senão seria
linguisticamente muito complicado.)

O sexo é o tema número um. Hoje, depois da fracassada revolução sexual,


talvez até mais do que nunca. Porém cada época tem o seu jeito de se
defender contra o tema. Nem bem soaram as notas iniciais de uma libertação
sexual, nem bem este amanhecer ultrapassou o movimento estudantil, já se
postulava em todas as mídias, que a revolução sexual seria “out”. Mas por
detrás dos modismos e das máscaras muitas vezes se esconde a infelicidade
ululante. A crise sexual se expande mais do que nunca. Neste aspecto
nenhuma revolução e muito menos uma sexual teve êxito, o que se conseguiu
foi apenas uma nova forma de adaptação. A libertação sexual do ser humano
não é um questionamento que surgiu há poucos anos, mas sim um

23
questionamento histórico. Aquilo que começou tão confuso na revolução
estudantil foi um primeiro lampejo, mas ainda não era o próprio processo. O
processo em si, a iniciante libertação sexual e transformação do ser humano,
está fora de toda tendência de moda e das vaidades culturais. A libertação
sexual não tem nada a ver com um espírito do tempo “progressista”, porque ela
está como todo passo de desenvolvimento interior do ser humano, fora deste
tipo de futilidade.

O tema sexual não é “in” nem “out”, ele é. É o tema central mais íntimo de
nossa época, em todo caso daquelas culturas e sociedades, que não sejam
diretamente atingidas pela miséria material ou pela guerra. As tentativas de
libertação sexual desde Emma Goldmann (no início do século passado) são o
começo de um movimento histórico, depois do qual não existe mais nenhum
retrocesso.

24
Eros e apocalipse

A palavra “apocalipse” significa catástrofe mundial e revelação mental, os dois


ao mesmo tempo. Nós vivemos em uma real situação pré-apocalíptica. A
humanidade, por meio de seus atos violentos, da destruição ecológica da Terra
e por meio de seu potencial militar destruidor está à beira de uma catástrofe
global.

A segunda Guerra do Golfo envolveu o Oriente Médio por algum tempo em


uma nuvem de fumaça negra de óleo queimado. Suponhamos que uma
associação global de poluição atmosférica, gases tóxicos, mudanças climáticas
etc. tivesse conduzido a uma total perturbação dos processos respiratórios
humanos. Ninguém negará que um cenário deste tipo com os métodos
ecológicos e militares atuais não seja realista. Qual seria a nossa alternativa a
não ser usar todos os recursos para providenciar a recuperação de uma
respiração livre e saudável? Se um processo básico do organismo humano é
ameaçado, e isto não apenas no que diz respeito a um indivíduo, mas a todos,
então a perturbação deste processo fundamental é evidentemente o tema
número um.

A sexualidade é um destes processos básicos. Ela é tão elementar como a


respiração e está tão perturbada como o processo respiratório no exemplo
acima. Nós não precisamos discutir absolutamente, se a sexualidade “em si”
está ou não no centro do mundo. Sob as atuais condições de vida do ser
humano, ela está sim. A sexualidade continuará no centro pelo menos até ser
descoberta, aceita e realizada.

A Guerra do Golfo deu – entre outros através do cenário computadorizado


sobre suas possíveis consequências – uma impressão daquilo que ainda pode
acontecer e que possivelmente também acontecerá, se nós na escolha entre o
declínio e a revelação não nos decidirmos pela revelação. Por qual revelação?
Não pela revelação de João no último livro do Novo Testamento. Nós não
precisamos mais de intepretações misteriosas, para isto é suficiente nossa
própria compreensão, nossa retrospectiva de 3000 anos de história e nossa

25
percepção das correlações intimas.

Trata-se da correlação central entre a catástrofe exterior e a interior, entre a


destruição ecológica fora e a destruição psicológica dentro, entre a guerra
exterior e a guerra interior, entre os processos psicossomáticos de
decomposição do gênero humano e os processos de decomposição global da
biosfera. Basta olhar nas metrópoles de raça branca os corpos e os rostos,
compará-los, por exemplo, em Nova Iorque, com os corpos e os rostos dos
negros, para reconhecer de imediato, o que se quer dizer com processos de
decomposição psicossomáticos. Esta espécie, que pratica corrida pelas ruas
nas manhãs de domingo, não fará isto por muito mais tempo. Os homens
construíram imensas indústrias e sistemas de alta tecnologia espantosos, eles
enviaram foguetes Saturno ao espaço e construíram para si mesmos armas de
energia dirigida, mas não encontraram aparentemente nenhum método, de
preservar a si mesmos e a sua raça da degradação interior.

Há pouco tempo eu vi um caminhão de transporte de gado, no qual os animais


estavam amarrados uns aos outros tão cruelmente, que as cordas lhes
rasgavam o couro a cada solavanco nos buracos da rua. O ser humano
continuará a massacrar seu meio-ambiente, a dizimar as criaturas com as
quais convive, a torturar animais, espancar crianças, queimar crentes de outras
religiões e descarregar seu ódio na natureza, enquanto não encontrar paz em
seu interior. E ele não encontrará paz enquanto violentar o amor. Ele o violenta
através de sua falsa moral escandalizante, por meio de suas constantes
mentiras, através da cumplicidade geral da dissimulação, através da divisão de
Eros em casamento e bordel, através de uma imagem antiquada do amor, por
meio de um conceito muito estreito de fidelidade, e ele o violenta através de
toda a sua organização social, que não é orientada para o amor, mas sim para
o poder e o lucro. Ele o violenta então totalmente ao se negar constantemente,
a ver e a reconhecer a verdade destas coisas.

Neste total processo mundial de destruição e autodestruição está contido um


componente estranho, que eu nunca entendi realmente, mas com o qual
sempre me deparei: o indivíduo não quer sair absolutamente deste sistema que
o arruína. Apesar de noções ocasionais sobre a grande loucura, da qual ele

26
participa, ele se mantém imperturbavelmente preso a sua direção. Há muito
que eu me surpreendo com estes seres, eu os chamo de “inabaláveis”. Estes
inabaláveis formam – simplesmente através de sua quantidade – o destaque
na luta mundial contra o amor. E as vítimas desta luta são sempre as crianças.

Ao lado do apocalipse total, no qual um mundo se despedaça, também existe o


apocalipse em menor escala, no qual o mundo da criança se despedaça. A
criança se coloca diante dos pais muitas vezes totalmente confusa. Ela sente
pela primeira vez a ameaça de ser abandonada. Seus desejos íntimos não são
mais percebidos pelos pais sobrecarregados. É coberta de presentes e ao
mesmo tempo deixada de lado. Ela sente que os pais não dizem a verdade. Ela
se defende e grita e quer forçar a atenção dos pais, mas eles já não têm mais o
coração livre. Por fim ela reconhece que está sozinha. Esta é a mais silenciosa
e a mais transtornante de todas as dores. A dor pode ser tão grande, que já
não existem mais lágrimas. O mundo se constrói sobre milhares e milhões de
destinos como este. Nós todos fomos crianças, que vivenciaram isto ou aquilo.
Para todos nós em algum momento nosso mundo caiu, seja na infância ou
mais tarde na puberdade ou mesmo depois. Este desmoronamento sempre
teve alguma coisa com amor decepcionado, com mentira e com abandono.
Quando os pais não vivem um com o outro em amor sensual, porque eles
próprios vêm de estruturas inimigas do amor, eles transmitem seu sofrimento e
seu dilema aos filhos. Assim as mesmas estruturas de desolação interior se
repetem geração por geração. Eu não exagero. As legiões de crianças
maltratadas e abandonadas não são exagero e sim realidade.

A história intelectual do ser humano se compara até hoje a um esforço


gigantesco, em ignorar, depreciar, minimizar ou repudiar o tema Eros – e
apesar disto poder viver. Em nenhuma outra coisa o ser humano investiu mais
ousadia e refinamento, mais esperteza e malícia, mais falsa moral e mentira do
que na repressão de Eros. Para nenhuma outra coisa ele construiu catedrais
mais bonitas, desenvolveu filosofias mais profundas e decretou leis mais
cruéis. Nenhum dos pecados foi mais brutalmente, sadicamente, lasciva e
detalhadamente punido do que os “pecados” da carne. Por meio desta milenar
marca de punição e violência o ser humano se tornou mais amedrontado na
área sexual. Ele não se atreve mais, a mostrar seu desejo e associar

27
abertamente sua vida aos desejos sexuais. Ele se rendeu, mesmo que ele se
comporte como livre e soberano. Através de todos os esforços de libertação
com os quais o ser humano histórico quis se libertar do autoconstruído vale de
lamentações, através de todos os seus sistemas filosóficos ou religiosos ou
políticos, este estigma de sua capitulação diante de Eros se arrasta como uma
particularidade do homo sapiens.

Observemos os programas e conceitos de vida, que são oferecidos atualmente


por grupos espirituais, ecológicos ou terapêuticos, e assim esta impressão se
confirma de uma nova maneira. Estes programas não se prestam à solução
das questões da sexualidade e do amor, eles não tocam o cerne da questão,
pelo contrário, eles fazem com cuidado uma curva macrobiótica em torno dele.
Também aqui a pergunta não é: Como superaremos a crise no amor, como
terminaremos com o estado geral de calamidade sexual? Mas sim: Como
fazermos nossa vida suportável apesar da guerra no amor e apesar do estado
geral de calamidade sexual? Entretanto, a resignação em relação ao amor e à
sexualidade é tão profunda, que já nem é mais sentida como tal. As pessoas
ficam chocadas, quando se fala disso abertamente. E de certa forma com
razão, enquanto não virem nenhuma outra possibilidade. Quanto mais
impossível for a realização sexual na vida de um ser humano, quanto mais ele
tem de renunciar aos seus sonhos verdadeiros de amor, mais ele se agarrará
naturalmente aos bens materiais da vida, que lhe são alcançáveis, ou seja ao
dinheiro e à carreira ou ao esporte e à aventura ou aos bens intelectuais como
a arte, a filosofia e a religião. Eu com certeza não falo como um homem
antirreligioso, eu não desprezo nem o esporte nem os bens intelectuais, mas
enquanto eles não estiverem associados a uma solução positiva da questão
sexual, eu também vejo a relativa falta de sentido destas coisas em relação aos
nossos temas reais – e em relação ao destino da terra, que há algum tempo já
saiu preocupantemente da linha.

Existe uma relação profunda entre o significado interior de Eros e o significado


interior do apocalipse, ou com outras palavras: entre a quantidade de felicidade
e realização, que está associada ao Eros, e a quantidade comum de desespero
e destruição que está associada ao Eros aprisionado.

28
No jornal havia a seguinte história: Um homem encontra uma mulher em
Düsseldorf. Eles se apaixonam. Mas o homem é casado. Eles foram para o sul
da França. Lá eles subiram em um rochedo amarraram-se aos pulsos e
pularam. – Foi uma viagem de casamento à morte intencional. Eles queriam
estar juntos para sempre. Mas as relações sociais não lhes deixou nenhuma
outra escolha. Eles com certeza não eram loucos, mas foram apanhados pela
impotência do amor sexual.

A procura mútua de um gênero pelo outro é até hoje o pano de fundo da


história humana, a verdadeira história da paixão do ser humano. O amor esteve
sempre ligado à morte, porque na vida ainda não existiu nenhuma possibilidade
de realiza-lo permanentemente. Mas o que é realmente isto, que tanto
pressiona por realização e mesmo assim tem de permanecer não vivido? Que
imagem interior do amor e da felicidade induz duas pessoas, a ir para a morte,
para não fracassar na vida? E que ruptura aconteceu em nosso mundo que
colocou aqui o amor e lá a vida, que faz com que os dois não se encontrem?
Por que este belo dom de nossas vidas se tornou uma fonte de infelicidade
eterna e não uma fonte da felicidade eterna?

A experiência do amor sensual é uma experiência despertadora crucial para os


dois gêneros. O corpo e a mente acordam de repente, como se antes
estivessem em uma espécie de sono leve. A gente se sente “como recém-
nascido”. Esta energia incrível, saudável e feliz atua no centro de nossas
células e órgãos. Sexo, amor sensual, desejo, luxúria é um processo orgânico
abrangente, que vai muito além do conceito de uma satisfação de impulsos
psicológica. A gente trepou maravilhosamente, e resplandece como uma
peônia, porque a gente acabou de ter um mundo nos braços e esteve na fonte.
De forma semelhante, a experiência religiosa não é um simples processo
espiritual, mas sim também orgânico. O verdadeiro processo de cura do ser
humano é constituído por estas duas experiências fundamentais, a erótica e a
religiosa. Para os dois processos “o princípio da felicidade” é igualmente
importante: a gente foi aceita, a gente chegou! É como uma experiência de
advento real. É assim que o sonho de infância se parece, quanto se torna

29
verdade. Aqui existe apenas felicidade insuperável e gratidão.

O amor sexual dos gêneros é uma experiência ancestral de felicidade. Ele


pertence às imagens mais profundas de nosso anseio. Ele já atuava
inconscientemente e ainda de forma onírica nas histórias da infância. Ele atua
depois exaltado e repleto de inspiração na felicidade do primeiro amor. É do
sonho e do pressentimento desta felicidade última que se origina a poesia, o
mito do tesouro oculto, a flor azul do romantismo e a canção de anseio da
ópera Mignon, composta por Ambroise Thomas, em 1866: “Você conhece o
pais, onde os limoeiros florescem?” Nada, no coração das pessoas as deixa
sair deste caminho e deste objeto, enquanto parecer de alguma forma
alcançável. As pessoas estão preparadas a jogar todos os escrúpulos e limites
para o alto, quando veem diante de si esta felicidade ao alcance.

Aqui a gente entende uma correlação interior de Eros e apocalipse. Quanto


mais profunda é a felicidade da realização, da mesma forma a dor, se a
realização não existir. O anseio na canção de Mignon é tão profundo quando o
desespero, a fúria, a ira destruidora de um coração traído. O apocalipse já se
encontra há muito tempo em preparação, porque ele começou, quando este
desespero e esta ira destruidora se tornaram um pedaço da estrutura humana
geral.

O amor é o que existe de mais profundo e belo neste mundo, quando


pode fluir livremente. Ele também é o que há de mais profundo e pior,
quando é bloqueado ou traído. O destino do amor está no centro de cada
vida individual, e também se encontra no centro de toda a humanidade. O
drama do amor, que vivenciamos em nosso próprio corpo, tanto no bem
quanto no mal, se transporta em muitos milhões de multiplicações ao
drama de toda a humanidade. Se nós quisermos chegar a um futuro
melhor, então precisamos de um novo conceito para o amor. Eu espero
que as ideias deste livro possam contribuir para que este conceito seja
encontrado.

Eu gostaria neste ponto de dizer ainda algo fundamental, que talvez contribua
para evitar mal entendidos: Quando neste livro se fala de um novo conceito de
amor, então o que se pensa é muito mais do que sexualidade. A revolução

30
sexual, que é indispensável para a construção de um mundo humano, só
poderá então acontecer no sentido pensado do amor, quando estiver associada
a uma também indispensável revolução psíquica. Um novo conceito de amor
inclui também um novo conceito no convívio com a natureza e com todos os
seus seres. Faz parte da verdadeira liberação da sexualidade uma mudança
psíquica, na qual o principio da não violência seja entendido e vivenciado por
de todos os seres viventes. A total igualdade dos sexos, a sanidade da vida e o
cuidado de todas as criaturas pertencem a este contexto de existência. A
libertação de Eros acontecerá na medida em que estivermos dispostos e em
situação, de ver e de realizar estes fundamentos psíquicos em uma cultura
geral livre da violência. Existem exemplos culturais que podem mostrar alguma
coisa a todos nós, mesmo que se originem em tempos remotos e não possam
ser simplesmente aceitos por nós. Eu penso, por exemplo, na cultura dos
índios Hopi ou ainda mais claramente no povo Bishnoi, na Índia. Aqui foram
desenvolvidas regras básicas da vida, que continuam a existir, quando se trata
da questão da cura humana interior, porque esta cura também continua em
associação com uma integração do ser humano na criação livre da violência e
por isto livre do medo. A esta integração também pertence a total libertação da
sexualidade. Enquanto aqui houver repressão e mentira, também haverá
guerra no amor, e enquanto houver guerra no amor, não pode haver paz sobre
a terra.

31
Não pode existir paz no mundo, enquanto houver guerra no
amor

Foi muito bom, que durante a Guerra do Golfo milhares de pessoas tenham ido
às ruas, para protestar fundamentalmente contra a guerra. Mas eu temo que
demonstrações deste tipo permaneçam impotentes enquanto nós não tivermos
nenhuma visão concreta e nenhuma certeza da paz. E nós continuaremos a
não ter nenhuma esperança de paz enquanto não tivermos encontrado a paz
que nos falta em nós e entre nós mesmos.

As famosas tragédias da Grécia antiga já viviam da luta entre os sexos. Liz


Taylor e Richard Burton representaram incansavelmente este mundo caótico
das tragédias antigas como todos os casais apaixonados. Quando depois o
fogo da paixão se extingue, a gente também não quebra mais a cabeça por
causa dele. Então a gente faz uma viagem de férias a Rhodos e discute por
causa da variedade dos motivos fotográficos. De uma maneira ou de outra, a
guerra dos sexos se enraíza – exterior ou interiormente – na sexualidade não
compreendida, não realizada, ou, por exemplo, em sua não existência. O
problema percorre transversalmente todas as camadas da população, todas as
crenças religiosas ou outras confissões. A estrutura dos relacionamentos
sexuais, nos quais vive a maioria dos homens modernos em quase todo lugar,
sempre contém em si mesma um fundamento de decepção e amargura, de
amor magoado e vingança latente. Enquanto esta estrutura existir, não poderá
haver paz entre os homens, no máximo poderão existir acordos gentis e
compromissos instáveis. Aqueles que lutam pela paz não poderão acreditar
totalmente em si mesmos, enquanto a pequena guerra cotidiana continuar em
casa.

Eu não gostaria de ofender ninguém, mas quase todo casamento e quase todo
relacionamento a dois, não é um compromisso instável, quando a primeira
euforia de viver juntos passa? A estatística dos divórcios já não diz o bastante

32
sobre a necessidade de uma correção de base? Será preciso realmente que
uma grande quantidade de crianças ainda se torne psicologicamente
deformada, criminosa ou alcoólatra, até que isto seja mudado? As crianças
ainda poderão algum dia desenvolver um sentido positivo para a palavra paz,
se em seus primeiros anos de vida já foram magoadas em sua confiança
básica?

Ainda não existe certamente nenhum conceito de paz para esta terra
sangrenta, e também não existe com certeza nenhum conceito pronto para o
amor. No entanto, existem alguns pontos na relação dos sexos, nos quais com
segurança também será decidido, se haverá guerra ou paz na terra. Dois
destes pontos são mencionados rapidamente aqui.

Primeiro: Será possível, construir uma vida em conjunto, na qual a afeição


sexual de uma pessoa por outra não provoque mais medo, ciúme e ódio em
uma terceira pessoa?

Segundo: Será possível, construir um relacionamento sexual entre os sexos, no


qual a mulher possa seguir totalmente seu desejo de se entregar sexualmente
– sem medo do desprezo e da humilhação por parte do homem?

Quando falamos hoje sobre políticas de paz e sobre uma terra livre da
violência, não podemos mais excluir estes dois pontos porque eles são parte
importante da essência de um mundo humano. Se eles tivessem se realizado
em sua totalidade, a guerra dos sexos teria acabado. E então no sentido de
uma visão realista nós poderíamos começar com o trabalho concreto para a
terra. Para isto é necessário que a humanidade faça uma nova escolha, que
talvez seja a mais profunda, desde que descemos das árvores: Nossa
inteligência deveria estar de uma vez por todas não mais a serviço da guerra,
mas sim a serviço do amor.

33
Alta tecnologia na guerra, Neandertal no amor

O Homo sapiens até agora investiu sua inteligência na guerra, não no amor.
Pesquisadores da evolução e neurofisiologistas se preocuparam seriamente,
sobre se aqui poderia haver uma má formação cerebral. A espécie humana,
principalmente a masculina colocou demais sua libido em armas, tanques,
navios de guerra e mísseis, que ela enfim acha a guerra mais excitante do que
a paz. A guerra é sexy. Todas as negociações de desarmamento fracassaram
até hoje neste fato intocável da psique masculina. O fervor com o qual os
homens condecorados com medalhas conduzem seus jogos militares
estratégicos supera enormemente o ardor com o qual eles copulam com suas
mulheres. O homem, a criança que não cresceu, encontra aqui sua missão,
seu significado e sua importância sagrada. Ele, que ainda não conhece a
mulher, porque como mãe ela já o abandonara, sabe mais do sacramento da
guerra.

O jogo da guerra é talvez tão antigo quanto o homem. Ele vem de um impulso
arcaico da Era Paleolítica. Quando o homem Cro-Magnon atacou e dizimou os
Neandertais ele provavelmente sentiu algo semelhante ao que sentiram os
soldados de Alexandre em Tiro ou aos soldados americanos em My Lai
(Vietnã). O ser humano é movido por um desejo de destruição, que de vez em
quando supera todos os outros desejos. E quando os comunistas quiseram
conduzir seus irmãos para o sol e a liberdade, sua canção de luta terminava
também para eles, que de costume pouco acreditavam no sagrado, com o
brado: “Sagrada a última de todas as batalhas!” O amor era inalcançável para o
homem como uma poesia distante, mas a guerra era seu juramento e sua
prece. O sexo era uma necessidade, os canhões um sacramento. Se o homem
em sua história tivesse cuidado de suas mulheres e crianças como cuidou de
sua espada e de seus canhões, então teríamos há muito tempo o Jardim do
Éden sobre a terra.

O ser humano desenvolveu para si mesmo, projéteis guiados por controle


remoto, foguetes de defesa eletrônicos e torpedos aéreos teleguiados nada lhe
pareceu aqui impossível. O mesmo homem bufa de ciúmes, fica vermelho

34
como um pavão ou branco como um queijo de cabra, quando se trata de amor.
Eles planejam em conjunto a guerra intraestelar, mas pegam no machado de
pedra, quando se trata de mulheres. Enquanto na tecnologia da guerra o lóbulo
frontal é utilizado, em termos de amor o ser humano vive e pensa a partir da
medula espinhal. Enquanto a disciplina e a visão ampla determinam o jogo da
guerra, no amor qualquer emoção ainda é permitida. Nós medimos aqui, sem
refletir muito a este respeito e com enorme naturalidade, com duas medidas,
uma muito alta para a guerra e uma muito pequena para o amor. No que se
refere ao armamento, a barra já se encontra a 2,50 m; no amor a maioria ainda
fracassa na tentativa de pular acima de 50 cm. Eles não querem realmente
pular, porque já aprenderam que o amor seria alguma coisa para o coração e
não objeto de um esforço mental. Que a técnica de armamentos e o sucesso
na guerra estão relacionados à pesquisa, todo mundo sabe. Que o amor da
mesma forma também poderia ter a ver com a pesquisa e o conhecimento está
além da consciência da idade da pedra. Enquanto os homens na guerra estão
preparados para as mais duras provas de resistência, eles procuram no amor a
feliz pastagem verde das vacas, e enquanto nos laboratórios de guerra são
estudadas associações de sistemas e fatos, em termos de amor a gente ainda
se apega aos velhos livros de contos. A gente aqui não deve simplesmente se
enganar. A dinâmica e progressiva geração do tênis esportivo de nosso tempo
se enfeita com cortes de cabelo super eletrônicos e galácticos, mas no fundo
têm os mesmos sonhos de contos de fada de nossas avós. Os automóveis se
tornaram muito mais rápidos e também as mudanças da moda, mas o mesmo
não aconteceu com a reflexão verdadeira sobre as questões do amor.

Se hoje houver uma transição do antigo tempo de violência para uma nova era
sem violência estrutural então esta transição se encontra em uma mudança
fundamental de nossas prioridades. O mesmo amor e a mesma atenção, a
mesma conscienciosidade e confiança, a mesma força de coração e
inteligência, que o ser humano desenvolveu até agora, para se destruir
mutuamente, ele tem agora de desenvolver para as questões do amor sexual.
Nós não podemos mais agir hoje contra a onipotência da guerra com pombas
da paz e canções devotas; a fascinação latente pela guerra e pela destruição é
hoje muito grande, muito sincera e muito profunda, e muito fracas, pouco

35
desenvolvidas e muito vacilantes são as ideias desenvolvidas para a paz até
agora. Então nós somente poderemos acreditar em uma superação global da
guerra, quando encontrarmos algo, que ainda seja maior e mais fascinante do
que a guerra e a medição de forças – e isto pode de fato ser o amor sensual no
sentido de um entendimento entre os sexos verdadeiro, amigável, poderoso,
excitante e solidário, a verdadeira reunificação do homem e da mulher. Apenas
uma vontade e uma inteligência, que estejam em condições de criar estruturas
elementares para uma vida amorosa sem medo e sem violência, também
estarão em condições de esvaziar totalmente e para sempre os velhos ninhos
bélicos de almas. O ser humano, que enviou naves espaciais ao Cosmos,
estará também em condições de solucionar a questão do Eros cativo, quando
dirigir a força total de sua vontade a esta tarefa. Ele tem de saber, que as
fontes, as energias e os processos de crescimento da criação estão
direcionados a uma possibilidade real de amor, que nós realmente podemos
torna-las reais, quando as percebemos. Os processos de germinação nas
plantas, os processos de correnteza na água e os processos de aprendizado
nas crianças nos mostram alguma coisa do ser da vida e do amor que nós não
podemos mais ignorar. A vida é leve e grande e não linear, ela não se deixa
comprimir em nenhum programa.

36
Nós fizemos ao Eros o mesmo que fizemos aos rios

O que nós fizemos aos rios? Nós lhes fizemos dois tipos de coisas:
Despejamos neles nossos esgotos, e alinhamos seus cursos. Nós também
fizemos as duas coisas a Eros, e nos dois casos alcançamos o mesmo
resultado: Nós tomamos de ambos sua beleza natural e sua força curadora.

Nós conduzimos nosso esgoto para os rios, e nós conduzimos nossos


pensamentos ruins para o amor sensual. Nossos pais se indignavam sobre
assuntos sexuais, até que eu descobri o motivo: Eles mesmos haviam pensado
mal sobre o sexo, eles próprios o haviam sujado e degradado com seus
pensamentos errados, e então eles disseram, que o sexo é que seria sujo, não
seus pensamentos. Eles simplesmente confundiram seu próprio esgoto, que
eles em forma de pensamentos ruins conduziram para a sexualidade, com a
própria sexualidade. Eles – para permanecer na analogia – disseram: O rio é
sujo, e se indignaram sobre o rio, em vez de ver, que eles próprios haviam
sujado o rio. A moral sexual dos “decentes” atua sobre este princípio em todas
as épocas, e como estes milhões de pais, padres, professores etc. não
estavam em condições de se autorevelar, este fingimento intelectual continua
até hoje. A gente diz: “Isto é uma safadeza”, e não percebe que a safadeza se
encontra no próprio pensamento. É como se a gente tivesse posto sulfeto de
hidrogênio no café e depois disso se revoltasse contra o café em geral, porque
ele tem cheiro de peido. É claro, que com uma distorção tão continuada dos
fatos afinal se chegasse ao fenômeno, que a gente chama de “profecia
autoexecutada”: Porque a gente afirma que o sexo, por exemplo, sexo sem
alma, sexo sem amor, sexo motivado apenas pelo desejo, sexo como simples
ação do instinto etc., seria ordinário e ignóbil, a gente acaba conseguindo que
ele também se torne isto. Porque nenhum ser humano e nenhuma emoção da
vida por mais que seja bela, nenhum amor e nenhum desejo natural podem
manter sua beleza natural, se tiverem sempre de se esconder dos outros.

Toda energia tem a sua corrente própria, sua própria direção e seu próprio
ritmo. Isto se aplica também à energia das águas e à energia do amor sexual.
Quando a gente transtorna o modo natural da corrente, ocorrem transtornos na

37
totalidade do organismo atingido. Quando a gente desvia a correnteza de um
rio, acontecem transtornos em seu biótopo. Os rios seguem a energia da água
através dos movimentos naturais e oscilantes, com os quais eles se movem
pela região. Esta natureza oscilante e sinuosa da água pertence à própria
dinâmica do rio. Ela lhe concede seu poder de autolimpeza e à sua água a
força que cura.

A humanidade, principalmente a humanidade masculina, que se orienta


corajosa e verticalmente nas coisas lineares da vida e sente como transtorno e
resistência tudo que é tortuoso, alinhou os rios e os colocou em belas bacias
de concreto. Com este presente a humanidade os destruiu, sujou e eliminou
sua força de autolimpeza, exterminou seu biótopo e envenenou o sistema
venoso da terra.

A cama de concreto é para o rio, aquilo que para Eros é o casamento. Também
aqui o ser humano interferiu exatamente da mesma forma e “nivelou” a coisa,
ou seja, libertou-a de toda oscilação, de toda dança e de toda liberdade. Eros é
tortuoso e dançante como a água no rio; ele flui para a direita e flui para a
esquerda, e ele flui até mesmo para trás, então gira em torno de si mesmo e
começa com uma nova direção, mas é sempre a água do mesmo rio. A gente
pode confiar totalmente nesta água, em seu poder curador, em sua
potabilidade, em sua transparência, se a gente não a transtorna. A gente
também pode confiar totalmente na efetividade do amor, em seu calor, seu
charme, sua beleza e sua força benéfica, se a gente também não o transtornar.
No entanto a gente não pode querer amarrá-lo a uma única pessoa. A gente
não deve lhe impor aquilo que pode e que não pode fazer, nós não podemos
querer obrigá-lo a andar nos trilhos dos desejos egoístas individuais, e a gente
não deve principalmente querer diminui-lo tanto, para que caiba em nosso
pequeno conceito individual. Quando a gente lhe faz uma cama tão apertada
como para o rio, então em algum momento ele romperá violentamente a
represa. É então que a gente lê no jornal como de costume a respeito de
“inexplicáveis” transbordamentos, irrupções de ódio, surtos e atos violentos
cometidos por “pais de família antiquados e colegas ilustres”.

O que é mais violento: a corrente que rompe a represa, ou a represa que a

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limita? Perguntou Bert Brecht. O que é mais cruel: Os atos violentos de um
surtado ou o preceito moral, que o levou a isto?

Uma cultura ecológica livre de violência devolverá à natureza suas formas


individuais de movimento, ao rio a sinuosidade, aos seres a ondulação e ao
amor sua dança. Será uma grande viagem de descobrimento, pois tudo,
mesmo a chamada matéria inerte está cheia de pressão por movimento.
Tomemos apenas um pequeno e fino pedaço de chapa de metal e a cortemos,
imediatamente ela fará um movimento de se enrolar em si mesma. O mundo
está cheio de movimento. Theodor Schwenk escreveu um livro a este respeito
ilustrado com fotos muito boas e intitulado “Das sensible Chaos”. Nós
queremos continuar a ignorar a energia do amor sensual como se ela não
fizesse parte da dança universal das energias? Nós queremos continuar a
enclausurá-la nas estreitas jaulas de concreto do casamento e fingir de morto
no leito de seu rio?

39
Eros e religião – a cura das origens

Eu não quero me prender a nenhuma diferenciação detalhada de conceitos.


Mas talvez seja bom, deixar de fora o conceito estreito de sexualidade, para ver
o tema geral do ser humano de nosso tempo e não termos de nos reduzir às
constantes questões de relacionamento e aos estados de carência sexual. O
que quer que nos mova e atinja intimamente na área do amor, tem a ver com
toda a nossa existência. Este espaço total de nossa vida eu procuro delinear
com o par de conceitos de Eros e de religião, pois é aqui que estão as fontes
de nossa existência.

Eros é o sexo coberto e despido. A natureza de Eros é encobrir e descobrir.


Encobrir e descobrir são a sua essência após processos fundamentais, que ao
mesmo tempo escondem e revelam um segredo. O encobrir-se de Eros não é
originalmente uma repressão ou ocultação, mas sim aplicado ao
desnudamento e à revelação. A mulher que se cobre “espera” pelo momento
de sua revelação. Ela só despe suas vestes, quando tiver chegado o momento
para isto. O véu das mulheres orientais originalmente também servia à
proteção de um conhecimento erótico, que só deve se mostrar no instante do
desnudamento. A mulher se “preserva” para o encontro com o homem. Aqui
não se trata apenas de uma moda inimiga da mulher, mas também de uma
profunda avaliação do Eros e uma noção real de seu significado verdadeiro. É
como, se a gente tivesse sonhado há muito tempo alguma coisa muito
importante, que não pode simplesmente revelar. A castidade, que se expressa
no encobrimento não é então inicialmente um sinal de falsa moral ou de
paralisação, mas antes uma expressão psíquica direta de um processo erótico
que se encontra no vir a ser. É como uma recordação inconsciente de um
paraíso, ao qual a gente vai de encontro encoberto, até encontra-lo outra vez.
Estes são os fundamentos mais profundos de uma moral sexual nascente, que
então perde seu pano de fundo e se coloca contra a realização que ela na
realidade deveria preparar e proteger. O encobrir consciente transforma-se no
“não” moral, a realização ansiada transforma-se em “pecado”. Assim o

40
processo perde sua ligação com a base erótica. Surge sexualidade sem Eros,
desnudamento sem encobrimento, revelação sem paraíso reencontrado. O
sexo, que teve sua origem remota no desnudamento e na revelação, é
reduzido a uma satisfação física do instinto. O ser humano se envergonha dele,
mesmo quando ele não percebe rotineiramente mais isto, porque ele sente
instintivamente, que ele aqui faz alguma coisa, que não corresponde de fato ao
ser erótico e psíquico do sexo. A sexualidade não é tão natural e rotineira como
escovar os dentes. Reencontrar este conhecimento em toda sua profundidade,
sem falsas mistificações é a exigência imposta hoje pela vida e pelo amor
sensual.

Existe aqui uma confusão babilônica de linguagem e de ideias, que em termos


da chamada libertação sexual não foi em um primeiro momento diminuída, mas
antes significativamente aumentada. A sexualidade livre, como é incentivada
neste livro, não tem nada a ver com desnudamento mecânico, com o desprezo
violento da vergonha e com um veto à castidade autêntica. Existem razões
fortes, autênticas e quase essenciais para timidez e castidade ocasionais. A
sexualidade livre é o reencontro do sexo com Eros em um nível novo que de
fato nos liberta do desterro sensual. É na confluência do sexo com Eros por
meio de uma prática consciente de vida que se encontra a viagem ao nosso
objetivo e à nossa origem.

Eros real está vinculado à origem de todas as coisas assim como a religião
verdadeira. Quando o ser humano vivenciou esta origem, ele desenvolveu um
ritual culto no sentido original, para cuidar dela e protege-la. É deste instinto
que se origina a sinceridade orgânica de uma ética de vida, que mais tarde se
transformou na moral exterior. Mas esta moral, que eu nos próximos capítulos
tenho de desmascarar de forma tão veemente, porque ela se transformou em
mentira, não surgiu simplesmente de uma arbitrariedade ou da maldade
humanas, e também não se originou na mentalidade desejosa de poder dos
padres, como diz Nietzsche em sua obra “Genealogia da moral”, mas sim de
uma concentração primordial do ser humano no ponto sagrado de sua
existência. A postura sagrada da origem é o motivo real de todos os cultos
eróticos e religiosos. Se nós hoje rejeitamos conscientemente as falsas ideias
morais, então nós o fazemos não mais no sentido de uma rebelião anárquica

41
contra valores culturais tradicionais, mas antes a serviço de uma redescoberta,
e um auxílio ao nascimento para as capacidades procriadoras de nossa vida.

Para isto nós não precisamos mais andar por aí encobertos, nós também não
precisamos mais nos envergonhar de nossa “timidez”, porque os degraus do
desenvolvimento interior do amor sensual não podem ser pulados com
violência. Neste sentido os esclarecimentos a seguir não são um apelo à
emancipação demonstrada, mas sim ao entendimento de nosso anseio sexual.

A respeito do tema religião algumas frases simples serão suficientes. O leitor já


percebeu, que as reflexões deste livro vão muito além de uma simples
psicologia do amor sensual. Não se trata apenas, se quisermos hoje voltar a
ser fiéis a nós mesmos, de uma restauração de relacionamentos amorosos
fracassados, mas sim de uma nova integração do tema erótico em toda a
nossa existência. Com isto nós tocamos sem querer o cerne metapsicológico
ou religioso de nossa existência. A âncora mental e o ponto de montagem de
relacionamentos amorosos reais não se encontra apenas na própria relação,
mas sim em uma determinada relação abrangente com o mundo. Assim que
nesta relação uma ligação intima com a criação é sentida ou se torna
consciente, eu falo de religião. Ela está fora de todos os credos e não tem nada
a ver com a Igreja. A Igreja como instituição é para a religião real o mesmo que
é o casamento como instituição para o Eros real: uma organização social para
a proscrição e para a regulamentação das ancestrais forças sensoriais e
mentais de nossas vidas. Nós vivemos hoje em uma época, na qual estes
espartilhos históricos em nossos corpos e em nossas mentes se tornaram
quebradiços e deixam pingar novamente as verdadeiras fontes de energia.
Apesar de todas as dificuldades e destruições nós nos aproximamos da fonte.
O duplo sentido histórico do apocalipse se torna realidade, passo a passo ele
se volta para nós em experiência de revelação feita consciente. “O reino de
Deus sobre a terra.”, isto significa que a força sexual e psíquica do amor não
pode mais ser aprisionada por máscaras, dogmas e instituições.

O amor sexual e o amor religioso são as fontes de nossa existência. Nós nos
aproximamos cautelosamente destas fontes, até que elas se encontrem em

42
sua verdadeira base primária. O ser humano em processo de transformação
histórico separou as duas coisas uma da outra e esta foi a razão de sua dor
eterna. Agora, com a libertação do amor sensual, ele pode uni-las outra vez e
reconhecer nesta reunião aquela felicidade, que ele inconsciente por tanto
tempo procurara: A felicidade da chegada. Este é o processo de
reconhecimento interior de nossa época, o processo de uma transformação da
vida humana, que começa a se desenvolver.

A era patriarcal combateu Eros ao combater as mulheres. Mas quando o poder


de sedução da mulher não é utilizado, o homem também deixa de existir, o
mesmo em questões religiosas. Ele roubou de si mesmo sua própria fonte, ao
domesticá-la, e obrigá-la a se submeter ao sistema de regras de suas
estruturas inimigas da sexualidade. Mas por meio disto ele próprio caiu em um
sofrimento, que já não podia mais superar com suas estruturas, porque toda
dor psíquica está intimamente associada à dor da separação. O homem vivia
em um mundo dividido, separado da mulher e separado da criação. No entanto,
o sagrado para o qual todos os sentidos se estendem é o inteiro e o indivisível.
O amor sensual, assim como o amor religioso é uma experiência primária de
reunião e de verdadeira libertação, que se localiza na superação da separação.

Walter Schubart falou em seu profuso livro “Religião e Eros” do “Estado de


graça do amor”, que se origina na experiência do amor sensual realizado. É o
estado autêntico, onde se encontram o amor sensual, o amor ao próximo e o
amor religioso. Neste estado se dissolve a fúria de todo ódio. É como uma
conversão de energia real no âmago de nosso organismo. É um júbilo das
células que encontraram seu centro e sua fonte.

Tasso, o protagonista da peça de Goethe exalta o poder libertador dos


amantes:

“Eu me sinto transformado no intimo.

Eu me sinto vazio de toda angústia,

livre como um Deus, e tudo isto agradeço a você.”

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Se aquele que ama tanto assim não cometer o erro do agarramento
persistente, se ele não agarrar apaixonadamente a amante, como se
abraçasse Deus, se ele sabe que aqui valem regras livres e as segue então ele
se encontra em seu caminho duradouro para a fonte. A experiência erótica já
não é então um sacramento, que ele esconde, mas sim um sacramento da
mais profunda abertura.

Todo ato de amor que for praticado neste sentido, é uma ação para o mundo,
para isto nós não precisamos de aliança de casamento. Deus não é mais uma
força estranha sobre nós e fora de nós; nós o criamos por meio de nossa ação
no amor. Eros é o começo de todas as coisas, sua origem e seu ponto de
criação. Na experiência erótica os mundos do homem e da mulher se unem em
sua origem. É esta origem, que as religiões da História até agora tentaram
impedir. Mas a mais verdadeira religião é a descoberta e o restabelecimento
das origens.

O conhecimento mais amadurecido ao qual a reflexão sobre religião e Eros


pode se elevar, está na libertação do amor sensual.

O amor livre não é nenhuma invenção do ser humano, mas sim uma ocorrência
da criação. Na medida em que o ser humano se torna consciente deste fato em
um novo grau, o sacramento do casamento se transforma no sacramento do
amor livre. O sacramento do casamento foi o primeiro degrau de uma direção
experimental, que percebe e segue o profundo sentido religioso do amor
sensual. Neste sentido ele era muito mais do que uma exclusão amedrontada
de terceiros. Ele não teria se tornado um sacramento, se não estivesse tão
próximo à experiência erótica ancestral, na qual o amor sexual se expande ao
amor pelo semelhante e ao amor a Deus. Por este motivo para nós não se trata
hoje apenas de acabar com velho sacramento, porque ele era muito limitado e
muito hipócrita. Trata-se muito mais de entender aquilo que ele pretendia e
tornar realidade em outro nível. Os valores fundamentais do amor, fidelidade e
comunidade, que deviam ser fixados com o casamento, precisam ser elevados
a um outro nível de realização sensorial e psíquico. Por isto o amor livre não é
simplesmente a destruição do casamento. Pelo contrário, ele pega suas ideias
verdadeiras e o ajuda à realização sob condições refletidas.

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A instituição do casamento em nosso espaço cultural ocidental foi
provavelmente criada por volta do fim do século dois antes de Cristo pelo rei
ateniense Cécrops. Ela se prestava à integração da vida sexual em um sistema
estatal, que não era orientado para o amor, porque naquela época nosso
conceito atual de amor ainda não existia. O desenvolvimento do amor livre, ao
contrário, não serve à sujeição de Eros a um sistema estatal, mas sim à sua
reintrodução consciente na liberdade da criação. O ser humano se tornou um
membro da sociedade através da monogamia, ele se tornou “capaz
socialmente”. Através do amor livre o ser humano se tornará membro da vida e
da criação, ele se tornará “capaz de viver e de criar”. Atrás da mudança de
orientação entre o amor monogâmico e o amor livre se encontra uma mudança
de orientação na direção do todo abrangente: o objetivo da orientação não é
mais a sociedade ou o Estado, mas antes a própria vida. Por detrás das
instituições do casamento e da igreja encontram-se sistemas sociais, nos quais
a vida já não cabe mais. O amor sexual não tem mais de se orientar nos
sistemas sociais, são os novos sistemas que deverão ser criados, que terão de
se orientar no amor. O amor livre conduz a uma tortura sem fim em uma
sociedade, na qual ele não tem lugar. No entanto, para a criação de uma nova
sociedade livre da violência ele se transforma no fermento da cultura humana
global. Esta revolução não se realiza de fora e nem com violência, mas sim de
dentro através do aprofundamento e de uma reestruturação de nossos
relacionamentos amorosos reais.

Por fim, eu gostaria ainda de falar sobre um fenômeno estranho, que poderia
ser de grande importância para todos aqueles que trilham o caminho interior da
experiência individual: toda experiência religiosa verdadeira, mesmo quando
ela nos encontra e nos alegra assim de uma forma tão nova, não é
simplesmente nova, mas em seu intimo um poderoso “Déjà Vu”. Isto significa
que a gente sente com grande surpresa, que a gente na verdade já a
“conhece”. O impressionante e totalmente novo, que nós vivenciamos aqui, nos
é profundamente familiar. A gente se coloca perplexa diante desta sensação.
“Ah, é assim, então isto existe realmente!” Nós chegamos à origem, e ela é
eterna como a vida. Nós já a conhecemos, pois todos nós viemos dela e a
vivenciamos continuamente nas diversas encarnações ou espaços de

45
existência. Nós não vivenciamos agora, que esta experiência ancestral da vida
se apresentou novamente, nada de absolutamente não humano, nós apenas
trocamos de palco. Nós estamos preenchidos por uma gratidão inominável e
contemplamos com admiração aquela redução de vida, que nós percebemos
como “normalidade”.

O mesmo é válido para a descoberta do amor livre. Despertados em uma nova


possibilidade de existência nós vemos imagens e ideias, que nos são tão
familiares como nossas próprias imagens e pensamentos. Nós olhamos para
dentro de novos espaços do amor sensual e percebemos com espanto a
clareza das relações, que vemos dentro destes espaços. As pessoas amantes,
que superaram o medo, não têm mais nenhuma rédea e nenhuma mascara! O
mundo, que é livre de rédeas, é um caso de amor. Assim como na experiência
religiosa, não existe mais a menor duvida na realidade deste “sonho”. É como
um despertar de um filme infindável e mais uma vez nos admiramos sobre
aquela redução da vida, que nas estruturas antigas como a monogamia e o
ciúme eram sentidas por nós como “normalidade”. A revelação erótica assim
como a revelação religiosa é como um milagre, e o inesperado mistério deste
milagre, está no fato de que nós já o conhecemos em nosso intimo. Ernst Bloch
falou em sua grande obra “O princípio da Esperança” a respeito do “Nondum”,
o maior mistério da história da humanidade. Na redenção erótica ou religiosa
nós descobrimos, que ele – de forma latente e desconhecida – sempre esteve
lá. Para chama-lo à existência real, a gente não precisa de nenhum ato de
força do espírito nem de nenhuma tração para a redenção, na verdade a gente
precisa apenas da experiência do amor e da verdade no amor. Então estamos
em condição de entender, aquilo que de vez em quando se apresentava a nós
todos na infância e que está diante de nós como objetivo oculto e Nondum: A
TERRA NATAL.

46
CAPÍTULO II

O TEMA SEXUAL

47
Nós todos queremos apenas uma coisa, mas o quê?

Qual é o sentido da vida, para onde vai a viagem? Qual é o sentido profundo
de todas as coisas que fazemos diariamente? Onde se situa nossa “verdadeira”
realização, se é que algo assim existe? “Minha meta é o acesso ao Nirvana”,
diria o nobre do Oriente. “Meu objetivo é a união com Jesus”, disse Hildegard
von Bingen. “O sentido da vida é o reconhecimento e o consenso com a
harmonia pré-estabilizada”, teria dito Leibniz. E Sonneberg, o genial artista
filósofo, escreveu na instituição psiquiátrica: “E quando ele está dentro, a vida
tem seu sentido,” e ele pensava exatamente naquilo. Não importa como as
verdadeiras respostas se apresentem, elas sempre dependerão do local e da
emergência ou da necessidade, na qual o questionador se encontre no
momento. Para um homem, que durante muitos anos foi impotente, ou para
uma mulher, que tenha vivido muitos anos sem contato sexual, a frase de
Sonneberg é possivelmente a mais correta e a mais importante. Eles podem
posteriormente tecer pensamentos sobre outras questões de sentido.

O questionamento do sentido, do objetivo e da realização sempre dependerá


em sua direção e em sua resposta, do quanto ele é feito a partir do sofrimento
e do quanto por isto mesmo a mente pensante está de determinada forma
ocupada. Para ver claramente, precisamos de uma posição mental fora da
ocupação. Também o Eros, este verdadeiro “outro”, que nós sempre
procuramos e encontramos tão raramente, se encontra fora da ocupação. Nós
o procuramos sempre em algumas pessoas ou acontecimentos e percebemos
então, que ele também não está lá. Assim como Goethe, nós vamos sem
descanso de um lugar para outro, nós tocamos a proximidade do procurado e
de repente sentimos o impulso de fugir. Nós não conseguimos dormir por
causa do anseio pela mulher desejada, e quando então ela está de pé ou
deitada diante de nós, não sabemos mais o que fazer. Aquilo que nós
procuramos parece de alguma forma sempre escapar ao nosso alcance.
Heinrich von Kleist escreveu antes de seu suicídio: “Parece-me inconsolável,
que eu não consiga descrever a continua busca em outros lugares, por aquilo
que eu ainda não encontrei em nenhum deles.” Este foi de certa forma todo o

48
destino do romantismo alemão – e até hoje o destino dos seres humanos.

No anseio dos gêneros atua a percepção de uma volúpia vindoura, que todos
nós muitas vezes já antecipamos secretamente em nossas fantasias. Nós
homens nos viramos para observar os corpos femininos, porque trazemos em
nós uma visão de uma intimidade física, que quase não chega à realização,
porque não podemos nos entender e porque todo o nosso sistema social
sucumbiria, se as pessoas começassem a seguir suas visões sexuais. Trata-se
aqui de sexo, e que sexo! A volúpia é a mais profunda e bela exaltação, toque
e grito de alegria, felicidade, lágrima e silêncio da alma diante desta
maravilhosa, possibilidade real existente e um objetivo de vida fundamental e
irrefutável dos gêneros. Ela, esta volúpia, é de fato a meta do anseio, o sentido
da sensualidade, a lágrima final de toda sentimentalidade e a lágrima inicial de
uma grande alegria. Mas ela exige outra maneira de ser na qual possa chegar
a um nascimento permanente. Ela exige outras estruturas sociais para nossos
encontros eróticos, e ela exige outras estruturas mentais, que nos possibilitem
finalmente acreditar na felicidade, que nós trazemos realmente em nós através
de nossa bagagem orgânica. Ela também exige o abandono de todas as
fixações e limitações, com os quais em geral nós logo sufocamos novamente a
pequena porção de felicidade que encontramos. Mas nós podemos ver hoje as
dores, que nós mesmos nos provocamos por meio dos conceitos errados do
amor, e por isto podemos colocar nossas esperanças sobre uma base sólida.
Nesta herança de dor e esperança, que as gerações retransmitiram, nasceu a
visão de uma cultura erótica, que se volta totalmente para a corporalidade, sem
abandonar o ponto espiritual. É uma corporalidade sem proximidades falsas e
sem estreiteza de relacionamento, e no entanto, com todas as cooperações e
responsabilidades concretas das pessoas que participam dela. Aqui surge a
imagem do homem em transformação, que superou a limitação; a beleza
desconhecida da face, que neste momento começa a se iluminar.

A linguagem popular chama a sexualidade de “o assunto número um”. Nós não


queremos retroceder a esta verdade, mas talvez possamos ir ainda um pouco
mais além dela. Com esta sabedoria popular fala-se primeiro daquilo que de

49
qualquer forma cada um sabe, mesmo que ele não queira admitir: O assunto
sobre o qual a gente mais pensa, aquele nos movimenta mais e pelo qual a
gente empreende os maiores esforços, é o tema da sexualidade. Eu andaria
quilômetros por um Camel com filtro, dizia a propaganda de cigarro. Eu dirigiria
mil quilômetros por uma única aventura sexual, é o pensamento condutor na
ramo das viagens. As pessoas querem de fato somente aquilo.

Mas o quê? O que é realmente este aquilo? O que as pessoas querem


realmente com isto? Por que isto evidentemente quase não acontece? Por que
as pessoas andam por aí tão insatisfeitas? Por que elas por fim começam a
desistir abertamente disto e se ocupam de coisas totalmente diferentes? E se
elas querem apenas aquilo, se no fundo todos querem este aquilo, por que
então não empregam muito mais esforço e dedicação, para criar possibilidades
para isto? E por que elas não se dão sinais mais claros? Tem de ser uma raça
esquisita. Ou será que tudo isto é por conta de sua timidez? É por isto que elas
andam por aí tão infelizes, porque têm inibições?

Eu relembro rapidamente o conto de Nizami “Paraíso Perdido”. Um imperador


da velha China, que desejava conhecer todos os segredos dos homens, chega
a uma cidade, na qual todos os homens se vestem de preto. Eles possuem
beleza, força e tristeza. Todos eles em sua procura pela felicidade suprema
haviam entrado no reino da rainha das fadas com suas mulheres maravilhosas.
De mulher a mulher crescia neles o desejo pela completa realização com a
própria rainha. Quando eles depois de 30 noites chegaram finalmente até ela e
tudo parecia se concretizar, ela desapareceu repentinamente. O belo espectro
se desfez como a mais bela projeção de um filme. Neste conto a gente pode
entender passo a passo, o que os homens procuravam, mas para nós é quase
impossível exprimi-lo em palavras, e aquilo que buscavam não se deixa
concretizar absolutamente por meio do encontro com uma única pessoa. Esta
realização da suprema volúpia já não vem apenas do exterior. Trata-se de uma
maneira de ser, que é capaz de superar seu objetivo e já o traz latente em si
mesma. A história do paraíso perdido, escrita no início do século 13 na Pérsia,
é tão comovedora porque contém uma verdade, que cada um percebe
imediatamente, porque ele a conhece: a verdade da fonte erótica como o último
e perene objetivo não realizado de nossa viagem. Esta obra é tão dramática

50
como, por exemplo, “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, que o jovem Goethe
escreveu e que naquela época provocou lágrimas em toda Europa. Napoleão,
que em geral talvez não fosse tão romântico, após a leitura deste livro quis
incondicionalmente conhecer o homem que foi capaz de escrever algo assim.
De que trata o livro? Do amor e principalmente da falta de saída para o amor.
Werther teve de cometer suicídio, porque ele apesar da afeição de Lotte, não
tem nenhuma chance, de alcançar sua meta. Mas qual era seu objetivo, e o
que ele tinha de tão impossível? Aqui estamos nós de volta ao cerne da
questão. O objetivo era – como sempre em uma história dramática de amor – o
prazer sexual definitivo, arquetípico, e a união com a mulher. Na verdade nem
tanto apenas com Lotte, mas sim com a mulher em geral. A meta não pode ser
alcançada por dois motivos: Primeiro, não havia para Werther a possibilidade
de uma ação sexual direta, ele não saberia de forma alguma, como a gente faz
isto. E segundo, não existia no romantismo iniciante nenhum espaço intelectual
para o amor livre, porque os românticos sempre procuravam sua felicidade
cheia de mistérios apenas na figura idealizada da única e individual, que eles
chamavam de Maria, Diotima, Helena ou Lotte. A veneração e a idealização de
Werther por Lotte foi a intuição de um prazer infinito. Mas como uma mulher
deve reagir a uma intuição masculina, se ela não chega à ação, à realização
física?

O objetivo, consciente ou inconsciente, é sempre a penetração no “âmago” por


meio da união sexual. Mas se é realmente “apenas” isto, se o objetivo se situa
tão próximo ao mundano, por ele tem de ser tão inacessível?

Porque no cerne sexual real, ainda existem tesouros ocultos, que nós nos
caminhos atuais do amor ainda não pudemos desenterrar. Ou com outras
palavras: Porque o jeito e a maneira, que usamos até agora para procurar a
realização e agarrar a felicidade, não corresponde à essência do objetivo
procurado. A gente repele uma mulher, quando a gente quer obtê-la com
métodos errados, e a gente rejeita a felicidade, quando a gente ainda não sabe
o suficiente sobre ela e por este motivo quer forçá-la com métodos incorretos.
A realização do anseio exige a entrada em um novo processo de
conhecimento.

51
A mitologia imemorial do tesouro escondido é a mitologia da realização sexual
oculta. Este é o real e atual núcleo da simbologia arquetípica, o verdadeiro
segredo do relaxamento interior, do qual vive o mito e também os contos dos
irmãos Grimm. A história da literatura, da Epopeia de Gilgamesch até O
Castelo de Kafka, é no fundo dominada pelo tema do fruto sexual inatingível. O
tesouro procurado está muitas vezes em lugares da terra muito remotos, como
por exemplo, no fundo do mar, em uma ilha, no alto de um morro íngreme ou
em uma floresta sombria. Ele está cercado por demônios e guardiães
abomináveis. Quem apesar disto quiser encontra-lo, precisará enfrentar um
perigo mortal depois de outro! O que é dito aqui de forma simbólica é
extraordinário. É obviamente mortal, querer aproximar-se do tesouro. Tão
mortal quanto o dragão que cospe fogo, que segura a virgem com suas garras
e lança veneno e fogo contra o herói que quer libertá-la.

É sempre surpreendente, o quanto na alma mitológica do homem os receios


coletivos, os demônios sexuais e a repressão cultural do instinto, se uniram e
se comprimiram nestes espectros do medo. No decorrer da história, os homens
sempre dificultaram a realização de seu anseio ou até mesmo a tornaram
impossível por meio da austeridade impiedosa, com a qual eles agiam contra
aqueles, que não podiam se afastar dos frutos desejados. A Igreja, que
queimou do corpo do homem seu anseio sexual com métodos crudelíssimos,
lhe presenteia por isto a consolação em uma eternidade inventada. Nada de
realização neste mundo, mas sim libertação no além – este foi durante séculos
o lema espiritual. A gente entende que sob estas condições, da maneira que
elas nos deixaram toda a história da cultura, o cerne do amor não seja tão fácil
de encontrar. Nós mesmos nos colocamos ainda muitas vezes – mesmo que
de maneira não mais tão significativa e tão óbvia, mas sim muito mais sutil –
naquela posição comum de escravos, na qual a gente declara o tesouro como
pecado, a renúncia como sabedoria, o sofrimento como uma necessidade e as
uvas como ácidas, porque elas estão muito altas. E estas uvas, falando-se
aos homens, ainda estão penduradas no corpo da mulher.

Diante das ainda existentes estruturas comuns na área do amor sexual, uma
cultura da realização erótica plena pode parecer a alguém uma utopia muito
distante e não realista, talvez uma idealização conciliatória, mas não

52
exatamente uma realidade potencial. Foi assim que as pessoas sempre
pensaram sobre o amor. Alguma coisa sempre as impediu, de tomar aqui seu
destino nas mãos e modificar finalmente as velhas estruturas com o emprego
de sua inteligência. Elas acreditam hoje na viabilidade de quase todas as
coisas, mas no pensamento sexual e no amor elas em sua maioria ainda estão
fixadas sem reservas nos velhos e arraigados contos de fada do passado.

Lá fora em frente à janela um menino da vizinhança brinca com seu carro de


brinquedo movido a controle remoto. Não existe nenhuma associação visível
entre sua mão e o carro, apesar disto ele anda e segue seus comandos! Um
verdadeiro milagre. Se nós há cinquenta anos tivéssemos falado disto a
alguém como uma utopia técnica concreta, esta pessoa teria nos considerado
completamente loucos. Hoje, ao contrário, apenas cinquenta anos mais tarde,
isto é tão real, que o menino cresce com isto, como se fosse algo totalmente
natural. Nós não deveríamos tentar, com um desenvolvimento de pensamento
semelhante, como o que é inerente à área da técnica, trabalhar também na
área do amor? O tesouro escondido e o paraíso perdido não estão em nenhum
outro lugar além de nós mesmos. Quando eu digo nós mesmos eu não penso
em cada um de nós, mas sim no homem como espécie, que existe na forma
dos dois sexos. As raízes de um futuro digno e de um mundo sem medo e
violência estão em um novo comportamento dos gêneros. O livro tornará aos
poucos compreensível, que tipo de novo comportamento é este. O lar do
homem sobre a terra, seu verdadeiro e último objetivo se tornará atual, quando
ele superar suas barreiras sexuais, de tal modo que ele não tenha mais de fugir
do mundo em que vive.

53
A parábola da montanha

O mundo do homem tornou-se imensamente não administrável e a vida tornou-


se difícil, mas apesar de todas as tendências de declínio esta época também
será apenas uma fase intermediária no eterno vir a ser. O espírito da vida
continua a trabalhar. E assim uma época como a atual, que é tão desorientada
espiritualmente como a atual, também possui suas próprias fontes espirituais,
seus impulsos e suas quebras de barreiras. Muitos homens se dispõem do seu
próprio jeito a tomar do mundo, aquilo que eles não puderam encontrar na
convencional existência burguesa. Nas zonas da morte das altas montanhas,
Reinhold Messner teve experiências interiores, que nos levariam adiante, se
pudéssemos ter participado delas. Rüdiger Nehberg, o grande aventureiro,
correu riscos, aos quais ele só pode sobreviver, porque trazia em si uma
tranquilidade inabalável e uma capacidade de contato com todas as coisas.
Domenica, a “última prostituta” da Alemanha, abasteceu o negócio até o fim
com seu amor humanitário e, sob indescritíveis condições ambientais praticou
uma forma de amor ao próximo, da qual nenhum padre cristão sabe alguma
coisa (e se soubesse talvez nem fosse mais padre). Gia Fu Feng, o falecido
mestre de Tai-Chi, nos ensinou uma arte contemporânea de Taoismo, que nós
não esqueceremos. Os Hopi assim como os Cherokees preservaram uma
sabedoria da natureza, que não podemos mais dispensar. E nós poderíamos
continuar a citar outros nomes. Todas estas pessoas e grupos viram um
aspecto de superação e de cura do problema que temos diante de nós, ao qual
permaneceram fiéis de corpo e alma. Mas eles não foram e não são ligados
uns aos outros, muitas vezes eles nem mesmo sabem alguma coisa sobre os
outros. Todos eles, metaforicamente falando, subiram uma montanha vindos de
direções diferentes, sem ver os outros, que também vinham de outras direções.
Eles somente se verão e reconhecerão, quando chegarem ao cume.

Mas eles chegarão? Seus recursos serão suficientes para em associação com
os outros alcançar afinal uma verdadeira comunicação e comunhão do
homem? Onde estão nesta montanha os caminhantes, que – passo a passo,
gancho a gancho – reconhecem e trabalham o tema do amor sexual? Será que

54
eles permaneceram desconhecidos porque ficaram tontos?

O que eu gostaria de dizer com esta analogia é que certamente nada foi feito
com o trabalho na questão sexual. O ser humano não se constitui apenas de
sexualidade, e a verdade jamais se deixa determinar em um único caminho. O
que os pioneiros espirituais e físicos de nosso tempo – na maioria ainda fora da
atenção pública – realizam e criam, é o novo território, que todos nós
precisamos para a entrada em uma época mais inteligente e grandiosa. Mas
sem o trabalho adicional na questão sexual e sem o trabalho central nas
questões internas obrigatórias ninguém chegará ao topo. Porém, estes
empreendimentos do espírito e da coragem são muito ambíguos e muito
grotescos, muito heroicos e muito individuais, para poderem ser
acompanhados por muitos. Eles permanecerão sempre estranhos em algum
lugar, até que sejam alimentados internamente pela corrente quente do amor
sexual. De fato a luta para a libertação do amor também é uma espécie de
escalada de montanhas. Mas, o objetivo deste empreendimento está na clara
intenção de trazer a felicidade do topo da montanha para a terra e ancorá-la
fortemente e tão profundamente, que também os vales comecem a florescer. O
que poderia ser mais adequado a isto do que uma verdadeira compreensão
dos gêneros a respeito de suas perguntas e de seus desejos mais íntimos?

55
Da felicidade do primeiro amor à monotonia do casamento

É possível imaginar, que estas pessoas adultas, normais e cinzentas, que


povoam este mundo, alguma vez já tenham amado? A gente pode acreditar de
algum modo, que estes casais algum dia tenham se apaixonado? Nós
podemos imaginar nossos próprios pais com um casal ardente e apaixonado?
O que aconteceu nestes poucos anos ou décadas com a alma dos seres
humanos, para que eles tivessem de se distanciar tanto do amor? Há séculos
esta sina do amor perdido é passada de geração a geração. Quando os filhos
crescem, o amor de seus pais muitas vezes já se acabou.

Deve existir alguma coisa muito efetiva nas relações dos amantes, que depois
de algum tempo é mais forte do que o amor e que sob todas as circunstâncias
tenta arruiná-lo. Aqui nem mesmo o mais bem intencionado juramento de
fidelidade e também nem mesmo a garantia mútua “até que a morte nos
separe” ajuda. Até agora, contra a força da desconfiança progressiva e do tédio
que começa não foi aparentemente possível fazer nada neste mundo. Eu ainda
não vi realmente em nenhum lugar um relacionamento amoroso, em que os
parceiros após 20 anos ainda mantivessem o erotismo, a paixão e a fidelidade.
Quando eles eram fiéis, então isto ocorria devido à renúncia ao Eros. Quando
eles ainda iam regularmente para a cama um com outro, então isto se devia à
renúncia da lascívia. Quando eles apesar de todas as dificuldades
permaneceram juntos, então muito mais pela necessidade de segurança do
que pelo fogo do amor.

Porque esta mudança de estrutura do amor para a monotonia acontece em


todo lugar, aparentemente todos a consideram normal. Na consciência de
contemporâneos de trinta ou quarenta anos parece ser normal, que a gente
nesta idade não ame mais e em vez disto trabalhe. Para estas pessoas
pareceria absurdo, apaixonar-se novamente por alguém de um jeito, que a
gente ficasse vermelha, quando os olhares se encontram. Elas acreditam
realmente, que a agitação do coração e a vibração do corpo pertencem

56
exclusivamente à juventude. De certa maneira elas têm razão, mas apenas
estatisticamente. Porque de fato o amor na maioria dos casos morre após a
juventude, os adultos acreditam, que não têm mais nada a ver com ele. Emma
Goldmann se sentiu tão excitada com sua experiência sexual aos 68 anos, que
todas as suas células rejubilaram-se e ela quase se envergonhou, de ainda ter
uma experiência assim na sua idade. Mas na verdade o amor não está preso à
idade, nem também a todas as coisas bonitas, que estão associadas a ele,
como a taquicardia e a alegria antecipada, a felicidade e o desejo. Porém nós
os homens consumamos realmente em nosso sistema de casamento, família e
sociedade o milagre histórico de limitar a felicidade do amor em milhares e
milhões de casais amantes aos primeiros dias ou anos e depois extingui-lo.
Para um observador que vê e pensa, isto faz parte do mais monstruoso
“desempenho cultural” de nossa espécie.

Eu gostaria de aconselhar a todos os recém-apaixonados que reflitam sobre


isto, antes que eles caiam seguramente na mesma armadilha.

“Enrubescido ele segue seu rastro

e seu cumprimento o alegra;

Ele procura na campina o que há de mais belo,

para enfeitar seu amor.”

(Schiller)

Aquele que caminha assim sobre os rastros do amor, sabe realmente ainda
pouca coisa de fidelidade e companheirismo, da duração e da resistência do
amor. Ele também não sabe quase nada sobre a pessoa, pela qual se
apaixonou. Ele não tem nada mais do que um sonho infindavelmente grande e
o desejo irreprimível, de juntar-se ao ente adorado e permanecer junto para
sempre. Os apaixonados não têm pais, que lhes tenham apresentado uma vida
significativa a dois, nem um conhecimento humano, de como a gente teria mais
ou menos de viver junto, para dar durabilidade a este amor. Então eles não têm
nada mais rápido a fazer do que assegurar esta felicidade encontrada, protegê-
la, amarra-la a si mesmos de uma vez por todas e possivelmente fazer um

57
contrato para toda a vida, para não perder mais o tesouro. Então eles se
casarão. Bangue. Então eles terão filhos. Bangue. Então eles alugam um
apartamento e enfeitam seu lar. Bangue. Então eles desejarão construir uma
casa própria. Bum!

Eles não prestarão atenção às coisas mais simples e por isto logo chegarão ao
conhecido conflito, no qual eles desconfiam um do outro, vigiam, controlam e
se cobrem de acusações. Se os dois forem atraentes, por exemplo, um não
pensará se o outro poderá também agradar aos outros. Eles ignorarão sem
dizer nada, que o parceiro ou a parceira de fato gostaria muito de aceitar esta
outra oferta. Ambos conhecem bem este desejo secreto de novos contatos,
porque eles mesmos têm este desejo. Por este motivo, por precaução eles se
calarão sobre isso. Mas em algum momento chega inevitavelmente o primeiro
ponto, no qual este equilíbrio instável do silêncio se quebra e um ou outro
começa a explodir.

Eles dirão a si mesmos, que haviam imaginado tudo totalmente diferente, que o
outro quebrou a promessa ou que tenha feito outras coisas terríveis. Eles
começarão a se observar mutuamente, para pegar o outro em flagrante na
menor trapaça, porque eles no fundo sabem o quanto eles mesmos
trapaceiam. Assim surge o conhecido circulo vicioso da desconfiança, do qual
sob as condições habituais de uma tradicional monogamia e sob as
costumeiras necessidades de reconhecimento social, carreira etc. não existe
mais saída. Sob estas estruturas não resta outra coisa além de renunciar cada
vez mais ao sexo e ao amor ou então obtê-los em outro lugar. Tanto em um
caso como no outro, o amor fracassou. Não existe realmente nenhum culpado
nesta peça teatral grotesca. Culpado é o palco do casamento social, que não
combina com a peça, enquanto a peça não se chamar amor. Pouca coisa é
mais brochante do que este palco, e não existe nada mais excitante do que a
peça, que lá deveria ser encenada com desejo ardente. Encenar a peça “Amor
e Desejo” sobre o palco do casamento é na maioria das vezes quase tão
impossível como nos palcos dos cabarés de St. Pauli, nos quais dois artistas
devem apresentar uma peça excitante como o número da noite. Uma coisa é
tão artificial e tão vazia quanto a outra.

58
Com estas exposições eu não tenho a intenção, de tirar de ninguém a vontade
de amar. Também não se trata de uma luta contra a monogamia. Ela não deve
ser destruída, pelo contrário deve ser salva. Mas para isto são necessárias
outras condições. Antes de tudo outras condições psíquicas para os dois
parceiros. Eles precisam saber que não irão muito longe com seu ciúme e com
seu conceito tão estreito de fidelidade. E além destas, outras condições sociais.
O amor somente pode manter conteúdo e brilho no lugar em que não precise
mais se limitar e se proteger do exterior, onde possa seguir sua necessidade
natural de expansão. Ou seja: Os parceiros precisam de uma comunidade de
amigos, na qual, aquilo que eles vivenciam entre si, também possa ser
transmitido aos outros, e na qual de forma verdadeira seja possível falar de
todas as dificuldades e de todos os conflitos, que também são inevitáveis
mesmo nos esforços mais sinceros. Dois amantes estão sempre e em todo
canto sobrecarregados, quando devem corrigir sozinhos todos os temas e
todos os problemas, que no decorrer dos séculos foram associados ao Eros
ultrajado. Mesmo com a melhor das boas intenções e a inteligência mais
superior isto vai além de suas possibilidades. É demasiado, o que o homem no
decorrer da história fez a si mesmo e ao seu desejo, como traiu o amor e para
isto inventou uma falsa moral, como remodelou todos os altos valores originais,
que estavam ligados ao amor, ao Eros, ao sexo, à amizade e à fidelidade na
pequena vida conservadora em sua cabaninha conservadora com seu pequeno
e conservador BMW etc. É claro, que algum dia chega o ponto, no qual a gente
não pode mais falar verdadeiramente de nada. Se a gente fizesse isto, toda
esta vida substituta se acabaria, e quem sabe, se então o emprego e o dinheiro
ainda estariam lá para o próximo automóvel ou a casa planejada. Então, a
gente desiste da verdade. Mas, quando em um relacionamento amoroso se
renuncia à verdade, ao conflito e à critica solidária, a monotonia já está pré-
programada. Nada torna um relacionamento mais excitante do que a verdade e
isto porque não é por meio de outra coisa, que nós começamos a nos descobrir
mutuamente.

Os dois amantes não tinham no estágio inicial de seu enamoramento nenhum


desejo de se descobrir. Eles queriam estar juntos, nada mais do que isto. Eles
amam emocionalmente e esperam que isto permaneça assim. Quando eles

59
então conseguem ir para a cama um com o outro pela primeira vez, com
frequência eles não têm nenhuma ideia, de quem é o outro, com o qual se
deitam. Muitas vezes eles percebem este fato peculiar, de que jamais
conheceram o parceiro, somente, quando ele se foi para não mais voltar. Eles
esqueceram simplesmente, de perguntar antes, e quando então isto teria sido
necessário, não existe mais nenhuma possibilidade para isto, porque a gente já
se instalou tão definitivamente sobre outra linha. Disto sabe qualquer um, que
já vivenciou este sistema em si mesmo e em seus antigos amigos e não se
entregou totalmente. C’est la vie, e isto continuará assim, se nós não
mudarmos isto. A mudança mais importante consiste em que os dois parceiros
possam seguir seus sonhos e desejos sexuais por outras pessoas, sem que
para isto tenham de sair de seus relacionamentos amorosos. É disto que trata
a próxima seção.

60
Amor livre e monogamia

Então, disse a abelha, após haver encontrado uma flor particularmente bela,
você me pertence agora e não deve ter nenhuma outra abelha além de mim.

Então, disse o friorento para o sol, que começava a esquentá-lo, você me


pertence agora e não deve dar teu calor a ninguém mais.

Então, disse o goivo-amarelo, eu amo o lilás, mas ele também é amado por
outros, por isto eu não lhe darei meu amor. Disse isto e murchou.

É assim que a maioria das pessoas ainda pensa, sempre que se trata de amor.
Nós poderíamos prosseguir com uma ladainha de frases totalmente absurdas,
que em seu conjunto surpreendem porque de fato são reais na vida amorosa
do homem contemporâneo. No que diz respeito à inteligência e à delicadeza,
parece não existir nenhum limite inferior no amor. A gente ainda não entrou em
acordo sobre um veto positivo, no qual a gente poderia dizer: Até aqui e não
mais fundo. As contas, que temos de pagar na vida, quando se trata de amor e
sexo, não têm absolutamente nada com a coisa em si. Elas se originam da
maneira habitual de pensar de uma sociedade que nunca foi muito longe na
área do erotismo.

O amor livre é um amor reconhecido e curador. Ele não se coloca em oposição


à monogamia, mas também não está fixado em um único parceiro. Em sentido
figurado, a gente poderia dizer que no amor livre o olhar dos dois parceiros não
está direcionado constantemente um ao outro, mas que os dois olham com
olhares paralelos para o mundo. Lá existem continuamente novos contatos,
novas possibilidades eróticas e intelectuais, novas descobertas. Não existe
para dois parceiros de amor, que no sentido do amor reconhecido estão ligados
um ao outro, o menor motivo, para se fechar diante deste mundo sedutor.
Quanto mais os dois se envolvem com o mundo, mais possuem para
comunicar mutuamente e mais rico se torna seu relacionamento. É uma

61
satisfação, após estes passeios se encontrar mais uma vez em nova amizade.

São as considerações dos tempos antigos, que produzem um amedrontado ou


– ou, onde na realidade é o mais belo complemento. No coração de muitos
seres humanos predomina a mais pura mentalidade de contador, na qual em
segredo sempre é contado, calculado e contabilizado. Eles pensam, por
exemplo: Eu gostaria muito de ter este alguém como parceiro, mas se nós
fizermos amor livre, eu poderia perdê-lo outra vez (como se a gente pudesse
se proteger contra isto por meio de um contrato de monogamia!). Ou eles
amam e desejam alguém, mas então pensam que este alguém já está ocupado
com outro e que eles por isto não conseguirão nada. Aqui atuam pensamentos,
que contradizem absolutamente a essência do amor livre e a essência do
amor. Eles nos parecem prontamente tão naturais, que nós muitas vezes nem
percebemos, como eles são estreitos e errados. O verdadeiro amor não
calcula; ele também é livre em dar – sem deliberação sobre o quanto a gente
receberia de volta. O amor livre também se direciona às pessoas que já estão
“ocupadas”, por que quem já está na realidade ocupado? Estes são os
pensamentos de uma loja de bugigangas, e quem pensa assim com
frequência, desenvolve em si uma alma de mercantilista. Porém, o amor livre é
o voo da gaivota Fernão Capelo (do livro de Richard Bach). Ele também teria
certamente gostado de se aninhar com uma parceira, se ele tivesse tido uma.
O amor é um presente, que a gente aceita e passa adiante. A sexualidade
também é um presente, que a gente desfruta e dá aos outros. Se na
distribuição da energia amorosa a gente calcula como o goivo-amarelo
mencionado acima, a gente será como ele. E se a gente com a mentalidade da
abelha se aproxima do amor, então a gente recebe facilmente alguma coisa
que zumbe e pica.

O amor livre vive amplamente de dar e da ofensiva positiva. Quando você ama
alguém e lhe deixa perceber isto, uma porção disto voltará certamente para
você. A monogamia não deveria se proteger do amor livre, porque o amor livre
é um fato da vida e não uma arbitrariedade do homem. Uma parceria real
precisa do amor livre, para que ela mesma possa crescer e permanecer viçosa.
Ela precisa do amor livre como a flor precisa da água. Quando a água falta
durante muito tempo, a flor murcha. Quando Eros recebe pouca variação e

62
pouco alimento através de outros, então ele mingua até mesmo na melhor
relação de parceria. Aqui todas as culturas e nações podem se levantar com
gritos extremos de protesto, mas nada muda: O amor é livre.

O amor sensual, com seu prazer e sua inebriante felicidade, começa muitas
vezes em uma monogamia feliz. A monogamia é uma fonte natural da
experiência amorosa, por este motivo ela deve ser reconhecida e protegida.
Quando dois parceiros pensam sinceramente, não poder prosseguir com sua
relação, a gente deve apoiá-los em vez de indicar laconicamente o amor livre.
Mas eles devem saber que este é um caminho, que poderia de fato levar seu
relacionamento adiante. A monogamia e o amor livre não estão em contradição
entre si, eles são apenas duas etapas diversas no processo de
desenvolvimento do amor sensual. Quando a monogamia e o amor livre se
chocam e conduzem à conhecida falta de saída interior, existe um erro de
pensamento. Não é um erro no sentimento ou no sistema nervoso, mas um
erro de pensamento verdadeiro. No íntimo, por exemplo, alguém é leal à
monogamia, mas então encontra uma nova pessoa e pensa agora, por causa
da própria crença de lealdade não poder amá-la e deseja-la. Ou ao contrário, a
gente crê no amor livre, mas então se apaixona totalmente por uma pessoa e
pensa agora, não poder prosseguir com esta “monogamia”, porque ela estaria
em contradição com suas ideias de amor livre. – Nos dois casos a gente não
segue o amor nem o desejo, mas sim um pensamento imposto e enganoso,
uma ideologia. Sim, nós fazemos uma ideologia de tudo aquilo que ainda não
compreendemos a partir da experiência individual. No entanto, o amor sensual
é por natureza o princípio que ultrapassa todas as ideologias. A gente não
pode se prender nem a um nem a outro ponto de vista, e não existe a menor
necessidade vital de fazer isto. Mas se, no entanto a gente o fizer sofrerá uma
perda inevitável de vitalidade, de verdade e de capacidade de amar. No amor
não existe nenhum ‘ou – ou’, existe apenas a força crescente de Eros, a alegria
“anárquica” da sexualidade, a intensidade fluente e o desejo de dar o que
recebo. Existe em cada um de nós um desenvolvimento interior, que conduz
aos mais diferentes conceitos eróticos, a depender, de qual deles agora no
momento “se ajusta” organicamente. Aquele que hoje ama a monogamia e

63
confia nela, não precisa trair e nem quebrar nenhum juramento de fidelidade,
se ele talvez apesar disto tiver se tornado alguns anos mais tarde um trovador
do amor livre. As discussões e controvérsias sobre monogamia ou amor livre
são tão desprovidas de sentido como as discussões a respeito do mundo ser
uma unidade ou uma multiplicidade. Na maioria das vezes a gente não conduz
estas polêmicas a partir de um verdadeiro interesse de conhecimento, mas sim
a partir da necessidade de assegurar ideologicamente uma dada situação de
vida. Bem antes que a gente tenha feito a experiência pessoal e a conheça
interiormente, a gente já a avaliou ideologicamente. Este princípio ideológico é
seguido pelos partidários da monogamia e também pelos partidários do amor
livre. Julgamentos no amor são barreiras do conhecimento. O amor sensual é
uma experiência ancestral, que se coloca totalmente fora destes julgamentos.
Ele ainda não é em si mesmo uma parceria. Quando ele conduz a uma
parceria, que não se fecha mais ao exterior surge daí uma nova direção do
amor sensual.

Para finalizar, ainda uma palavra sobre o tema da parceria. A parceria é uma
forma muito superior da relação entre homem e mulher. Ela se desenvolve em
um modelo de relação humana, que na verdade poderia ser válido para todos.
Ela serve à compreensão cada vez mais profunda e à união dos sexos em
geral, não apenas a estes dois amantes. Por este motivo ela se abre a todas as
questões do amor sensual e assim trabalha em uma parte central universal do
tema ser humano. A parceria entre duas pessoas e o amor livre não são
opostos, pelo contrário, eles se completam e precisam um do outro.
Apaixonamento, altos voos sexuais juntos e prazer sexual um com o outro são
coisas maravilhosas, mas isto ainda não é nenhuma parceria. Quando duas
pessoas ficam juntas até uma idade avançada e resmungam uma ao lado da
outra, isto é um fenômeno notável, mas nenhuma parceria no sentido pensado
aqui. Quando duas pessoas estão juntas, porque elas têm medo de ficarem
sozinhas, isto com certeza também não é uma parceria. Um relacionamento,
que para sua automanutenção, depende da interdição sexual para o exterior,
também não está provavelmente no nível de uma verdadeira parceria. A
parceira começa onde duas pessoas ao lado de sua atração sexual constroem
uma base mental mútua, que também lhes possibilita a comunicação, mesmo

64
que emocionalmente o tempo não esteja muito bom. A parceria pressupõe que
os dois parceiros se coloquem responsáveis um em relação ao outro e não
procurem sempre a culpa no outro. Com isto foram ditas duas coisas
essenciais, que nos relacionamentos sexuais e casamentos quase nunca se
realizam: A existência de uma base espiritual e a responsabilidade individual
dos parceiros. Estas coisas até hoje não combinam com a imagem do amor
nem com o papel da mulher, que até mesmo poderia ser um tanto burra, se
tivesse boa aparência e se soubesse cozinhar bem. Sob as condições da
estrutura vigente, uma verdadeira parceria é um objetivo quase inalcançável.
Se a gente está casada, porque ainda deve se entender intelectualmente? Mas
é justamente isto que se discute hoje nos tempos da corretamente entendida
emancipação dos dois sexos: O homem e a mulher devem se colocar diante
um do outro e se entender. A parceria está sempre ligada à igualdade, ou dito
de melhor forma, ao equilibrio dos dois polos. Os dois somente podem construir
uma estrutura de parceria um com o outro, na medida em que são “crescidos” e
possam de fato se colocar em ressonância um com o outro. Uma verdadeira
parceria entre uma mulher inteligente e um homem burro é tão impensável
quanto uma parceria entre uma gordinha voluptuosa e um intelectual
entediante. Os opostos se atraem, dizem; mas também se afastam, e quando
se atraem, por quanto tempo? O estímulo do primeiro contraste se dissipa
rapidamente, quando os níveis são tão diferentes. A construção de uma
parceria verdadeira exige dos dois parceiros um conhecimento no amor, que os
proteja das velhas armadilhas e os induza a abandonar todas as barreiras
exteriores. Somente então pode se preservar aquilo que a gente outrora pode
sempre apenas sonhar. A época da parceria não está no passado, mas sim
diante de nós. É a era do amor livre.

65
O poder da sexualidade anônima

Em termos de erotismo existe uma diferença, se eu já conheço bem uma


mulher, ou se eu a encontro como um estranho. Que diferença é esta? Se eu
dissesse a uma mulher que eu já conheço bem, o que eu sinto sexualmente se
eu a visse pela primeira vez, então ela se admiraria bastante. Ela ficaria
espantada sobre a intensidade de meu desejo. Ela se conhece tão bem e está
tão familiarizada consigo mesma, que ela não pode encontrar em si mesma
nada particularmente excitante. Ela carrega todos os dias o mesmo corpo, do
qual ela cuida quase rotineiramente. Ela se vê todos os dias no espelho e
sempre vê o mesmo rosto. Ela talvez saiba que tem seios bonitos ou uma
bunda sedutora, mas isto também faz parte de suas coisas cotidianas. Afinal a
gente não é nenhuma Marylin Monroe. Ela compra para si mesmo roupas
bonitas e talvez até mesmo rebole um pouco, porque isto de repente atrai.

Como esta monotonia de seu sentimento de si mesma se harmoniza com o fato


de que ela provoca um efeito estimulante em homens desconhecidos? A
pergunta também vale para o homem. Ele dedica-se às suas coisas rotineiras e
na maioria das vezes não pensa absolutamente, que ele, caso ele não seja
totalmente idiota, tenha um efeito erótico sobre as mulheres, simplesmente
porque ele é um homem.

O que é este sinal, que provoca uma excitação assim? Que tipo de sinal
irresistível me enviou este corpo desconhecido de mulher, que eu
simplesmente preciso olhar após vê-lo passar por mim? Quantas vezes eu já
olhei para trás, sem poder entender precisamente alguma coisa desta magia. É
como se debaixo destes invólucros estivesse a grande promessa, a última
superação, a revelação. Mas que promessa e que revelação? Se eu dissesse à
mulher alguma coisa assim, ela acharia isto infinitamente engraçado. Também
seria esquisito, porque as palavras têm pouco sentido, quando todo o
organismo está tão fascinado, que a gente quase não pode conversar
racionalmente e muito menos relaxada. Eu sei, que a maioria dos homens em

66
uma situação deste tipo primeiro nem faria a tentativa. Seria muito embaraçoso
e muito expositivo, se revelar desta maneira. Se a gente não for exatamente
um machão inveterado, no qual o comportamento de imposição se instala mais
rápido que sua excitação real, a gente não tem nenhuma chance de resolver
sensatamente esta situação. No fundo, eu também sei, que isto também
acontece com as mulheres sensíveis, mas elas não tem na verdade nenhuma
possibilidade de tomar uma iniciativa substancial. Assim se arrasta dia após dia
através de todo o mundo dos gêneros alguma coisa não falada e evitada, que
milhões de indivíduos continuam sozinhos a carregar consigo, até que seja
esquecida na rotina cotidiana – e até que aconteça inevitavelmente mais uma
vez.

O difícil nesta situação é: Eu não penso absolutamente nesta mulher como


pessoa, mas sim como fêmea, como ente da espécie, como protótipo anônimo
de meu desejo, como imagem esculpida de todas as células e órgãos
sensoriais de meu corpo. Eu não reajo objetiva e deliberadamente, não reajo
como uma pessoa civilizada e moralmente e sim de imediato, com meu sistema
nervoso vegetativo e as fantasias que foram memorizadas dentro dele. Eu
mesmo quase sou mais vítima do que agente, mesmo quando eu não desejo
nada mais, do que “pegá-la”. Eu não a humilho e também não a idealizo, eu
estou simplesmente sobre a inevitável influência de uma poder sexual divino,
que ela no momento exerce sobre meu ser. Neste nível não existe nenhuma
palavra, nenhum entendimento com palavras, nenhuma opinião, nenhuma
discussão. Neste nível existe na realidade em ambos os lados o mesmo
desejo, a mesma fantasia, o mesmo poder. O que falta é a possibilidade de um
entendimento sem muitas palavras, livre de violência, que mesmo apesar de
toda excitação esteja em condições de produzir sensibilidade e contato. Para
isto, a nossa cultura não desenvolveu nenhum instrumento, que a gente
pudesse usar satisfatoriamente. Na verdade, até hoje, existe neste nível
apenas a renúncia muda. A gente pressente aqui, o que seria viver em uma
cultura realmente erótica, que também e exatamente esta área do Eros
anônimo conhece e pratica e o torna alcançável para os dois gêneros.

O que nós faríamos realmente em uma situação assim, se nós “tivéssemos


permissão para fazer”, ou pudéssemos fazer, ou fizéssemos simplesmente?

67
Nós convidaríamos corajosa e educadamente esta mulher para uma cafeteria e
com isto faríamos com que a excitação muda descesse até o nível de nossas
coisas conhecidas? Seria bom, se nós ao menos fizéssemos isto. Mas, na
verdade...? Na verdade trata-se de uma ação autêntica, que Erica Jong
chamou de “trepada espontânea” e pela qual ela e a metade do mundo
procuraram, sem encontrar. Trata-se daquilo e apenas daquilo, sem palavras,
sem acordo, sem cotidiano. Não se trata de violência, mas também não se trata
de suavização e carinhos pessoais. Trata-se da dança arcaica do sexo, de
tomar e de ser tomado, de dar mutuamente, deste ultrapassar de fronteiras
bem individual e único. Eros é o poder da ultrapassagem das fronteiras, é lá
que ele tem sua superação e sua confirmação. Se os dois parceiros puderem
fazer isto um com o outro nesta situação anônima sem mentira e vilania, sem
medo e sem violência, ambos sairão dela com uma alegria semelhante a um
profundo Déjà Vu. Então isto existe realmente, este tipo de aventura, que
sempre deu asas às fantasias secretas!

O texto a seguir é um exemplo que mostra que o sexo é muito mais do que um
acontecimento pessoal entre duas pessoas. Dorothea Zeemann (no livro “O
Desejo Secreto”)* diz que não deseja nenhuma declaração pessoal de amor:
“Eu quero o respeito de uma ereção decente, nada mais.” Aqui é dito em um
nível quase animalesco aquilo que no sexo ultrapassa o limite de tudo que é
pessoal e que talvez nos excite mais do que todo o resto. Isto se aplica
igualmente aos homens e as mulheres. O sexo se enraíza nas camadas
profundas de nossa alma, vive das forças arquetípicas e tem por objetivo uma
união, que está além de todas as regras culturais. Eles se encontram como um
homem e uma mulher, nada mais. E quando o sexo então acontece, este foi
um momento de superação, que está além de qualquer discussão. Se outros
observam a cena e sabem o que os dois estão fazendo agora, então eles
próprios ficam tão excitados, que mal conseguem levar seu copo de cerveja à
boca.

-----------------

*Tradução livre

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A energia sexual pura é como a energia espiritual de caráter cósmico, ela é
uma verdadeira fonte de energia da vida e nos mostra o caminho além de
todas as barreiras para uma direção, que até agora nós pouco nos atrevemos a
procurar, muito embora todos sintam e pensem nesta direção. Esta direção não
conduz ao rebaixamento de nosso ser, mas sim à elevação. A gente não sai de
uma experiência destas e vai para casa com um sentimento de vergonha, mas
sim de orgulho. A gente “chegou”. A gente pôde se revelar, sem ser traído.
Neste momento, no sentido da sociedade a gente não era nenhuma
determinada pessoa com nome, idade e profissão; os predicados importantes,
com os quais a gente em geral costuma se apresentar, foram desinteressantes,
porque a gente não queria nada além daquilo. Desejo e ação se uniram em
uma unidade. A gente foi vida, tesão, verdade.

A gente muda completamente de assunto, se agora levantar as objeções


sensatas do cidadão normal. Porque neste sentido a gente em todo caso não
foi sensata. Esta experiência realçou que a gente antes não precisou analisar
isto frente às questões da sensatez rotineira; é aí que se encontra sua
qualidade libertadora e salvadora. Os argumentos da razão, que podem ser
colocados contra uma relação assim, valem naturalmente sob as condições
dadas pela sociedade. Sob estas condições, uma relação deste tipo quase não
poderia acontecer sem humilhação ou violência. Ou se acontecesse, ela
provocaria depois ainda mais confusão e perplexidade. Tudo isto com certeza é
verdade. Mas o exemplo também mostra aquilo que nós sob as condições
existentes em nossa sociedade omitimos e perdemos. Ele lança uma luz muito
nítida sobre a totalidade do circulo temático da vida não vivida e do anseio que
corrói constantemente, mas que nunca é superado. Não seria possível, criar
condições sob as quais uma experiência deste tipo fosse possível para muitos?
Não seria possível que o ser humano a partir de seu anseio começasse a
repensar sua vida e agisse segundo esta nova reflexão?

Nossa cultura fixou o Eros na esfera pessoal de duas pessoas. Através disto
ela excluiu zonas profundas da magia sexual. Mas assim como é verdade que
somos homens, estas zonas não se deixam excluir. Elas continuam a viver

69
secretamente em fantasias ocultas, elas servem à propaganda como sedutor
secreto, elas rumorejam nos corpos das prostitutas e dos santos, elas
preenchem os sonhos da literatura, e em algum lugar elas sempre saem da
linha em excessos sexuais, sobre os quais então a imprensa relata. A
sociedade baniu o poder explosivo de Eros para a área da pornografia e da
criminalidade. Hoje ela está prestes a sucumbir por este pecado, porque os
homens não podem eternamente viver com uma máscara. É notório que as
forças numinosas de Eros já não cabem mais no espartilho da sociedade;
muitas pessoas afogam seu desejo secreto no álcool, muitas pessoas,
principalmente mulheres, começaram a declarar guerra contra a moral sexual
hipócrita. A ambiguidade da sexualidade, na qual uma parte é reconhecida
socialmente e a outra parte é reprimida, é um motivo para o desastre, no qual a
humanidade se encontra há muito tempo. Aqui a terapia, a religião, a comida
vegetariana e também o esporte não podem ajudar, aqui somente ajudam
mudanças de curso novas e concretas para a libertação de Eros.

70
Desejo de entrega, mas sem desprezo

O desejo de entrega é uma parte essencial da sexualidade feminina (e assim


como tudo que é feminino também existe em menor proporção no homem).
Para uma mulher o amor e o desejo de entrega são quase idênticos. É o amor
que dá asas à sensualidade. Quando a entrega sexual pode acontecer em uma
atmosfera de amor e de confiança, é o céu na terra.

O desejo de entrega não se dirige de modo algum apenas ao parceiro amado


porque é um desejo ancestral do corpo e da alma e pertence ao equipamento
básico da natureza humana, principalmente a feminina. O desejo de entrega
sexual se dirige basicamente ao homem em geral e é então sempre despertado
(secreta ou abertamente), quando uma situação conveniente se oferece. Este
desejo se apresenta em diversas formas e fantasias e na maioria das vezes se
coloca em incrível contradição, àquilo que os costumes e a moral impõem a
uma mulher respeitável. Se o jovem Werther soubesse, o que também se
passava na cabeça de sua Lotte, se ela de alguma forma lhe tivesse mostrado
e ele de algum modo lhe pudesse dar aquilo que ela queria – a história teria
certamente terminado de maneira bem diferente. O desejo feminino (como
também o análogo masculino) se choca tanto com os preconceitos sociais e
também com a própria vergonha da mulher, que na maioria das vezes não é
nem mesmo sinalizado. Mas como a gente poderia demonstrá-lo em um
mundo, no qual sinais femininos, que são dados nesta direção, podem ser
imediatamente mal compreendidos da maneira mais infame? A mulher não
quer nada mais além e nada mais completo do que se entregar, mas a quem?
E que sinais o homem tem de dar, para que ela possa acreditar que ele não
abusará de sua revelação sexual, que se coloca como plena entrega? Neste
desejo feminino existem elementos tão profundos do objeto-ser-desejo que
chegam até ao desejo pela humilhação momentânea, que a gente traz
imediatamente à tona todo o tema do desprezo chauvinista às mulheres e da
contra luta feminina, quando fala sobre isso. Mas nós temos – em nome do
amor reconhecido – de aceitar a sexualidade como ela é, e não somente como
nossos guardiões dos costumes gostariam que fosse. E ela é assim, graças a

71
Deus. A mulher quer de fato ser “pegada”, e de uma maneira tão leve e tão
suave e tão firme, que o contato persista; então ela pode se entregar. As
ideias, que ela traz em si mesma sobre este anseio, são muitas vezes
essencialmente mais rudes e “vulgares” do que as que correspondem ao gosto
educado, mas elas também são correspondentemente verdadeiras. No livro
“Salvem o Sexo – um Manifesto de Mulheres por um novo Humanismo Sexual”
há um capítulo intitulado “O Pedaço de Carne”. Eu peço às leitoras e aos
leitores, que não façam um julgamento muito rápido. A autora escreve:

“O momento rápido no encontro, em que eu sou totalmente apenas um


bocado... ou uma mulher sobre o chão de pedra do ferreiro, que simplesmente
fode o bocado, simplesmente fode. Neste momento o homem está fora da
história. Isto é para mim a fonte... Aqui a mulher é encontrada, encontrada
simplesmente, reconhecida como mulher. E ela deseja que ele entenda isto e
não comente.”

E ela deseja que ele entenda e não comente..., e que ele também não abuse
sadicamente disto. Aqui não existe nenhum apelo ao sadismo masculino, mas
sim o mais profundo pedido de cooperação e equidade. Na desejada redução a
um “pedaço de carne” não há nenhum anseio por sofrimento masoquista, mas
sim um anseio por uma entrega e abertura totalmente impessoal, transpessoal,
total. Trata-se aqui de um fragmento daquela sexualidade selvagem e arcaica,
que jamais se deixa prender a relacionamentos e programas. Esta sexualidade
está na base de nossa alma como um animal agachado, que teve de se fingir
de morto durante muito, muito tempo – e que hoje começa novamente a se
levantar, porque percebe que a velha chicotada já não acontece mais. Eu falo
aqui das imagens brutais, que em consequência da perseguição histórica da
sexualidade estão de fato armazenadas em nosso inconsciente. Nós
precisamos integrar em nossa sexualidade consciente esta área limítrofe, na
qual o mais intenso prazer se encontra com tendências masoquistas ou
sádicas, para que isto não permaneça na velha cisão e esquizofrenia.

O texto citado é provocador, mas ele é – pressupondo-se um ferreiro sensível e


amoroso – quase como uma profecia, em todo caso um bom e excitante

72
pedaço de verdade. Eu poderia trazer passagens mais duras de textos de Sina-
Aline Geiβler, Lee Voosen, Heide-Marie Emmermann e muitas outras. Esta é
uma nova linguagem feminina, que é verdadeira. Aqui é dito alguma coisa
sobre um (não o único) aspecto da sexualidade feminina. Aqui se diz ao
homem algo, que ele, porque também ele traz em si o feminino, entende muito
bem, mas que ele sob as condições atuais apenas como um chauvinista que
despreza as mulheres, como criminoso violento ou qualquer outra coisa
semelhante não pôde defender e aceitar. A mulher tem, ao lado de todo calor e
força protetora, uma sexualidade tão elementar, que nós homens domesticados
tremeríamos diante dela, se a defrontássemos em toda a sua magnitude.
Somente quando nesta situação existe um contato livre do medo entre ela e ele
é que este grande desejo pode se realizar sem remorso.

Quando a mulher fala de entrega, então ela também imagina esta espécie de
despersonalização, que é insinuada no parágrafo acima. Esta
despersonalização não tem nada a ver com degradação, mas sim com uma
“materialização” arquetípica do corpo feminino. Ela quer neste momento de fato
ser o objeto de desejo para o homem (porém sempre sob a condição, que ele
não reaja a isto com condenação e desprezo). É assim que escreve Lee
Voosen: “Deixe-me ser teu material!” Existe de fato uma determinada espécie
de humilhação e aparente violência neste anseio feminino. Mas não é uma
violência que causa dor ou fere realmente; e não é nenhuma degradação
diante do homem engrandecido por ela. É curioso, como nos jogos de Senhor e
Escrava do negócio sexual, este jogo ainda mantem sua força e seu sentido
real, no qual os dois parceiros permanecem no mesmo nível, sem humilhar ou
se elevar mutuamente. “Degradação” no sentido sexual da mulher não significa
outra coisa que ser corpo inteiro, ser tomada e desfrutada como corpo. Nisto
algumas vezes existe mais cura do que em um romance de amor. É a
libertação da psique e da breguice. Uma mulher que é tomada assim por um
homem conhecedor e sensível, se torna cada vez mais bonita. Liz Taylor
tornou-se novamente aos 58 anos uma mulher bonita e saudável, porque seu
caminhoneiro sabia como tomá-la e ela apesar disto pôde confiar plenamente
nele. Eu não sei como Alice Schwarzer teria pensado sobre a chamada
“penetração”, se ela tivesse experimentado esta confiança.

73
A sexualidade feminina não consiste naturalmente apenas de entrega. O
espectro sexual da mulher contem – com outras ênfases – quase as mesmas
variantes que o espectro sexual do homem. A mulher também pode, quando
ela é totalmente fêmea, se tornar enormemente conquistadora e ativa. Uma
mulher também pode saborear muito, trabalhar sexualmente um homem, até
que ele “chegue”. Aqui não deve ser encontrado nenhum juízo de valor. Mas
este capítulo do livro trata do tema entrega. É aqui que está a profunda
semente feminina da polaridade sexual, e analogamente muitas vezes também
o mais profundo desejo e a mais profunda vergonha. É maravilhoso, quando
uma mulher diz a um homem: “Eu quero ter você”. Mas será que ela não o quer
ter simplesmente para poder “pertencer” a ele durante um contato? Então ela
também o tem, mas de outra maneira.

O desejo feminino, que pode ser despertado repentinamente desta maneira,


conduz muitas vezes à servidão. O homem que teve condições de despertar e
satisfazer a este desejo, não precisa possuir nenhuma outra qualidade estética
ou moral especial. O desejo feminino é tão grande, que tolera algumas
grosserias e maldades e muitas vezes até as deseja. Aqui reside o perigo para
a mulher e o perigo para este tipo de sexualidade feminina. Pois, quem é o
homem de nossa época que está em condições de saciar o desejo feminino
sem malícia e desprezo? De fato, sob as estruturas sociais e intelectuais
criadas até agora quase não existe uma possibilidade de a mulher demonstrar
seu desejo anônimo e conseguir satisfazê-lo de uma maneira transparente e
respeitável. Esta é a causa que leva a maioria das mulheres a se retrair do
sexo depois de algum tempo. Mas permanece um ressentimento inconsciente e
também um desejo quase inconsciente de vingar-se do homem que não esteve
em condições de satisfazê-la adequadamente. Esta vingança latente se
apresenta de diversas formas como, por exemplo, na forma da governante
maternal, que se vinga do homem por meio de um exagero de bondades e
cuidados. Em um mundo, no qual a sexualidade feminina não podia ser
satisfeita pelo homem de forma alguma ou então apenas barbaramente, todo
corpo de uma mulher tesuda era de certa forma também um verdadeiro
sistema de incerteza.

74
A propósito, esta incerteza existe dos dois lados. Sina-Aline Geiβler escreve:

“Eu queria lutar, para ser vencida... eu era uma mulher poderosa e desejava
ser domada. Eu desprezo todos estes homens, que ficam vermelhos de
admiração ou insegurança em minha presença, e que até mesmo começam a
gaguejar... Os homens sucumbem na grande admiração, sentem-se inferiores,
ficam complexados, e no fim eu ainda preciso fazer o papel de mãe, reconstruí-
los e consolá-los, não isto é totalmente contra minha inclinação pessoal.”

E os homens que encontram uma mulher assim, ficam realmente com medo.
Eles até fariam aquilo com prazer, mas eles não podem. Aqui ninguém deve
julgar. Eles não são simplesmente fracotes. Pelo contrario, aqui atua muito
mais a história da dor e do medo, uma historia de mal-entendidos ferimentos
mútuos, que nós hoje não podemos simplesmente ignorar. O desejo precisa
estar ligado dos dois lados a um novo conhecimento e a uma nova
possibilidade de entendimento. Senão tudo continuará como sempre: A uma
experiência bem sucedida correspondem cem histórias frustrantes. O mais
constrangedor para os homens não é certamente, que eles não possam mais
ter suas fantasias sujas ou predadoras, mas sim que se eles pudessem agir
desta forma, já não poderiam mais atuar direito.

Sob as condições sociais existentes a mulher é muitas vezes lançada de volta


à sua própria vergonha. Ela pensa que deve existir nela alguma coisa anormal
ou perversa, se ela continuar a desejar tão avidamente este tipo de sexo puro.
A miséria oculta nos dois lados somente terminará, quando a mulher puder
mostrar seu desejo de entrega, sem ter de temer o desprezo do homem, ou
quando o homem estiver em condição, de aceitar este anseio feminino, sem
sentir seu próprio medo e sem pensamentos maliciosos. Eu penso que para
isto a gente deveria criar novos espaços de encontro sexual, como eu sugiro no
fim do livro.

75
A ninfomania saudável e a fome de nossas células

Jesus descobriu a realidade do Espírito Santo. Ele permaneceu durante toda a


sua vida “possuído” por esta experiência. Por este motivo ele tinha “inclinação
anormal”? Van Gogh descobriu o sol. Durante toda sua vida ele foi “possuído”
pela luz e pela cor. Por isto ele era anormal? Existem pessoas, que
descobriram o sexo (também isto pode ser uma descoberta). Elas são
“possuídas” pelo sexo. Elas são anormais por isto? Quando se trata de
homens, a coisa é mais ou menos tolerada. Mas quando se trata de mulheres,
a gente fala de “ninfomania”.

A ninfomania é a extravasamento da sexualidade feminina através de todas as


barreiras da moral e da dissimulação. O sofrimento na ninfomania vem do fato
de que sobe as dadas condições sociais não existe nenhuma realização para
este extravasamento. Como mulher sob estas condições a gente se sente
muito esquisita, especialmente porque a maioria das outras mulheres parece
não ser afetada por este impulso. A gente começa a se considerar realmente
anormal. No entanto, a “anormalidade” é aqui somente um conceito estatístico,
que significa que em termos de pensamentos e desejos sexuais a gente não
combina com a maioria de nossos contemporâneos. Além disso, não possui
nenhum significado patológico. Nós não queremos dar atenção aqui ao
questionamento, de quem em sentido patológico é realmente anormal, se a
maioria ou a minoria.

Existe um problema na ninfomania, que nós temos de ver, para poder lidar
adequadamente com ele. Algumas vezes a necessidade represada é tão
prepotente, que nenhum contato apropriado pode ser estabelecido. Quando
esta necessidade então ainda está associada a exigências, é quase impossível
para o homem satisfazer prazerosamente as exigências femininas. Isto é de
fato válido não apenas para a ninfomania, mas também sempre quando uma
determinada necessidade nos tomou de forma tão predominante, que nós não
podemos pensar em outra coisa. Quanto mais nós nos prendemos a esta

76
necessidade, menos ela será satisfeita pela vida. Isto se aplica àqueles, que
estão ardentemente à procura de sexo, e também àqueles, que procuram
energicamente por um parceiro para a vida, e ainda àqueles que procuram
fervorosamente pela verdade religiosa. A gente rechaça a realização, quando a
procura acontece de forma tão unilateral e drástica. É possível de fato chegar
então a um circulo vicioso de frustração e furor interior, que assume
características patológicas. Qualquer um conhece temporariamente esta
tortura, por experiência própria. Aqui é preciso que primeiro surja uma
determinada tranquilidade, que mate ou suavize a fome exacerbada. A gente
também precisa aqui de um ponto de montagem interno fora da necessidade,
para então provar a coisa a partir de uma perspectiva oportuna.

Demora um bom tempo na vida de uma pessoa, até que a energia sexual vinda
dos grunhidos do fundo das células através de todos os labirintos internos
alcance a luz do dia e lá apareça como uma pura e não dissimulada força da
natureza. Quando este processo ocorre, as crostas e barreiras internas se
quebram e então a energia sexual se assemelha à energia de uma irrupção
vulcânica. O organismo inteiro se transforma em pouco tempo e dirige toda sua
atenção a este foco. É como se de repente a fome de anos e séculos fosse
despertada. O organismo físico-espiritual tem uma necessidade acumulada que
não possui fronteiras. Que ele com isto perca temporariamente o equilíbrio, é
simplesmente natural. Ninguém, que tenha sido tomado por estas forças
remotas da vida, pode permanecer em seu equilíbrio costumeiro. Neste
sentido, uma mulher que se encontra nesta condição precisa de apoio
humanitário. Mas este apoio ela não recebe através de lições hipócritas, e sim
através da possibilidade de contatos sexuais livres do medo e da vergonha. Ah,
se existissem homens suficientes, que pudessem aceitar esta oferta de uma
boa maneira!

A ninfomania não é uma perversão sexual, ela é em princípio a abolição de


todas as perversões, porque ela traz a energia sexual em sua forma pura e
verdadeira à luz do mundo. Se as pessoas conhecessem mais deste processo
se elas soubessem acima de tudo mais sobre si mesmas, então elas também
saberiam que a mesma coisa poderia acontecer com elas em outro estágio de
suas vidas. Se existisse em geral uma possibilidade de desenvolvimento livre e

77
não deformada da energia sexual, todas as pessoas passariam por esta fase
de infinita fome sexual – passariam e sofreriam, se até lá nós não tivermos
construído uma possibilidade melhor de realização. Se milhões de pessoas no
conflito entre o desejo e a vergonha pudessem se decidir pelo desejo, então os
relacionamentos majoritários logo seriam vistos de outra maneira e as
ninfômanas certamente não mais fariam parte da minoria.

Existem muitas razões para uma mulher se decidir pela vergonha no conflito
entre o desejo e a vergonha, isto porque ela sente instintivamente, que a fome,
que se encontra em seu desejo, não pode ser saciada tão facilmente. Quem
pode saciar a fome feminina? Esta pergunta é séria e de modo algum no
sentido de algum tipo de menosprezo pelas mulheres. Os padres e os escribas
de nossa cultura sempre perceberam a mulher como “o mal”, ou seja, como a
representante da carne, do desejo e da sedução. Com métodos pertinentes –
não apenas na caça às bruxas da Idade Média – eles agiram contra ela. Eles
farejaram e temeram a supremacia da sexualidade feminina.

Ainda será necessário um longo tempo até que o sexo feminino se recupere
das perseguições a que foi submetido durante toda a história. As “lembranças”
estão entalhadas nas camadas mais profundas da alma. Quando hoje uma
mulher se coloca do lado de seu desejo sexual, porque não pode fazer outra
coisa, então ela é inconscientemente confrontada com a perseguição sexual de
toda a história patriarcal. Quando ela tenta superar esta situação ao
autodesignar seu apetite como “anormal” e talvez até comece um tratamento
médico, muitas vezes isto é um pedido de absolvição e perdão. Desta forma,
ela não aplacou seu desejo, mas sim sua consciência. A “ninfômana” tem a má
sorte de viver em uma época errada. Aquilo que lhe parecer ser um abismo
infindável entre seu próprio sentimento e o sentimento das mulheres “normais”
não é na realidade nenhuma diferenciação da estrutura interior, mas sim
apenas uma diferença no grau da manifestação sexual. Nela “ela se mostra
mais claramente”. Mas aquilo, que se mostra para ela, existe estruturalmente
na maioria das outras também, porque a energia sexual existe em todos os
lugares, onde existem pessoas. Se a gente inventasse uma câmara fotográfica
infravermelha, que tivesse condições de fotografar os pensamentos e as
fantasias secretas das pessoas, por exemplo, em um passeio pela cidade, ou a

78
andar pelo supermercado, no intervalo de uma peça teatral, na Feira do Livro
de Frankfurt etc..., se a gente pudesse ver, os pensamentos sexuais que
cintilam em todo canto, na maioria das vezes apenas por segundos, até serem
imediatamente mais uma vez reprimidos – nós nos encontraríamos em um
inferno de sexualidade, que ultrapassaria em muito nossas ideias mais
ousadas. Devemos chamar este fenômeno de ninfomania reprimida? Ele é
muito mais que isto. O mundo dos homens é tão diferente do que parece, que a
gente deseja, que o grande circo termine em uma gargalhada alciônica.

A chamada ninfômana pertence à rara espécie de mulher, que não pode mais
reagir ao seu próprio desejo com o grande não feminino. Mas, em função de
sua intensa tensão e de condições sociais não favoráveis esta mulher ainda
não encontrou seu sim individual, soberano e tranquilo. Com isto ela é
sintomática para todos nós, o desejo apenas a “pegou” de modo intenso. Em
todo caso eu lhe desejo realização sexual e gostaria de ajudar a criar
oportunidades, nas quais isto seja facilmente possível.

79
A compulsão pela eterna mentira

Se todos os cirurgiões, todos os psicanalistas, todos os médicos pudessem ser


levados de suas atividades e por algum tempo se reunissem no anfiteatro de
Epidauro, se eles pudessem questionar com tranquilidade e paz as
necessidades mais urgentes da humanidade, a resposta se seguiria muito
rapidamente e diria unânime: REVOLUTION – uma revolução mundial de cima
abaixo, em todos os países, em todas as classes, em cada camada da
consciência.

(“Citado do Collosso de Marússia”, de Henry Miller)

Em nenhuma outra área a gente é obrigada à mentira como na área da


sexualidade. Em nenhuma outra esfera a mentira se incorporou tão
profundamente e se transformou tanto em segunda natureza como na esfera
da sexualidade. E por isto em nenhuma outra área é tão difícil de superar. É
como se todos tomassem parte em um complô secreto contra a verdade.
Quando apesar disto alguém sai dos trilhos, então os outros têm a vítima de
que evidentemente precisam para se sentirem autoprotegidos e autoseguros
em sua moral perversa. É tudo como sempre foi. Eu acabei de ler um artigo
sobre professoras que supostamente teriam abusado sexualmente de seus
alunos. As professoras com idades entre 28 e 45 anos se encontram em um
belo momento de vida, os alunos que têm entre 13 e 17 anos também vivem
uma bela fase da vida. De ambos os lados uma faixa etária bonita e excitante.
Qual o jovem que não faria .... com prazer, se ele pudesse, se confiasse em si
mesmo, com sua professora? O que poderia haver para ele de mais excitante e
fantástico do que isto? E suponhamos então que a professora aceitasse isto de
uma forma sensata, porque ela própria sente desejo, e fizesse a sua parte bem
e consciente: O que aconteceria de melhor a um jovem aprendiz, do que ser
batizado desta forma na sexualidade? Se fosse possível falar a respeito de um
encontro tão excitante sem usar de piadinhas maldosas e de insinuações, mas
sim aberta e verdadeiramente, quantos caminhos errados e sofrimento

80
poderiam ser poupados a este jovem em seu desenvolvimento sexual.

E por outro lado: Qual a professora que não faria... com prazer com um de
seus alunos, se ela pudesse e se confiasse em si mesma? Ela não seria uma
fêmea, e não teria nenhum sangue quente em suas veias, se pelo menos uma
vez este pensamento não lhe tivesse ocorrido. Imaginemos apenas que estes
pensamentos não tivessem de ser imediatamente reprimidos, mas sim que a
gente pudesse refletir com tranquilidade sobre eles. Apenas imaginemos que
eles pudessem ser falados entre amigas porque seriam considerados naturais.
Imaginemos que uma destas professoras aceitasse esta possibilidade com
alegria crescente, o que haveria então de errado nisto? Ela descobriria clara e
decisivamente, que ela “gosta” destes caras jovens, que ainda não tocaram em
uma mulher. Toda mulher gosta de algo assim. De ser a primeira para ele, de
sua virgindade sedenta, de sua excitação e de sua falta de jeito e mesmo
assim já tão poderoso, que pode cobri-la. O que há de mal nisto?

O que é ruim não é o ato, ruins são as relações sociais, sob as quais ele
acontece. E estas relações dão frequentemente ao ato alguma coisa de
humilhante, como, por exemplo, quando um dos dois depois de algum tempo
começa a chantagear o outro ou algo semelhante. O mal adquire forma porque
o ato não pode ser executado em liberdade e dignidade, porque um meio-
ambiente superexcitado e extremamente falso, observa com os olhos fixos tudo
que combina com suas fantasias pornográficas. O medo de ser descoberto é
por fim mais forte do que a amizade que poderia resultar desta relação. E
quando então se torna público, os dois precisam empurrar a culpa de um para
o outro, porque de outra forma eles não veriam nenhuma possibilidade de viver
satisfatoriamente de alguma maneira. Sob estas circunstâncias surge o ódio
onde o amor seria possível.

É uma tragédia sem fim. Assim ou de forma semelhante transcorrem muitas


experiências sexuais, que se situam fora da chamada “normalidade”. Sob estas
condições o que sempre permanece no meio do caminho – em uma conta total
– é o amor e a verdade. As pessoas que têm de cumprir seus papéis sociais,
porque muitas vezes não têm outra possibilidade, são impelidas à mentira – e
elas precisam estar seguras, de que ninguém a perceberá. Elas são então

81
coagidas a uma vida perversa. Aqui os pensamentos verdadeiros, os anseios,
desejos e de vez em quando também as ações – lá o homem limpo com seu
raciocínio humano saudável, sua opinião pública, seu dedo indicador
levantado, sua rigidez moral e sua dignidade. Esta cisão da própria vida em um
lado que é mostrado e em um lado que é escondido ocorre em geral em todas
as classes, em todas as profissões e em todos os níveis educacionais. A moral
dupla e o jogo enganoso pertencem aos fundamentos de nossa cultura. Quanto
mais rígido com os costumes alguém se apresenta, como juiz, por exemplo,
como padre ou como professor, em seu interior, mais desvalido é
frequentemente este alguém em seu íntimo. O talar e a dignidade lhe protegem
do desmascaramento. Todo jovem deve se conscientizar de que a autoridade
moral que aqui se coloca diante dele, na verdade muitas vezes é ainda pior do
que ele mesmo. Porque alguém com quinze anos ainda não é capaz de tanta
dissimulação.

Já foi dito muitas vezes, mas talvez a gente precise dizer mais uma vez: Na
causa intrínseca de tantas ações desesperadas e de tantas maldades está a
falsa moral sexual; em vez de evitar o mal, ela o criou, em vez de humanizar o
mundo, ela o aterrorizou; a moral sexual não encheu os corpos de amor, sim
de medo e ódio; ela não ajudou aos infelizes, ela os condenou; ela agiu contra
os amantes de todas as épocas com o fogo e com a espada, com a inquisição
e com a difamação; para livrar o mundo do amor ela ameaçou, violentou,
empalou, humilhou e exterminou; ela trouxe a igreja e os dignitários, para
santificar a mentira, e por fim construiu hospitais, para tratar medicinalmente
das consequências psicossomáticas de seus atos destruidores.

A moral e a mentira estão até o momento em uma associação muito estreita,


elas são irmãs desde séculos, e elas são assim tão naturais, que ninguém mais
se preocupa com isto. Aquele que vê esta relação, na maioria das vezes
escapa para o cinismo amoral ou para o silêncio resignado. Porém, os amantes
ativos não estão preparados para as duas coisas. Seu amor somente terá uma
chance de duração, quando eles arriscarem sua vida, para acabar com este
embuste.

Hoje em dia não há mais nenhum sentido, em dizer aquilo, que atualmente é

82
‘in’. O falatório sobre a vida (ocidental) livre continuará a ser absurdo e ridículo
enquanto nesta “liberdade” tantas pessoas perecerem psicologicamente, ao se
isolar sem esperanças, por exemplo. Nós já perdemos tempo demais, em nos
adaptarmos a este circo, com isto muita verdade e muita capacidade de amor
foram irreversivelmente ignoradas. Agora o que importa para todos os
questionadores, para todos aqueles que procuram e também para todos os
amantes, é voltar a confiar em seus próprios pensamentos, para ver o que para
eles é realmente real – e também a dizer isto ocasionalmente mais uma vez,
porque o que para alguém é verdade, para outros muitas vezes também é.
Quando nós estivermos em condições, de nos entendermos com base na
verdade e agirmos de acordo com ela, então Eros terá uma força tão grande,
que fará o asfalto derreter. Está em nossas mãos.

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Falsa moral e verdadeira ética

Quando neste livro se fala da falsa moral, isto não quer dizer que a moral em
geral seja alguma coisa errada. A gente agora não deve tentar violentamente,
levar uma vida amoral, isto seria apenas o outro lado da moeda. A consciência,
eu falo da verdadeira, é um dos mais nobres e superiores equipamentos da
mente humana e deveria sob todas as circunstâncias, ser redescoberta,
cuidada e seguida. Porém, esta consciência fala uma língua bastante diferente
do que a falada pela moral comum. A moral em seu antigo sentido é o medo da
punição; a verdadeira moral, que se origina na consciência humana, é
responsabilidade, participação e apoio da vida positiva e de todas as suas
forças centrais de crescimento e de amor. A velha moral se alimenta do medo;
a moral autêntica se alimenta da verdade e da confiança e as produz através
de si mesma. Apenas quando houver verdade e confiança é que o homem
poderá vencer a moral do medo e vivenciar um profundo amor, que faz dele um
ser participante e ético. A imoralidade da cultura comum somente pode ser
superada no momento em que os homens começarem a levar entre si outro
tipo de vida. Aqui se trata também da verdade no amor, que sob as condições
gerais de monogamia, casamento e ciúme não é tão fácil de produzir. Nenhum
ser humano pode no velho sentido permanecer fiel a outro durante trinta anos,
sem “traí-lo” pelo menos em pensamento. A verdade no amor, a ética na
sexualidade e a participação duradoura na vida do outro somente serão
possíveis quando forem encontradas formas abertas, livres, mas mesmo assim
não menos conjuntivas, para a vida em comum dos sexos.

A moral no sentido atual é a forma oficial da imoralidade existente, porque


detrás dela precisa haver sempre alguma coisa escondida, distorcida e
reinterpretada. A moral sexual de hoje em dia é uma fonte de coisas imorais.
Ao impedir o desenvolvimento de uma moral e uma alegria de ser naturais, ela
também bloqueou o surgimento de uma ética natural. Não é o chamado pecado
sexual que é imoral, imorais são aqueles que o designaram como pecado. O
denominado pecado original do Velho Testamento não é ruim, maus foram
aqueles que o proclamaram um pecado original. Não é o adultério que é imoral,

84
e sim o sétimo mandamento que o proíbe. Não é a carne pecadora que é fraca,
mas sim o espírito, porque através da Igreja e dos falsos profetas a coragem da
verdade foi tomada. Se de alguma forma houver uma necessidade absoluta
para a reavaliação de todos os valores de Nietzsche, então aqui a temos. Mas
não simplesmente em um sentido da pura negação e inversão. Os novos
valores não surgem através da inversão dos velhos, e também não surgem
absolutamente dos velhos, mas de uma nova, sólida e duradoura experiência
do amor, da verdade e da confiança.

A verdadeira moralidade cresce do amor e da alegria da existência. A gente é


por natureza boa para quem a gente ama, a gente é gentil diante dos sensíveis
e dos que estão em crescimento, a gente cuida do que é belo. A gente sente
com os sofredores, a gente tem piedade sem falsa sentimentalidade. A
compaixão é neste nosso mundo de sofrimento o principal sentimento do
homem moral. Aqui nós nos colocamos em um ponto bastante diferente do
ponto de vista de Nietzsche, que via a compaixão como fraqueza. Ele tentou
simplesmente como tantos outros homens heroicos, vencer seu coração terno
por meio de um exercício espiritual rigoroso. Até que por fim ele mesmo foi
vencido naquela manhã em Turim (1889), quando ele viu, como um tratador de
cavalos batia sem sentido em um cavalo. Então o Filósofo do Superhomem
andou até o cavalo, e caiu no pranto abraçado ao seu pescoço. Quem conhece
a criatura, quem a percebe e entende, conhece naturalmente este tipo de
sentimento, que não tem nada a ver com moral. O Cuidado e a ajuda, que
acontecem por si mesmos a partir da percepção e do contato vital, não são
então mais nenhuma obrigação moral, mas sim ações naturais da moral
natural.

A verdadeira moral, quanto mais madura se torna, mais se une à consciência e


à reflexão. Depois de algum tempo ela não reagirá apenas positivamente
àquilo, que a gente ama, mas também agirá de outra maneira com aquilo não
se ama. Eu não quero aqui trazer nenhuma reedição do Sermão da Montanha
nem trazer à tona a grande ética maniqueísta (“Liebt das Böse gut!”)*

* Referência ao livro de Hans-Willi Haub, 'Liebt das Böse - gut'. Das Mysterium
von Golgatha und die Verwandlung des Bösen.

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Mas com certeza a verdadeira moral que tem sua força a partir do amor, da
confiança e da verdade, se preserva seguramente também diante das pessoas
que vivem sem esta fonte e por isto mesmo fazem as piores coisas. Nós
poderemos odiá-las cada vez menos, quanto mais estivermos unidos a esta
fonte moral do amor que reconhece. Quem viu as relações entre a infância
destruída e a violência e a mentira posteriores, quem entende as relações, que
Alice Miller descreve em seus livros, não pode mais se entregar simplesmente
aos seus instintos de ódio e de vingança. Ele também não perdoará facilmente
seus inimigos e rezará por seus irmãos maus, mas ele se imporá uma
disciplina humana e espiritual, que agora já não vem mais de uma moral
imposta, mas sim do próprio reconhecimento.

No sentido de uma moral autêntica e de humanidade, nós designamos como


éticas todas aquelas coisas que incentivam as forças elementares do
crescimento da ternura, do amor e da compreensão. Moral é a cooperação do
homem com a natureza e com todas as criaturas viventes, que se sucede ao
contato não sentimental, mas resoluto em vez de sua dominação e exploração.
Uma pessoa moralista provavelmente não usará um casaco de peles, que em
sua produção tenha matado animais em armadilhas ou em uma fazenda de
criação.

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O desejo escondido e a vida por viver

“A gente não lamenta os pecados que a gente cometeu; a gente chora por
aqueles, que a gente deixou de cometer.”

(Frase de uma velha senhora do livro “O desejo secreto”)

A vida sexual do homem ainda acontece até hoje muito mais em suas fantasias
do que na realidade. O que são nossas palavras diante daquelas, que a gente
cala! O que é a vida que nós mostramos ao exterior, diante daquela que nós
ocultamos! O que são dez relações sexuais conjugais diante de uma única
verdadeira e substancial fantasia masturbatória! Será que nós compreendemos
que nesta área central de nossas vidas nós ainda não entramos na esfera
pública, no conhecimento, na relação verdadeira para pessoas reais? Temos
consciência de que o sexo regular que praticamos uns com os outros, algumas
vezes tem a função, de reprimir o sexo verdadeiro, que nos enlouquece? Por
que fazemos isto?

Se perguntássemos aos nossos pais, se eles estão satisfeitos com sua vida,
eles diriam sim, porque eles não conhecem nenhuma outra. Se eu perguntar a
uma esposa, se ela está satisfeita com sua vida amorosa, ela também dirá sim,
porque ela praticamente não tem possibilidade de levar outro tipo de vida. Não
há nenhum sentido em fazer estas perguntas, enquanto não existirem
possibilidades de comparação ou enquanto não houver nenhuma possibilidade
de mudança. Sob estas condições, muitas vezes também não há nenhum
sentido em refletir sobre a verdade, porque ela apenas dói, enquanto não
houver nenhuma saída. No primeiro semestre de meus estudos de Psicologia
nós tivemos de preencher um questionário psicológico genial. Uma de suas
perguntas era: Você está satisfeito com sua vida sexual? Eu marquei um “X” na
resposta afirmativa, porque eu não tinha nenhuma vida sexual. Eu nem mesmo
sei, se eu menti.

Eu sei apenas, que nós não estamos satisfeitos com nossa vida, e eu sempre
me senti feliz, quando ouvia ou lia em algum lugar, que dizia isto claramente,
sem fanfarronadas artificiais e sem o emocionalismo literário do sofrimento.

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Pois não se trata neste livro científico da encenação de um drama efetivo, mas
sim da constatação daquilo que é, para que possamos fazer um balanço, que
nos motive eventualmente, de agora em diante, a fazer algo diferente. Um
exemplo seguro da sobriedade deste balanço é para mim o prematuramente
falecido professor e escritor suíço Fritz Zorn, que adoeceu de câncer aos 30
anos e nos dois últimos anos ainda restantes não teve mais nenhum tempo
para se preocupar com sentimentalidades e meias verdades. Na luta contra o
fim que se aproximava ele escreveu o livro intitulado “Marte” (veja livros
indicados), no qual ele direta e objetivamente e de forma muito inteligente
retrata o tema de seu tormento sexual. Hoje nós já não o temos mais, pois ele
morreu após concluir seu livro, mas nós temos o livro. Os livros são
documentos de nossa época. Se refletíssemos sobre eles, então talvez
falássemos um pouco menos, produzíssemos mais verdades e olharíamos o
mundo um pouco mais objetivamente. Não existe nenhum motivo para
depressão ou desespero, quando nos decidimos a iniciar este trabalho.
Desespero sentem apenas aqueles que ocultam tudo e têm de se virar
sozinhos. Para alguém sozinho, eu já disse isto sobre o tema da monogamia,
este mundo é muito difícil. – O revigorante e encorajador em Fritz Zorn, apesar
de sua morte prematura de câncer, é o não positivo, que ele escreve sobre sua
vida. Certamente existe também um sim positivo, nós o ouvimos com Nietzsche
e também com Hermann Hesse, certamente existe uma filosofia fundamentada
do estar de acordo, mas eu continuo a sugerir, que devemos aboli-lo pelos
próximos dez anos e antes disto encontrar o grande não em toda sua beleza e
verdade. O que, quando eu olho exatamente, foi tão surpreendente, que eu
pudesse realmente amar nesta vida? Quem ou o que foi então tão importante
para mim, para que eu tenha desejado me engajar totalmente. Que convicção
interna, total e plena pude ganhar até agora, pela qual eu estivesse
sinceramente preparado, para arriscar toda a minha vida e toda a minha força
sem questionamento?

Antigamente, quando eu no auge do sentimentalismo, encontrava-me debaixo


das cerejeiras florescentes em um campo verdejante, todos os anos eu tinha
um desejo estranho, contínuo e insaciável. Será que já não o tenho
atualmente? No passado, eu sempre senti medo, quando se tratava de

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meninas muito especiais. Com 15 eu não sabia de quase nada, hoje com
quase 50, eu já sei um pouco mais sobre alguma coisa, mas será que por isto
eu já cheguei mais próximo daquilo que sempre foi para mim o sentido e o
objetivo da vida? Todo o esforço empregado, toda severidade contra mim
mesmo, e toda injustiça contra os outros sulcaram mais uma ruga em meu
rosto, mas será que eu já estou seguro, que toda esta luta valeu a pena? Eu
ainda continuo de pé no campo primaveril com o mesmo anseio, ainda tenho
sempre a mesma sensação formigante, quando vejo mulheres, eu continuo a
ter o mesmo sonho de uma vida sem medo e sem compromissos triviais. A vida
ainda não acabou, nem com 50 e certamente também não com 80, mas na
verdade também ainda não foi vivida. De certa forma tudo foi uma preparação.

Se eu fosse mulher, isto teria sido mais difícil. Em algum momento eu teria
perdido o objetivo. Eu teria a partir de uma soma total de rugas corporais e
outras deficiências de fazer um balanço interior com o resultado, de que eu já
estou muito velha, muito frágil, e muito “out” para os prognósticos sexuais desta
vida. As mulheres começam a pensar desta maneira já aos 30. Já nesta idade
começa a ideia ou a certeza da vida perdida. Imaginemos isto com toda
tranquilidade. Pessoas, que na verdade estão no auge de suas possibilidades,
já percebem que elas falharam, que perderam e negligenciaram sua vida. Mas
elas não percebem isto de uma maneira construtiva, que as motive a uma
correção positiva, mas sim de uma forma fatalista e resignada, porque não
veem nenhuma outra possibilidade. A partir deste ponto elas ainda tentam
alguns Comebacks, lançam mão de outros recursos para sobreviver de forma
satisfatória às próximas décadas. Maria Schell foi uma atriz encantadora, e
certamente também uma mulher encantadora. Mas instintivamente ela sabia
exatamente, que a vida no palco não podia ser tudo. Também ela fracassou
por fim na solidão da vida não vivida.

O brilho e a glória desta vida se mostram depois como um fiasco. Da fama, que
nós em algum lugar tivermos conseguido com esforço, muitas vezes não sobra
muito. O que será com o campeão mundial de Boxe Tyson, quando ele tiver
dissipado todo seu dinheiro? O que aconteceu com o campeão de tênis Björn
Borg, depois que seu tempo de jogador terminou? Quanto tempo ainda nós
vamos nos deixar enganar por meio de fases de sucesso temporárias e com

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isto reprimir os temas importantes? Eu sempre fiquei feliz por Boris Becker.
Apesar de todas as seduções sociais ele esteve em condições de colocar os
temas da vida acima dos pontos no tênis. Mais tarde ele não estará no abismo
da vida, quando ele não puder mais lançar as bolas sobre a rede. Ele será,
apoiado por aqueles, que o amam há muito tempo, a trabalhar de alguma
forma boa na vida e não se deixar corromper tão facilmente por ofertas de
publicidade da Adidas (que a propósito hoje já não ocorrem, porque eles
perceberam, que aqui quem joga é uma pessoa e não um boneco).

Eu me alonguei um pouco, para nem sempre falar logo sobre o sexo. Mas
afinal a vida não vivida consiste sempre de amor não vivido e de sexualidade
não vivida. Depois de todos os esclarecimentos anteriores eu não preciso
explicar mais nada a este respeito; eu gostaria apenas de chamar a atenção
mais uma vez para o belo livro sobre o “Desejo Secreto”, no qual mulheres
acima dos 60 relatam sobre sua vida sexual. Todas elas estão em uma idade,
na qual a vida “passou”, e todas elas dizem, que ainda estão cheias de vida,
ativas em seus desejos sexuais, ativas no tema total do amor, Eros, amizade
etc. Elas dizem isto muito mais sinceramente do que outras pessoas, porque
elas não têm mais nada a perder. Como seria, se todas as pessoas falassem
assim, antes de completarem 60 ou 80 anos de idade? Como seria, se a
juventude sonhadora finalmente recebesse uma doutrinação deste tipo, para
que ela não continuasse a incorrer nos mesmos erros?

Em Hamburgo mais de 30% da população é constituída por homens e


mulheres que vivem sozinhos. Existem edifícios inteiros que possuem
apartamentos apenas pra os chamados “singles”. Estes solteiros têm em sua
maioria mais de 30 anos e muitas vezes já estão acima dos 40. Aqui o
sofrimento da vida não vivida quase já se tornou arquitetura. Eu não gostaria
de estar na pele destas mulheres. Mas eu também não gostaria de repetir para
ela o “out”, em que elas mesmas já acreditam. Quando as discotecas já não
são mais uma possibilidade, então talvez existam ainda outras, melhores
possibilidades de contato e alegria de viver. Talvez este livro seja até nestes
casos passado de mão em mão. Em todo caso ele seria um assunto de
conversa. Alguém tem de finalmente pensar em levar estes empreendimentos
de singles e os bailes dos corações solitários etc. a outro nível e encontrar uma

90
nova perspectiva. As pessoas não precisam apenas de algum tipo de contato,
elas precisam principalmente de vontade e de coragem de reconstruir sua vida.
Para cada um solitário, seja homem ou mulher, existem muitas possibilidades,
se ele ou ela estiverem preparados a abandonar a resignação.

Por fim, para que ninguém creia que os solitários sejam os azarados de nossa
sociedade, ainda mais sem saída se encontram muitas vezes as chamadas
relações amorosas e os casamentos. Quando os cônjuges à noite se sentam
juntos em solidão familiar e veem a vida desperdiçada diante da tela... quando
cada um em segredo pensa em alguma coisa, que o outro também pensa e
que eles por isto não podem falar.. quando a parcela culta da humanidade, a
raça branca na Europa e na América se deixa enganar desta maneira e não
empreende nada contra isto... Os Hooligans comentam esta grande loucura de
sua maneira. Eles pegam para si com violência alguma coisa da aventura da
vida, que eles não podem vivenciar de uma maneira mais suave e bela.

Em consequência de sua contradição desastrosa, nosso mundo social se erigiu


sobre dois andares separados: sobre um, no qual estão os desejos e sonhos
interiores, ocultos e quentes, e sobre o outro, no qual a gente se apresenta
como cidadão normal. Nesta esquizofrenia não foi apenas Jürgen Bartsch o
único a surtar. Enquanto os dois andares permanecerem separados, os seres
humanos continuarão a estar sujeitos àquela não nominada doença, cujo
diagnóstico é sempre o mesmo: a vida não vivida.

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Ontem à noite no bar

Trata-se de um local relativamente conhecido em Frankfurt. Eu conheço o


casal, que dirige este restaurante. Os dois são atraentes, no início dos trinta,
bem situados, mas ainda insatisfeitos; ambos ainda não desistiram do anseio
por alguma outra coisa. Mas o que é esta outra coisa? A respeito disto eles
fizeram um acordo de silêncio. Ela se encontra secretamente com..., ele se
encontra em segredo com... Eles sabem ou pressentem isto um do outro, mas
eles são “fair” e calam. E então as garçonetes: duas mulheres com seios
exuberantes. Isto não se deixa ignorar. Quando ele vê estas duas, então ele
pensa alguma coisa. Mas quando ele pensa que ela percebe o que ele pensa,
quando vê as duas, então ele de repente fica muito ocupado e se comporta
como se ele não pensasse em nada. Esta espécie de atividade de desvio, com
a qual os dois evitam suas questões secretas, já se tornou tão autônoma, que
quase tudo agora é quase somente negócios. Uma vez o antigo namorado
iugoslavo da anfitriã chegou. Na verdade ele veio por causa dela, mas ela
precisava cuidar dos negócios detrás do balcão do bar. Ela gostaria
imensamente de combinar para sair com ele, mas isto seria uma história muito
complicada com seu marido. Então é melhor não. Então chegou um jovem, de
18 anos de idade, e gostaria de estabelecer um contato com a garçonete mais
velha, porque ela lhe parece tão feminina e tão maternal, mas ela tem de servir
às mesas. E quem tem de ser servido lá! Pessoas alegres que se esforçam
para esconder seus olhos telescópicos detrás do cardápio e do vinho. E tudo
isto se passa sem que uma única palavra seja dita. Um exemplo para o
capítulo anterior sobre a sociedade com os dois andares. Eu teria cochichado
com prazer alguma coisa ao ouvido da anfitriã – mas o que, enquanto ela
estiver neste sistema? Eles estão há alguns anos diante da escolha: dinheiro
ou amor, negócios ou verdade, papéis sociais ou vida ativa? E como parece,
eles já fizeram sua escolha. Eles continuam a ser simpáticos como antes, mas
eles se tornaram uma parte de alguma outra coisa. Eles queriam abrir um bar
diferente. Agora eles têm um bom faturamento e fazem férias nas Maldívias. Eu
peço ainda uma cerveja pequena e reflito novamente sobre isto. Quem
encenou tudo isto e porque eles tomam parte nisto?

92
Meu amigo Martin

Martin é uma pessoa que se sobressai, na metade dos 40, arquiteto capaz e
constantemente ativo como filósofo e como artista. Recentemente após uma
longa separação ele teve um reencontro com sua antiga namorada. Ele a
pegou na estação ferroviária e lhe anunciou seu desejo, de estar com ela de
novo para valer. Ela reagiu a isto de forma reticente e um tanto fria. Martin
reagiu interiormente de imediato, mas ele tem a propriedade de parecer
exteriormente como um mestre Zen, quando ele perde intimamente o controle
como um guerreiro selvagem da mitologia nórdica. Eles partiram juntos de
carro por um lugar em Bodensee e chegaram a uma passagem de nível
fechada. Martin acelerou, passou por ela, faltaram apenas poucos metros para
que o trem colidisse com seu automóvel. Existem algumas pessoas que não
sobreviveram a algo assim.

Foi uma ação simbólica. A cancela, que ainda não pôde ser ultrapassada no
interior, foi quebrada exteriormente em determinação eufórica. Martin se
revelou em seu ato. É assim muitas vezes com os homens, quando eles são
pegos “em flagrante” fora de sua meta feminino. Eles não conseguiram ganhar
a menina, e então começam a cometer atos heroicos. Eles vivem em um
mundo simbólico, no qual aquilo que eles verdadeiramente procuram e
desejam, não ocorre, nunca acontece e por isto tem de ser realizado em forma
de ações simbólicas. Aqui nenhum pico é tão alto, nenhum deserto é tão
solitário, nenhuma pista tão difícil, o homem arrisca tudo. Ele não se deita gentil
e intimamente com a mulher, pelo contrário, ele perfura, porque ele é
simbolicamente inclinado a atirar a flecha de seu espírito na matéria do mundo.
Ele é, sem o saber, quase fundamentalmente um filósofo. Ele exercitou isto
durante séculos, ele tinha de praticar isto, porque a fêmea não esteve há muito
tempo com ele e ele também não esteve com ela.

Nós todos levamos mais ou menos uma vida simbólica, do automóvel até a
marca do cigarro enquanto não tivermos chegado ao outro, o homem à mulher
e a mulher ao homem e os sexos um ao outro. É a vida constante diante da
represa, que nos impele a estas ações simbólicas. É a fase pré-natal de um

93
processo de nascimento, que se anuncia em nossos excessos. O que deve ou
quer nascer aqui? É sempre o amor, é sempre esta pátria íntima mental e
sensual dos sexos, nunca é alguma outra coisa, ele apenas se mostra diferente
enquanto o caminho ainda estiver impedido. É assim que o heroísmo e o
desprezo pela morte se mostram, onde na realidade o amor é pensado. É a
assim que a dureza se mostra, onde na verdade é a ternura que é pensada. É
assim que se mostra a ação violenta do homem, onde na verdade também ele
gostaria de se entregar. Nós vivemos em uma simbologia de valores invertidos.

Martin tem um notável talento sensorial, eu o observei muitas vezes a cozinhar.


Mas como simbolista e filósofo ele é tão fixado ao intelectual, que ele primeiro
também tem de analisar e questionar tudo que é sensorial. Eu presumo que ele
tenha passado muitas vidas anteriores em rigorosas celas de conventos, para
libertar sua cabeça de seu ventre. Hoje ele é tão seco e tão sexy como madeira
rangente. Mas ele cozinha e dança como um Sileno. Oralidade e sexualidade,
boca e ventre, mordiscar e comer fazem parte em relação intima da divina
sabedoria de nosso corpo. Se Martim algum dia trepar como ele cozinha, ele
não precisará mais quebrar nenhuma cancela.

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A sexualidade entre o desejo e a vergonha

Alguém já leu o livro de Erica Jong “Medo de Voar” e o compreendeu sem


nenhum comentário muito rápido? Sua ânsia pela “foda espontânea” é a ânsia
consciente ou inconsciente de todo corpo. Alguém já leu “Delta de Vênus” de
Anaïs Nin, sem se tranquilizar porque o livro é apenas literatura? Ela mesma
estava tão envergonhada a respeito de suas confissões indiretas, que teve de
afirmar, que o escrevera apenas por motivos financeiros. Alguém já leu este
tipo de livro, sem no íntimo de suas células se sentir tocado por suas
verdades? Alguém já leu Bukowski ou Henry Miller, sem ficar verdadeira e
sinceramente excitado? Nestes livros é descrito o Eros anárquico, aquele que
movimenta nossas fantasias na proporção em que é excluído da vida real. São
livros positivos sobre a sexualidade, e através deles são despertadas em nós
emoções positivas. Um anseio infinito por tais experiências queima dentro de
nós, um céu e um inferno repleto de possibilidades não vividas. E todas elas
existem em um corpo bem educado, vestido com roupas civilizadas, roupas
íntimas e gravata, dominado por um rosto com a expressão autosegura de uma
indiferença polida. Nós somos geniais. Se a arte da camuflagem atingiu a
perfeição em alguns habitantes do mar ou no camaleão, ela não significa nada
diante do mimetismo do ser humano. Aqui um corpo desejável com uma roupa
apertada e sobre ele se colocam óculos, que leem atentamente o jornal. Lá
uma secretária digita seus textos obrigatórios, e ao mesmo tempo ela possui
um vibrador da loja de Beathe Uhse em sua bolsa ou em outro lugar. Aqui um
homem sedutor faz uma sugestão bonita a uma mulher atraente e de tanto
desejo ela diz não. Lá um pastor seduz sua sobrinha menor de idade e do
púlpito fulmina contra a luxúria. O homem é o animal mais espantoso no
zoológico da evolução porque não usa seu disfarce para seus próprios
interesses, mas sim contra eles.

Quanto mais profundo é o desejo, mais profunda é frequentemente também a


vergonha. Sobre ela existe um livro de Anja Meulenbelt intitulado “A Vergonha
Acabou”. Trata-se de um bom livro no sentido esclarecedor e de estímulo à
reflexão, mas a vergonha na realidade está muito longe de ter acabado. A

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vergonha em sua total intensidade já começou muito cedo a se tornar
consciente para nós. Eu não falo agora da vergonha natural, que
provavelmente sentem todas as pessoas quando aparecem as primeiras
excitações sexuais. As primeiras coisas são sempre suaves e delicadamente
tecidas. Uma emoção, um sopro de vergonha, de comedimento e de timidez,
faz parte de todo encontro erótico, não apenas na juventude. Ela afina as
cordas internas para a música sutil dos sentimentos e cuida da velocidade
certa na aproximação. Mas ela também se abre com prazer a mais bela falta de
vergonha, quando a situação é propícia. Na verdade, eu falo da outra
vergonha, daquela que impede esta abertura. Ela não vem da natureza da
coisa, mas sim dos temidos olhares e pensamentos dos outros. Esta vergonha
é o obstáculo, que muitos não conseguem superar, mesmo quando tentam
ultrapassá-lo violentamente.

A vergonha daquilo que os outros poderiam pensar, e também a vergonha


profunda diante da própria autoimagem, a qual a exposição e o deslocamento
da sexualidade não querem absolutamente pertencer, não são parte da
sexualidade, mas sim parte de nossa cultura. As autoridades religiosas e
políticas e os dignitários desta cultura tiveram sempre de observar uma
etiqueta e uma apresentação pública, que ocultavam suas “porcariadas”
secretas, que a gente não podia mais ver. Imaginemos que uma criança ouça
através da porta do quarto, sua tia severa grunhir e chiar, ou que um estudante
observe escondido como seu professor geme e ofega. Enquanto isto a gente
também pode imaginar os conhecidos movimentos. A gente não pode mais
acreditar totalmente na sabedoria e na onipotência destes modelos, quando a
gente alguma vez os viu nestas posições. Uma sociedade, que não construiu
suas estruturas sobre a vida e a verdade, mas sim sobre autoridade e
opressão, precisa fazer tudo, para evitar estes embaraços. Por este motivo
surge – já durante a infância – uma imagem do homem e de sua dignidade,
que não combina com a sexualidade.

Wilhelm Reich descreve a revolução sexual como a segunda virada


copernicana. Na primeira o homem perdeu seu orgulho antropocêntrico, ao

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descobrir, que ele com seu planeta não estavam no centro do mundo. Na
segunda ele perdeu sua dignidade tradicional, ao ter de aceitar fatos, que não
combinavam com esta dignidade. O mesmo homem, que se movimenta na
cena pública de gravata e calça vincada, de terno e andar ereto, executa na
cama os movimentos tremulantes e peristálticos de uma água-viva. O mesmo
homem que se expressa normalmente por meio de fonemas bem dosados,
agora emite sons carnais não humanos. A transformação não pode ser maior.
E então existem ainda as posições, as posições e gestos desejados
secretamente, o instinto para a total escancarada e desavergonhada abertura!
Nietzsche o maior revolucionário da mente, teria ficado de orelhas vermelhas,
se ele apenas tivesse pensado nisto. E o que dizer de nossa mãe! Eles já
pressentiam a doce delícia desta “vergonha”. E precisavam se distanciar dela
cada vez mais.

A essência da vergonha está associada à essência daquela transformação


sexual, que ocorre aqui. Quase seria possível, como realizou em seus livros
profundos Georges Bataille, igualar a essência da sexualidade a esta
transformação, a esta exposição exterior e interior, a este voluptuoso
desnudamento do corpo e da alma. Quanto mais uma mulher sente vergonha,
mais ela sabe sobre este processo, e quanto mais ela conhece este processo,
mais ela o deseja. Quanto mais ela o deseja, maior se torna sua vergonha
assim que ela se aproxima de sua possível realização. Somente após ter
recebido realmente o sinal verde, ter percebido, que ela pode e que isto é
desejado, é que lhe será possível superar este gigantesco limiar. Então de fato
ela faz isto totalmente. A vergonha, de uma forma ou de outra já bem próxima
da volúpia, se transforma sempre em seu oposto, quando surge a possibilidade
para isto. Uma expressão de vergonha no rosto de uma mulher é por isto
muitas vezes uma antecipação muito charmosa e delicada do contentamento
vindouro.

A vergonha não seria absolutamente tão ruim, se não estivesse secretamente


associada ao medo da humilhação. Aquilo que na sexualidade sob as
condições culturais existentes ressoa sempre como perigo e aquilo que por
meio de sua qualidade própria também é colocado bem próximo, é a
humilhação. Isto já começa fisicamente com a mudança de posição do corpo,

97
do andar ereto à horizontal, prossegue internamente com a exposição de
partes animais da mente, e termina algumas vezes em uma bonita devastação
e lambança do cenário. Quando este tipo de coisas acontece em uma
sociedade, que de fato pensa o sexo de forma ignóbil e maldosa, então se
unem duas coisas tão fatais, que a gente de preferência se retira da coisa toda.
A sexualidade, que se oferece com prazer como uma forma de humilhação
livre, voluptuosa e controlada e de contato total, corre com isto o perigo, de se
tornar uma humilhação verdadeira, que nada mais tem a ver com o
contentamento erótico original. Ocorre aqui o mesmo que ocorre com a
violência. No jogo sexual algumas vezes cabe uma pequena dose de violência
desejada pelos dois lados, de animalismo e de canibalismo. Aqui existe um
contentamento verdadeiro, quando isto pode acontecer sem violência real, e
aqueles que juntos fizeram isto, permanecem com prazer unidos em “fidelidade
canibalesca”. Mas, é preciso ter cuidado para que a violência representada não
se transforme em violência real; e este perigo existirá naturalmente quase
sempre, enquanto as pessoas se encontrarem umas com as outras inibidas e
ainda desconhecidas. Onde está aqui o limite, onde eu devo começar a arriscar
isto, e onde é melhor me conter? Se as pessoas ainda vivem juntas de uma
maneira tão insensível, moralista, ofensiva e inconsciente, existe o perigo real
de humilhação e de violência e então é melhor manter a si mesmo e também
os próprios desejos sexuais contidos. Também aqui, para a transformação
positiva da vergonha, se aplica o pensamento fundamental de todo este livro:
Permita que nós mesmos construamos as condições e as estruturas, sob as
quais queremos viver!

A vergonha está profundamente enraizada nos dois sexos. Os dois morreriam


de vergonha, se seus verdadeiros pensamentos e desejos viessem à tona. Que
a gente guarde esta frase com muito prazer diante dos olhos! Todas as
pessoas morreriam de vergonha, se seus pensamentos e desejos verdadeiros
viessem à tona. Todas afundariam no solo! Se os ditados hipócritas e as falsas
representações se acabassem, se não existisse mais o poder covarde dos
decentes sobre os indecentes, se não houvesse mais a obrigação da
dissimulação porque os olhares dos outros desapareceram. Um mundo inteiro
de mentiras e simulações afundaria no solo! O mundo estaria livre para um

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novo começo. Nós, os seres humanos, crianças, jovens e adultos, homens e
mulheres, poderíamos começar de novo – mas agora não mais cegos e
devotadamente fiéis a nossa tradição porque esta já não existe mais, mas sim
livres e conhecedores de tudo, que neste meio tempo nós sabemos e
desejamos. Eu escrevo as ideias deste livro sempre diante do pano de fundo
desta possibilidade, de outra forma não haveria nenhum sentido construtivo em
falar claramente destas coisas.

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Mulheres acima dos 40

Mulheres que alcançaram a metade da vida estão no viço de sua feminilidade.


Elas são roliças, completas e desejáveis. Elas têm uma vida de amor diante de
si, que se prolongará até sua idade avançada. E elas presenteiam sua
experiência àqueles que podem precisar dela, às mulheres jovens, aos homens
jovens, àqueles que procuram e questionam no caminho do amor.

Isto seria assim, se nosso mundo estivesse em ordem. Nenhuma mulher acima
dos 40 pensaria em se fazer jovem artificialmente, porque ela possui sua
atratividade exatamente através de sua idade natural. Nenhuma teria a ideia,
de se envergonhar por causa de seus desejos sexuais, porque ela ama e
aceita o sexo. Nenhuma se preocuparia por causa de suas obrigações sociais,
porque ela as preenche por meio de seu sentido maduro para o amor e a
responsabilidade. Nenhuma se amedrontaria diante da velhice, porque a
sexualidade na velhice se orienta em outras coisas que não sejam as medidas
ideais do corpo.

A realidade construída pelo homem é diferente. Mulheres acima dos 40 vivem


em um casamento ou sozinhas. No casamento muitas vezes já não acontece
muita coisa, o cotidiano há muito engoliu o amor. Quando elas vivem sozinhas
e na verdade poderiam recomeçar, o caminho para a felicidade é muitas vezes
bloqueado pelos preconceitos sociais. Nos dois casos elas se veem obrigadas
a se mostrar como seres assexuados. Elas precisam fingir-se de senhoras
convencionais, em vez de viver. Elas se enfeitam com os confetes da moda em
vez do brilho do amor. Elas falam sobre o tempo em vez de falar de seus
assuntos reais, e elas têm de comer bolo, em vez de segundo seus desejos se
deixarem acasalar. A fraqueza interior que elas vivenciam através da renúncia
ao amor, deixa sua pele enrugar como seu espírito. Suas curvas não se
constituem de células corporais estimuladas, mas de gorduras originadas pela
preocupação. Segundo sua própria opinião elas não são mais atraentes
bastante para os rondéis do amor erótico. Elas se comparam com as jovens e

100
não percebem que possuem qualidades totalmente diferentes. Em sua
necessidade, lançam mão – quando não podem se satisfazer com os
substitutos de satisfação do consumo – de livros religiosos ou esotéricos. Elas
se ocupam com a macrobiótica e com a medicina natural, com astronomia e
com Tarô (o que não precisa ser necessariamente ruim), com modos de vida
holísticos e com o eu superior. Elas deixam o status sexual e migram para o
status espiritual e com isto aprendem a ver sua renúncia como virtude. Contra
todas estas coisas não há absolutamente nada a objetar, mas elas não atingem
o cerne da questão. Sob as condições existentes, elas são simplesmente a
forma mais inteligente de sobrevivência. “A abstinência é o prazer nas coisas,
que a gente não recebe” (Wilhelm Busch). No entanto, todas poderiam ser
obtidas, se nós começássemos, com todas as forças do conhecimento do amor
e da verdade a quebrar a impiedade da moral sexual oficial e construíssemos
possibilidades reais de realização. A gente precisa hoje de muito tempo para
compreender a sexualidade e é com 40 que a vida começa realmente.

Uma mulher a partir dos 40 anos, que está na plenitude de sua vida, é em
sentido arquetípico sempre também uma “figura materna”. É aqui que se
encontram suas mais profundas qualidades e seu carisma. Infelizmente as
mulheres desta idade têm uma estranha relação com esta palavra. Elas
reagem muito mais com espanto do que com alegria. Elas não percebem o que
é dito com isto. A qualidade da figura materna não está em oposição ao papel
de namoradas e de amantes. Um homem que conhece o amor, não reage a
isto como se ele próprio fosse infantil e se torna impotente, pelo contrário, ele
reage como grande amante. No arquétipo da figura materna positiva existe
alguma coisa terna e, no entanto muito forte, alguma coisa da criação e alguma
coisa do conhecimento, algo de bondade e de segurança. Alguma coisa na
vida, na qual a gente pode confiar.

Eu gostaria de me demorar um pouco mais nestas estruturas arquetípicas de


nossa alma, porque aqui resplandecem verdades celulares e relações da
criação, que são muito mais profundas do que toda a nomenclatura social. As
mulheres acima de quarenta são o centro espiritual de comunidades orgânicas.
De seu conhecimento, de sua verdade e de sua bondade depende até que
ponto a juventude aventureira pode se arriscar a ir, sem perder “o colo”. Seu

101
sorriso tem uma autoridade superior à lei. Através de seu papel feminino que
se tornou consciente ela regula as coisas orgânicas da vida, os processos
celulares da comunidade. As velhas imagens do papel feminino não são
simplesmente erradas, elas foram apenas organizadas e exploradas de forma
errada pelo mundo dos homens. Também não se trata de um retorno ao velho
matriarcado, porque o caminho histórico de nosso desenvolvimento humano
sempre segue em frente. Mas existem estruturas matriarcais e forças, que
estão além de todas as culturas e correntes de tempo, porque elas estão
associadas à polaridade universal da criação.

Destes contextos resulta a grande função sexual e social da mulher na


sociedade futura. Ela continuará a ter filhos e cuidar de seu circulo familiar, ela
exercerá uma profissão e entenderá seu significado individual, e então, quando
ela tiver somado experiência interior suficiente, ela trabalhará em um novo nível
nos temas do amor e da comunidade, porém não mais particularmente, mas
publicamente, politicamente, humanamente. Ela será admirada e desejada
pelos homens jovens, porque ela possui conhecimento e não provoca medo.
Ela não repudiará o desejo arquetípico de um homem jovem pela mulher
madura, ela o aceitará com contentamento natural e responsabilidade. Ela
sabe como todas as mulheres mais velhas, que o tema do chamado “incesto”
(se a gente não o fixar muito na família) é um tema fundamental do anseio
humano e que a juventude masculina procura contato com ela também por esta
razão. Ela sabe que também depende de seu comportamento, se este anseio
oculto será solucionado de uma maneira afortunada ou não. Ela mesma
também possui este tema em sua alma e é excitada pela ideia, de dormir com
seus “filhos”.

Com isto não se pensa em nenhuma sexualidade direta de adultos com


crianças. Ela não corresponde simplesmente ao desenvolvimento infantil e não
é de interesse para pessoas com uma vida sexual realizada. Mas após a
infância tudo aquilo que é desejado pelos dois parceiros é permitido, sob a
condição de que eles se entendam sobre isto sem mentiras. Todas as idades
têm na vida sexual das pessoas seu próprio significado e função; não existem
limites etários (com exceção do já falado para crianças), nem alguma lei
fundamentada, sobre que faixa etária pode ir ou não para cama com a outra.

102
Clarie Goll transou com a idade de 76 anos com um jovem de vinte anos e teve
com ele sua primeira satisfação sexual. O filme “Harold and Maude” mostra
uma vida amorosa que se coloca acima de todos os limites de idade. Goethe, o
exemplo intelectual da Alemanha, casou-se com 80 anos com Mariane
Willemer, que tinha vinte anos de idade. Onde quer que Eros encontre seu
rastro, ele realiza maravilhas sobre maravilhas. Aqui qualquer lei moral redigida
não tem nada a dizer. Quando Eros consegue quebrar as crostas de nossa
vida, não há nada para julgarmos, mas sim para aprender e entender. Não
descoberto e não libertado ainda são homem e ser humano, disse Nietzsche.
Aqui, no campo erótico, estamos no cerne das coisas, onde nós podemos
começar com a descoberta e a libertação.

As mulheres acima dos quarenta desejam ajudar neste caminho. Elas devem
saber que existem muitos homens que esperam por elas. Elas devem ter a
coragem de mostrar, que estão preparadas. Devem existir possibilidades de
entendimento, e quando não, nós precisamos cria-las. É claro que nós não
podemos andar por aí com uma placa pendurada no peito “Eu estou pronto”,
mas nós podemos seguir nosso instinto e ir para onde nós possamos estar
preparados. Será que existem sinais claros e bonitos desta disposição, que a
gente poderia usar como uma joia?

A perspectiva de vida de uma mulher que já passou dos quarenta depende das
ideias conscientes ou inconscientes a respeito do envelhecimento. A maioria
destas ideias não vem de uma autêntica experiência individual e da intuição,
mas sim das crenças de nossa cultura, que são transmitidas sem
questionamento de geração a geração e que por meio disto recebeu sua quase
biológica solidez e eficiência. Estas noções de crença se originaram de uma
cultura ancestral judaica e cristã e são impregnadas com um medo enraizado
do amor físico. Porém, nós vivemos hoje em uma época de transição histórica
que não deixará mais nenhuma pedra sobre pedra. Por detrás dos processos
apocalípticos de nosso tempo se inicia uma transformação humana, que traz
novas visões dos fatos psicológicos, espirituais e físicos básicos de nossa vida.
Estas não vêm de uma época social e de um modismo temporário, mas sim de

103
um continuo atelier da criação. Aqui se encontram as leis, que não trazem
servidão, mas sim liberdade, que não trazem moral, mas sim humanidade, que
não trazem abandono, mas sim segurança, que não trazem doença, mas sim
cura. E a estas leis também pertence outro princípio de crescimento e de
envelhecimento. Segundo elas envelhecer não significa que a energia diminui,
mas antes que ela se torna complexa. Envelhecer também não significa que o
corpo pare de trabalhar, isto só tem efeito estatístico sob as estruturas da
história que foram construídas até agora. As células do corpo são
condicionadas a se regenerar em qualquer faixa etária, quando o espírito
permanece alerta e vivo. Somente quando o desejo de viver começa a se
apagar é que as células perdem sua energia. Para uma pessoa de setenta
anos que se encontra no ápice de sua energia vital, não existe o menor motivo
para temer sua próxima deterioração. A vida existe a partir de suas origens
ancestrais e constantes, e se elas continuam a existir, então a vida é
constantemente renovável. Quando a primeira metade da vida trabalhosa e
carregada chega ao seu fim, a segunda pode recomeçar. Talvez a primeira
metade da vida tenha sido apenas um terço da vida. O mundo em que vivemos
não tem fim e quase sempre nós o deixamos antes de tê-lo entendido e
também a nós.

104
O carinho e o momento depois

Um belo encontro sexual produz uma alegria, que não deve acabar logo, a
gente deseja o “momento depois”. O quanto nós pecamos aqui, principalmente
nós os homens! Ainda há pouco uma amiga me ligou, falou alguma coisa sobre
explosão e assassinato e psicoterapia. Seu namorado, Mario, a abandonou
mais uma vez depois de uma linda noite na cama; ele foi simplesmente
embora. Sempre foi assim e ela não aguenta mais isto. – Eu estou muito longe
de julgar meus colegas de gênero, eu prefiro cuidar de minha vida. Nós temos
frequentemente uma maneira de ir do sexo para o cotidiano, como se a gente
estivesse a escovar os dentes.

Quando um encontro sexual foi bonito, então o que vem depois é uma
sensação natural de agradecimento e de ternura. A gente gostaria de levar os
belos pensamentos para o mundo, para o dia, a gente gostaria de ser acolhida.
Um encontro sexual que termina com o orgasmo e que e se acaba totalmente,
é como um coito interrompido. O processo é interrompido em seu desenrolar. A
qualidade espiritual do amor sensual, este contentamento, de ter se entendido,
de ter se amado como homem e mulher, muitas vezes não é satisfeito pelo
desempenho sexual, mas na verdade despertado. A gente diz muitas vezes
que a união sexual precisa vir da ternura. Esta é com certeza uma limitação,
que não corresponde à essência de Eros. A sexualidade pode surgir de uma
sensação carinhosa, mas ela também pode vir do desejo animal. Não existe
aqui nenhuma diferença de valor moral. Mas quando ela surge e se foi bom,
então se origina uma coisa como ternura animal. O leão lambe a leoa.

Existem situações nas quais o sexo quase se transforma em rotina, como por
exemplo, nos casamentos ou nos grupos com uma compreensão convencional
da sexualidade livre. Também não há nada de errado quando a gente de vez
em quando faz sexo e depois se dedica às coisas costumeiras, sexo também
pode ser como escovar os dentes, se a gente depois tiver um gosto limpo na
boca. Mas aquilo que acontece sobre um colchão de três metros quadrados e
entre quatro pés de cama, não deve se perder simplesmente no dia-a-dia. Em
sua forma carnal Eros também tem uma fina textura espiritual, que anseia por

105
ternura. Mas este anseio só se apresenta na maioria das vezes, quando a
gente de uma grande distância relembra da experiência. Nós precisamos
certamente de uma tolerância muito consciente uns com os outros, para não
sermos finalmente devorados por nossa raiva rastejante. O homem, que depois
do ato consumado abandona sua noiva como um entediado, ficaria ele mesmo
horrorizado, se pudesse ver o que ele faz. Se ele próprio não estivesse tão
inserido em sua eterna ideia de desempenho e obrigação, se ele mesmo não
fosse coagido, a compensar com trabalho seu anseio não realizado, se ele
próprio não tivesse já muito antes ficado preso no canal de nascimento do
amor, então ele reconheceria em sua alma a brutalidade inconsciente de seu
comportamento. Se ele tivesse em sua alma o espaço livre, no qual a ternura
sensual se desenvolve, então ele não faria nada melhor do que seguir esta
emoção, pois o carinho é a continuação da sexualidade com outros recursos.
Se descobrir e receber como um ser sexual e no amor se manter livre da
supremacia de coerções exteriores, requer uma abertura do coração, que na
lista de prioridades de nosso mundo masculino, não está exatamente em
primeiro lugar.

O momento depois significa para a mulher ser aceita. A rejeição ela já


vivenciou quando criança muitas vezes com o seu pai. Ela não pode e não quer
se reconciliar com o fato para que isto deva permanecer nesta estrutura. A
união física é para o homem muitas vezes um pequeno passeio na mulher,
mas para a mulher ela é – na verdade – um porto seguro. Enquanto ela não o
obtiver, ela se rebelará ou se resignará. É do espaço depois que depende o
quanto conseguiremos criar de porto seguro entre os sexos, como nos
tornaremos livres em soltar e o quanto seremos livres para o próximo encontro.
Se o sexo tantas vezes se tornou tão insosso, então é porque também com
frequência através dele nada mudou. E nada mudará através dele enquanto
nós nos contatos sexuais abrirmos apenas nossos órgãos sexuais, mas não os
órgãos sensoriais da alma. O amor carnal, um fermento natural de conforto e
segurança, se tornou algumas vezes um fermento de endurecimento. Mais uma
vez o ser humano conseguiu inverter as coisas. De vez em quando a gente se
coloca diante disto como crianças com lágrimas nos olhos.

106
O mito do orgasmo

Existem muitos homens que têm um problema especial na relação sexual: Eles
não conseguem chegar ao fim. Eles estão interiormente tão fixados no
orgasmo, que este por causa disso não pode chegar. É claro que sua parceira
percebe instintivamente isto e também não pode chegar ao clímax por causa
disto. Mas o homem tem de satisfazer a mulher, não é assim? E ela só está
satisfeita quando chega ao orgasmo, não é? E assim os dois se esforçam até
não poder mais.

Nada contra o orgasmo. A analise de Wilhelm Reich sobre suas funções para a
saúde foi certamente correta e naquela época (há mais de 50 anos) um avanço
importante contra a repressão geral. Mas assim como toda libertação e
realização interiores, o orgasmo também é uma experiência que surge por si
mesma, quando a gente não está impedida de tê-la devido às fixações
incorretas. A sexualidade está ligada ao desejo e não tem nada a ver com
esportes profissionais. Mas isto é esquecido facilmente em uma cultura, que
coloca o princípio do desempenho acima de todos os processos vitais. Até
mesmo de processos reflexivos, que segundo a sua natureza estão fora de
qualquer noção de desempenho – processos e exercícios como sexualidade,
Yoga, Tai Chi, prece e meditação – tornam-se surpreendentemente uma
questão de desempenho. Eu posso ou não posso? Esta questão se posicionou
tanto em primeiro plano, que para o processo real e para a experiência real já
não existe mais nenhum espaço.

Os velhos monges Zen apresentavam aos seus alunos uma charada não
solucionável, que é chamada de “Koan” e com a qual eles deviam se ocupar
até se renderem ao seu destino ou seja, à não solução do problema. Quando
eles permaneciam muito tempo enrolados com o problema, podia acontecer
que o mestre os empurrasse escada abaixo, para que este acontecimento
imprevisto os conduzisse à revelação. O princípio é bastante revelador, porque
assim como o aluno é distraído de seu desempenho por uma ocorrência
inesperada e através desta pode deixar de lado o problema e chegar à solução,
nosso casal maratonista também poderia parar com seu estresse através de

107
um acontecimento não esperado e começar com o desejo. Nós todos
conhecemos isto, nós todos já sentimos a revelação com a qual uma
experiência interveniente nos libera de problemas exaustivos. A revelação
chega, como todas as coisas reveladoras da vida, com sua soberana e
individual casualidade. O próprio céu já esteve diante de nossa porta fechada,
antes que ele pudesse casualmente se apresentar.

A moderna ciência da natureza reduziu a sexualidade a um impulso fisiológico,


que foi certamente necessário na luta intelectual com a moral empoeirada e as
idealizações poéticas. Mas com isto, mais uma vez ela exagerou. A
sexualidade não é uma satisfação fisiológica da libido, em todo caso não em
primeiro lugar, mas sim um contato físico e espiritual pleno de desejo entre
duas pessoas. Se este contato conduz ao orgasmo ou não, em primeiro lugar
não tem nenhuma importância. Quando eu começo a tocar piano, também não
penso logo no violento acorde final de minha celebração. Ele chega por si
mesmo, quando a energia para isto se apresenta. É exatamente assim na
sexualidade livre. Com “livre” eu penso em livre do medo, livre do olhar julgador
do parceiro, livre da pressão de desempenho e dos valores obrigatórios de
nossas falsas convenções. O valor e a beleza de um encontro sexual não são
dependentes do orgasmo, mas apena da beleza do contato. A sexualidade é
contato ou a continuação do contato “com outros recursos”. Quantas mulheres
se acostumaram a fingir um orgasmo para o homem, para que ele não se sinta
infeliz ou não lhe parecer frígida! Quantas conversas e discussões giraram em
torno da questão do orgasmo e de sua falta, na época do chamado
esclarecimento sexual! Eu faria, com toda sinceridade, aos homens que têm
este problema uma sugestão simples: Vá com a mulher para a cama, sem
ejacular. Esta renúncia na maioria das vezes não é nenhuma renúncia. Ela
liberta do estrese, e possibilita uma nova experiência. Nenhuma mulher ficará
chateada com isto; pelo contrário, quando o homem para de se esforçar, então
ela também pode encontrar seu sinal com prazer.

Viktor Schauberger, o grande filósofo da natureza, pesquisou entre outras


coisas, durante muito tempo, as formas de movimento da água corrente, dos
peixes, das plantas em germinação e então disse a famosa frase (a respeito do
ser humano): “Vocês se movem errado”. Existe na natureza e em todos os

108
seus seres uma forma de movimento, que não apenas gasta energia, como
também sempre a recebe. O consumo de energia, que a gente dispende em
esportes de desempenho sexual, se coloca em estridente oposição a este
princípio natural de movimento. Aquele que, de qualquer forma, já está
bloqueado e superestressado, talvez deva esquecer por um momento de todos
os desempenhos e celebrar o sexo mais preguiçoso de que é capaz. Ser
preguiçoso, não fazer nada, de vez em quando relaxar e tranquilamente deixar
adormecer, talvez beber uma taça de vinho juntos ou olhar um livro – estas são
todas possibilidades adequadas e agradáveis, de se proteger na cama do terror
do orgasmo.

A temática do orgasmo ainda se torna mais difícil por meio de toda a cafonice
de fusão, que a gente gosta de lhe atribuir poeticamente. O orgasmo, muitos
pensam assim, seria quase uma união mística de duas almas e corpos, e esta
união se anuncia através de um êxtase, que é tão fenomenal, “que os membros
se enroscam e a cabeça gira, até que as lágrimas da libido escoram lá, onde a
bunda se reparte (Dante)”. Estes exageros na maioria das vezes não se
originam de uma experiência real, mas sim de uma real desnutrição do corpo.
A sexualidade é apesar de sua beatitude ocasional é um processo muito
mundano e sóbrio, seu êxtase é maravilho, mas sóbrio. O phatos da fusão até
a perda da consciência vem frequentemente muito mais das fantasias de um
organismo bloqueado de que da realidade. Eu não quero contestar que existam
experiências de união não habituais e quase transcendentais na sexualidade,
mas estas são exceções extremas mesmo na vida amorosa de pessoas
experientes. Ter esperanças e aguardar um orgasmo assim transcendental ou
mesmo torná-lo medida de todas as coisas é tão extravagante, como quando a
gente em oração espera imediatamente pela revelação. O mito do orgasmo
também está associado às fantasias excessivas de união, que se dissipam por
si mesmas na medida em que a união real surge e se desenvolve no cotidiano.
Não é aquilo, que a gente vivencia ou não na sexualidade em alguns minutos
ou segundos, não é a questão do orgasmo que está no centro do tema real da
união entre os gêneros, mas sim a questão de sua cotidiana comunicação,
entendimento, cooperação e sensibilidade. A felicidade será de vez em quando
vivenciada como grande revelação na cama, mas ela é construída na oficina da

109
vida.

E ainda um último comentário sobre o tema do orgasmo: Existem mestres


taoistas e tântricos, que recomendam aos seus alunos do sexo masculino a
saborear a sexualidade sem orgasmo. Chi, a força de tensão interior, de que
eles precisam para seu treinamento físico e espiritual, permanece então mais
tempo ativa. Eu mesmo compartilho desta prática quando estou diante de
determinadas tarefas, e com isto eu ainda não tive de vivenciar nenhum
prejuízo do desejo. Quanto mais o próprio contato sexual se tornar a fonte do
desejo, menos seremos dependentes do orgasmo. Um novo nível da arte
erótica começa naturalmente lá onde os artistas do amor não deixam mais seu
orgasmo acontecer como um reflexo biológico, mas sim começam a conduzi-lo
e expandi-lo no sentido tântrico. Mas este é um tema para os futuros templos
do amor, quando as outras coisas estiverem esclarecidas.

110
Impotência – Energia sem saída

A impotência é na verdade um problema, que vai mais fundo, do que a gente


pensa exteriormente. Todos já a vivenciaram em algum momento e muitos
ainda a vivenciam. Homens e mulheres são atingidos no mesmo grau, mas a
gente a vê claramente nos homens. Impotência não é uma boa palavra, ainda
pior é a palavra frigidez para as mulheres. A gente se sente carimbada e
marcada a fogo com ela. A impotência é um fenômeno, que sempre se
apresenta quando o organismo reage com medo à sexualidade e/ou quando a
mente associa erradamente o processo sexual às ideias de desempenho e de
“poder”. A respeito deste tema do poder-ter-de na sexualidade eu gostaria de
citar uma passagem bem engraçada do livro “Salvem o Sexo – Um Manifesto
das Mulheres por um novo Humanismo Sexual”:

“Quando alguém é impotente, então acredita que tem de poder alguma coisa,
que a gente na realidade não tem de poder – e naquilo que a gente então pode
fazer por si mesma, quando a gente não pensa mais em nenhum poder e
nenhum ter de. A exceção, o ter de poder aquilo que a gente na verdade não
precisa poder, porque a gente faz por si mesmo, quando a gente não pensa em
poder, conduz na maioria dos casos a processos transtornadores na área do
poder natural. Quem de fato não pode se sente confirmado em sua falsa ideia
de poder-ter-de. Desta forma o sexo se transforma em um esporte de
desempenho inútil. Quando alguém realmente não pode e não vê mais
nenhuma possibilidade, então nós gostaríamos de pedir-lhe, que não leve isto
tão a sério. Acima de tudo ele não deveria, por favor, agir como se apesar de
tudo ele pudesse. Os que podem, que nós amamos, são ocasionalmente os
que não podem, aqueles que aceitam o seu não poder de uma forma
charmosa, sem se esforçar inutilmente.”

A impotência ocasional é normal sob as condições estressantes de nossa


época. O verdadeiro tema do sofrimento situa-se na impotência estrutural,
constante. Ela também se apresenta quando os dois parceiros estão prontos
para ela. A impotência estrutural é frequentemente um sintoma da congestão
sexual. A gente ejacula, antes de ter começado realmente, ou a gente não tem

111
ereção, porque as energias congestionadas se paralisam mutuamente e não
chegam aos órgãos corporais certos. Ruim para as pessoas atingidas por ela é
todo o processo interior que está associado à impotência. Elas sentem o
desastre próximo e tentam impedi-lo. A gente avalia as ações adequadas, a
gente dirige estrabicamente um dos olhos ao estado do próprio pênis e o outro
aos pensamentos da parceira. A gente avalia secretamente e sente que ele
ainda está muito adormecido para introduzir. A gente então talvez tente com
fantasias excitantes, mas a gente sente escrúpulos, porque isto na verdade não
tem mais nada a ver com contato e com a parceira. A gente se embaraça em
um jogo duplo e de repente se sentiria feliz, se agora o telefone tocasse. Com
uma desculpa qualquer a gente poderia pegar o telefone e sair desta situação
difícil por algum tempo. Algumas vezes surgem pontos de toque excitantes,
que fazem uma chama de esperança brilhar, mas isto logo passa mais uma
vez. A mulher, na verdade uma fonte do desejo, torna-se vagarosamente uma
fonte de séria ameaça (do que ela não tem o menor conhecimento). Mas
apesar disto, a boa aparência tem naturalmente de ser mantida. Ela está lá
deitada e provavelmente ainda desejável, mas eu não desejo nada mais, eu
procuro apenas por uma boa saída. Eu sei que ela ficou insatisfeita e que ela
havia esperado mais. Devemos falar disso um com o outro? Mas sobre o quê,
sem não tornar tudo ainda pior? Então eu ajo como se tudo estivesse em
ordem. Eu a beijo, nós ficamos ainda algum tempo juntos abraçados, até que
ela me pergunta, se nós não queremos fumar um cigarro. Eu aceito
agradecido.

A experiência que nós descrevemos como “impotência” atua em nosso íntimo


assim ou de maneira semelhante. A gente suporta este tipo de coisa algumas
vezes, também a mulher, mas o medo de que aconteça de novo na próxima
vez se torna lentamente denso. E é sempre o medo que cuida para que o
temido também aconteça. A gente se sente em um circulo vicioso, do qual a
gente sozinha não sai mais. A gente teria realmente amado esta mulher,
poderia ter nascido uma amizade bonita, sensual, talvez duradoura, mas no fim
não nos resta nada mais do que, mais uma vez se separar por um insucesso.
Quantos Adieus já foram ditos por causa disto! Quantas oportunidades a gente
perdeu por isto! Quantas lágrimas já rolaram sob a superioridade daquelas

112
forças interiores, que são um obstáculo à união sensual? A necessidade sexual
está igualmente dividida nos dois seres. Uma mulher que teme ser frígida
passa a cada vez pelo mesmo inferno que o homem impotente. Ela apenas
tem, já que não tem de agir tão abertamente, outras possibilidades de ocultar.
E quanto tem de ser escondido nesta área, onde as palavras seriam apenas
dolorosas? Às mulheres também faltam normalmente as experiências e a
coragem de agir auxiliando em uma situação deste tipo, até mesmo porque ela
na esfera sexual ainda busca – com alguma justificativa – o homem como
condutor. O mundo sexual é construído hoje como um cenário exterior, ao qual
quase nenhum ser humano pode corresponder. Por traz dele está um mundo
invisível de silêncio. Se existisse hoje uma palavra para a libertação do amor
sensual, então esta palavra talvez fosse: Façam seu amor falar. E comecem lá,
onde vocês estão.

O tema da impotência já começa muito antes da cama. Ele na verdade não tem
absolutamente nada a ver com sexo, ele apenas se mostra mais claramente
nesta área. Na realidade nós sempre somos impotentes, quando estamos
bloqueados interiormente pela presença e o olhar dos outros. Quem não
conhece a situação precária, de estar em frente ao mictório e não poder urinar,
porque alguém se colocou ao nosso lado? Isto não é interessante? Eu não
posso mijar porque existem outros no local, que poderiam me observar. Seria
possível citar sem esforço ainda outros exemplos. Eu não posso comer, não
posso cantar, não posso dançar etc., porque outros estão presentes, que me
observam! Existiu um grande conhecedor deste tipo de impotência: O filósofo
francês Jean Paul Sartre. Ele escreveu a seguinte frase em seu livro “O Ser e o
Nada”: “O olhar do outro é a morte oculta de minhas possibilidades”. O principio
generalizado de desempenho corresponde a um principio comum de avaliação.
Assim, em pensamento a vida é sempre levada diante do olhar julgador dos
outros, principalmente na cama. Ninguém escapa deste estresse, nem mesmo
os líderes de nossa época. Mesmo o belo Cônsul Weyer foi, assim a gente
ouviu, um incapaz na cama, e o superastro de Rambo (Sylvester Stallone) teve
de ouvir de mulheres da sociedade as piores piadinhas sobre sua falta de
energia.

Quando o pênis é pequeno e permanece mole, quando deveria ser grande e

113
duro, surge então em sentido literal o pensamento vergonhoso, em geral um
dos mais vergonhosos para o homem: Você é um brocha! Se então ainda
surge uma mulher e confirma este rótulo, a infelicidade é na maioria dos casos
já pré-programada. A dor de tal humilhação e vergonha vai tão fundo, que
muitas vezes não pode ser superada sem álcool. E depois do álcool ocorrem
então os feitos aterrorizantes cotidianos de nosso tempo, aqueles que no dia
seguinte lemos no jornal. Com nada mais o homem é tão identificado do que
com seu pênis e seu comportamento. O pênis é sua comprovação, seu orgulho
ou a sua perdição, seu pertencer ou não pertencer ao clube dos homens, seu
membro de ligação ao mundo das mulheres, seu cilindro, seu bastão de testes,
sua régua e sua carteira de identidade. Porque é aqui que se decide, tanto faz
que o queiramos ou não, a felicidade ou a infelicidade de nossas vidas. Mesmo
que já tenhamos há muito colocado sobre isto uma camada atenuante de
humor e de filosofia indulgente.

A impotência é um enigma, porque nela se revela uma maneira de funcionar da


vida. A gente não atinge o objetivo, porque a gente está muito fixada nele. É
igual a dirigir um carro. Quem se senta detrás do volante obstinado e se
concentra demais no trânsito, talvez não tenha no momento decisivo a
facilidade de reagir corretamente. As coisas decisivas da vida chegam quando
a gente está pronta para elas sem obstinação, quase por acaso e como por si
mesmas. “Enquanto você caçar a felicidade, não estará maduro para ser feliz,
e a mais querida seria tua”, disse Hermann Hesse.

Existe um livro extraordinário sobre a questão da potência ou da impotência na


categoria da Arqueria, no qual é representada detalhadamente a relação entre
uma fixação de objetivo muito estreita e o erro do alvo. É o livro de Herrigel
sobre “Zen e a Arte do Tiro com Arco”. Ele descreve aqui o estranho processo
de aprendizado, que ele teve de percorrer com um mestre Zen oriental, antes
que estivesse em condições de acertar seu alvo. No início ele se aferrou tanto
no retesamento do arco, na posição correta da flecha e no momento certo de
atirar, que errou inevitavelmente sua mira. Somente, quando ele “esqueceu”
suas intenções, ele pode acertar o centro do alvo.

Muitas vezes o sucesso depende menos do quanto a gente se esforça, mas

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sim de até que ponto a gente está em condições, de “esquecer” os esforços. A
alegria que nós saboreamos em um contato sexual vem da situação do contato
e não de uma ação orientada para o objetivo. Quem é impotente se encontra
em uma fase, na qual ele se prende demais com seus pensamentos aos
“movimentos manuais” individuais e por isto perde o contato com o todo. Ele
faz o melhor que pode, e apesar disto não pode. Quanto mais ele se esforça
menos ele consegue. Ele talvez então vá ao médico ou à farmácia, para pegar
meios estimulantes da potência. E se ele acredita muito neles, eles talvez até
façam efeito. Mas é a mesma coisa que ocorre com a fé da cura em Lourdes:
Não foi o medicamento, mas sua fé que o ajudou, porque através dela ele pode
modificar seu programa inconsciente de comportamento.

Na maior parte dos casos a impotência não vem de uma fraqueza sexual, mas
da energia sexual congestionada, que não encontra nenhuma saída, porque é
conduzida por falsas ideias. Ela permanece parada em algum lugar, antes que
atinja corretamente a genitália. Frequentemente ela se fixa na mente, que
então não está mais em condições de dar ao corpo impulsos claros e
homogêneos. Quando o comando central está confuso, então o corpo também
está confuso. Quando a mente envia informações contraditórias, então o pênis
também não pode tomar nenhuma decisão clara. Isto por sua vez preocupa
profundamente a mente, o que em geral produz um circulo vicioso com o
resultado habitual de um pênis irreversivelmente em greve. O problema da
impotência se soluciona muitas vezes por si mesmo quando por meio de algum
episódio ou de uma descoberta na consciência surge outro desvio ou outra
direção surge, que traz a solução a partir de si mesma.

Eu adoro a história da perna do elefante. Um jovem elefante hindu foi amarrado


a uma árvore, para que não pudesse fugir. Ele fica preso todos os dias a esta
árvore e todos os esforços de se livrar dela permanecem infrutíferos. Ele se
convence da falta de saída desta situação, e por fim se acostuma com ela. Um
dia o guardador chega e sem perceber corta a corda. O elefante não sabe de
sua sorte e permanece em sua árvore convencido de que está preso. De vez
em quando ele reflete rapidamente sobre sua situação e pensa se não existiria
algum meio de se livrar do grilhão, porém quanto mais ele se concentra nesta
questão, mais ele sente que com isto só se entrelaça nela cada vez mais.

115
Então ele se torna sensato e desiste. Por que a gente não poderia viver preso à
arvore? Ele já havia esquecido todo o assunto, quando de repente vê diante
dele um forte e belo elefante, que aparentemente desfruta livre de sua força. E
então ele vê uma imagem em sua mente, sua própria imagem desta força e
desta liberdade. Sem hesitar e sem outros pensamentos sobre sua situação ele
caminha ao encontro do estranho, para cumprimentá-lo. O velho feitiço já não
tinha simplesmente mais efeito sobre ele. A autoidentificação espontânea com
a nova imagem foi mais forte do que a velha imagem do passado. Sem este
acontecimento ele teria de se torturar sem necessidade ainda por anos e de se
limitar. Mas a vida, principalmente a humana, é repleta de acontecimentos
semelhantes. Quando nosso espírito agitado entra em contato com as forças
mais fortes da vida, existe sempre a possibilidade de mudar a direção. Como
nós não somos elefantes, podemos preparar mentalmente esta mudança.

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O dilema sexual do organismo

A energia sexual é uma parte direta da energia da criação universal. Ela atua
não apenas nas glândulas e nos órgãos sexuais, mas também nas células e
processos fisiológicos do organismo inteiro. O organismo como um todo e não
apenas uma parte dele, é um ser sexual com funções sexuais básicas, que não
se limitam apenas à procriação. Mas a própria reprodução já é algo como uma
prova biológica de que a sexualidade está na origem e no começo de todas as
coisas, de que dela surge a preservação da espécie!

Todo transtorno sexual causa um transtorno funcional no organismo inteiro do


homem incluindo suas funções intelectuais e éticas. Quase toda doença
psicossomática tem um fundo sexual, quase sempre estão presentes em algum
lugar energias sexuais bloqueadas e congestionadas. Isto já foi mostrado
teoricamente por William Reich e comprovado em seu consultório médico.
Quase sempre quando as pessoas se sentem fracas, cansadas,
amedrontadas, infelizes ou deprimidas elas se encontram em conflito com sua
natureza sexual. Nenhuma dieta pode restabelecer o balanço interior, se não
estiver de acordo com a circulação sexual, e nenhum tratamento natural pode
eliminar os prejuízos, que atingem o organismo através do bloqueio sexual
persistente, se não fizer nada contra o congestionamento da energia sexual.

A fonte mental de quase todas as doenças se localiza em um uso errado de


nossas forças de conhecimento sobre o significado e o modo funcional das
energias sexuais na vida humana. A diferença entre a sexualidade animal e a
sexualidade humana consiste em que no ser humano não se trata apenas de
reprodução, mas sim de um processo de transformação. As energias sexuais
servem à cura do espirito por meio da “deslimitação” do corpo. O ser humano é
por motivo de sua natureza mental mil vezes mais tesudo do que qualquer
animal.

As energias sexuais (como desejo livre e puro) são forças recuperadoras


biológicas e psíquicas de primeira linha. A doença é um bloqueio e um
congestionamento na circulação das energias sexuais. A tarefa central de uma

117
medicina moderna, que supere o velho mundo de pensamentos da época do
Eros cativo e que aprenda a usar nossos “recursos” naturais e forças
curadoras, está no desbloqueio e na libertação das energias sexuais. Todos os
centros terapêuticos e sanatórios poderiam multiplicar seus sucessos de cura,
se colocassem à disposição dos pacientes oportunidades de libertação real de
suas energias sexuais.

Eu tive muitos pacientes em meu consultório que sofriam de obesidade ou


magreza crônicas, com Bócio ou dificuldades de visão, com dores de cabeça
ou evacuação crônicas, com tumores uterinos e histórias linfáticas e renais,
com fenômenos psicossomáticos de todas as espécies, até câncer. Depois de
tentativas iniciais com diversos métodos de psicoterapia, terapia de grupo,
integração postural etc., e me vi obrigado a mudar fundamentalmente a direção
de meu trabalho. Em todos os casos no trabalho conjunto com os pacientes eu
me deparei tão claramente com o tema sexual, que uma terapia sem a
utilização consciente das energias sexuais não pareceu ter mais nenhum
sentido. A própria energia sexual é uma energia curadora por excelência, ela
pertence às forças autocuradoras do organismo humano e podem ser utilizadas
exatamente na extensão em que podem ser libertadas de seus
congestionamentos. A cura consiste no descongestionamento sexual dos
órgãos.

As inflamações, agudas ou crônicas, são quase sempre uma expressão de


energia sexual acumulada. A acumulação de energia sempre surge quando as
excitações sexuais não podem ser “descarregadas”, porque colidem com a
moral corrente, com o próprio medo e com a própria vergonha, com as
estruturas do casamento e da vida familiar etc. A energia sexual congestionada
invoca então – por meio dos métodos de evasão e de evitação do atingido –
sintomas secundários – de forma que acúmulos de energia e inflamações
aparecem em locais do corpo, cuja relação com a sexualidade não seria tão
simples de adivinhar. Estes congestionamentos conduzem, por exemplo, à
formação de Bócio no pescoço, a uma inexplicável pressão detrás dos olhos, à
inflamação crônica da bexiga, à asma e muitas outras doenças. Muitas vezes o
acúmulo de energia se fixa àquela parte do corpo, que no momento tem um
importante papel na engrenagem do processo sexual em conflito,

118
principalmente também um papel simbólico: A gente “não pode ouvir mais isto”,
então a gente tem transtornos auditivos. “Eu não posso mais pensar sobre
isto”, então a gente tem dor de cabeça, quando o tema quente surge
consciente ou inconscientemente mais uma vez.

Eu percebi na obesidade crônica de mulheres um fenômeno, que entendi


instantaneamente. Elas têm um apetite sexual duradouro, mas não podem
saciá-lo e de forma substitutiva começam a comer. A oralidade e a sexualidade
estão muito próximas. Por meio de sua gula elas se tornam gordas, disto elas
também sabem. Mas em vez de moderar seu apetite, aí mesmo é que elas
comem de verdade, intencionalmente. A gente compreende imediatamente
esta postura. Se este mundo ou estes homens são tão desprezíveis, então eu
como! É muitas vezes uma raiva simples, totalmente compreensível e
simpática, que deixa o corpo inchar. Mas é muitas vezes a raiva latente, que o
torna seco e anguloso. Nos dois casos a raiva e a sintomática corporal surgem
de um dilema sexual crônico do organismo.

Rudolf Steiner, que apesar de seu desconhecimento das conexões sexuais


trabalhou em um nível superior da percepção mental, disse uma vez neste
sentido, que a doença surge quando há muita alma no corpo. Esta afirmação
atinge o núcleo. Através do dilema das energias sexuais e psicossexuais o
organismo se enche de conflitos interiores de todos os tipos. As colisões
energéticas sempre surgem em correlação com pensamentos e emoções
correspondentes. Os processos orgânicos, hormonais e vegetativos do corpo
se aderem de certa maneira aos processos psíquicos e estes àqueles. Surge
uma tralha psicofísica, que não liberta o corpo nem o espírito. Quando energias
espirituais e mentais deste tipo são absorvidas pelo corpo, elas não se colocam
mais à disposição de uma visão livre do mundo, de uma livre participação em
seus acontecimentos, da percepção, da descoberta e da gratidão.

O corpo e a alma pertencem um ao outro, e, no entanto existe um sentido para


a terapia, de “libertar temporariamente o corpo de tanta alma” e de purifica-lo.
Este resgate e esta libertação acontecem fundamentalmente através de todas
as grandes ideias, quando são verdadeiras, através de todas as grandes
experiências e das descobertas e principalmente através da grande descoberta

119
do amor sensual. Ela é, exatamente como a verdadeira descoberta religiosa, a
força superior, que expulsa o duende e conduz o organismo à harmonia. Ela é
a maior força reparadora que a natureza nos presenteou.

O organismo humano de nossa época se encontra quase em todo lugar em um


dilema sexual, que ele apenas pode suportar por meio da formação em outras
áreas de diferentes válvulas de escape, como o esporte, a profissão, a cultura,
a guerra etc. Mas isto não é nenhuma cura. A verdadeira cura consiste em
conseguir uma saída positiva para a energia sexual perdida e congestionada.
Isto não é naturalmente nenhum ato mecânico, porque exige a mudança da
vida interior e exterior. Os pacientes cancerosos de William Reich, nos quais a
terapia sexual quase foi bem sucedida, sempre tinham uma recaída, quando
não podiam encontrar na vida exterior nenhuma possibilidade de realização
sexual. A cura através da terapia sexual pouco poderá ser permanentemente
bem sucedida sob as condições da sociedade existente; apesar do melhor
desempenho do terapeuta, a formação de novos sintomas surgirá novamente
talvez em órgãos totalmente diversos. O descongestionamento sexual e a cura
permanente do organismo somente serão bem sucedidos quando o doente,
após a terapia tiver a possibilidade de recomeçar sua vida sexual e de construí-
la sem a coerção atual da mentira constante e da autorepressão. Esta tarefa já
não se situa mais na área convencional do médico, mas é o mais importante
trabalho médico de nossa época. O tema da cura não pode mais permanecer
limitado à tradicional área médica, precisa ser expandido à esfera muito mais
ampla de nossa existência sexual total e criar para esta existência novas
possibilidades de experiências. Nós precisamos de instituições, nas quais o
paciente e todo aquele que gostaria de se regenerar, tenham a possibilidade de
uma realização sexual, que a vida atual não lhes pode dar. Um único santuário
do desejo e da cura sexuais substituiria dez clínicas modernas.

120
Será que sou suficientemente atraente? Reflexões a respeito
da atração sexual

A atração sexual existe simplesmente, ela não precisa ser produzida


excepcionalmente. No fundo toda mulher é sexualmente atraente para o
homem, simplesmente porque ela é uma mulher, e o inverso também é válido.
Talvez a gente antes devesse perguntar como a perda da atratividade é
possível. Mas a gente não precisa mais perguntar isto, os capítulos anteriores
fornecem respostas suficientes.

Quando as mulheres questionam sua atratividade sexual, elas pensam quase


sempre em sua aparência exterior, corpo, penteado, maquiagem.
Permaneçamos então primeiro no exterior. A figura feminina é sempre atraente,
quando a gente pode reconhecê-la claramente como tal. O que é pouco
atraente é frequentemente aquilo, que as mulheres sob a ditadura da moda e
do estilo moderno fazem com sua figura. Com suas ombreiras, suas formas de
calças nada sensuais e seu olhar frio elas andam por aí muitas vezes como
uma encarnação de matadoras do amor. Suas cinturas contraídas, que são
tidas como sinal de beleza, mostram muitas vezes, que através delas não
passa mais nenhuma corrente sexual vital, nem de baixo para cima, nem de
cima para baixo. A barriga zero do ideal de beleza feminina anda de mãos
dadas com uma determinada ausência de vida no rosto que possui um efeito
mundano. Eu não sei por que tantas mulheres participam deste circo, que já
não é nem mesmo um circo de vaidades, porque quem é vaidoso, gostaria pelo
menos de ser bonito. Eu não sei por que mulheres com mais de 60 quilos
desprezam seu corpo. Elas não sabem o quanto são bonitas e investem muitas
vezes uma força de vontade absurda para cada meio quilo perdido. Os pontos
mais bonitos, que querem se formar exatamente como pequenas almofadas de
amor nos quadris, no traseiro ou nas pernas, elas tentam eliminar com todos os
recursos. Onde um homem deve pegar afinal, se não houver mais nada lá? O
olhar de um homem para uma mulher é também alguma coisa como um
prolongado sentido de tato. Uma mulher é em todo caso então atraente,
quando a gente sente desejo de tocá-la. Por este motivo eu peço a todas as

121
mulheres que mantenham seus pontos macios e suas curvas, mesmo que elas
sejam um tanto opulentas. Saibam que existem muitos homens que amam e
desejam algo assim. Um corpo feminino de 75 quilos e um rosto simpático
sobre ele é em todo caso sexualmente mais atraente do que as figuras de
confecção sem vida da moda. Vocês talvez não sejam totalmente o padrão
para profissões profundas como modelo fotográfico ou modelos de passarela,
mas em troca disto vocês colherão na cama prazeres totalmente diferentes,
caso não tenham vergonha de sua opulência. – Após esta declaração de
preferência, que eu divido com muitos homens experientes, eu gostaria de
aprofundar a questão da atratividade.

“O que é a beleza?” foi perguntado a Josef Beuys em uma entrevista de


televisão. Ele respondeu sorrindo: “A beleza é o brilho da verdade.” Com esta
resposta foi dada uma orientação que também vale para a beleza sexual. A
beleza não é em primeiro lugar um protótipo de sinais estéticos exteriores, mas
sim um padrão de atitude interior. Sem querer falar da subjetividade alemã da
palavra, existe nesta ideia um fato, que nós todos conhecemos. A gente
encontra pessoas, que no sentido exterior na verdade não são bonitas, e
mesmo assim possuem um irresistível carisma sexual. Elas são atraentes
sexualmente, porque elas são idênticas a si mesmas. Elas têm aquele quê.

Uma mulher está diante do espelho pela manhã e se embeleza. Ela compara
sua aparência externa com a imagem que deseja para si mesma. Aqui algumas
rugas demais, aqui um pouco de gordura, aqui talvez um pouco de olheiras,
com um pouco de cosmético as deficiências são corrigidas. Ela está bonita. Ela
irá à cidade e perceberá os olhares. Os homens a consideram realmente bonita
e atraente. Ao primeiro olhar, em todo caso. Mas será que isto é bastante ao
segundo olhar e também é suficiente quando ocorre um contato? Ela não tem
um traseiro muito gordo, seios muito pequenos, um andar pesado? Sua
preocupação gira incessantemente em volta de sua aparência exterior. Ela tem,
por exemplo, um nariz relativamente grande, um “narigão”, como suas amigas
maldosas dizem. Por isto ela se acostumou a se deitar na cama com um
homem sempre de maneira que ele não possa ver seu perfil. Através da
preocupação com sua aparência, uma parte de sua atenção é sempre
absorvida e uma parte de seu carisma exterior é também engolida através de

122
seu hábito de se observar com o olhar dos outros. Quando esta contemplação
do próprio umbigo se torna intensa, ela percebe que perde seu carisma sexual.
Se ao contrário ela estiver livre da preocupação, ela sente seu fascínio.
Atratividade sexual e carisma têm alguma coisa a ver com “ser livre de si
mesmo”. A gente fala então de “naturalidade” e de “abertura”. Estas são duas
qualidades básicas de uma pessoa simpática, que a gente sempre ama.
Porém, elas não são suficientes para este determinado fenômeno, que nós
chamamos de “sexappeal”. A ressonância sexual parece vir de uma fonte bem
diferente.

A beleza não é apenas o brilho da verdade, ela é muito mais o brilho do amor.
Uma pessoa é bonita quando a energia do amor está nela. Esta qualidade
básica é então visível também quando rugas de preocupação e dúvidas
cobrem o rosto. A gente ama esta pessoa, porque ela mesma em seu ser é
uma amante. A gente sente a força de seu coração e se aquece com ela. Este
também é um elemento de atratividade erótica, mas também ainda não é tudo.

Outra fonte de atratividade sexual é o caráter “autêntico” de um ser humano.


Até que ponto ele é idêntico a si mesmo? Até que ponto ele tem suas próprias
ideias e expressa seus próprios sentimentos? Aqui a coisa fica quente.
Pessoas com substância individual chamam a atenção. Elas possuem uma
indiscutível força de atração no intelecto e muitas vezes também na esfera
sexual. A autenticidade é sexy. “Ela o ama, porque ele pensa.” (Comigo
acontece o mesmo com as mulheres.) Quando a substância de uma pessoa
entra em ressonância com a de outra, surge em todo caso uma forte atração.
Sartre e Simone de Beauvoir se uniram desta forma.

Mas o total sexappeal tem ainda outro componente, que eu prefiro chamar de
“saber sensual”. É o conhecimento sensual, que é demonstrado por um rosto,
um gesto, uma troca de palavras, mesmo que seja apenas insinuado e que
sempre faz surgir uma peculiar e erótica fascinação. A gente já percebe isto em
crianças, mesmo quando o conhecimento ainda não existe de uma forma
consciente. “Esta será uma”, a gente pensa secretamente e pensa com isto
nesta determinada, decente e intima qualidade, este anúncio de um saber
erótico. Pessoas, que são sexualmente atraentes, tanto homens como

123
mulheres, possuem uma autoconsciência erótica. Em todos os outros casos a
gente tem de primeiro descobri-la. Mas quando esta autoconsciência é sentida,
não há mais necessidade de nenhuma descoberta adicional. Um ser humano,
que saber viver sem vaidade, mas com consciência erótica, irradia aquela
delicadeza, a qual nós sempre reagimos eroticamente. A sexualidade é um
fenômeno de ressonância. Eros tem passe livre onde existe para ele além da
ressonância física também a ressonância espiritual. A sexualidade é
estimulada pelo corpo, mas a direção a favor ou contra a atração sexual está
na mente. Existem estruturas mentais muito eróticas e outras extremamente
não eróticas. O corpo mais bonito empalidece se sobre ele se encontra uma
cabeça dura. Mas corpos feios começam a desabrochar, quando são dirigidos
por um espirito erótico. A gente reconhece os “conhecedores” em sua
fisionomia e na maneira como conduzem seu corpo.

O que os homens amam nas meninas, que eles estupidamente chamam de


“Lolitas”? Eles amam esta determinada associação de sensualidade, inocência
e conhecimento desabrochante. O que eles amam nas mulheres maduras, se
estas não se renderam à resignação? Eles amam a união de sensualidade,
naturalidade e conhecimento. O que as mulheres amam acima de tudo nos
homens? Elas amam a associação entre pensamento autêntico, energia e
conhecimento sensual. É sempre surpreendente, o quanto o corpo pode se
afastar das regras contemporâneas de beleza, quando ele está preenchido por
vida e espíritos ativos.

124
Um apelo às mulheres

Existem muitas mulheres que têm a sorte ou o azar, de corresponder ao status


das “mulheres bonitas”. Elas sabem que são bonitas, elas sentem a aprovação
dos homens, elas usam esta chance ao se apresentar de modo sedutor, no
entanto elas já tiveram experiências ruins. Elas atraem, mas dizem não quando
alguém morde a isca. Elas aumentam seu poder por meio deste não. Quando
uma mulher especialmente atraente passa por mim, na maioria das ocasiões
eu já vejo este não em seus lábios. Ao que parece trata-se aqui de um jogo
social feminino, que sempre tem efeito no jardim zoológico de nossa
sociedade. Quanto mais uma mulher diz não, mais ela é desejada. O desejo do
Eros transformou-se em desejo pelo poder. Estas mulheres, que na verdade
nós todos desejamos, não vivem do amor, mas da projeção dos outros. O
poder frio, que elas adquirem através da projeção, é mantido muitas vezes pelo
tempo, que sua beleza durar. Mas a beleza duradoura, não se fundamenta no
poder, mas sim no amor. Isto se mostra talvez vinte anos mais tarde, quando
os vestígios da solidão e da decepção se revelam em seu rosto. Ao que
parece, o jogo não foi tão bem sucedido. Apesar disto já é antevisto por muitas
mulheres jovens. A gente não deve se revelar, a gente tem de fazer os homens
pularem, a gente precisa lhes mostrar que a gente não é tão fácil assim de ter!
Por detrás desta maneira orgulhosa de autoviolentação está naturalmente um
mundo masculino orientado erroneamente, que realmente pensa que uma
mulher não teria valor, se fosse logo conquistada. As mulheres se emancipam
simplesmente através da expressão desta idiotice à sua maneira. Com isto a
emancipação das mulheres se degenera em uma mera imagem oposta das
estruturas masculinas. Em vez de se libertar destas estruturas, a mulher tenta
corresponder a elas de forma complementar. A verdadeira emancipação
feminina seria o oposto: Não seria a observância destas estruturas inimigas da
sexualidade, mas sim sua ruptura. A gente vê como na cadeia sexual de nossa
sociedade se desenvolvem estruturas, nas quais Eros obrigatoriamente tem de
se afastar cada vez mais do amor. O sexo e o amor trilham então dois
caminhos diferentes, a fonte da esquizofrenia atual na vida em comum dos
gêneros. A gente é constantemente confrontada com dois sinais contraditórios:

125
“Vem!” e “Vá embora!”. Esta situação não solucionável de “duplo vinculo” foi
reconhecida já em crianças pelos modernos pesquisadores da esquizofrenia
como a fonte das doenças psíquicas. Enquanto esta estrutura dominar a vida
erótica pública, não poderá haver nenhuma paz no amor sensual. Não poderá
haver nenhum vitorioso nesta guerra inconsciente dos sexos porque afinal
todos são vitimas.

As estruturas inimigas do amor foram feitas pelos homens, mas para sua
superação é necessária a iniciativa das mulheres. As mulheres não deveriam
mais reagir à intolerância masculina com o feminismo militante, porque este
também é apenas um eco dos homens, mas sim com seu próprio e novo
caminho.

Eu peço a todas as mulheres, que ainda têm desejo pelo amor: Quando
encontrarem um homem que lhes agrade, então parem com o não
estereotipado. Não se congelem em sua beleza envergonhada, ponham os pés
no chão e me ajudem a criar uma oportunidade melhor. Existem certamente
homens à moda antiga, com os quais já não faz mais nenhum sentido, tentar
uma aproximação, porque eles logo entendem mal qualquer sim. Mas quando
vocês encontrarem um homem, que lhes interessa, então façam exatamente
aquilo, de que vocês sentem frequentemente falta em nós: Façam contato,
sejam um pouco importunas, tenham confiança em si mesmas, convidem-nos.
Se vocês desejam um homem, então deixem que ele saiba e lhe dê sinais
compreensíveis. Se um de nós já tiver uma mulher ao seu lado, não se deixem
impedir por causa disto. Ninguém está realmente tão “ocupado”, que não tenha
ainda um olhar e um coração livre. A mulher ao seu lado é igual a vocês. Se ela
o ama e deseja, então ela entende que vocês também tenham o mesmo
desejo. Isto já não pode mais ser motivo para se repelir mutuamente. Nós nos
amamos, mas nós não temos nenhuma propriedade sobre o outro porque nós
não somos mais senhores e escravos. Quando eu falo de “nós”, então eu
penso em todos que pensam da mesma forma e que querem atuar nesta
direção.

Não existe nenhuma razão em ir para a cama com algum homem, muito
embora a gente não tenha nenhuma vontade, mas também não existe nenhum

126
motivo para não fazer isto, muito embora a gente tenha vontade. Nenhuma
mulher tem uma obrigação sexual para com o homem. Isto também precisa
acabar. Não existe aqui absolutamente nenhuma obrigação. Também não
existe a obrigação de se apresentar sempre decente e respeitavelmente. Um
pouco mais de “pecado” já deve se tornar visível. Eu sei que a gente para isto
precisa do homem certo. Quando eu observo os homens, que lhes dão
cantadas nas esquinas, então eu entendo bem, que não é fácil para uma
mulher, se impor com autosegurança. É uma arte em si mesma, dizer não dez
vezes e mesmo assim permanecer receptivo. Eu conheço o tipo do incômodo
constante a partir do que me contam minhas amigas mais íntimas. Mas o que
eu mais gostei das histórias que me contaram, foi esta atitude especial, que
elas mantiveram nestas ocasiões, na qual o seu não em lugar de vir da
arrogância ou da luta, vem do fato infeliz, de que a solidariedade que vocês
oferecem é muitas vezes mal entendida pelo homem ou não é aceita
corretamente. Mas mesmo assim não deveria existir a partir dai nenhuma
hostilidade com os homens e também a afirmação depreciativa: “Os homens só
querem aquilo.” – Isto de qualquer forma é verdade.

Infelizmente, os homens que vocês gostariam de ter são muitas vezes menos
importunáveis do que os outros. Quando algum de seus escolhidos se
comporta de forma tímida e reservada demais, então o ajude a vencer seus
bloqueios com suave persistência. Exerçam sua arte de sedução; muitas vezes
pequenos sinais são suficientes. Não se afastem na espera e na passividade.
Nós admiramos há muito tempo suas belas formas à distância. Vocês já
sentiram há muito tempo os olhares desejosos, que foram dirigidos a vocês por
mil olhos masculinos. Levem isto a sério, não se queixem sobre isso,
abandonem sua inocência. Se vocês soubessem do anseio não resolvido que
vocês provocam permanentemente nestes corações masculinos! Se vocês
soubessem o quanto é comum que a cantada mais sem graça seja fruto do
puro despreparo! Quando um homem se torna muito importuno ou usa as
palavras erradas isto nem sempre significa uma humilhação ou um desprezo
secreto pelas mulheres. Nós não podemos permanecer sempre relaxados e
sedutores, depois de ter de andar por aí durante anos com desejos reprimidos.
Com vocês acontece a mesma coisa. Ajudem-me a encontrar uma solução

127
positiva para este problema. Permitamo-nos transformar a dor do anseio não
satisfeito em uma possibilidade real de contentamento mutuo. O raio, que nos
atinge quando algumas vezes nos avistamos, não pode simplesmente passar
por nós. Nós já transamos com vocês em pensamento por tempo bastante.
Agora por favor, ajudem para que o seu sonho e o nosso sonho se encontrem
e ganhe vida. A vida é muito bela para que seja desperdiçada com medos e
segredos. Nós amamos suas opulências e suas almas, nós amamos seus
pudores e seus despudores, nós amamos o amor como vocês e nos
completamos mutuamente no que há de melhor. Eu já posso ver, como nosso
desejo pelo outro se transforma em novo sentimento de gratidão e fidelidade.
Parem com a guerra do mesmo modo que nós queremos acabar com ela. Para
sempre. Amém.

128
Não se trata de sexo?

É 1 hora da manhã. Eu estou sentado aqui diante de meu bloco de desenho,


me sinto bem e observo o piscar do relógio eletrônico sobre o aparelho de
televisão. Eu não preciso de sexo agora, mas sim de um cigarro (eu só fumo à
noite). Eu saboreio as horas em que estou livre desta quimera sexual. Eu
penso agora, como muitos outros pensam. Que contas nós teremos de ajustar
algum dia, quando estivermos no fim de nossas vidas? A conta de que nós
fizemos pouco sexo? Lá fora a lua segue seu curso, e sob ela brilha um
universo. Eu não sei de onde isto vem e para onde vai, mas isto não é uma
grande realidade? Nós, os seres humanos, precisamos ainda nos fixar tanto
naquilo, que de qualquer forma já nos mantém tão presos e que nos tortura?
Os espaços da arte e da filosofia existem apenas como repressão? Eu não
acredito que eu agora reprima, mas Vincent van Gogh neste momento está
mais próximo de mim do que Bukowski. Eu preciso lançar a âncora mental
neste outro fundo. Por favor, não me toque agora, eu preciso de ar fresco.
Algumas vezes eu não posso mais ouvir a palavra sexualidade, muito embora
muito do que ela diga seja verdade. Mas o Deus que criou o céu de vocês,
também deixou crescer o ferro, para depois malhá-lo. Eu não conheço nenhum
paraíso que não tenha sido destroçado ainda antes de estar pronto. Muitas
vezes existe para uma tese sua tese contrária, como se a gente simplesmente
pudesse escolher uma delas. Não me toque, eu ainda não estou pronto! Eu
amo de fato uma mulher e a amo ainda hoje, porque nós nos comprometemos
com outra coisa que não a teoria do sexo ampliado. Nosso casamento não é
um gueto e nenhuma simples renúncia às muitas outras uvas inalcançáveis. Ou
vocês acreditam que seja mentira ou nada mais do que mentira, quando eu
digo, que a gente continua a se amar? Sua sabedoria é tão atenta, tão refinada
e tão jovem para mim, tão genérica e tão rápida para um objetivo tão grande.
Todo corredor tem de alguma vez tomar fôlego e perceber o que acontece ao
seu redor. Acontecem coisas notáveis. O universo não consiste apenas em
dores de cotovelo. (Eu continuo a falar no papel do outro.) Mas permaneçamos
no tema de vocês. Por que vocês falam sempre de sexualidade e imaginam
com isto apenas a execução genital? Ao lado disto existem muitas outras

129
coisas, que podem ser igualmente bonitas e importantes. Cada um está no seu
nível e quando ele passar por todos eles, começa outra vez do inicio. Quando
Henry Miller estava tão velho, que já não podia mais transar direito, ele
descobriu um novo amor por sua Brenda. Ele lhe escrevia declarações diárias
de amor como um estudante. Sua alma encontrou outra forma preenchimento
fora de sua genitália “Opus Pistorum”. Mas por isto ela tinha menos valor?
Muitos não estão interiormente em um lugar, onde sempre gostariam e
desejariam estar. Não a pressione por um sexo rápido demais. Antes que o
movimento chegue ao pênis, vêm os olhos, a boca e o ventre. Todos eles têm
sua própria qualidade espiritual, seu próprio tema e necessidade. Todos eles
estão em ressonância com o mundo e gostariam de permanecer lá por um
tempo. Seu sexo é como uma rua de mão única para baixo, mas também
existe outra direção. “Ai! Duas almas vivem em meu peito”, disse Goethe,
“Você sempre está consciente apenas de uma”. Quem são vocês, que
acreditam, que possam tomar uma decisão, que seja valida para todos nós? Eu
considero os mitos tradicionais de nossa cultura como uma tese madura e sua
teoria como uma antítese inteligente. No entanto, eu não posso acreditar nem
em uma nem na outra.

E então ele, que quase poderia ter sido eu, falou sobre algumas outras coisas,
sobre as facetas do desejo e sobre as emanações da alma. Ele falou de
trovadores e de Minnesang, do amor homossexual e da multiplicidade do ser,
ele falou de Siddharta e de Hermann Hesse. Aparentemente ele estava de fato
movido pelo espirito daquelas ideias, que se opõem a qualquer julgamento,
porque o conhecimento das coisas não mais permite algo assim. Ele me
parece tão semelhante, que eu gostaria de me poupar de controvérsias.
Mesmo assim eu tenho outra posição. Meu interlocutor imaginário teria falado
de outra maneira, se ele tivesse percebido de quem as novas ideias são filhas.
Elas são novas, mas ele acredita que já as conhece. Ele escolheu um modo
muito inteligente e polido de se imunizar contra a vida. Isto talvez também seja
sabedoria. Sabedoria para estóicos e filósofos, mas não para homens que
foram atingidos pela tempestade de Eros. Quem aceitar as ideias deste livro e
as entender perceberá, que os argumentos de nosso estóico são inteiramente
consideráveis.

130
Algumas vezes não se trata realmente de sexo, nem também de amor. Existem
situações internas de decisão de natureza fundamental, nas quais o instinto
interior sente com razão toda a temática sexual apenas como uma
inconveniência. A gente no momento tem de lidar simplesmente com outras
coisas. Isto não é nenhuma repressão e nenhuma trapaça interior, mas sim
uma exigência amigável da voz interior, que agora aponta para uma direção
bem diferente. A gente não deve se tornar vitima deste grande tumulto em
torno do tema número um. Acima de tudo a gente não deve pensar que alguma
coisa não está em ordem conosco, quando no momento está ocupada com
outra coisa. O mundo é muito complexo, para que possamos ou devamos nos
fixar neste tema, e as soluções surgem de qualquer forma por acaso e não por
meio da concentração na perna amarrada do elefante. Trata-se de uma
mensagem de libertação, não da nova fixação, e o menor caminho para a
solução de um problema é muitas vezes o desvio.

As leitoras e os leitores, que se sentirem pressionados por tanta sexualidade,


devem, por favor, levar em consideração que eu sou obrigado a colocar a
temática da sexualidade tão no centro não por causa de uma falta de
experiência, mas justamente por causa da totalidade de minha experiência. Eu
sei que no momento muitas pessoas não são tão atingidas pelo tema como as
outras. A gente não deve fazer aqui nenhuma comparação e não se medir
pessoalmente nos valores de uma nova teoria sexual. Eu não quero criar
nenhuma nova escala de valores, mas sim servir ao entendimento. Para muitos
a questão do amor é em sua situação atual mais importante do que a questão
da sexualidade. Peguem simplesmente das ideias deste livro aquilo com que
vocês possam trabalhar produtivamente. É um hábito inútil de nossa mente,
considerar imediatamente como controversas as coisas com as quais não nos
identificamos de pronto. Com isto, as afirmações de um processo de
pensamento para um humanismo sexual não são vistas como um sinal para as
possibilidades individuais, mas sim como um perigo, do qual a gente tem de se
proteger. Na consciência do dever arraigada de nosso robô até mesmo a
libertação se transforma em compulsão.

Aquele que no momento não consegue seguir adiante no amor não deve, por
favor, ter com isto uma preocupação adicional. Se a gente somente pudesse

131
começar com a vida, se todos os anseios fossem satisfeitos, talvez jamais
chegássemos a viver. A segurança em coisas do amor surge algumas vezes da
visão e da aceitação da tarefa que é atribuída no circulo humano que lhe é
dado. Toda pessoa cria através de sua atividade vital ou sua profissão uma
organização de suas relações com seus semelhantes que surge por si mesma,
que, quando ele age sensatamente, desperta suas forças intelectuais e
amorosas. Aquele que encontra seu tema de vida, também encontra o amor. A
atratividade sexual algumas vezes se desenvolve por si mesma, quando a
gente menos se preocupa com ela.

132

CAPITULO III

A DOR ANCESTRAL E O CIÚME

133
A dor ancestral
O que acontece na alma de uma criança de um ano de idade, quando é
deixada por seus pais aos cuidados de pais adotivos? O que significa para uma
criança ser abandonada? Eu gostaria de ser breve, o tema da dor ancestral é
muito cruel, para que nós possamos nos demorar nele. Nós todos já
vivenciamos algum dia, nesta ou em uma história de vida anterior, esta dor
monstruosa da separação, a maioria ainda quando criança e ela nos marcou
profundamente. Se não tivesse sido assim também não existiria certamente
nenhum ciúme. A ira, que nos acomete quando adultos é como uma
reminiscência sombria do trauma do passado. A primeira dor, que é vivenciada
pelo ser humano, é com certeza a dor de ser deixado sozinho. – Existem ainda
outras dores antigas, como, por exemplo, interrogatórios sem sentido por
coisas que fizemos inocentemente. O ser humano histórico desenvolveu em
sua luta contra o amor, o sexo e a verdade uma vulnerabilidade interna, que
não pôde mais parar de transmitir estes ferimentos aos outros. Uma espiral de
dor, de ser ferido e de ferir foi transmitida pelos pais às crianças, de geração a
geração. Muitas vezes sem o conhecimento dos pais. Será que os pais de
todas as crianças sabem, o que eles fazem a elas, quando ignoram ou refreiam
suas aproximações amorosas? Será que uma mãe sabe hoje, como seu filho
de três anos a idolatra e deseja? Será que um pai sabe o quanto ele é modelo
e semideus para seu filho e o quanto por causa disto suas ações têm efeito na
vida de seu filho? Na maior parte dos casos eles não sabem nada disso,
porque eles próprios foram educados muito rigidamente ou porque eles estão
tão envolvidos em seus próprios problemas não resolvidos, que não podem
perceber nada mais. A gente não precisa apresentar nenhuma teoria especial
para o surgimento da dor ancestral. É suficiente que tomemos conhecimento
do que até agora aconteceu com as crianças em incontáveis famílias. O
número inacreditável de crianças que são vitimas de maus tratos
absolutamente monstruosos é apenas a ponta do iceberg. E tudo isto em um
país desenvolvido como a Alemanha, tudo isto no Ocidente Livre. Os maus
tratos de crianças são uma ferida aberta e visível da criança. A vivência
traumática que está associada à dor ancestral, também aparece de forma mais

134
frequente através de uma latente e duradoura desatenção à criança que se
expressa na indiferença e na privação emocional, na alimentação consumista e
em coisas semelhantes. Nosso novo mundo comportado desenvolveu seus
próprios métodos, para com “meios suaves” estigmatizar as crianças para
sempre.

Aquele que vivenciou a dor ancestral, não importa se na infância ou mais tarde,
tenta com todos os meios fugir dela e nunca mais se defrontar com ela. Ele
tentará instintivamente evitar todas as situações, todas as pessoas e todos os
acontecimentos, que possam lhe recordar o abominável. Ele constrói – de
forma semelhante ao local assolado pela tuberculose – uma parede protetora
em volta de sua ferida, para que ninguém mais possa tocá-la. Como esta ferida
quase sempre é sentida na área do amor e da sexualidade, é também aqui que
se situa a parede protetora e as estratégias de evitação dos atingidos. A gente
amou algum dia, mas foi tão iludida, decepcionada ou punida, que não quer
mais se envolver com o amor. Este juramento contra o amor acontece
realmente muitas vezes já na infância. A gente precisava ter visto os rostos das
crianças de dois anos de idade quando elas se sentem tratadas injustamente
ou quando elas não podem mais entender o mundo dos adultos. Em seus
rostos se expressa o força do desespero – mas também a força da vontade!
Aqui são tecidos planos de vingança em uma idade na qual os adultos ainda se
alegram com os narizinhos arrebitados. Nós todos, já que somos originários de
semelhantes estruturas inimigas do amor, somos marcados de alguma forma
pela experiência negativa, e todos vivemos esta experiência principalmente no
amor. No ponto onde a confiança de uma criança se encontra com a
indiferença ou o alheamento dos adultos, sempre surgem conflitos no
desenvolvimento do amor, que não são mais tão fáceis de curar. Os chamados
padrões traumáticos se evidenciam. Eles vigoram para a maioria durante toda
a vida e se expressam mais ou menos assim: Seja cuidadoso, quando você
ama. Não se envolva, porque provavelmente você será enganado ou
abandonado. No inconsciente surge uma camada fatal, que é constituída de
amor, medo da perda e vingança. Até hoje o mundo amoroso de nossa
sociedade é composto em maior ou menor escala por esta camada cruel.

É mais do que natural, que sob estas condições muitas pessoas não se deixem

135
mais envolver na aventura do amor e do Eros. Elas escolhem determinadas
estratégias de evitação, com as quais elas manobram seu barco do amor em
torno dos recifes do amor. Elas escolhem, por exemplo, uma pessoa para
amar, que elas na verdade não amam e também não desejam sexualmente,
mas que, no entanto lhes oferece bastante espaço de ação, para não ficarem
totalmente sozinhas. Ou então elas desenvolvem uma moral superior do ofertar
dar e do cuidar diante dos outros, porque elas mesmas já desistiram totalmente
de receber (porque seu maior desejo de qualquer forma não pode se realizar).
Ou então elas amaldiçoam de início tudo aquilo, que elas amam realmente.
Este é hoje provavelmente um método especialmente preferido. Eu o vivenciei
no próprio corpo e o vejo também nos outros: Quanto mais as pessoas amam e
admiram alguém, mais elas se veem na necessidade de ofendê-lo. A
aproximação através de rejeição é a motivação deste método enigmático. A
gente poderia ir muito mais longe com a enumeração destas coisas estranhas.
Durante os sete anos em que eu trabalhei e acompanhei círculos marxistas, eu
não pude libertar-me da suspeita, de que muitos dos companheiros procuram
neste trabalho político uma proteção contra seus próprios problemas amorosos.
Eu percebi aos poucos, que para muitos na verdade tanto faz em que partidos
eles trabalham. Tanto faz se vermelho ou verde ou marrom ou preto, as cores
quase poderiam ser trocadas assim como a camisa, enquanto a dor interior não
fosse aplacada. É monstruoso como somos caracterizados pelos ferimentos
psíquicos do passado. E nós só poderemos criar uma renovação positiva,
quando virmos estas relações e reconheçamos sua verdade. Isto é realmente
simples, porque qualquer um pode ver as relações, se estiver disposto a
observá-las. Mas este é exatamente o problema: Ele tem de estar disposto, a
vê-las. No entanto ele somente terá esta disponibilidade, quando ele puder
acreditar, que isto provocará uma solução e mudança positivas. Enquanto não
houver nada em vista, ele continuará a fazer como até agora. Mas quem, se
não ele mesmo, deve então começar com a libertação deste encantamento?
Todos ainda continuam hoje a esperar pelo Messias? Não, eles não esperam
mais, eles acabaram de esticar os membros. E eles odeiam todos, que têm
esperança. Ulrich Horstmann teria feito uma bela profecia para todos eles em
seu livro “A Besta”, se não existissem estes poucos antagonistas, que ainda
continuam obcecados em amar a vida, proteger o amor e dar às crianças um

136
lar mais bonito. Enquanto estas pessoas existirem existirá também uma
solução para a dor ancestral. Porque a imagem interior, que vem do passado,
precisa se seu próprio alimento para continuar a viver. Sob condições
humanas, que são novas, porque o amor não é mais punido e ameaçado com
o abandono, ela não tem mais nenhum alimento e depois de algum tempo se
dissipará por si mesma.

O passado passou. A continuação da dor primária e sua revivicação nos


relacionamentos amorosos atuais é uma eterna reprodução do passado. Hoje,
o progresso ou o declínio da humanidade não depende de sua confissão
política ou religiosa, mas sim de que as pessoas conscientes e engajadas
percebam este circulo vicioso interior e o quebrem. A vida somente será nova
quando estiver livre do trauma inconsciente do passado e quando criarmos
estruturas do amor reconhecido, nas quais a causa do trauma for eliminada. A
terapia atual não é mais apenas a dissolução do nó traumático, mas sempre
também o trabalho em novas estruturas e novas possibilidades para um amor
sem medo e uma vida sem mentiras.

137
O que é o ciúme e de onde ele vem?

A dor primária do abandono provoca o aparecimento de uma estrutura


psíquica, que na maioria das vezes não pode ser superada mesmo na idade
adulta: toda vivência amorosa e toda nova união, que a gente apesar da
experiência traumática gostaria de ter, é associada interiormente com o medo
da separação e de novo abandono. O amor e o medo da separação são
associados um ao outro de forma quase indissolúvel. Desta associação surge
sempre o ciúme. Quando o amor está ligado ao medo da separação, os dois
parceiros farão juras de fidelidade, para assegurar a união, e eles se vigiarão
mutuamente, para que a promessa seja mantida. No jornal, a gente encontra
sempre pequenas notícias sobre as consequências destas relações de
fidelidade. Na França um jovem atirou em sua namorada. Eles se conheciam
há cinco anos e juraram permanecer juntos. Se, no entanto, um dos dois
deixasse o outro, aquele que tivesse sido abandonado deveria matar o outro.
Eu creio, que nós todos compreendemos imediatamente, o que aconteceu
intimamente.

O ciúme se apresenta, quando é verdadeiro, como um cataclismo da natureza.


Ele ataca primeiro todo o organismo e o enche de medo, de paralisia terrível. O
ciúme se revela como um fenômeno orgânico! Isto mostra o quanto ele se situa
profundamente. Sem dúvida lidamos aqui com um tema fundamental na área
central da vida, de certa maneira com o ABC de nosso organismo. Soletrar a
vida sem ciúme significa soletrar a vida de uma nova maneira.

Não há muito sentido em reprimir ou dissimular a ocorrência do ciúme, ela se


anuncia, quando se trata de amor ou de sexo real. Diante da tempestade
interior, que se forma então, as ideias do amor livre tem com frequência ainda
menos poder. Consideremos que a tempestade do ciúme já sopra há milênios
e que as ideias do amor livre circulam somente há poucos anos. Não se trata
então de extinguir o ciúme em si com um último apelo de coragem, porque com
isto provavelmente o amor também será extinto. No entanto, é preciso
identificar as relações do ciúme e por fim superá-las. Tem de ser assim, porque
o destino das crianças, que de geração em geração crescem sob as condições

138
da cultura do ciúme, não pode continuar por muito mais tempo. Somente
poderá existir paz na Terra, quando a guerra no amor se acabar.

Para todo aquele, que já esteve uma vez verdadeiramente apaixonado (isto
vale para os dois gêneros), o ciúme tem um motivo muito vivido e mais do que
compreensível. A gente não poderia suportar perder novamente a felicidade
alcançada. Para um jovem de 18 anos, que acabou de iniciar um
relacionamento intimo com uma garota, este achado é o mundo, e ele daria um
mundo para tê-la totalmente. Quando então ele tem o tesouro, o drama
começa. Na defesa e no cerceamento do tesouro encontrado movimenta-se o
medo de que a gente possa perdê-lo outra vez. Então a gente agarra ainda
mais. Quanto mais a gente agarra, mais justificado é o medo, porque a gente
acabou de começar a sufocar o outro e seu amor. É um círculo vicioso até o
amargo fim. O amargo fim consiste em uma separação dramática ou na
extinção de todo impulso amoroso, ou ainda em um ato violento. Quantas
lágrimas já foram vertidas, porque os amantes acreditavam em um sentimento
errôneo de orgulho ferido, que tinham de se separar, muito embora eles não
queriam absolutamente se separar; e quantos momentos felizes iniciais se
encontram enterrados e empoeirados nas cartas de gavetas velhas!

O ciúme é a tragédia de nossa cultura. O medo da separação sempre


encontrará alimento novo sob as condições existentes. A união, sobre a qual a
gente colocou tudo, não pode ser mantida. Por três motivos: Primeiro, os dois
amantes no início de seu amor colocam uma quantidade tão abundante de
esperanças e expectativas um no outro, que os dois têm de fracassar, porque
nenhum ser humano pode realizar sozinho as esperanças de outra pessoa.
Segundo, nossa sociedade é construída segundo os princípios do lucro e da
concorrência e não segundo os princípios do amor. Então, os dois terão de se
arranjar com a sociedade e com isto aceitar automaticamente suas estruturas
inimigas do amor. Terceiro, o amor em nossa cultura é dominado por um
pensamento amoroso enganoso, que sempre o fará fracassar, se este
pensamento não for abandonado. A este pensamento enganoso e fatal
pertence a divisão do mundo humano em duas partes, a privatização do amor
na união de duas pessoas, a exclusão de terceiros e o direito correspondente
ao ciúme e à vingança no caso de ferimento da regra.

139
Muito embora o ciúme seja uma experiência totalmente pessoal, ele é também
mais do que isto. A gente quase poderia dizer, que ele é um pensamento
profundamente enraizado. Ele pertence a uma imagem mitológica do amor,
assim como o casamento e o conceito de fidelidade conjugal. Esta imagem se
origina – tanto no desenvolvimento do indivíduo como também na história
humana dos gêneros – em uma camada infanto-mitológica da alma, que
desenvolveu sua forma de expressão sob condições externas deploráveis,
como, por exemplo, sob as condições da violência e do medo. No
desenvolvimento individual esta imagem surge frequentemente já na primeira
infância como consequência da situação familiar, na qual o amor já muito cedo
está associado ao perigo de ser abandonado. Na história, o ciúme surge com a
separaçao do indivíduo das relações coletivas dos gêneros e da natureza, por
volta de 3000 – 1000 a.C. Nos dois casos trata-se da perda de uma segurança
antiga. Naquela época histórica desenvolveu-se a mitologia masculina do amor,
à qual pertence o tesouro escondido e a luta contra o dragão, o juramento
eterno e as lutas mortais de rivais, o homem como salvador da mulher e a
união até a morte. Nós ainda estamos hoje facilmente em condições de nos
colocarmos nesta imagem ancestral de nossa cultura porque nós todos a
trazemos em nós como reminiscência arquetípica. As estruturas psíquicas do
passado estão em nosso interior como rochas sedimentares.

Toda época e toda sociedade tem suas ideias centrais, que pertencem ao seu
conteúdo psíquico. Estes “paradigmas” psíquicos decidem sobre a felicidade ou
a infelicidade de seus membros. Assim, por exemplo, o pensamento
fundamental de um Deus punidor na cultura judaica e cristã criou um medo
coletivo quase biológico, que ainda hoje possui efeito celular em todos nós e
que não pode ser superado nem com métodos religiosos nem com métodos
terapêuticos. A estas ideias fundamentais influenciadoras de destinos pertence
também o velho mito do amor e a crença, de que o amor estaria
inseparavelmente ligado ao ciúme. Esta é a mais enganosa de todas as ideias,
porque é em si uma contradição. O ciúme não pertence ao amor, ele o impede.
O ciúme é a morte do amor.

Enquanto o antigo sacramento do casamento com seu conceito muito estreito


de fidelidade agir em nossa alma, o ciúme também agirá e nos enraivecerá.

140
Enquanto continuar desta forma não poderá haver nenhuma Terra livre da
violência, nenhuma paz entre os sexos, nenhuma paz sexual e nenhum amor
duradouro, seja entre amantes, seja como fermento da cultura coletiva. Nada
devastou ecologicamente, humanamente e militarmente tanto a nossa Terra do
que o mecanismo mortal da imagem enganosa do amor. Nada impeliu mais o
ser humano ao erro, à solidão e ao desespero, à desesperança e ao cinismo do
que sua imagem errada do amor. E nada produziu mais doenças mentais e
orgânicas do que a eterna espera por uma realização, que sob estas
circunstâncias não foi encontrada em lugar nenhum. E assim deveria estar
atrás dos diagnósticos de quase todas as doenças psicossomáticas a seguinte
frase: Adoeceu de preocupações amorosas insolúveis, que surgiram por meio
de uma falsa imagem do amor.

Sobre o tema “ciúme e luta de rivais” eu ainda tenho de abordar rapidamente


um argumento, que é sempre mencionado dentro deste contexto: As lutas
sexuais de rivais ocorrem também entre os animais. Cervos, lobos, pavões e
outros animais lutam com selvageria implacável pelo primeiro lugar com a
fêmea escolhida! O argumento é correto como descrição de um fato. Mas ele
pode ser realmente um argumento para a manutenção deste preceito também
com os seres humanos, ainda hoje? Quando nós unimos as normas de nosso
comportamento individual ao passado desta forma em nossa evolução, resta
pouco espaço para um contínuo desenvolvimento intelectual. A evolução ainda
está muito longe de seu fim. Se hoje quisermos ir além, nós não podemos
invocar aquilo que já passou. A época das lutas entre rivais está ultrapassada
no sentido evolucionário. Com a ajuda de nosso cérebro, nós estamos hoje em
condições de criar estruturas mais humanas.

Nós estamos hoje, se nós compreendermos corretamente os processos


contemporâneos de mudança do inconsciente coletivo, em um fascinante limiar
histórico para novas margens: na transição da consciência sonhadora para a
consciência desperta, do amor mitológico ao amor reconhecido, da figura
básica do casamento para o sacramento do amor livre. Qualquer um pode
abandonar o ciúme, se ele quer e se ele sabe, como a gente faz algo assim,
sem com isto abandonar o amor.

141
Estas palavras soam muito breves e lacônicas. Mas apesar disto eu não desejo
neste ponto lhes acrescentar nada. Não existe uma receita. Existe apenas uma
compreensão crescente daquilo, que eu descrevo como “amor reconhecido”. A
ela pertence principalmente a aceitação mental do próximo trecho. A próxima
seção sobre a fidelidade também pertence a este contexto.

142
A asma faz parte do respirar?

A crença no ciúme é aparentemente confirmada através de todas as


experiências do mundo cotidiano. O assassinato por ciúme é um dos motivos
mais frequentes e encontra total compreensão diante de todo tribunal. A Terra
está cheia desta selvageria. O ciúme até o extremo é tido simplesmente como
prova da sinceridade de um amor. Apesar disto ele é – analisado a uma
distância intelectual suficiente – nada mais do que uma fase de transição
infantil do amor, que somente dura tanto tempo, porque as pessoas
permanecem fixadas nela. Antes que o ciúme tivesse surgido no
desenvolvimento histórico da alma dos seres humanos, imperavam com
certeza outras estruturas do amor; e quando elas mais uma vez
desaparecerem, a gente nem mesmo poderá imaginá-las. Aquilo que em uma
determinada época é um comportamento comum, na próxima já pode se
apresentar como uma incompreensível aberração do passado.

A asma faz parte do respirar? Sim, sob determinadas condições. No mais, esta
pergunta parece absurda. Porém, ela não é mais absurda do que perguntar se
o ciúme faz parte do amor. Na verdade, a asma não faz parte do respirar. Mas
diga isto a uma cultura de asmáticos! Diante da poluição atmosférica geral e da
também geral oclusão dos corações, o exemplo não é tão exagerado.
Suponhamos que nós vivêssemos há milênios em uma cultura de asmáticos
que nunca conheceram algo diferente. Eles só podem acabar com a asma, se
não respirarem mais. Mas então eles morrem. Por este motivo eles creem que
a salvação só existe no além.

Aquele que diz, que respirar sem asma é possível ou até mesmo que seria
valioso, é considerado um sonhador ou um idealista. Se alguém acreditar nele,
ele é considerado como um líder de seita. Aquele que se apresentasse em um
espetáculo de variedades e quisesse mostrar um método novo de respiração
sem asma, seria admirado por suas capacidades paranormais ou até mesmo
adorado como um Messias. Mas quem começasse sinceramente a preparar
uma cultura sem asma, seria sentido como um perigo para o corpo saudável da
população e excluído como a gaivota Fernão Capelo. Seus amigos lhe diriam

143
que ele deveria pelo menos conhecer os argumentos dos outros, tantos
asmáticos não poderiam simplesmente se enganar. Quando a coisa então
apesar disto se alastra, então começaria nas cidades, nas comunidades e nos
chamados Grupos Nova Era uma discussão coletiva, sobre se a o respirar sem
asma seria possível ou não. E os mais esclarecidos dentre eles diriam: “A
gente não tem de ver a coisa de forma ideológica, mas sim empírica... pois
bem, o que temos de empírico... cem milhões de asmáticos, dois dele com
episódios ocasionais de respiração livre de asma... a coisa nos parece clara,
não existe nenhum indicio seguro de que a respiração sem asma seja possível
(com exceção talvez sob influências psicológicas especiais); nós temos
infelizmente de banir esta tese para a área das ideias fantásticas; nós
supomos, que aqueles que formularam esta tese, não estavam eles mesmos,
em função de suas estruturas neuróticas não solucionadas, em condições de
levar uma vida saudável e plena sem asma!”

Os filósofos e os padres da cultura asmática ainda dão por fim a este


conhecimento científico sua última benção. Eles levantam sua voz e nos
anunciam o seguinte: “A asma pertence ao respirar como a palavra ao
pensamento. O sentido de nossa vida é aceitar e seguir agradecidamente esta
lei da criação plena de sabedoria.” Assim os asmáticos vivem de geração a
geração fiéis aos seus princípios, até morrerem por falta de oxigênio – do
mesmo modo que a precursora cultura do ciúme se extinguiu por falta de amor.

144
A contradição fundamental do amor

O amor fracassou até agora em sua contradição interna de forma e conteúdo.


Sua forma foi o casamento, a monogamia e a exclusão de terceiros. Mas seu
conteúdo, sua energia humana e sexual, sua felicidade interior, sua fonte e seu
objetivo, não se deixa prender a uma única pessoa, porque ele é dependente
de comunicação, de transmissão e de expansão. A gente trancou a felicidade
em uma jaula, na qual ela não caberá por muito tempo, porque sua natureza
não cabe em nenhuma jaula, e existe exatamente para romper todas as jaulas.
Assim também aqui todas as jaulas serão rompidas ou ela murchará. O amor
dos gêneros, também a monogamia, precisa do amor livre para poder crescer.
Aquilo que muitas vezes começa com a monogamia, este poder da felicidade e
da renovação, não é na verdade algo particular de duas pessoas, mas sim a
entrada do ser humano em uma nova esfera do mundo e do relacionamento
em geral. É possível que isto soe altamente expressivo, mas é assim: O amor
dos sexos é o início da transformação real do ser humano, isto é sua transição
de uma existência fechada e privada a uma aberta e coletiva. Mas, através de
um contrato de casamento e tudo que se segue acontece exatamente o
contrário: A gente privatiza a felicidade, se recolhe em seu pequeno paraíso e
tenta trancá-lo bem. Desta maneira, a força de transformação que existe no
amor está há muito tempo bloqueada. O amor não pode mais alcançar sua
meta. Cada geração tem de começar mais uma vez do início, e cada uma delas
permanecerá dentro da mesma contradição, enquanto ela não for reconhecia e
abolida. O amor que surge entre duas pessoas, tem sempre de ir além de
si mesmo, para permanecer vivo entre elas. Isto se aplica ao amor sexual,
ao amor espiritual e ao amor intelectual.

Teilhard de Chardin escreveu a respeito disto em seu poema “Hino ao eterno


feminino” algumas frases, que eu por causa de sua beleza e sua verdade
fundamental não posso me apropriar aqui. Ele coloca na boca da deusa
feminina, a qual todos buscam, seja Helena ou a rainha das fadas de Nizami,
as seguintes palavras:

“Quando o homem ama uma mulher, ele primeiro imagina, que seu amor se

145
volta simplesmente a uma única, que é semelhante a ele, que ele integra à sua
área de poder e a qual ele se une livremente.

Ao trazer meu rosto à luz ele percebe bem, certo brilho, que emociona seu
coração e ilumina todas as coisas...

No entanto ele logo se surpreende sobre a violência que se desencadeia nele,


quando eu me aproximo, e ele conclui, que ele não pode se harmonizar
comigo, sem ser inevitavelmente recrutado como um servo de uma obra
coletiva da criação.

Ele pensa ter encontrado ao seu lado uma companheira: e então ele percebe,
que ele remexeu em mim a força oculta, a latência misteriosa – que sob esta
forma chega até ele e o leva junto.

Aquele que me encontrou, está no início de todas as coisas...

Quando ele compreende, que para ele eu sou o mundo, ele pensa que pode
me envolver em seus braços.

Junto comigo ele queria se trancar em um mundo fechado, no qual nós dois
fossemos suficientes um para o outro. Mas neste exato momento eu me
desintegrei sob suas mãos.”

A gente precisa ler este trecho muitas vezes, para entendê-lo totalmente. A
mulher, que para ele representa o amor, começa a se desintegrar quando o
homem queria levá-la para sua cabana fechada. O amor dos sexos, que é
conciliado no padrão de um mundo que vem de seu tamanho e significado,
deve ser talhado na felicidade particular de duas pessoas. A pessoa mesma,
aquela que acabou de encontrar esta fonte de expansão de limites, esta
entrada no mundo, quer imediatamente construir uma cerca em volta da fonte,
para que ela exista apenas para ele. Aqui se situa um engano tão torturante na
ação e na mente da pessoa, que nosso idioma não é suficiente para nomeá-lo
adequadamente. O amor é livre, ele não pode ser aprisionado. A mulher mais
bela também é livre, ela não pode ser privatizada por um único homem, mesmo
que o homem seja muito bom. A privatização do parceiro afetivo, do jeito que

146
ela sempre acontece nas relações amorosas habituais e no casamento, é uma
privação do mundo. (O termo “privado” vem da palavra latina “privare”. Ele
significa “privar, roubar”.)

A gente precisa estar em condições, de ver e saber disso para entender a


violência que existe de forma latente em toda relação amorosa, que fecha o
trinco antes e depois dela. Não poderá existir paz no mundo, enquanto houver
guerra no amor. A gente não pode dizer mais com palavras.

147
Capítulo IV

A LIBERTAÇÃO DE EROS

148
Um processo mundial de amor emergente

O destino do amor não realizado é um destino individual, mas o nosso mundo é


composto pelo número total destes destinos individuais. O mundo se encontra
– dito com cuidado – com dor de cotovelo. Aqui já não ajuda mais nenhuma
reparação exterior e nenhum juramento individual. Aqui somente será efetivo
um novo reconhecimento e informação, que possam ter efeito até sobre as
células. Nós e o mundo precisamos de um novo conceito intelectual para o
amor dos sexos. Muitas pessoas pereceram sob este tema não superado, para
continuar a mantê-lo privado. A questão do amor é a questão central para uma
nova ordem da vida em nosso planeta. Somente quando as duas metades da
humanidade, homem e mulher, tiverem se encontrado, somente quando as
outras formas do amor sexual, também a homossexualidade, se
desenvolverem sem medo em liberdade e possam ser reintegradas, poderá
existir uma perspectiva concreta para a solução dos outros problemas que
abalam nossa vida mundialmente.

As violências e as complexidades da historia até hoje têm origem


principalmente na falta de saída de Eros. Todas as revoluções políticas ou
intelectuais passaram ao largo deste tema. A falta de solução do Eros estava
associada a uma informação enganosa. Os modos de comportamento humano
foram conduzidos durante milênios por imagens e ideias que não
correspondem à essência de Eros. O mito do casamento, o dogma da exclusão
sexual de terceiros, o axioma do ciúme – sob tais informações erradas não
pode haver nenhuma paz entre os sexos, nenhum lar para as crianças e
nenhum amor pelo semelhante.

O mundo entrou em um processo apocalíptico. Os velhos sistemas se


romperam, os velhos dogmas perderam sua força, as crostas se partiram, e
“nova vida floresce nas ruínas”. O mundo está “maduro” para um novo
processo de parto. O que se insinua aqui e ali há alguns anos em tentativas
dolorosas e muitas vezes fracassadas de libertação do amor, é a introdução de
um processo humano que tem efeito sobre todos nós. Nossas próprias

149
contraturas são as dores de expulsão antes de um parto. Não existe mais
nenhum caminho de retrocesso, porque os velhos sonhos se acabaram de fato.
Isto não é mais uma questão de gosto pessoal, mas sim o tema de uma
mudança histórica objetiva.

É claro que a mudança será realizada por nós e não por um abstrato criador de
mundos. Até que ponto ela acontecerá e se ela ainda acontecerá a tempo,
dependerá somente de nós. Mas se ela acontecer, então ela não terá efeito
apenas em indivíduos, mas sim no organismo da humanidade inteira, porque
todos estão ligados a este organismo, poderíamos dizer por meio de um
“campo morfogenético” ou através de informações mutáveis do código
genético. A consciência universal transforma-se por si mesma quando surge na
área central de nossa existência uma nova informação. Esta informação
penetra então no “código” do amor. Nada é mais forte do que o poder de uma
ideia, cujo tempo chegou, disse Victor Hugo. O poder da nova informação não
será imediatamente visível em grande escala. Ele se assemelha ao poder da
germinação das plantas, que quebra uma camada de asfalto. É o poder de uma
transformação individual que está em ressonância com a transformação do
mundo. Por este motivo, a ressonância é a senha do amor liberado.

O caminho para a libertação do amor sexual não precisa mais ser trilhado
apenas com nossa força individual e muito menos enfrentado externamente. O
amor se aninha de preferência onde a luta tenha chegado ao fim. Lutar a gente
precisa no máximo contra os hábitos e falsas estruturas de nossa
personalidade. O caminho precisa em primeiro lugar ser visto, entendido e
desejado. Onde ele não é desejado, até mesmo os deuses lutam em vão.
Alguns prefeririam antes acabar com a própria vida do que aceitar estas novas
ideias. Isto, no entanto, é realmente algo pessoal. Porém, onde através do
novo conhecimento surge uma nova intenção, aqui se associam as forças
individuais com forças superiores. Do consenso interior de um processo
individual com um processo mundial resultam a “evidência” e a força de que
precisamos para prosseguir. Eros não é apenas uma força individual, mas
antes uma força cósmica. Quando este contato superior se torna novamente
livre na vivência do sexo e do amor, cresce através de todas as dificuldades
uma certeza do sucesso. A identidade própria recebe um espaço muito mais

150
amplo do que apenas a força individual. A gente se imuniza, apesar da
sensibilidade crescente, contra os preconceitos dos outros e não perde mais
nenhum tempo com discussões, onde há muito não há o que discutir. Quem
percebe a fonte, quer chegar até ela.

O amor bem sucedido é a reunião de um mundo partido. O mundo estava


partido entre o ser humano e o todo criativo, de onde ele se origina. O ser
humano caiu literalmente da moldura. Na tentativa de criar para si outras
regras, seu amor se tornou cada vez mais adelgaçado, porque o objeto de seu
próprio desejo não cabia nas regras. Quando ele depois de um longo abandono
quebra todas as regras, então ele retorna para o presente de um mundo maior.
Ele percebe sua chegada e o vivencia como amor. Amor significa chegar, a
mulher ao homem, o homem à mulher, o ser humano a si mesmo e o céu à
humanidade. Toda a vida aguarda por este acontecimento.

151
Cultura sem repressão sexual

A repressão sexual faz parte dos fundamentos intelectuais essenciais da


cultura atual. Mas muitas vezes ela não acontece mais na forma de um
processo mental consciente e sim na forma de um reflexo inconsciente. Por
este motivo, com frequência já não é mais possível, percebê-la como tal.
Mesmo o conteúdo sexual reprimido muitas vezes não chega mais à
consciência. Apenas uma auto-observação treinada pode identificar – muitas
vezes apenas por uma fração de segundo – aquilo que estremece a mente e o
corpo. Muitas vezes são maravilhosas imagens fantasiosas excitantes e
altamente energéticas, que, no entanto, se chocam imediatamente com os
princípios da suposta dignidade humana e por isto são reprimidas. As imagens
são reprimidas e as energias são interrompidas, os dois sob a forma de uma
contração involuntária, que da mesma forma se conclui rapidamente em
segundos.

Façamos a prova contrária em um bom experimento de autodescoberta e


tentemos conter não o impulso sexual perfurante, mas sim sua repressão. Ou
seja, deixemos o organismo entregue ao seu estado de volúpia desejado, à sua
própria excitação, aos movimentos energéticos que vêm do interior e ao seu
mundo de imagens correspondente. Uma tremenda corrente de força preenche
imediatamente todo nosso ser! Quantas possibilidades inacreditáveis de vida,
quantos caminhos abertos de conhecimento encontram-se aqui ainda não
utilizados por nós! Inicia-se instantaneamente uma série de descobertas
maravilhosas, caso o pesar por este prazer não vivenciado não seja tão
grande. Por exemplo, uma descoberta na cama: uma pressão, um aperto, um
esticar-se e alongar-se, que antes teria provocado dor, proporciona agora uma
sensação voluptuosa – como o corpo se torna de repente livre da dor, quanto a
sensibilidade da dor também é aparentemente determinada pelos processos
inconscientes da repressão! A gente descobre uma totalmente inabitual leveza
e força de movimentos, quando a direção interior da vontade não opera mais
contra as energias sexuais, mas se une a elas. Que comunicação e que
erotismo poderia ser possível aqui! O segredo da vitalidade consiste em agir a

152
partir do interior com uma força torrencial, que jogaria para o alto todas as
nossas autopiedade e preocupações, se nós apenas a permitíssemos. O
segredo da vida cultural da humanidade moderna consiste em responder a esta
força com o mecanismo interiorizado e automático da repressão. Esta também
foi a descoberta incompreensível de Wilhelm Reich, ainda mais veemente e
abrangente do que a de Sigmund Freud. Na verdade, que aqui foi vista, está
fundamentada a possibilidade de uma civilização elementarmente diferente.
Quem puder aprender a ver estas relações, estará logo diante do fato mais
abalador, que uma consciência reconhecedora pode encontrar. O que não
saberíamos sobre o ser humano e sobre a vida, se a repressão não existisse?
O que não foi concebido, adivinhado e inventado no elevado humanismo,
porque a repressão foi mais rápida do que o intelecto e por este motivo o olho
do espírito não pôde ver, o que mantém este mundo no intimo!

Talvez ainda não tenha havido uma época no processo humano atual, na qual
o homem tenha se declarado totalmente responsável por aquilo que faz sobre a
Terra, sem empurrar a responsabilidade por alguma coisa para os poderes do
além. Para a construção de uma cultura erótica sem repressão precisamos de
uma mudança de governo, na qual o ser humano retome para si mesmo toda a
responsabilidade que ele deu aos deuses, aos espíritos, aos astros ou ao
destino. Também a responsabilidade por todas as aparentes naturalidades das
heranças, da tradição e da moral. Desde a grande frase de Nietzsche “Deus
está morto” o ser humano pôde ter uma visão da abrangência total desta
histórica mudança de governo. Tudo que até agora surgiu ou cresceu mais ou
menos por si mesmo – forma de Estado, formas econômicas, formas familiares,
ordens sociais e morais, crença religiosa etc. – teria de ser analisado e
transformado por um ser humano em processo de se tornar autônomo. A isto
pertence também a nova ordem da sexualidade. Em nome da saúde, o médico
Wilhelm Reich exigiu a suspensão de toda forma de dominação e repressão
sexual. Se nós hoje cumprimos ou não esta exigência, não é mais uma questão
de gosto ou de preferência intelectual, mas sim uma questão do saber. Até o
momento tanta pseudocultura, tantos erros filosóficos e tanta crueldade
humana foram colocadas na conta da sexualidade não vivenciada, que nenhum
conhecedor pode ignorar esta frase: A possibilidade de uma cultura humana

153
somente existirá, quando a repressão sexual e a compulsão a ela tiver sido
eliminada.

A supressão da repressão sexual não pode ser regulada politicamente, e não


pode absolutamente ser imposta com violência em um sentido revolucionário
antigo. Ela é um processo interior, pelo qual cada um tem de decidir por si
mesmo. Mas nós podemos entre nós e então em medida cada vez maior criar
uma comunidade e pontos de encontros humanos, que facilitem a libertação,
porque não existe mais nenhuma possibilidade para a velha hipocrisia. Este
livro deve dar um poderoso empurrão nesta direção. Agora ações precisam ser
realizadas.

154
Amor reconhecido

A libertação do amor está ligada a um processo de reconhecimento. Este fato


precisa ser destacado, porque se choca com a noção generalizada do amor.
Amor e sexo, pensa a maioria, seriam uma coisa de sentimento e de simpatia e
não uma coisa da razão. Eles dizem: Minha cabeça talvez esteja de acordo
com minhas ideias, mas não o meu ventre. Eles se enganam. Seus ventres
estariam certamente de acordo, se a cabeça não se defendesse! Na cabeça se
encontram as resistências contra a renúncia ao ciúme; na mente se encontram
unidos o amor fracassado com os pensamentos de vingança; a razão se nega
persistentemente a aceitar realmente as ideias do amor livre e sua verdade, a
reconhecer sua naturalidade. Cada um sabe intuitivamente, quase a partir de
suas células, que estas ideias são corretas, mas o oponente se localiza na
mente. A mente tem seus motivos para não querer a libertação, mesmo que o
corpo ainda anseie tanto por ela. É na mente que acontecem os acertos de
contas e os cálculos fatais cuja consequência é rejeitar as novas
possibilidades. As contas são em sua maioria muito claras e simples, elas são
mais ou menos assim: As ideias são corretas, mas o que diria meu namorado,
minha namorada, meu esposo, se eu as vivenciasse? Eu estou totalmente
convencida destas ideias, mas meu parceiro é temerosamente tão ciumento.
Eu construí com minha mulher uma associação de destinos, e eu não posso
simplesmente agora coloca-la em jogo por meio da verdade no amor. Eu sei
que em minha vida amorosa existe uma mentira vital, mas eu preciso dela,
para manter a paz em meu lar. – A verdade não se choca com o anseio do ser
humano, nem com seus sentimentos e seus ventres, mas sim com os sistemas,
que se sedimentaram em suas cabeças, para de certa maneira sobreviver sem
dor a uma situação de vida sem saída.

Quando a gente entende os fundamentos biográficos e psíquicos que se


encontram por detrás destas “estruturas da mentira” então a gente está pouco
inclinada ao preconceito moral; a gente entende, porque a maioria das pessoas
se decidiu por um modo de vida tão estranho e agora não gostaria mais de
opor-se a ele. Mas quem ainda não está tão profundamente enredado em sua

155
própria coerção de sistema, poderia ajudar no lugar em que vive na construção
do amor reconhecido.

Enquanto o amor for apenas um processo emocional, ele não terá resistência.
Tão rápido quanto a gente desliza neste processo, mais rápido a gente desliza
emocionalmente para fora dele, e tão emocionalmente, que da mesma forma
que a gente agora ama uma pessoa, amanhã já pode amar outra. É como na
música: “O amor é um jogo estranho, ele vem e vai de um para outro...” É claro
que os dois parceiros sabem instintivamente disto, e eles – se não tiverem algo
melhor na cabeça – reagirão a este conhecimento secreto também apenas
emocionalmente com raiva e ciúme. Quando a emoção do amor se torna
totalmente autônoma na chamada “paixão”, muitas vezes não existe mais
nenhuma palavra sensata, nenhuma chance mais. A paixão, como ela é
entendida normalmente, como uma tempestade de vento do coração e do
corpo, sem controle, sem reflexão, ou questionamento, é sempre o início do fim
– um tema infinitamente belo para óperas e operetas, um tema infinitamente
terrível para as pessoas reais. A profundidade e a volúpia do amor dos sexos
reconhecido é mais do que paixão: Ela é paixão mais reconhecimento e
reflexão. Ela é paixão que é aprofundada, purificada e acalmada no centro do
espírito. Ela é como um lago, cujo fundo agora se torna visível em uma
profundidade maior, porque a tempestade se acalmou. A gente vê em sua
profundeza e reconhece o que está lá.

O amor, que vai além da transcendência da simples emoção e da paixão, não


cega, mas torna sempre vidente. Ele é o elemento que desperta e provoca o
conhecimento em geral. A equação linguística em hebraico antigo da
sexualidade e do conhecimento (no símbolo da árvore do conhecimento, Adão
“reconheceu” sua mulher) tem um sentido colossal, que se anuncia hoje para
nós mais uma vez nas primeiras vivências do amor reconhecido. O amor e a
sexualidade foram tão prejudicados durante séculos com mentira e repressão,
que a gente não pode mais encontrar esta equação interna de nossas vidas, a
equação do amor sexual e do conhecimento. Agora, quando nós a
reencontramos, o caminho reconhecedor da humanidade tem um novo sentido
e uma nova direção. Isto poderia ser o começo de uma nova época.

156
O amor muitas vezes não permite que se enxergue livremente. O amor, tanto o
sexual, quanto o emocional, gosta de evitar o reconhecimento no jeito infantil
do coração entusiasmado, enquanto ele pode. Mas por fim, se ele quiser
sobreviver, é obrigado ao reconhecimento. Por exemplo, ao reconhecimento de
que a gente tem todos os pensamentos secretos, que a gente teme existir no
parceiro e que por este motivo não há nenhum sentido em condená-los no
outro. Ou o reconhecimento de que a gente por meio da dominação sufoca o
amor e que por isto não faz sentido, querer salvar o relacionamento amoroso
através deste método. Ou o reconhecimento de que o próprio ciúme terá uma
duração longa na vida, da mesma forma que a gente não superou em si
mesma determinadas situações e meias mentiras, muitas vezes na área sexual
e na área intelectual. Ou o reconhecimento de que o amor somente pode
crescer através da confiança e que a confiança somente pode crescer através
da verdade. Aquilo que cresce por meio da mentira, é possessão, não amor.
Ou ainda o reconhecimento de que não há nenhum sentido em querer de
algum modo chantagear o amor e o sexo como se fosse um bebê.

Quem reconhece estas coisas, primeiro se espanta sobre aquilo, que fez até
agora. Ele fica transtornado, com aquilo de que ele mesmo foi capaz, enquanto
ele continuava a suspeitar e a culpar o outro. A monogamia em nossa zona
cultural é quase sempre um sistema de acusação mútua, no qual a acusação
nos parceiros “sensatos” não ocorre mais na forma de uma clara briga
conjugal, mas sim de uma forma sútil e não verbal. Talvez então a gente tenha
uma enxaqueca, problemas respiratórios ou anorexia ou obesidade. Em lugar
das brigas constantes surgiu o silêncio permanente. E porque também isto é
difícil de suportar com o tempo, existem ocasionalmente declarações, terapias
de casais, seminários para questões de casais e outras coisas edificantes, com
as quais o velho carro é mantido andando.

No amor reconhecido a atenção não é mais dirigida ao o próprio indivíduo, mas


sim cada vez mais ao parceiro, porém não mais no sentido do ciúme e das
críticas latentes, mais ao colecionamento de material para a próxima batalha
contra elas, mas sim totalmente nova. A gente redescobre o amor, a gente
percebe, que até agora ainda não o tinha conhecido, e que também nunca
perguntou por ele. A gente na verdade não percebeu nem mesmo, que nem se

157
conhece e neste sentido vive à margem do outro. A gente sabe muitas coisas
bonitas um do outro, a gente sabe quanto açúcar o outro coloca no café ou
quando ele tem seus momentos ruins. A gente aprende diplomacia e
consideração com o outro e pensa que a gente se conhece, até que um dia a
gente se vê surpresa e sem compreender diante de coisas, que a gente jamais
previu. Nossos pais dividiram sua vida um com o outro, deitaram-se lado a lado
todas as noites. Mas eles se conheciam? E quando então um dos dois faleceu,
será que sabiam quem era aquele, que se foi? O casamento era
frequentemente como uma camada grossa e confiante de coisas cotidianas,
que se colocava sobre as coisas reais.

O amor reconhecido é o começo de uma nova percepção do parceiro e o


começo de uma nova percepção do amor em geral. Ele está muitas vezes
unido ao sentimento de um grande amor e algumas vezes também com o
sentimento de uma igualmente grande aflição. Quanta a coisa a gente na
cegueira cotidiana perdeu ou abandonou, viu de maneira errada e condenou
muito rápido. Quantos descaminhos e tormentos a gente poderia ter evitado, se
a gente pudesse ser “vidente” no momento certo. Tudo isto é demais para
poder agora ainda reagir com sentimentalismo e autocríticas. A gente não
chora mais as lágrimas da ópera, a gente chora, quando ainda chora, as
lágrimas do reconhecimento. A gente deseja reparar as injustiças que praticou
e espera ardentemente, que ainda não seja muito tarde para isto. O amor
reconhecido é um começo novo. Eu me desejo e a todos os amantes, que nós
não o destruamos novamente através de uma recaída em nossos velhos
hábitos.

158
A confiança é o remédio do corpo

A base da violência é o medo. A base do amor é a confiança. Os sistemas de


vida existentes até hoje, que o ser humano construiu em nome da moral, da
religião e da sociedade, eram sistemas estruturais de violência, porque foram
baseados sobre o medo. É o medo que contrai nossas células, aprisiona
nossos sentidos e acorrenta nosso corpo. É o medo, que como presente de
misericórdia, faz do amor um novelo de tormento e de implicações. É por fim
também o medo, que nos induz a ver o tema do amor com moral e doutrina, em
vez de vê-lo com sinceridade e verdade. O medo faz o corpo e o amor
adoecerem, então: “O medo devora almas”.

A força que o medo supera é a força da confiança. Ela é a força curadora da


própria vida. Quando existe confiança nós não precisamos geralmente de
medidas pedagógicas ou terapêuticas adicionais, porque no clima da confiança
as velhas feridas se curam frequentemente por si mesmas. A ideia principal
deste livro, que continua sempre associada à ideia do amor livre, consiste em
substituir as relações de vida do medo estrutural pelas relações da vida da
confiança estrutural. Quando não existe confiança as ideias do amor livre não
têm sentido, porque sua base foi tomada. O amor livre, como está no centro
deste livro, apenas é possível quando Eros estiver unido à confiança. Em todos
os outros casos surgem das ideias do amor livre apenas mais uma vez uma
ideologia, uma cultura de grupo e uma simples antítese à monogamia
tradicional.

A confiança não é uma categoria moral, mas sim biológica, que começa
imediatamente a curar os processos transtornados do corpo. As feridas muito
antigas do medo, as contrações psicossomáticas permanentes, os
congestionamentos de energia e as inflamações são resolvidas totalmente por
meio de uma única situação de confiança (podem, no entanto, ressurgir quando
a situação passar).

Nós não podemos gerar uma confiança permanente entre pessoas, entre
crianças e adultos, mulheres e homens por meio de preceitos morais ou

159
religiosos, mas apenas quando procedemos uns com os outros conforme a
verdade, principalmente na esfera intima, na qual a mentira como diplomacia
de vida já se transformou em um costume enraizado. Proceder segundo a
verdade na área do sexo e do amor é uma inovação cultural e uma descoberta,
com a qual nós estaremos em condição, de acabar com nossa doença. Eu me
refiro à doença que todos têm. A gente deveria parar de correlacionar tão
rapidamente empréstimos de outras culturas e religiões, porque para proceder
segundo a verdade a gente não precisa de nada mais do que nossa mente e
nossa vontade. Nós podemos nos ocupar com culturas indígenas, mas não
podemos esquecer que a confiança se tornou para nós uma questão sexual.
Nós podemos aprender sabedorias tibetanas ou taoistas, mas não podemos
esquecer que a questão da confiança precisa ser trabalhada em contatos
concretos entre as pessoas e não no Nirvana. Nós podemos continuar com a
alimentação sadia ou com a macrobiótica, mas não podemos esquecer que o
pão do amor tem um sabor bem diferente. Nós podemos continuar a ouvir a
voz dos sábios, mas com isto não deveríamos ignorar que nós somente
podemos alcançar a verdade e a beleza do amor, quando seguirmos a voz do
próprio corpo, do próprio coração e do próprio pensamento. Que todas as
abordagens da nova era vindoura sejam plenas de sentido, se não servirem
mais uma vez à repressão. Mas a verdadeira transformação e salvação de
nossa vida poderá e acontecerá, com segurança, quando Eros e a confiança, o
sexo e a verdade, a sensualidade e a amizade se unirem. Quando não
tivermos mais de nos defendermos, nós poderemos seguir adiante juntos. Esta
força gera confiança também nos outros.

160
Um outro conceito de fidelidade

Eu já disse neste livro alguma coisa sobre o velho e estreitíssimo conceito de


fidelidade. A questão da fidelidade precisa ser observada mais uma vez muito
intensivamente. Não existe nenhuma insanidade maior do que o antigo
conceito de fidelidade. Ele se encontra, como parágrafos anteriores deste livro
já demostraram, em posição diametral ao amor. A libertação de Eros apenas
pode acontecer, quando esta velha ideia da fidelidade, que se baseia na
exclusão sexual de terceiros, tiver sido totalmente superada. A fidelidade não
tem nada a ver com uma proibição. Ela também não tem nada a ver com um
juramento e também nada a ver com um contrato. A fidelidade é um
relacionamento amoroso por uma pessoa. Eu lhe sou fiel, porque a amo. Eu
não posso entrelaçar este amor à condição de que ela não vá para a cama com
nenhuma outra pessoa. Se minha parceira é uma pessoa atraente, então
outras pessoas também a desejarão e ela algumas vezes também as desejará.
Acontece com ela a mesma coisa que acontece comigo. Nós devemos
realmente por amor ao outro mostrar nossa fidelidade ao renunciar a esta
alegria? Mas que pensamento automutilante e ultrajante! A fidelidade é amor e
amor não é renúncia. Se nossa fidelidade se quebra porque nós também temos
outros contatos sexuais, então é porque ela já foi construída sobre um
fundamento inseguro. Este antigo conceito de fidelidade ressaltou um
pensamento infinitamente pequeno – e os amantes precisam pensar de forma
muito limitada um do outro, para impor-se mutuamente este ônus! Mostre-me
que você me ama, ao me prometer, renunciar ao que te seria mais importante,
ou seja, a todos os outros contatos sexuais! Analisemos isto. Não é realmente
nenhum milagre, que sob estas condições nós não tenhamos até hoje
produzido uma civilização erótica e nenhuma civilização afetuosa.

Então, o que é realmente a fidelidade? A fidelidade é a existência para as


pessoas, que a gente ama. A fidelidade é amizade vivenciada e solidariedade
absoluta. A fidelidade tem a ver com a confiança. A gente confia no outro,
porque a gente sabe, que o outro não nos mente. A gente não pode ser
instigada contra o outro por meio de falsos boatos, porque a gente sabe, o que

161
o outro faz e o que ele não faz. A fidelidade requer, que a gente tenha se
conhecido. Quando a gente se conheceu e continua a se amar, então a gente é
fiel um ao outro. A gente também não se deixa confundir através das fraquezas
evidentes do outro, porque a gente sabe, que ele para isto também deve ter
tido seus motivos (mesmo que estes talvez sejam falsos). A gente critica, mas
está disposta de coração ao perdão, quando o engano é reconhecido. A gente
não tem nenhuma relação jurídica um com o outro e está muito distante de
sentimentos de vingança. Não existe nenhum ressentimento em uma relação
assim. A fidelidade está no processo de um desenvolvimento mútuo, muitas
vezes durante um longo tempo, e não imediatamente no início. A fidelidade é
um sentimento de amor e de absoluta união; mas ela é também um processo
ativo da vontade e um sim ativo ao parceiro: Com esta pessoa eu quero
conviver, eu não quero mentir para ela, eu quero apoiá-la e servir ao seu
próprio desenvolvimento, tão bem quanto eu puder. Eu quero reconhecer
diariamente minhas negligências em relação a ela e superá-las, quero levar
com ele uma vida sexual, que não caia na rotina. Eu quero cuidar para que
haja sempre tensão suficiente e distância ocasional em nossa relação, para
que possamos constantemente nos reencontrar. Eu quero tomar as decisões
importantes de minha vida com ela, e estou convencido no fundo de minha
alma, de que nós nunca nos separaremos.

É mais ou menos assim que a voz da fidelidade fala, quando vem de um amor
livre. Nossos avós também teriam gostado de falar assim. Mas eles não
podiam, porque através de sua exclusividade sexual foram impedidos ao amor.
Quando alguns deles, mesmo assim envelheceram mais ou menos felizes
juntos, então não foi por causa de seu equivocado juramento de fidelidade,
mas apesar dele. A fidelidade como é descrita acima, se desenvolve na maioria
dos casos entre duas pessoas, homem e mulher, mas ela nunca se deixa
limitar a estas duas pessoas, e também não exige isto. Ela contém em si
mesma um modelo de amor por todas as pessoas, que a gente realmente ama.
Ela tem em si o objetivo e a força, de entrar em contato semelhante com todas
estas pessoas. O amor entre eu e minha companheira de vida é para mim há
muito tempo um modelo para todos os outros relacionamentos, que me são
importantes. O antigo juramento de fidelidade, no qual duas pessoas durante

162
toda sua vida só desejavam se relacionar sexualmente uma com a outra, é
uma violação elementar de um dos maiores e sensatos princípios do amor: O
de que ele a partir de seu foco gostaria de se espalhar em todas as direções.

A fidelidade no velho sentido pode no início de um relacionamento talvez até


ser adequada por um tempo, para proteger a relação do exterior e solidifica-la
no interior. Mas então, quando ela estiver solidificada o bastante, a cerca tem
de ser retirada. Em longo prazo a gente somente pode ser fiel, quando também
pode amar outras pessoas. É neste reconhecimento que se situa a revolução
branda do amor reconhecido.

163
A despsicologização do amor

As gerações anteriores não puderam superar a questão do Eros, elas se


calaram. Nos tempos modernos surgiu em lugar do silêncio um novo hábito: No
círculo de amigos a gente tem conversas infindáveis sobre a sexualidade, o
amor e a parceria. No entanto, nelas se reproduzem sempre os mesmos erros
e por isto a conversa tem sempre os mesmos conteúdos. Através da
problemática deste tipo de controvérsia o tema continua a ser carregado com
problemas psíquicos, continua a ser “psicologizado”. Nesta discussão é
exatamente necessário descobrir a direção contrária, a direção da
despsicologização.

Os corpos estão muito cheios de coisas psicológicas, para poder respirar


livremente. As mentes estão muito carregadas com coisas psíquicas, para
poder pensar e ver livremente. Um corpo livre, um coração aberto e uma mente
clara precisam de espaços de vida despsicologizados. Os ambientes exterior e
interior se tornaram obscuros através de tanta psique. Quanto mais a gente se
deixa “alcançar” pelos problemas, mas a gente reage psiquicamente a eles, e
assim o problema desaparece invisível na névoa. Mas o amor torna vidente.

O quão distante é cada grande vivência de nossos sentimentos e


pensamentos, o quão distante está cada realização verdadeira de nossas
cogitações cotidianas! Quando algo acontece, então a psique se cala, para
sentir.

Aquele que se ocupa com as questões do sexo e do amor, requer tanto de


seus semelhantes, porque eles estão muitas vezes no mesmo problema e na
mesma aparente falta de saída. E porque ele exige tanto, ele se sente
constantemente compelido a reagir. Com isto ele perde a possibilidade de uma
nova experiência, porque obstrui o caminho de entrada de Eros. Sob estas
condições não é absolutamente tão errado quando alguns deixam
instintivamente seus grupos para procurar seu objetivo em caminhos
individuais.

Eu me recordo da metáfora da perna do elefante. Quanto mais o elefante

164
refletia em como libertar sua perna do laço, mais impossível isto se tornava
para ele. Sem perceber ele fornece constantemente novo alimento à sua
situação insolúvel, porque na realidade ele não se concentra na ideia da
libertação, mas na amarra que o prende. Ele “psicologiza” sua situação e tenta
solucioná-la neste estado, em vez de tentar a solução a partir de um aspecto
que esteja livre de seu problema.

O homem não é uma mistura de seus problemas, ele apenas se identificou com
eles sem saber; ele fala bem pessoalmente de “si” e com isto pensa em suas
histórias pessoais e assim ignora a fonte, com a qual ele poderia solucioná-los.
A “alma” também não é a soma de nossas coisas psíquicas, mas sim o espaço
livre interior, que nos preenche quando encontramos coisas maiores. A mente,
que se fragmentou nos milhares de pequenas excitações e reações, tem de ser
primeiro reencontrada na experiência, à qual ela se agrega. Então ela não se
expressa no vai-e-vem dos sentimentos, mas na presença de uma maior
percepção. Todos nós fazemos ideia do que se diz aqui. Quando nós, fora dos
empreendimentos diários, adentramos a zona do silêncio interior, da
suspensão do diálogo, da reflexão e talvez do amor, então o mundo se
aproxima de nós de uma maneira desconhecida e familiar por uma fração de
segundos. E por segundos ocorre neste ponto de contato a experiência
inequívoca, na qual os códigos de nosso universo se tornam claros e
transparentes, no qual todos os sentidos se aguçam, porque alguma coisa em
nós se enche de intuição, expectativa, surpresa e gratidão. Estas são as
verdadeiras emanações da mente, a linguagem da fonte, que nós entendemos
outra vez e devemos manter, para depois de todos os descaminhos do espírito
voltar “à coisa”. A coisa continua sendo o mistério e o abalo original, que nós
designamos com a palavra “amor”.

Nós encontramos esta experiência muitas vezes apenas por alguns segundos,
até que ela é encoberta novamente pelas nuvens do cotidiano. Se nós
quisermos tê-la permanentemente, e este é o objetivo de nossa viagem, então
precisamos de novos espaços para a comunicação sem dissimulações
calculadas, para a verdade sem denunciação, para o desejo sexual sem medo
do julgamento do outro. Eros tem o poder, de libertar a mente e o corpo da
limitação psíquica. Mas para que ele possa realizar isto, temos de entender

165
seus princípios. Então ele vem por si mesmo, quando o caminho está livre para
ele.

166
Criar espaços para um novo encontro dos gêneros

Para seguir adiante no tema erótico, nós precisamos de oportunidades reais


para novas ações, novas experiências e novas perspectivas. A libertação do
Eros somente poderá se impor, quando existirem pessoas, que façam alguma
coisa para isto. As abordagens atuais como a troca de casais, casais
sexualmente liberais e locais para casais tolerantes ganharam reconhecimento,
mas não são soluções, para isto elas são simplesmente muito limitadas e muito
presas a um programa controlado e manejável. Experimentos com sexualidade
livre, como os que foram conduzidos, por exemplo, pelo artista austríaco Otto
Muehl em Burgenland ou pelo fundador dos Sanyasi, Bhagwan Shree
Rajneesh, em Poona (Índia), mostraram uma perspectiva adicional porque em
geral estavam ligadas às novas condições de vida. Mas elas eram muito
ligadas à participação em um determinado grupo ou a um determinado sistema
de crença. Apesar de seu fracasso elas introduziram um desenvolvimento, ao
qual hoje não podemos mais retroceder. Nós precisamos de lugares, de pontos
de encontro e de redes, nas quais os amantes e aqueles que buscam o amor
possam se encontrar livremente sem a tão comum repressão, o disfarce, a
hipocrisia e a frustração sexual. Nós precisamos de locais, onde homens e
mulheres possam reabastecer-se sexualmente, quando estiverem sedentos.
Nós precisamos de locais de encontro de um novo tipo, nos quais os dois
sexos possam fazer a excitante viagem de exploração, que pode existir neste
universo: A exploração do amor sexual com todas as surpresas sexuais e
espirituais, prazer e reconhecimentos. De preferência para todas as faixas
etárias, porque a fome sexual e o desejo por amor não está preso a nenhuma
idade, da mesma forma que a respiração e a digestão. Eu me reporto mais
uma vez ao livro sobre o desejo secreto (veja índice literário).

Existem pessoas suficientes, que colocariam suas propriedades e construções


à disposição para um projeto deste tipo, se alguma vez tivessem percebido e
refletido sobre esta chance. Talvez existam leitoras e leitores deste livro, que
tenham energia para realizar estas instalações em grande estilo. Para isto
seriam adequados lugares de diferentes espécies, por exemplo, centros de

167
conferência, pousadas, terrenos à margem de lagos, hotéis ou outras
construções com estacionamentos grandes, navios para cruzeiros, lugares no
Sul, ilhas etc.

Um ponto de encontro do amor livre no sentido deste livro poderia, por


exemplo, ser construído como uma espécie de “Club Mediterranée”, não tão
comercial, aberto a todos, sem componentes ideológicos, porém animado,
espirituoso e efervescente – um ponto de atração em algum lugar no Sul.
Existiriam cafés, bares e outros pontos de encontro, existiria praia e natureza e
liberdade de locomoção, e em algum lugar existiria discretamente a Academia
Erótica, um centro para todas as questões do amor sexual. Talvez pudesse
existir até uma espécie de “bordel”, que observado mais detalhadamente
tivesse características bem diferentes. Aqui a sexualidade seria cuidada, não
por causa do dinheiro, mas por causa do desejo, da beleza e da necessidade.
Aqui as pessoas poderiam fazer aquilo que de qualquer forma prefeririam fazer,
se não fossem subjugadas à velha moral, no entanto sem vulgaridades e
violência real.

Um local assim estaria naturalmente à disposição dos dois sexos. As mulheres


também seriam aqui “servidas” com prazer assim como os homens, quando
isto surgir de acordo com a situação. Para que a coisa funcione no sentido
desejado, algumas mulheres maduras com experiência humana e erótica têm
de manter as coisas sob controle e talvez se dispor a ser um ponto de contato
para aqueles que buscam conselhos. As sacerdotisas dos templos de antigas
culturas receberiam em uma instituição como esta uma função nova e muito
atual. Eu creio que o projeto tem de ser principalmente dirigido por mulheres,
para que se trate realmente de amor sexual e não mais uma vez de dinheiro e
poder. Porém com isto eu não quero me antecipar a ninguém. Homens
corajosos também são chamados à iniciativa e à cooperação.

Para fornecer uma impressão mais viva, de como a vida poderia ser lá e qual é
o objetivo da coisa, eu gostaria de citar alguns trechos do livro “Salvem o Sexo
– um Manifesto das Mulheres por um Novo Humanismo Sexual”. Nele é
descrito – como parte de uma ficção científica – um Projeto Eros semelhante:

“... O grande benefício do Parque do Desejo consiste em que todos, que lá se

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encontram, já por meio desta estada, revelaram que eles desejam contato
sexual ou em todo caso não desejavam excluí-lo. E assim várias vezes foi
excepcionalmente claro e fácil quando duas pessoas se encontravam. Então
uma teria perguntado provavelmente à outra: ‘Será que eu poderia ser um
parceiro para você?’ ou: ‘Eu posso te satisfazer um desejo?’ Ele ou ela saberia
então, o que se queria dizer com isto e diria ‘sim’ segundo a situação e a
simpatia: ‘Sim, com prazer’ ou: ‘Obrigada pelo interesse, mas eu estou a
procura de outra pessoa’. Então a gente seguiria adiante e indagaria a próxima
pessoa atraente, se assim o quisesse. As pessoas de São Diego, os
renascidos, foram espantosamente fáceis neste ponto. E de algum modo todos
os dias neste local foi possível sentir uma alegria antecipada, porque cada um
sabia, que receberia aquilo que desejava. Nós quase poderíamos dizer que
todos eles, de uma determinada maneira foram satisfeitos; todos estavam
certos da realização sexual e por este motivo não tinham tanta pressa. Um
único encontro não tinha a carga e o significado psíquicos como na vida
anterior. As pessoas podiam se encontrar na Taberna ou na casa de chá
chinesa, podia falar sobre Zen Budismo ou Antroposofia. A gente podia mesmo
nas conversas mais interessantes olhar para a blusa da parceira. A vibração
sexual não bloqueia mais a conversa e o pensamento. Pelo contrário. Através
da conjugação em pensamentos na alegria sexual antecipada, e através da
alegria sexual antecipada a conversa se eleva. O quanto a gente foi
antigamente sempre distraída através do desejo não saciado! Quando um
homem tem uma mulher diante de si e fala sobre Deus e o mundo, então ele
fixa com seu olhar interior apenas seus seios ou suas nádegas e tudo que
estiver sob suas roupas. A mente está em um lugar diferente das palavras.
Como era fácil agora, no mesmo momento, satisfazer e saborear igualmente
estes dois polos da vida, o intelectual e o sexual. Na verdade, estas duas
forças estavam em menor oposição uma à outra, e agora podiam se unir muito
mais... Foi interessante observar, quais os parceiros sexuais que foram
procurados e escolhidos por qual pessoa. Foi, por exemplo, interessante ver
como os homens jovens gostavam de se dirigir às mulheres mais velhas e
maduras e como estas mulheres maduras ficavam felizes em ‘transar’ com
estes homens jovens, em aceita-los dentro de si. De um momento para o outro
as diferenças de idade tiveram significado sexual positivo. Foi surpreendente e

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na verdade não surpreendente como foi fácil para estes jovens recém
chegados se sentirem bem no Instituto e com que facilidade eles utilizaram as
possibilidades existentes, com que facilidade moças de dezesseis anos
encontraram confiança e alegria em todo o estabelecimento; com que timidez e
apesar de tudo facilidade elas podiam se dirigir ao parceiro de amor desejado.
Não houve de modo algum antes ou depois, estes pensamentos
preconceituosos, dos quais a gente tinha de se proteger. Não havia neste local
quase nenhum preconceito ou punição. O sistema vivia segundo um princípio
bem simples de regeneração e compreensão instantaneamente humano. O
interessante neste contexto foi também o desenvolvimento medicinal do
Instituto San Diego. Homens e mulheres que estavam a murchar, floresceram,
os corpos sararam, eles se tornaram roliços ou retesados, segundo a
disposição. Foi a felicidade sensual e a realização sexual, que provocou um
estado de cura, que estava além de todas as possibilidades terapêuticas até
então. E isto foi basicamente natural, ninguém se espantou com isto. É claro
que uma mulher de cinquenta anos floresce mais uma vez, também uma
mulher de setenta anos, quando pode entrar outra vez em uma existência
sexual realizada. É claro que um jovem de dezessete anos também floresce,
quando pode chegar a uma mulher madura, e vivenciar sua sexualidade com
ela. Aconteceu por si mesmo um processo de cura que era familiar a todos os
envolvidos. O surpreendente foi apenas, que a gente talvez secretamente
inconsciente e intuitivamente sabia ou pressentia que isto de fato aconteceria.
O novo aqui encontrado foi simplesmente a alegria de viver.”

Ainda há pouco, Sonia uma menina de dezesseis anos, me perguntou se ela


também podia ir lá. É claro que pode. Lá não existe nenhuma proibição para
jovens. A juventude precisa de pontos de encontro, nos quais ela sem
imposições, mas com a proteção e as instruções de pessoas experientes,
possa aprender o amor sexual, antes de se amarrar demais aos papéis sociais
dos adultos. Uma escola de amor para jovens, livre, mas consciente de suas
responsabilidades! Existem muitos centros juvenis e pontos de encontros
internacionais, mas quase não existe nenhum, no qual este tema seja tratado
abertamente e adequadamente, incluindo reais possibilidades de prática.
Durante o dia eles praticam esportes, fazem reuniões de grupo e eventos a

170
respeito das questões intelectuais da época, à noite eles deitam nas camas
com o corpo quente e pensam em algo bem diferente. Aqui seria dada a uma
pessoa uma possibilidade concreta de desenvolvimento interior em uma
direção bem diferente.

Mas em um centro para o amor sexual livre não se trata apenas da juventude,
mas sim de todas as faixas etárias. O tema sexual se aguça frequentemente
em uma idade, na qual sob as condições habituais de nossa sociedade existem
poucas possibilidades de contato apropriadas. Tomemos mais uma vez as
mulheres acima de quarenta. Elas ainda são jovens, a maioria já teve pelo
menos um casamento ou diversos relacionamentos fracassados atrás de si e
agora estaria verdadeiramente livre para um novo começo. A sexualidade está
em plena forma, mas faltam as oportunidades, que a gente poderia saborear
sem arrependimento. Como poderia afinal uma sociedade no sentido humano
funcionar, quando um quarto de sua população na melhor idade, vive
obrigatoriamente sem sexualidade? Se a gente já foi tão livre para instituir o
“Baile dos corações solitários” então a gente também deve prosseguir e ainda
dar um ou dois passos e criar grandes centros, que possam ser adentrados
sem embaraços por todos, não importa se seu coração no momento está
solitário ou não, tanto faz também, se estas pessoas procuram o parceiro para
a vida ou para algumas horas prazerosas.

Nós já reconhecemos há muito tempo, que nem o casamento nem o bordel são
soluções para o problema sexual existente. Existem muitos casamentos, que
estão no fim, mas nos quais os dois parceiros não querem simplesmente se
separar, seja pela responsabilidade pelos filhos ou seja porque eles de fato
algum dia se amaram. Eles poderiam visitar este lugar e trazer ao seu coração
uma nova alegria. Através da nova abertura para o exterior se abre
frequentemente também um novo canal para o outro. Eles não precisam se
decidir aqui a favor ou contra o casamento, mas eles ganham um novo material
de experiência, que poderia novamente tornar seu conflito e sua amizade
interessantes. Muitos amantes se separam simplesmente porque não veem
mais nenhuma possibilidade. Se eles vissem uma, então não estariam nestas
imposições exaustivas de decisão, eles poderiam ativamente se conceder mais
tempo.

171
Não é necessário explicar adicionalmente, que a construção destas instalações
para a libertação do amor vem de encontro aos desejos secretos de
incontáveis homens e mulheres. Seria um verdadeiro projeto do século.
Quando se tornar conhecido, que a coisa é verdadeira e que não é nenhum
empreendimento comercial de fachada, a gente deveria se preparar para uma
pequena migração popular. Em uma ilha do sul ou em algum outro lugar
selecionado uma Meca do amor, a realização de um sonho muito antigo, mas
com a vontade definitiva, de solucionar o tema do amor sexual e da
necessidade sexual em nossa época de uma forma interessante e humana.
Projetos para um novo humanismo sexual, projetos pilotos pioneiros para um
futuro mais bonito.

172
Sexpeace e Greenpeace – paz entre sexos e paz com a
natureza

A catástrofe ecológica e a catástrofe sexual fazem parte uma da outra. A


destruição das energias vitais no interior do organismo humano e a destruição
das energias vitais na biosfera são dois lados do mesmo problema total.
Sexpeace e Greenpace – a cura da natureza sexual no interior do ser humano
e a cura da natureza ecológica da biosfera – são por este motivo os dois
aspectos centrais da tarefa global de cura, diante da qual nos encontramos
hoje. Esta com toda brevidade é a essência, que agora deve ser iluminada
mais claramente.

A Terra não é um motor de automóvel, que funcionará bem, se a gente põe


dentro dele o óleo e a gasolina corretos. Ela também não adoecerá porque as
pessoas lhe alimentam com todos os possíveis venenos em forma de esgotos
industriais, chuva ácida ou dióxido de carbono. Sua doença vai além de seus
transtornos funcionais mecânicos, porque seu lado interno, sua “alma” é
atacada. A biosfera é um organismo diversificado, mas ao mesmo tempo
unitário, no qual o corpo e a alma atuam juntos da mesma forma que no
organismo do ser individual. No estado atual de conhecimento e em uma
sinopse conscienciosa de todas as percepções não pode existir mais nenhuma
dúvida na visão global de nosso planeta e na existência de um lado espiritual
interior em todos os processos de vida. A pergunta, se outros seres viventes
têm uma alma, nós devemos remeter ao período Neandertal; e a descoberta de
uma relação homogênea de todas as coisas viventes pertence aos atuais
processos básicos da ciência esclarecida e da religião. A ecologia atual é
mecanicamente muitas vezes ainda muito orientada na velha imagem do
mundo. Ela ignora frequentemente o aspecto espiritual do mundo e por isto
chega a conclusões errôneas ou insuficientes. Uma ecologia sanadora é a cura
dos processos mentais e biológicos (esta separação no idioma já é errada) no
organismo total da biosfera.

A vida em nosso organismo individual e a vida na biosfera que nos cerca são
construídas por uma energia homogênea: a energia vital universal. No decorrer

173
de sua história de descoberta ela teve muitos nomes, Chi, Mana, Prana, Orgon,
etc., e ela foi descrita sob diversos aspectos, no entanto em sua maioria (com
exceção de Wilhelm Reich) não sob o aspecto sexual. Mas a energia sexual é
um aspecto principal da energia vital universal no interior do organismo. A
energia vital aparece em diferentes estados de reunião da estabilização ou do
refinamento. Ela tem efeito sobre nossos processos sexuais assim como sobre
os processos emocionais e intelectuais e decide sobre a saúde ou a doença de
nosso organismo. Ela atua sobre os processos exteriores do crescimento, da
formação, dos processos circulatórios gerais e da formação do clima. Ela dá
forma à atmosfera psicológica assim como à atmosfera meteorológica.
Mudanças climáticas espontâneas em acontecimentos psíquicos fortes tocam
nesta relação. Toda a biosfera possui um sistema energético homogêneo, um
sistema informacional homogêneo no código genético e um sistema material
homogêneo nos elementos químicos e suas propriedades. Além disso, ela
possui aparentemente uma capacidade monstruosa de preservação e – em
consequência de sua força própria de autoreparação – uma forte força
inesgotável de regeneração. Se não fosse assim, não haveria mais nenhuma
semente, nenhum canto e nenhum sorriso depois de tudo que lhe fizemos
durante milhares de anos. Mas a destruição no exterior, a devastação dos
grandes biótopos e espaços de vida naturais, a extinção de grandes
populações e espécies, a poluição atmosférica e o envenenamento dos lençóis
freáticos, a criação de animais para a pelaria e o abatimento dos animais de
corte, a pesca da baleia e a morte das focas etc., e a destruição no interior, as
crises de sentido e o medo de viver, a perda da capacidade de viver e as
doenças psicossomáticas de todas as espécies resultam juntas em uma
sobrecarga do organismo global, que ele não pode mais suportar por muito
tempo. A crise do meio ambiente e a crise interior são dois lados de um
problema conjunto e somente podem ser compreendidas e talvez ainda
solucionadas em uma visão holística.

A violência mundial contra crianças, populações e animais exige um novo


conceito da civilização humana. No âmago deste conceito estão as questões
fundamentais elementares do ser humano sobre a sexualidade, o amor, a
parceria, a comunidade e a segurança, sobre o sentido e sobre o lar. Se uma

174
sociedade futura terá de continuar a permanecer desumana ou se ela pode se
tornar humana, se as crianças desta sociedade crescerão felizes ou infelizes,
continuará a depender de como o ser humano trabalha e soluciona suas
questões interiores. Por este motivo estas questões internas são o tema
principal da humanidade atual – e no interior destas questões está hoje o tema
número um. Em nossas zonas culturais adoecem e morrem atualmente muito
mais pessoas por sexualidade e por amor não resolvidos, do que por todas as
outras doenças da civilização juntas. A espécie humana arruinou o mundo, mas
ela arruinou a si mesma principalmente através de todos os processos
constantes contra a própria energia sexual e espiritual. Todos os sorrisos
Blendax não podem mais encobrir este fato.

“Subjuguem a Terra!” Esta frase bíblica moldou até hoje como quase nenhuma
outra a imagem da Terra. O ser humano empreendeu de fato a tentativa
gigantesca de subjugar a Terra, ao se voltar contra ela e a natureza com os
recursos de uma inteligência mecânica e uma técnica brutal dirigida à quebra
de resistências (em vez de ressonância). Assim surgiram métodos de
exploração, de opressão, de dominação violenta, que ele instituiu não apenas
contra seus semelhantes, mas contra a criação e todos os seres, porém não no
sentido da jardinagem, cuidado e controle positivo e sim no sentido da
destruição. Foram técnicas para a quebra de resistência, ou seja, técnicas de
dominação e não técnicas de cooperação com as energias e forças vitais da
criação. Este pensamento que foi dirigido à quebra de resistências, foi utilizado
na educação de crianças, na formação dos jovens, na criação de animais, na
derrubada de florestas, no nivelamento de rios e em todos os métodos de
guerra e de genocídio. Através deste pensamento o ser humano caiu em um
relacionamento de violência estrutural consigo mesmo e com o mundo. Ele
ignorou as leis da biosfera com suas circulações ecológicas, com suas
sutilezas esféricas, suas emanações espirituais suas milhares de formas de
vida – e ele colocou em seu lugar o poder da violência. Ele criou sistemas
científicos, morais e religiosos que estão em contradição com o modo funcional
dos viventes, com o modo funcional da energia universal e com o modo
funcional de Eros. Quando uma criança abandonada tem de encontrar novos
desvios para o amor e a atenção e por isto recebe punições morais ou físicas,

175
surge uma violência estrutural. Quando sua curiosidade e seu impulso de
brincar são reprimidos por um pensamento unidimensional e racional dos
adultos, se desenvolve violência estrutural. Quando a sexualidade e o amor
são compelidos aos parágrafos muito limitados, aos relacionamentos
monógamos muito fechados e às relações de fidelidade, emerge violência
estrutural. Quando a experiência religiosa fundamental de uma pessoa é
aprisionada em dogmas da igreja, ocorre violência estrutural.

Todos os dogmas e todas as estruturas muito rígidas são represas contra a


vida. Todas as tentativas de nivelar a vida ou de obrigá-la a fluir em canais
muito estreitos criam um reservatório latente de destruição e violência. Quando
as funções naturais dos entes vivos, funções como a pulsação, a oscilação, a
corrente, o ritmo, a abertura e o fechamento etc., são impedidas por violência
moral ou técnica, aparecem transtornos e doenças. Isto se aplica tanto à
natureza exterior como à natureza interior do homem; se aplica ao rio na
paisagem e se aplica ao amor. Quem aprisiona o rio sinuoso em um leito reto
de concreto, toma dele suas forças naturais de cura. Quem aprisiona Eros em
um leito reto da igreja ou da moral sexual, também toma dele suas forças
naturais de cura. A cura começa onde as ações dos seres humanos estão de
acordo com o modo funcional dos seres vivos. O biomorfismo é uma palavra-
chave para este pensamento. Vigora dentro como fora. Sexpeace e
Greenpeace, paz entre os sexos e paz com a natureza – nesta moldura se
move o trabalho de cura para uma Terra livre da violência.

Não existe nenhuma diferença estrutural entre a utilização da violência diante


dos animais e a violência contra pessoas. Os animais são seres como nós. A
curiosidade, o atrevimento, a alegria vital de um gato é em outro nível de
desenvolvimento a mesma que a de uma criança. O que os pássaros gorjeiam
ou cantam é uma expressão inspirada de sua ligação com o mundo. O grito de
dor de um animal é a partir de sua qualidade o mesmo que o grito de dor de
uma pessoa. O mundo é uma associação comunitária de seres viventes
sensíveis, que se comunicam de determinada maneira uns com os outros e
com o mundo. Aquilo que pia e salta e se alonga é um ser vivente como nós,
apenas em outro degrau, originado de uma criação inspirada, equipado com
curiosidade, com a vontade e com a capacidade da alegria. As linhas de

176
energia espirituais e intelectuais do mundo não são limitadas às pessoas. Elas
têm efeito rudimentar sobre todas as criaturas. Existem em todas as criaturas
qualidades básicas elementares, que nós podemos denominar de amor ou de
violência. Qual das duas será dominante na vida real depende das
circunstâncias de vida, sob as quais os indivíduos e seus grupos têm de
construir sua existência. Se construirmos relacionamentos de produção da
violência, criaremos violência. Se construirmos relacionamentos de produção
da confiança, então geraremos confiança. O código genético, a informação
fundamental de todos os viventes, permite ambas. Reconhecer este fato e
utilizá-lo em uma direção livre da violência, só pode ser uma tarefa do ser
humano, porque o Homem é o olho da criação e o órgão refletor da vida, com o
qual ele pode ver a si mesmo. O ser humano pode hoje reconhecer estes
contextos, dos quais ele vem e que ele sempre reproduz de um modo ou de
outro. O ser humano é a fonte da violência política, ecológica e sexual. E por
isto ele é também a fonte de sua superação.

A superação da violência estrutural é a integração da lógica da criação com a


lógica humana, da lógica orgânica com a lógica da sociedade, dos requisitos
biológicos e culturais. A superação da violência estrutural e sua substituição
pelo amor estrutural exige a transformação positiva de nosso mundo libidinal. A
divisão do mundo sexual em uma parte permitida e outra não permitida, em
sexo de parceria e sexo de bordel, em fantasias, que são mostradas e outras
que têm de ser ocultadas, esta ambiguidade contínua na estrutura de nossa
sociedade é uma razão intrínseca da desconfiança e da violência estrutural. A
superação desta estrutura fundamental traumática somente será bem
sucedida, quando o ser humano perceber sem preconceito sua verdadeira
força libidinal, eleve-a até ele e a integre em sua vida consciente. Apenas
através da percepção, da aceitação e da integração se origina aquela
libertação controlada e a humanização da libido, que nos capacita, sem ódio e
preconceitos a refletir e a formar de uma nova maneira toda a área da
sexualidade. Somente quando em nosso pensamento e ação sexual não existir
mais nenhum explosivo, poderemos começar a confiar uns nos outros. A
confiança é a força contrária da destruição. As forças autocuradoras autênticas
da raça humana e da natureza são o amor e a confiança. Um organismo que

177
for tocado por estas forças se cura sozinho. Uma biosfera que fosse
preenchida por estas forças também passaria por um processo curador
semelhante. A criação de sistemas de vida livres do medo, nos quais as forças
da confiança e da cura pudessem crescer é um projeto de pesquisa e tarefa
futura de importância planetária.

A transformação da totalidade da cultura humana do princípio da violência


estrutural para o princípio da falta de violência estrutural é um processo muito
complexo, que inclui todas as áreas da vida. Apenas neste complexo contexto
total é que as questões individuais como alimentação, reciclagem, extração de
energia, arquitetura, materiais de construção etc., receberão seu novo
significado. Também a questão do amor livre não pode ser facilmente
entendida e trabalhada fora deste contexto total. Porque o amor livre vem de
um fundamento espiritual, que somente pode existir em estruturas livres da
violência. O amor livre está associado à confiança e à verdade, sem estas ele
não tem o menor sentido. Porém a confiança e a verdade já não fazem parte
há muito tempo das qualidades fundamentais da sociedade existente, eles
precisam ser criados outra vez em novos espaços sociais. Para a realização da
paz entre os sexos e a paz na natureza precisamos de biótopos de cura, nos
quais o beco sem saída sexual precisa ser superado da mesma forma que o
beco sem saída ecológico. Eles serão – como modelos piloto de uma cultura
total livre da violência – o núcleo de cristalização para o desenvolvimento de
novos campos espirituais.

Uma vez durante uma ação de panfletagem junto com um grupo de artistas nós
criamos a frase: “Na busca pelo contato sexual são queimados diariamente
tantos litros de gasolina, que a libertação da sexualidade já deveria ser exigida
por razões ecológicas.” A ideia que é expressa aqui, se deixa livremente
expandir até nossa relação contemporânea de consumo e à indústria de
produtos de consumo. Elas servem à substituição da felicidade perdida e da
vida não vivida na área do amor. Imaginemos o contexto de forma positiva,
imaginemos, que as pessoas possam conviver sem medo, mentira e
desconfiança; elas não teriam nenhuma velha proibição, que as impedisse no
amor; elas teriam uma vida reconhecida, sensual e criativa; elas teriam
principalmente realização sexual, cada uma em seu nível, sem ter de esconder

178
a metade de seus desejos; elas teriam inteligência suficiente e possibilidades
técnicas para a aventura da pesquisa e desenvolvimento em todas as áreas do
universo e da Terra; elas fariam uma descoberta depois da outra para as
questões de energia, alimentação, reciclagem etc. – em resumo, elas teriam
interior e exteriormente uma vida realizada e não seriam mais dependentes de
nenhum substituto de experiência, de nenhum substituto de vida:

Quanta produção de bens de consumo, quanta devastação industrial, quanto


gasto de energia, água e matéria prima poderiam ser poupados a nossa Terra!
A quanta destruição do meio ambiente se poderia renunciar, se o mundo
estivesse em ordem! Uma vida comunitária com sexualidade realizada e
trabalho pioneiro criativo substituiria toda uma indústria farmacêutica. Depois
da dissolução das forças internas destruidoras os restos da indústria de
armamentos seriam expostos ao tempo como ruinas enferrujadas sob o céu do
amanhecer.

As relações são claras. Os esforços ecológicos que acontecem atualmente


para evitar uma catástrofe ecológica têm de ser associados com esforços ainda
mais fortes para a solução da questão humana. Os conceitos ecológicos
precisam estar unidos a novos conceitos para o amor e a comunidade. De
outra forma não haverá em lugar algum nenhuma perspectiva convincente.
Hoje já não se trata mais da questão de se a gente pode fazer; se trata do fato
de que a gente tem de fazer.

Para finalizar ainda algumas palavras sobre as coisas simples, que nós
pensamos: Um jovem, que acabou de amar uma jovem, poderia torturar um
coelho? Um funcionário do Ministério para a Segurança do Estado (Stasi), que
encontrou a confiança no amor, continuaria a ser um funcionário do Stasi?
Erich Honecker teria podido dar sua ordem de atirar, se seu corpo estivesse
preenchido de amor? Poderia uma mulher, que através da experiência do amor
sensual tivesse entendido a criatura sofredora, usar um casaco de pele? Um
casal de amantes que acabou de transar na praia poderia sujá-la com lixo?

Eles não poderiam, porque eles estão em um ponto da experiência no qual


outras leis são válidas. A gente não pode destruir nenhuma vida, quando a
gente acabou de recebê-la. A partir de um determinado degrau da consciência

179
o amor e a destruição se excluem irreversivelmente. O amor sexual liberado é,
quando é bem aceito, o amor a todas as criaturas. Que a mesma dedicação,
que hoje é empregada na luta pela paz da natureza, esteja preparada com uma
paixão redobrada para a realização da paz entre os sexos.

180
Um Lar para as Crianças

No lugar onde as crianças crescem felizes, também existe um lar para os


adultos.

Mas, o que quer dizer felicidade das crianças? O que é uma criança? Quais
são os seus talentos, que nós temos de ver e apoiar, para que elas se tornem
pessoas livres e realizadas?

Talvez nós devamos esquecer tudo aquilo que adquirimos em conceitos


pedagógicos e outros tantos, e olhar atentamente mais uma vez. A questão do
crescimento das crianças não é em primeiro lugar uma questão pedagógica,
mas sim uma questão da percepção. As crianças não precisam inicialmente de
ser educadas, mas sim de serem compreendidas. Somente quando nós as
virmos e entendemos, também poderemos guia-las e apoiá-las. Para isto não
existe nem um princípio autoritário nem antiautoritário, mas o principio mais
simples de todos: O principio da participação e da percepção. As crianças
encontram seu lar por si mesmas, no local onde são compreendidas e por isto
amadas. Este, no entanto, é um aspecto muito forte em nosso mundo de
correria e de cegueira perceptiva.

Nós já percebemos alguma vez a enorme atenção com a qual as crianças já


após poucas semanas depois do nascimento observam o mundo? Nós já nos
deixamos tocar e sacudir pela atenção de seus olhos grandes? Nós já sentimos
a presença absoluta deste intelecto, que olha para o mundo? Aqui a gente não
deve aplicar nossos padrões adultos, porque esta vigilância instantânea do
espírito, esta identidade absoluta de uma vida perceptiva nós já perdemos na
neblina do cotidiano há muito tempo. Aqui se situa a primeira qualidade das
crianças, que nós temos de cuidar e proteger: Sua força mental para a
percepção, para a admiração, para a curiosidade e para a cognição. A criança
é deste o início um ser cognitivo, e onde este processo de discernimento é
percebido e apoiado pelos adultos, ela tem seu primeiro lar mental. Dele
depende a continuidade de seu desenvolvimento intelectual.

Não é de modo algum natural, que os pais sob as condições da sociedade

181
atual amem seus filhos. Entre os afazeres cotidianos dos adultos e a criança,
que entre as pernas dos adultos descobre seu mundo, quase não existe uma
união espiritual e percepção. Mas é exatamente esta percepção que além de
todos os estados emocionais gera um amor muito mais profundo e segurança
para a criança. Amar uma criança significa reconhecê-la. Isto se aplica a todo
amor verdadeiro por uma pessoa. No lugar em que a criança é amada neste
sentido, ela tem seu lar, mesmo que alguma vez as coisas andem um pouco
ásperas. Ela não exige então outras provas de amor, porque ela vive sem o
medo da separação. Esta talvez seja a base de todo lar verdadeiro: que a
gente no íntimo não tenha mais de temer nenhuma separação. Amor sem
medo da separação.

Criem lares para as crianças. Criem estruturas de amor e de participação, onde


as crianças possam confiar de novo em seus pais. Onde existe confiança,
existe um lar para todas as criaturas. Nós mesmos, nós adultos, gostaríamos
de aprender, de descobrir o mundo mais uma vez novo e original, como as
crianças o descobrem. Uma criança aprende sua língua materna, sem decorar
uma única palavra. Há muito para nós adultos aprendermos, quando tivermos
reencontrado o tempo, a paz e a alegria de viver! Onde criamos um lar para as
crianças, criamos um lar para nós mesmos.

182
Eros Liberto

Imagina que você acorde uma manhã e perceba, que não existe em você mais
nenhum medo e nenhum ódio. Você se recorda das costumeiras preocupações
dos últimos anos, mas você não as tem mais. O passado está em você como
um tesouro de experiência e conhecimento, porém não mais como emoção e
como algum tipo de fonte de dor. Você se lembra de seus amigos e
relacionamentos, de experiências felizes e infelizes, mas você não precisa mais
se defender por nada, porque nada mais te ameaça. Você vê seus antigos
amigos e antigas amigas da mesma forma que antes, quando você os amou, e
você percebe, que na verdade ainda os ama. Você se alegraria em vê-los de
novo, porque toda implicação de medo, de culpa, e de autojustificativa e de luta
não existem mais em você. Você se recorda exatamente e sabe o que
aconteceu, mas em teu espírito e em teu corpo não existe mais medo e
também nenhum ódio, porque este somente surgiu por causa do medo. Você
vê claramente todas estas relações, mas você não fica ruminando sobre isto,
porque agora não existe nada mais para explicar, para solucionar ou para
problematizar. O sol nascente te encontra sobre a neblina de teus problemas.
Você agora está preenchido por este mundo luminoso, que se manteve até
hoje imperturbável. Um sentimento inominável de gratidão e de amor te
preenche tanto, que até mesmo o cigarro, que você teria acendido como de
costume, lhe parece estranho; de algum modo você conhece este estado de
saúde perfeita; é maravilhoso que ele agora – depois de anos e séculos de luta
– esteja de volta.

Estes são momentos em nossa vida, nos quais a visão de outra possibilidade
de existência se ilumina em nós e não podemos tão facilmente voltar à ordem
diária. O vivenciado é realidade. Existe uma vida sem medo; ao lado de toda
fragmentação existe um mundo saudável, existe o estado de graça do amor. O
universo de todas as coisas é estabelecido de tal modo, que nos oferece esta
possibilidade. Todos os que vivenciaram este estado, podem provar isto. Existe
uma percepção nas quais as coisas se aproximam de nós como um presente.
Eu desço até a cafeteria e peço um café. Em geral eu não teria reparado na

183
garçonete, mas agora eu a percebo. É uma alegria nos cumprimentarmos; é
uma felicidade estar sentado neste local. Aqui são construídos por acaso e sem
esforço os mais simples contatos humanos. Não é difícil imaginar como um
contato poderia continuar no tumulto do dia-a-dia. Onde não existe mais medo,
também não há nenhum desejo devastador e nenhuma necessidade à moda
antiga e nenhuma compulsão à reação. A gente irradia alguma coisa, que
protege e nesta proteção a gente age com uma leveza que supera todas as
barreiras. Mesmo diante dos mais atraentes representantes do outro sexo.
Quando não existe mais nenhum medo e mais nenhuma barreira, então surge
o puro contentamento. O quanto nós tivemos de problematizar quando se
tratava de iniciar contatos eróticos! Agora ele acontece por si mesmo, sem
nenhuma intenção excepcional. Um ditado oriental diz: As dificuldades são
vencidas pela leveza. Quando esta leveza existe, as dificuldades desaparecem.
Então o mundo se revela em todas as suas possibilidades verdadeiras. A
dificuldade tem a ver com peso e nós somos pesados, quando sentimos uma
energia correspondente. Mas agora, quando esta energia já não se encontra
mais em nós, nos colocamos sólidos e seguros fora desse mundo de
projeções. A gente também não tem nenhuma razão para a raiva, porque em
um estado amoroso a gente não julga ninguém, a gente não precisa de
nenhum impulso de raiva, porque a gente tem a liberdade de agir sem medo.
Se eu agora vir uma mulher que me agrada, então eu pensarei na coisa certa.
E se ela, por medida de segurança, me ignorar, eu posso aceitar sua reação
sem abatimento pessoal. Eu não preciso encontrar nenhuma desculpa e
nenhuma justificativa. Eu gostaria de lhe dizer, que ela me agrada
sexualmente, isto é tudo. Eu sei exatamente, que ela preferiria ouvir nada a
isto. Mas eu posso continuar a viver saudavelmente, se ela apesar de tudo
disser não. Talvez dê certo mais tarde. Eu não preciso mais reagir
emocionalmente a um não, porque eu vejo por trás disto sua temática
individual, seu desejo oculto e sua expectativa. Ela é como eu, apenas de
maneira inversa. Ela precisa assim como eu da situação de leveza, para aceitar
minha oferta de contato com alegria. Eu colho uma margarida e a coloco em
seu decote.

Você já caminhou à noite em um porto e encontrou lá uma mulher que estava

184
tão sozinha quanto você? Não é estranho passar um pelo outro sem dizer
palavra? A gente não tem depois disso uma sensação ruim, quase uma
consciência pesada? Em um mundo livre a gente não teria simplesmente se
colocado a seu lado, para junto com ela olhar o mar? E se a gente então, nesta
grandeza dos elementos tivesse naturalmente seguido Eros e se ela não
tivesse nenhum homem zangado que esperasse por ela no próximo bar, a
gente depois deveria se arrepender de um contato assim? O mundo todo não
seria um caso de amor, se a gente não o amarrasse em nossas regras
amedrontadas? Muitos homens e mulheres não poderiam olhar o mundo com
olhos felizes, se contatos deste tipo fossem naturais e claros? Em que pensa a
mulher que se deita com suas formas opulentas em sua espreguiçadeira? Eu
posso convidá-la ou eu posso lhe satisfazer um desejo? Eros liberto vive de
ações deste tipo, também de pequenos gestos. A gente precisa realmente
apenas pagar para a caixa do supermercado? Eu tenho de continuar a ocultar,
que eu percebo seu pescoço e seus seios? É claro que não se trata
imediatamente de ir para a cama, mas se trata do distanciamento das trancas
interiores, que impedem o verdadeiro contato humano e sensual. Em todo
canto, em todo lugar. Nós nos acostumamos tanto à dissimulação que a gente
quase não percebe isto. Nós construímos uma aparência, que nos impede de
viver e de amar. Nós vivemos em um verdadeiro mundo de aparências.

A libertação de Eros é a revelação natural do interesse sexual. Quanto mais


naturalmente ela acontece, mais idênticos nos tornamos a nós mesmos. E
quanto mais idênticos nos tornamos a nós mesmos, menos medo instilaremos
no outro.

Eu gostaria de concluir com as ideias do capítulo sobre Eros e religião. A gente


emergiu da neblina de problemas e medo, nós olhamos para um mundo novo.
Nós olhamos dentro dos novos espaços, dos quais nenhuma ameaça se
aproxima de nós. É uma grata surpresa, rever este mundo. Nós reconhecemos
com grata admiração a naturalidade das relações. Pessoas amorosas, que
superaram o medo, não têm mais nenhuma cerca e nenhuma máscara. Como
elas se aproximam amigavelmente do outro! O mundo, que está livre dos
muros, é um caso de amor. Não existe mais a menor dúvida na realidade desta
percepção. É como o despertar depois de um longo pesadelo. E mais uma vez

185
nos admiramos com a redução da vida, que nós sentíamos como “normalidade”
nas velhas estruturas de fechamento e ciúme. Esta espécie de revelação é
como um milagre, e o mais crível deste milagre é que nós já o conhecíamos em
nosso intimo. Despertos em uma maior possibilidade de existência nós vemos
as ideias e as imagens, que nos são tão familiares como nós mesmos.

Não existe anseio maior e nenhum amor maior do que entre os sexos. E os
sexos, homens e mulheres, se encontram em todo lugar. Mas eles são
compelidos no mundo do Eros aprisionado a se comportar como se não fosse
nada. Na realidade isto é tudo. Sempre e em todo lugar este é o tema absoluto.
Ele não começa quando nós encontramos um homem ou uma mulher para a
vida, e também não acaba nunca com este fato. O tema da atração sexual é o
tema do ser humano, enquanto ele estiver dividido em homens e mulheres, e
assim continuará. Nós temos de nos harmonizar em nome do amor com o fato
elementar de que somos seres sexuais. Em nome do amor, nós temos a tarefa
de libertar a sexualidade de todo o lixo e de toda a maldade para que ele possa
realizar aquilo que é sua intenção: A alegria dos sexos um com o outro e o
renascimento do amor em nosso planeta. Em nome do calor humano para tudo
que tenha pele e pelo e em nome de todas as crianças.

186
Bibliografia

Richard Bach: Die Möwe Jonathan (Ullstein)

Georges Bataille: Der heilige Eros (Ullstein)

Renate Daimler: Verschwiegene Lust. Frauen über 60 erzählen von Liebe und
Sexualität.(Kiepenheuer & Witsch)

Karlheins Deschner: Das Kreuz mit der Kirche (Heyne TB)

Leila Dregger: Ich bin noch nicht in Frieden (Editora Meiga)

Dieter Duhm: Die Heilige Matrix (Editora Meiga)

Dieter Duhm: Zukunft ohne Krieg (Editora Meiga)

Heide;Marie Emmermann: Credo na Gott und sein Fleisch (Hoffman e Campe)

Sina-Aline Geiβler: Die Lust zur Unterwerfung (Moewig)

Madjana Geusen: Der Heilige Gral des Manenes ist die Frau (Editora Meiga)

J. W. v. Goethe: Die Leiden des jungen Werther (Reclam)

Eugen Herrigel: Zen und die Kunst des Bogenschieβen (Barth)

Theodor Schwenk: Das sensible Chaos (Editora Freies Geistesleben)

Erica Jong: Angst vorm Fliegen (Fischer TB)

Sabine Kleinhammes (edit.): Rettet den Sex. Ein Manifest von Frauen für einen

neuen sexuellen Humanismus (Editora Meiga)

Sabine Lichtenfels: Tempel der Liebe (Editora Meiga)

Sabine Lichtenfels: Weiche Macht (Editora Meiga)

Sabine Lichtenfels: GRACE. Pilgerschaft für eine Zukunft ohne Krieg (Editora

Meiga)

187
Beate Möller (edit.): Die Heilige und die Hure (Editora Meiga)

Wilhelm Reich: Die Entdeckung des Orgons (Fischer TB)

Livro 1 : Zur Funktion des Orgamus; Livro 2 : Der Krebs

Fritz Zorn: Mars (Fischer TB)

188

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